Sofrimentos NarcÃsicos - Instituto de Psicologia da UFRJ
Sofrimentos NarcÃsicos - Instituto de Psicologia da UFRJ
Sofrimentos NarcÃsicos - Instituto de Psicologia da UFRJ
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
46<br />
Helena Floresta <strong>de</strong> Miran<strong>da</strong><br />
Confusão <strong>da</strong>s línguas: eficiência e <strong>de</strong>ficiências <strong>da</strong> tradução 47<br />
<strong>de</strong>nado por algo que não fez, mas guar<strong>da</strong>rá a certeza íntima <strong>de</strong><br />
sua inocência contra todos que o injustiçaram. Po<strong>de</strong>rá se revoltar<br />
com a dúvi<strong>da</strong> e com o <strong>de</strong>scrédito. Ficará confortado com a confiança<br />
dos que acreditam nele. Mas não vai per<strong>de</strong>r sua certeza.<br />
E com a criança, como será essa trama se o sujeito for uma<br />
criança? Alguém que não está ain<strong>da</strong> inteiramente constituído<br />
como sujeito, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do olhar do outro para ganhar<br />
forma? Tenho impressão que as crianças têm com o jogo <strong>da</strong><br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> mentira uma relação bem diferente <strong>da</strong> dos adultos.<br />
Há ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> foro íntimo que se traduzem em mentiras<br />
socialmente aceitas mas que nem por isso enganam quem as<br />
profere. As crianças fantasiam, inventam, imaginam, mas atêm-<br />
-se aos fatos com fervor às vezes embaraçoso. E suportam mal<br />
a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a mãe possa mentir. Talvez, com a fantasia mais<br />
livre, a âncora que irá construir a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir fato<br />
<strong>de</strong> ficção seja <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo balizamento materno. Quando Ferenczi<br />
fala do abalo psíquico que a criança sofre quando vai contar<br />
à mãe a violência sexual, está dizendo que a mãe não lhe dá<br />
crédito e que mais grave do que o abuso sofrido é o fato <strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>sacredita<strong>da</strong> pela mãe. Diferentemente do adulto, ela precisa<br />
que a mãe acredite nela para po<strong>de</strong>r inscrever e processar o<br />
fato, <strong>da</strong>ndo-lhe o estatuto <strong>de</strong> algo que ocorreu e sobre o que<br />
ela venha a ter a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> falar, <strong>de</strong> guar<strong>da</strong>r segredo ou<br />
<strong>de</strong> omitir, mas sempre com a certeza interna do que ocorreu.<br />
Sendo <strong>de</strong>sacredita<strong>da</strong> pela mãe, é como se visse a âncora solta.<br />
O horror in<strong>de</strong>scritível do coma psíquico <strong>de</strong>ve ser algo como o<br />
terror provocado pelos terremotos. É o próprio chão que falta.<br />
O <strong>de</strong>scrédito <strong>da</strong> mãe <strong>de</strong>ixa a criança sem chão firme para<br />
tornar-se capaz <strong>de</strong> distinguir entre a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou falsi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
dos fatos. Não sendo objeto <strong>de</strong> crédito para a mãe, o fato ficará<br />
como algo inqualificável para a criança.<br />
O <strong>de</strong>scrédito do qual a criança é alvo traz questões teóricas<br />
fun<strong>da</strong>mentais. A primeira diz respeito à clivagem, a segun<strong>da</strong><br />
refere-se às i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> superego e instâncias i<strong>de</strong>ais e a terceira,<br />
ao estatuto do objeto nas patologias que estão compreendi<strong>da</strong>s<br />
na metapsicologia <strong>da</strong> melancolia.<br />
Essas questões merecem um exame mais cui<strong>da</strong>doso se<br />
quisermos chegar a uma melhor compreensão teórica e clínica<br />
<strong>da</strong> melancolia e sua etiologia.<br />
Referências bibliográficas<br />
Chemama, R. (1995). Dicionário <strong>de</strong> psicanálise Larousse. Porto Alegre:<br />
Artes Médicas.<br />
Ferenczi, S. (1931/1955). Child analysis in the analysis of adults. In:<br />
Final contributions to psycho-analysis (pp. 126-142). London: The<br />
Hogarth Press and the Institute of Psychoanalysis.<br />
Ferenczi S. (1931/1972). Kin<strong>de</strong>ranalysen mit Erwachsenen (pp. 274-<br />
289). Schriften zur Psychoanalyse, Band II, Fisher Wissenschaft,<br />
Frankfurt.<br />
Ferenczi S. (1931/1982). Analyses d’enfants avec <strong>de</strong>s adultes. Psychanalyse<br />
IV (pp. 98-112). Paris: Payot.<br />
Ferenczi, S. (1931/1988). Análises <strong>de</strong> crianças com adultos. Escritos<br />
psicanalíticos (pp. 333-346). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria Taurus Editora.<br />
Ferenczi, S. (1931/1993). Análises <strong>de</strong> crianças com adultos. Psicanálise<br />
IV (pp. 69-84). São Paulo: Martins Fontes.<br />
Ferenczi, S. (1933/1955). Confusion of tongues between adults and<br />
the child. In: Final contributions to psycho-analysis (pp. 156-167).<br />
London: The Hogarth Press and the Institute of Psychoanalysis.<br />
Ferenczi S. (1933/1982). Confusion <strong>de</strong> langue entre les adultes et<br />
l’enfant. Psychanalyse IV. Paris: Payot.