Sofrimentos NarcÃsicos - Instituto de Psicologia da UFRJ
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50<br />
Julio Verztman & Teresa Pinheiro<br />
Corpo, tempo e transferência numa pesquisa clínica 51<br />
Os sujeitos para os quais será dirigido nosso olhar neste<br />
momento têm menor compromisso que nós com a assimetria<br />
<strong>da</strong> função paterna, com os caminhos do <strong>de</strong>sejo na trama<br />
edípica, com as formas habituais <strong>de</strong> expressão <strong>da</strong>s formações<br />
do inconsciente ou com a fantasia histérica. Eles têm menor<br />
apreço ain<strong>da</strong> pelo conjunto <strong>de</strong> técnicas que fazem recair sobre<br />
o analista o papel <strong>de</strong> objeto <strong>de</strong> repetição dos investimentos<br />
passados, com a consequente posição <strong>de</strong> neutrali<strong>da</strong><strong>de</strong> e produção<br />
<strong>de</strong> frustração que <strong>da</strong>í advém.<br />
Trazemos alguns achados retirados <strong>de</strong> uma pesquisa clínica<br />
cujo material foi o atendimento psicanalítico a sujeitos melancólicos<br />
e pacientes portadores <strong>de</strong> lúpus eritematoso sistêmico<br />
(LES). A escolha pela melancolia é óbvia, já que essa forma<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação escapa ao trinômio neurose/psicose/perversão<br />
(Lambotte, 1997). Mesmo Freud (1924/1996) já percebia nessa<br />
afecção uma especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> no terreno <strong>da</strong> psicopatologia,<br />
passando a classificá-la como neurose narcísica. Sustentamos<br />
a hipótese <strong>de</strong> que a melancolia seja uma posição subjetiva que<br />
faz parte <strong>de</strong> um escopo mais amplo <strong>de</strong> organizações psíquicas,<br />
<strong>de</strong>nomina<strong>da</strong>s <strong>de</strong> patologias narcísicas. Ao utilizar essa <strong>de</strong>nominação,<br />
ressaltamos o fato <strong>de</strong> que a principal fonte <strong>de</strong> mal-<br />
-estar <strong>de</strong>sses sujeitos diz respeito à constituição narcísica, ao<br />
terreno <strong>da</strong> construção <strong>de</strong> si.<br />
Nossa pesquisa visa a comparação do percurso <strong>de</strong>sses sujeitos<br />
melancólicos com uma gama <strong>de</strong> sujeitos heterogêneos,<br />
cujo único aspecto comum era ser portador <strong>de</strong> LES. Escolhemos<br />
pacientes com esta patologia autoimune porque <strong>da</strong>dos<br />
<strong>de</strong> nossa própria clínica e <strong>da</strong> experiência <strong>de</strong> colegas que trabalham<br />
em hospital geral indicavam uma proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos<br />
portadores <strong>de</strong> LES com as características narcísicas que estávamos<br />
buscando. O LES seria, portanto, apenas um campo <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ríamos filtrar acontecimentos clínicos enriquecedores<br />
do nosso olhar. É preciso salientar que não alimentamos<br />
qualquer ambição no sentido <strong>de</strong> fornecer explicações psicológicas<br />
para esta doença autoimune e não nos movimentamos<br />
no terreno <strong>da</strong> psicossomática. O objetivo principal <strong>da</strong> comparação<br />
com portadores <strong>de</strong> LES foi perceber as consequências<br />
<strong>de</strong> uma doença física para a manutenção <strong>da</strong> imagem corporal<br />
e para o domínio <strong>da</strong> construção <strong>de</strong> si em sujeitos com características<br />
narcísicas.<br />
Metodologia<br />
Dois motivos nos levaram a <strong>de</strong>screver a nossa metodologia:<br />
1 — o assunto metodologia é pouco <strong>de</strong>senvolvido na literatura<br />
psicanalítica; 2 — nossos resultados e nossas hipóteses<br />
foram <strong>de</strong>terminados pelo nosso método. Inicialmente cumpre<br />
dizer que se trata <strong>de</strong> uma pesquisa clínica em psicanálise, ou<br />
seja, uma prática <strong>de</strong> investigação na qual pesquisa e tratamento<br />
se encontram indissociavelmente correlaciona<strong>da</strong>s, ou, dito<br />
ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> outro modo, uma prática na qual procuramos extrair<br />
conceitos dos atendimentos.<br />
Utilizamos uma metodologia qualitativa (Turato, 2003; Fossey<br />
et al., 2002; Malterud, 2001; Whitley & Crawford, 2005). As<br />
principais características <strong>de</strong>ste conjunto metodológico são:<br />
— a pesquisa é naturalística, ou seja, é realiza<strong>da</strong> no ambiente<br />
natural do sujeito (em nosso caso, um ambulatório público<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>) e não em ambiente experimental;<br />
— a pesquisa é centra<strong>da</strong> na interpretação dos sentidos e<br />
significações e não na enunciação <strong>de</strong> fatos;<br />
— nas relações entre os fenômenos, importa mais o como<br />
do que o “por quê?”. A <strong>de</strong>scrição do processo <strong>de</strong> pesquisa ocupa<br />
lugar central em comparação com os resultados finais;