10.07.2015 Views

Presença musical italiana na formação do teatro brasileiro - ArtCultura

Presença musical italiana na formação do teatro brasileiro - ArtCultura

Presença musical italiana na formação do teatro brasileiro - ArtCultura

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

29ALENCAR, José de. O demôniofamiliar (1857). In:AGUIAR, Flávio. (org.) Antologia<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong>: aaventura realista e o <strong>teatro</strong>musica<strong>do</strong>. São Paulo: Se<strong>na</strong>c,1998, p. 99 e 100. “Engonço”:a escolha <strong>do</strong> vocábulo não écasual, mas jogo de palavras,a indicar também uma possívelcrítica sutil à dança e aodivismo nela presente. “Engonço”,de fato, sugere per<strong>na</strong>sque se <strong>do</strong>bram, extremamentemaleáveis, mas tambémaparelho, mecanismo. Eremete à hipótese de crítica,rebaixa<strong>do</strong>ra, <strong>do</strong> movimentocorpóreo dançante. Vale ape<strong>na</strong> lembrar a grande polêmicagerada pelo divismo decorrenteda presença protagonistadas bailari<strong>na</strong>s no baléromântico e <strong>do</strong> grande espaçoque os espetáculos de dançacomeçaram a ocupar, emmuitos momentos, assustan<strong>do</strong>até mesmo os dramaturgos<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> de prosa. Foi ocaso, <strong>na</strong> Itália, <strong>do</strong> autor daconhecida A morte civil (1861),Paolo Giacometti. Autor decompanhia, que trabalhoupara Compagnia Reale Sardae escreveu para Adelaide Ristori,escreveu em 1841 Il poetae la balleri<strong>na</strong>, uma peça-manifestoem que atribuiu ao fascínioda bailari<strong>na</strong>, de seu corpoem movimento sobre a ce<strong>na</strong>(que neste caso teria observa<strong>do</strong>no que chamou “triunfosde Fanny Cerrito”) no espetáculode dança, a decadência<strong>do</strong> público <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> deprosa.média de costumes realista de Alencar, é o “típico” moleque (o vocábulodicio<strong>na</strong>riza<strong>do</strong> diz: quimbun<strong>do</strong>, língua banta africa<strong>na</strong>: menino; negrinho,jovem <strong>do</strong>méstico, indivíduo sem palavra, ca<strong>na</strong>lha, velhaco, demônio) denome Pedro, escravo <strong>do</strong>méstico, propriedade de nhanhã Carlotinha (iaiá,sinhá, expressão com que os escravos se dirigem a suas senhoras), desti<strong>na</strong><strong>do</strong>a desenvolver inúmeras atividades, dentro e fora de casa: limparquartos e tapetes, servir o chá <strong>na</strong> sala de visitas, andar pra lá e pra cá, acumprir pequenos afazeres, realizar peque<strong>na</strong>s despesas, entregar milcoisas, dentre as quais cartas e bilhetes de to<strong>do</strong> tipo, mas especialmentede amor. Pedro sabe um pouco de italiano, que, como to<strong>do</strong> o resto, foiaprendi<strong>do</strong> de memória, principalmente em função da tarefa de entregaras flores que seu patrão envia à “dançari<strong>na</strong> <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>”, mas também emmeio ao rumorejo da gente elegante que caminha pela Rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r,com suas vitrines cheias de objetos à última moda francesa e cujos sons emovimentos o moleque traz pra o interior da casa, embala<strong>do</strong>s no ritmovivaz de sua fala e de seu corpo. As pessoas saem <strong>do</strong>s cafés ou <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>,e pela estrada ecoam as árias mais populares da última ópera ence<strong>na</strong>da,os jovens se apaixo<strong>na</strong>m pelas bailari<strong>na</strong>s <strong>italia<strong>na</strong></strong>s e mandam flores, demo<strong>do</strong> que nosso Fígaro pode-se permitir tiradas de ce<strong>na</strong> moderadas eespirituosas como esta:Ce<strong>na</strong> VPedro, CarlotinhaCarlotinha — Já escrevi! Ah! Mano não está!... Pedro!...Pedro- Nhanhã!Carlotinha — Que fazes tu aí?Pedro — Oh! Pedro não está tão bom hoje, não; senhor está zanga<strong>do</strong>.Carlotinha — Por quê? Por causa de Henriqueta?Pedro — Sim. Pedro fez história de negro, enganou senhor. Mas hoje mesmo tu<strong>do</strong>fica direito.Carlotinha — Que vais tu fazer? Melhor é que estejas sossega<strong>do</strong>.Pedro — Oh! Pedro sabe como há de arranjar este negócio. Nhanhã não se lembra, no<strong>teatro</strong> lírico, uma peça que se representa e que tem homem chama<strong>do</strong> senhor Fígaro,que canta assim:Tra-la-la-la-la-la-la-la-tra!!Sono un barbiere di qualità!Fare la barba per carità!...Carlotinha (Rin<strong>do</strong>-se.) — Ah! O Barbeiro de Sevilha!Pedro — É isso mesmo. Esse barbeiro, senhor Fígaro, homem fino mesmo, faz tantacousa que arranja casamento de sinhá Rosinha com nhonhô Lindório. E velho <strong>do</strong>utorfica chupan<strong>do</strong> no de<strong>do</strong>, com aquele frade D. Basílio!Carlotinha — Que queres tu dizer com isto?Pedro — Pedro tem manha muita, mais que senhor Fígaro! Há de arranjar casamentode senhor moço Eduar<strong>do</strong> com sinhá Henriqueta. Nhanhã não sabe aquela ária quecanta sujeito que fala grosso? (Cantan<strong>do</strong>:) “La calunnia!...”Carlotinha — Deixa-te de prosas!Pedro — Prosa, não; é verso! Verso italiano que se canta!Carlotinha (Rin<strong>do</strong>.) — Tu também sabes italiano?Pedro — Ora! Quan<strong>do</strong> senhor moço era estudante e mandava levar ramos de flor àdançari<strong>na</strong> <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>, aquela que tem per<strong>na</strong> de engonço, Pedro falava mesmo comopatrício dela: Un fiore, signori<strong>na</strong>! 2976<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 61-81, jul.-dez. 2007

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!