3CANDIDO, Antonio. Introdução.In: Formação da literaturabrasileira: momentos decisivos.São Paulo: Martins,1959, p. 28.4Idem, ibidem, p. 26.continha realmente um elemento ambíguo de pragmatismo, que se foi acentuan<strong>do</strong> atéalcançar o máximo em certos momentos, como a fase joani<strong>na</strong> e os primeiros tempos daIndependência, a ponto de sermos por vezes obriga<strong>do</strong>s, para acompanhar até o limiteas suas manifestações, a aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r o terreno específico das belas-letras. 3Essa relação substancial entre literatura e sociedade brasileira impunhaao estudioso uma visão articulada <strong>do</strong>s vários elementos a seremtoma<strong>do</strong>s em consideração; um mo<strong>do</strong> de estudar, de interpretar e de exporo processo de formação ou de desenvolvimento que permitisse entendero momento de fundação de nossa literatura não como fato i<strong>na</strong>ugural,mas como “momento decisivo”. Em tal momento se podia observara presença de um sistema literário apto a distinguir tanto a “literaturaverdadeira e própria”; quanto a emergência de elementos imprescindíveisao estabelecimento de uma tradição literária, condição fundamentalpara identificar a formação compreendida como processo de longaduração.Um sistema literário — necessário para que exista “literatura propriamentedita” e não ape<strong>na</strong>s “manifestações literárias” dispersas e intermitentes— pressupõe um conjunto de autores, obras e público <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,que dialoguem e se influenciem reciprocamente, de mo<strong>do</strong> a “fazersistema”, e que, ao dialogar também com os modelos externos, consegueoperar uma “síntese de tendências universalistas e particularistas”, comcapacidade de relação com experiências brasileiras anteriores. Em suma,o sistema exige uma complexidade de relações que possibilite a emergênciade estruturas de produção e de recepção literária especiais e decisivas.Isso implica a confluência de sínteses entre externo e interno (metrópolee periferia) e o empenho de convergência para hipóteses de tradição,a ponto de formar uma “história <strong>do</strong>s <strong>brasileiro</strong>s no seu desejo de teruma literatura”. Portanto, pode-se concluir que a categoria sistema emAntonio Candi<strong>do</strong> é, ao mesmo tempo, uma noção empenhada, porquecoligada a uma ideologia, a um projeto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de literatura, e um instrumentopara explicar a formação dessa literatura no país.Se desejarmos focalizar os momentos em que se discerne a formação de um sistema, épreferível nos limitarmos aos seus artífices imediatos, mais os que se vão enquadran<strong>do</strong>como herdeiros <strong>na</strong>s suas diretrizes, ou simplesmente no seu exemplo. Trata-se,então, (para dar realce às linhas), de averiguar quan<strong>do</strong> e como se definiu uma continuidadeininterrupta de obras e autores, cientes quase sempre de integrarem umprocesso de formação literária. 4Diante desse grande enquadramento cultural, quepersiste como referência fundamental para vários camposde estu<strong>do</strong>s, o problema adquire hoje — num momentode crise das grandes identidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is —novíssimas dimensões, especialmente ao se discutir a oportunidadedas colocações <strong>do</strong>s primeiros grandes “explica<strong>do</strong>res”, volta<strong>do</strong>s paraa busca e a explicação <strong>do</strong> Brasil como <strong>na</strong>ção. Contu<strong>do</strong>, <strong>na</strong>s formulaçõesfunda<strong>do</strong>ras de Antonio Candi<strong>do</strong> no campo literário, sob muitos aspectosinsuperáveis, desenvolveu-se toda a primeira estação acadêmica dehistoriografia brasileira direcio<strong>na</strong>da para o estu<strong>do</strong> da formação<strong>do</strong> nosso <strong>teatro</strong>. Os mestres desse grupo são,64<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 61-81, jul.-dez. 2007
indiscutivelmente, Sábato Magaldi e Décio de Almeida Pra<strong>do</strong>, da Universidadede São Paulo.A grande estação culturalista de estu<strong>do</strong>s teatraisA Décio de Almeida Pra<strong>do</strong>, professor, crítico teatral, escritor (SãoPaulo, 1917 – 2000), deve-se cerca de uma deze<strong>na</strong> de livros dedica<strong>do</strong>s àliteratura dramática, à história e à formação de inúmeros pesquisa<strong>do</strong>res<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong>. Ele participou ativamente <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> processo demodernização teatral <strong>do</strong> país; em mais de uma obra, tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> problema<strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> no Brasil durante o século XIX, Déciode Almeida Pra<strong>do</strong> usou, fundamentalmente, a categoria sistema propostapor Antonio Candi<strong>do</strong>.João Roberto Faria (professor da Universidade de São Paulo e, semdúvida, um <strong>do</strong>s principais discípulos de Décio de Almeida Pra<strong>do</strong>), numensaio de síntese sobre a formação <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong>, sublinha as relaçõesexistentes entre o discurso teatral de Décio e o de seus companheirosde geração:história & <strong>teatro</strong>Em outras palavras, é no romantismo que o <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong> se constitui como um“sistema” integra<strong>do</strong> por autores, atores, obras e público. Desse mo<strong>do</strong>, à semelhançade seus companheiros de geração, Antonio Candi<strong>do</strong> e Paulo Emílio Salles Gomes, queestudaram o processo formativo da literatura e <strong>do</strong> cinema em nosso país, Décio deAlmeida Pra<strong>do</strong> procurou fazer o mesmo com o <strong>teatro</strong>, investigan<strong>do</strong> o primeiro momento— ou o que Antonio Candi<strong>do</strong> chamaria de ‘momento decisivo’ — em quehouve entre nós as condições intelectuais e materiais que puderam proporcio<strong>na</strong>r umacontinuidade fecunda <strong>do</strong> trabalho cênico. 5Na tentativa de compreender o desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong>,Décio de Almeida Pra<strong>do</strong> buscou seu momento inicial: o romantismolhe pareceu um gênero dramático e um movimento artístico-teatraldecisivo para o nosso <strong>teatro</strong> porque por meio deles se conseguiu colocarem prática o complexo de elementos articula<strong>do</strong>s, necessários ao que oestudioso caracterizou como “<strong>teatro</strong> verdadeiro e próprio”.Nessa direção, os funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong> teriam si<strong>do</strong> GonçalvesMagalhães, com a tragédia Antonio Jose ou O poeta e a Inquisição(1838), e o ator João Caetano, (Rio de Janeiro, 1808 – 1863), o Talma <strong>brasileiro</strong>,como destaca nosso autor, graças à articulação sistêmica que conseguiuestabelecer uma certa relação entre autor, dramaturgia e ator/público. Todavia, a comédia de costume, que no Brasil <strong>na</strong>sceu com MartinsPe<strong>na</strong>, teria si<strong>do</strong> a “nossa única tradição teatral” 6 possível. Daí que, emmais de uma obra de Pra<strong>do</strong>, a comédia de costumes brasileira foi compreendidano seu papel de protagonista <strong>na</strong> formação <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> em umpaís em busca de si próprio.Da mesma forma, ela foi cuida<strong>do</strong>samente estudada no Panorama<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong> (1962), livro clássico de Sábato Magaldi 7 (<strong>na</strong>sci<strong>do</strong> emMi<strong>na</strong>s Gerais em 1927, crítico teatral, professor da Universidade de SãoPaulo, historia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> e membro da Academia Brasileira de Letras).Essa obra é bastante representativa <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s sobre a origem <strong>do</strong><strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong> em termos literários culturalistas. Centrada <strong>na</strong> históriada literatura dramática, a busca de uma tradição teatral <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l —5FARIA, João Roberto. A formação<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong>. In:O <strong>teatro</strong> <strong>na</strong> estante: estu<strong>do</strong>s sobredramaturgia brasileira eestrangeira. São Paulo: Ateliê,1998, p. 15 e 16.6PRADO, Décio de Almeida.História concisa <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong>.São Paulo: Edusp, 1999,p. 138.7Ver MAGALDI, Sábato. Panorama<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasileiro</strong>. SãoPaulo: Global, 1997.<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 61-81, jul.-dez. 2007 65