2Energia Eólica e Tecnologia2.2Ao absorver a energia cinética, o rotor reduz a velocida<strong>de</strong>do vento imediatamente a jusante do disco; gradualmenteessa velocida<strong>de</strong> se recupera, ao se misturar comas massas <strong>de</strong> ar do escoamento livre. Das forças <strong>de</strong> sustentaçãoaerodinâmica nas pás do rotor resulta uma esteirahelicoidal <strong>de</strong> vórtices, a qual também gradualmente sedissipa (Figura 2.2). Após alguma distância a jusante, oescoamento praticamente recupera a velocida<strong>de</strong> originale turbinas adicionais po<strong>de</strong>m ser instaladas, sem perdasenergéticas significativas. Na prática, essa distância variacom a velocida<strong>de</strong> do vento, as condições <strong>de</strong> operação daturbina, a rugosida<strong>de</strong> e a complexida<strong>de</strong> do terreno e a estabilida<strong>de</strong>térmica da atmosfera.HistóricoO primeiro aproveitamento da força dos ventos pelo homemtem data bastante imprecisa mas, certamente, foi hámilhares <strong>de</strong> anos, no oriente. Provavelmente, eram máquinasque utilizavam a força aerodinâmica <strong>de</strong> arrasto, sobreplacas ou velas, para produzir trabalho.A partir da Ida<strong>de</strong> Média, o homem passou a utilizaras forças aerodinâmicas <strong>de</strong> sustentação, permitindoas gran<strong>de</strong>s navegações e também maior eficiência àsmáquinas eólicas. Possivelmente, máquinas eólicas movidaspor forças <strong>de</strong> sustentação foram introduzidas naEuropa pelas Cruzadas, por volta do século XI [30] . O certoé que no século XIV, na Holanda, estas máquinas jáapresentavam gran<strong>de</strong> evolução técnica e <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>em potência e ampla aplicação como fonte <strong>de</strong> energia,principalmente na moagem <strong>de</strong> grãos, serrarias, e bombeamentod’água. Na <strong>de</strong>scoberta do Brasil, em 1500,havia muitos milhares <strong>de</strong> moinhos <strong>de</strong> vento em toda aEuropa, da Península Ibérica até os países nórdicos. Duranteos séculos seguintes, as máquinas eólicas expandiramgran<strong>de</strong>mente a sua aplicação na Europa: fabricação<strong>de</strong> papel para aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda após a invençãoda imprensa, produção <strong>de</strong> óleos vegetais e até gran<strong>de</strong>sprojetos <strong>de</strong> drenagem [30] .Avalia-se que a base escravocrata da colonização sulamericana,neste período, tenha sido fator prepon<strong>de</strong>rante <strong>de</strong>inibição da migração <strong>de</strong>sta tecnologia (Figura 2.3). Com aexpansão do uso da máquina a vapor, no século XIX, os moinhos<strong>de</strong> vento europeus entraram gradualmente em <strong>de</strong>suso.Um segundo surgimento <strong>de</strong> aplicação em larga escala<strong>de</strong> máquinas eólicas <strong>de</strong>u-se nos Estados Unidos, no séculoXIX. Após a abolição da escravatura naquele país, em1863, iniciou-se a disseminação da utilização do cataventomultipás para bombeamento d’água, como o mostrado naFigura 2.4. Cataventos multipás chegaram a ser produzidosindustrialmente em escalas <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> milhares<strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s/ano, por diversos fabricantes, o que possibilitoupreços acessíveis à gran<strong>de</strong> parte da população. Aomesmo tempo em que constituiu um importante setor daeconomia, muitos historiadores atribuem importante parcelado sucesso e da rapi<strong>de</strong>z da expansão colonizadorado Oeste norte-americano a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cataventosFigura 2.2Esteira aerodinâmica e afastamentoentre turbinas em uma usina eólica.Figura 2.3Europa x Américas em 1500-1800arquivo»Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>moinho <strong>de</strong> ventoamplamenteutilizado naHolandaa partir dosséculos XIV - XV.Camargo-SchubertPequena Moenda PortátilLitografia <strong>de</strong> Jean-Baptiste Debret (1768-1848).26
multipás <strong>de</strong> baixo custo - facilitando o acesso à água e afixação <strong>de</strong> apoios em gran<strong>de</strong>s áreas áridas ou semi-áridas.Um notável exemplo da escala <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>stescataventos é apresentado na Tabela 2.1, transcrita do U.S.Statistical Abstract <strong>de</strong> 1919 [31] , reportando a evolução nageração <strong>de</strong> empregos e faturamento da indústria <strong>de</strong> cataventosmultipás nos EUA ao longo <strong>de</strong> 40 anos.O uso do catavento multipás norte-americano expandiusepelos diversos continentes, inclusive no Brasil, on<strong>de</strong> nadécada <strong>de</strong> 1980 podiam-se encontrar quase uma <strong>de</strong>zena<strong>de</strong> fabricantes, em todo o país. Estima-se que mais <strong>de</strong> 6milhões <strong>de</strong> cataventos multipás já foram produzidos nomundo [30] .Também nos Estados Unidos, a partir da década <strong>de</strong>1930, iniciou-se uma ampla utilização <strong>de</strong> pequenos aerogeradorespara carregamento <strong>de</strong> baterias, trazendo aomeio rural norteamericano o acesso à energia elétrica.Entre 1930 e 1960, <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong>stes aerogeradoresforam produzidos e instalados nos Estados Unidos,bem como exportados para diversos países. A produção<strong>de</strong>ssas máquinas foi <strong>de</strong>sativada gradualmente nas décadas<strong>de</strong> 1950-1960, à medida que as re<strong>de</strong>s elétricas passarama dominar o atendimento rural.A geração <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> em gran<strong>de</strong> escala, alimentando<strong>de</strong> forma suplementar o sistema elétrico através do uso<strong>de</strong> turbinas eólicas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, é tecnologia que jáexiste há diversas décadas. Os primeiros aproveitamentoseolioelétricos foram realizados durante as décadas <strong>de</strong>1940-1950 nos Estados Unidos (Smith-Putnam) e Dinamarca(Gedser). Po<strong>de</strong>-se dizer que o precursor das atuaisturbinas eólicas surgiu na Alemanha (Hütter, 1955), já compás fabricadas com materiais compostos e com controle<strong>de</strong> passo e torre tubular esbelta.Na década <strong>de</strong> 1970 até meados da década <strong>de</strong> 1980, apósa primeira gran<strong>de</strong> crise <strong>de</strong> preços do petróleo, diversos países– incluindo o Brasil – dispen<strong>de</strong>ram esforços na pesquisada energia eólica para a geração elétrica. É <strong>de</strong>sta época a turbinaDEBRA 100 kW (Deutsche-Brasileira), <strong>de</strong>senvolvida emconjunto pelos Institutos <strong>de</strong> Pesquisa Aeroespacial do Brasil(CTA) e da Alemanha (DFVLR), ilustrada na Figura 2.5.Entretanto, foi a partir <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> estímulo aomercado, realizadas na Califórnia (década <strong>de</strong> 1980), Dinamarcae Alemanha (década <strong>de</strong> 1990), que o aproveitamentoeolioelétrico atingiu escala <strong>de</strong> contribuição maissignificativa em termos <strong>de</strong> geração e economicida<strong>de</strong>. O<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico passou a ser conduzido pelasnascentes indústrias do setor, em regime <strong>de</strong> competição,alimentadas por mecanismos institucionais <strong>de</strong> incentivo,especialmente via remuneração por energia produzida.Características também marcantes <strong>de</strong>ste processo foram:(a) <strong>de</strong>vido à modularida<strong>de</strong>, o investimento em geração elétricapassou a ser acessível a uma nova e ampla gama<strong>de</strong> investidores; (b) <strong>de</strong>vido à produção em escalas industriaiscrescentes, ao aumento da capacida<strong>de</strong> unitária dasturbinas e às novas técnicas construtivas, houve reduçõesgraduais e significativas no custo por quilowatt instaladoe, consequentemente, no custo <strong>de</strong> geração. O principalproblema ambiental inicial – impacto <strong>de</strong> pássaros nas pás– praticamente <strong>de</strong>sapareceu com as turbinas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>porte, com menores velocida<strong>de</strong>s angulares dos rotores.Por ser uma fonte <strong>de</strong> geração praticamente inofensivaao meio ambiente, os estudos <strong>de</strong> impacto ambiental sãobem mais simples – e rápidos – que os requeridos porfontes tradicionais <strong>de</strong> geração elétrica. Este fato, aliadoàs escalas industriais <strong>de</strong> produção e montagem <strong>de</strong> turbinas,com custos progressivamente <strong>de</strong>crescentes, fizeramda energia do vento a fonte energética com maiores taxas<strong>de</strong> crescimento em capacida<strong>de</strong> geradora, apresentandouma taxa composta média <strong>de</strong> crescimento anual <strong>de</strong> 28%durante os últimos 15 anos [32] . O Gráfico 2.2 apresenta aevolução cumulativa da capacida<strong>de</strong> eolioelétrica instaladano mundo, ao longo das última décadas.Tabela 2.1Indústria <strong>de</strong> cataventos nos EUA,U.S. Statistical Abstract - 1919. [31]ANO EMPREGADOS FATURAMENTO (US$)1879 596 1.011.0001889 1110 2.475.0001899 2045 4.354.0001909 2337 6.677.0001919 1932 9.933.000Figura 2.4Catavento multipás parabombeamento <strong>de</strong> água.Este tipo <strong>de</strong> catavento foilargamente utilizado nosEstados Unidos no séculoXIX, tendo sido inclusivedifundido para o Brasil.Figura 2.5Aerogerador DEBRA 100 kW.Camargo-Schubertarquivo27