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Avaliação da Linguagem - Repositório Institucional da ESEPF ...

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Avaliação <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>: Propostas e Estudo de Casoem Torno <strong>da</strong> Dimensão Fonético-FonológicaRosa LimaEscola Superior de Educação de Paula Frassinettirosalima@esepf.ptPalavras-chave: Avaliação <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>; DimensãoFonética; Dimensão FonológicaResumoTendo em conta o percurso histórico do estudo <strong>da</strong> linguageminfantil, propõe-se um modelo de avaliação passívelde contemplar a activi<strong>da</strong>de linguística enquantofenómeno indissociável de uma esfera de desenvolvimentoglobal e, simultaneamente, enquanto domíniomultidimensional (lexical, morfossintáctico, fonético --fonológico, pragmático) implicando uma duali<strong>da</strong>de deprocessos (compreensão/expressão). Propõe-se ain<strong>da</strong>uma aplicação prática dos princípios enunciados (estudode caso) com enfoque na dimensão fonético-fonológica.IntroduçãoOs pedidos de avaliação decorrentes <strong>da</strong> percepção deque uma <strong>da</strong><strong>da</strong> criança «não fala bem» – no sentido deexistir um desvio <strong>da</strong>s formas de articulação <strong>da</strong>s palavrasface aos modelos alvo – são dominantes na quotidianodo reeducador <strong>da</strong> linguagem. A necessi<strong>da</strong>de de aceder auma caracterização tão sóli<strong>da</strong> quanto possível do domínioem jogo – o nível <strong>da</strong> Fonético-fonologia (<strong>da</strong> produçãode sons, isolados e em contexto de palavra) é, em consequência,um território que reclama um trabalho e procuracontínuos. Neste artigo, procuramos avançar umcontributo a este desafio. Oferece-se e caracteriza-se ummodelo de avaliação <strong>da</strong> Fonético-fonologia com base emtécnicas e instrumentos aplicados sob forma de nomeaçãosemi-dirigi<strong>da</strong> e fala fluente.O desempenho linguístico tem em conta dois princípiosbásicos: por um lado (1), há um quadro global de competênciasque vão para além do domínio linguístico; poroutro (2), é necessário enquadrar a dimensão fonético --fonológica na globali<strong>da</strong>de de dimensões produtivas(morfossintaxe, léxico e semântica, pragmática) que aela se agregam, materializando os processos quer decompreensão quer de expressão <strong>da</strong> linguagem.Este trabalho deter-se-á, pois, na dimensão atrás assinala<strong>da</strong>– fonética e fonologia. Contudo, serão apresenta<strong>da</strong>ssugestões para levar a cabo a avaliação <strong>da</strong>s demaisdimensões, tal como decorre <strong>da</strong> nossa prática clínica, <strong>da</strong>qual emerge o estudo apresentado.Do ponto de vista teórico, o modelo global aqui propostoimplica a presença de um conhecimento oriundo<strong>da</strong> linguística, que deve estar ao acesso do examinador.Por um lado, esse conhecimento está ligado às categoriasde análise e descrição <strong>da</strong> linguagem infantil; por outro, oconhecimento <strong>da</strong> Linguística toca a própria conceptualizaçãodos problemas fonético-fonológicos. A primeirasecção deste artigo dá conta deste facto. Em segui<strong>da</strong>, sãoexpostos os instrumentos e técnicas propostas, sendo,finalmente, aplicados a um caso clínico concreto.Racionais e sistemas de avaliação nainvestigação e clínica <strong>da</strong> linguagemNo âmbito <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong> – mais concretamenteno âmbito dos estudos sobre desenvolvimento <strong>da</strong><strong>Linguagem</strong> – a problemática <strong>da</strong>s formas de recolha etratamento de comportamentos linguísticos despoletou,já, vários enfoques.Dos primórdios à influência <strong>da</strong> LinguísticaOs primeiros compromissos estabelecidos pelos clínicoscom a avaliação <strong>da</strong> Fonologia Infantil remontam a umperíodo que, na História <strong>da</strong> investigação sobre o desenvolvimentoFonológico (e <strong>da</strong> própria linguagem em73


geral), recebe designações distintas conforme os autores.Denominado como período dos «estudos com grandesamostras» (Ingram, 1992), dos «estudos transversais»(Menn e Stoel-Gammon, 1995) ou enfoque <strong>da</strong>s«sequências ordena<strong>da</strong>s de aquisição de sons consideradosisola<strong>da</strong>mente» (Bosch, 1984), este momento éretratado na literatura como primeiro grande esforço decientifici<strong>da</strong>de no âmbito do estudo <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong> <strong>da</strong>criança. A sua emergência é situa<strong>da</strong> no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>de trinta, tendo sucedido à era dos «estudos de diário»,até então fonte única para o crescente interesse que secriava na comuni<strong>da</strong>de científica em torno do desenvolvimentolinguístico.A par <strong>da</strong>s preocupações com a sistematici<strong>da</strong>de na recolhade <strong>da</strong>dos e <strong>da</strong> ênfase na medi<strong>da</strong> (indissociável dosavanços na Estatística que então se registavam), o traçodominante desta orientação dizia respeito a uma atitudedescritiva essencialmente vira<strong>da</strong> para a obtenção de normasde produção linguística nas crianças. Este tipo deresultados era, então, perseguido através de uma metodologiatransversal que se suportava no grande númerode sujeitos incluído em ca<strong>da</strong> faixa etária pré-defini<strong>da</strong>.No âmbito <strong>da</strong> intervenção na patologia <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>infantil, o peso deste momento foi decisivo para a consoli<strong>da</strong>ção,na déca<strong>da</strong> de cinquenta, de uma perspectivaque Lund e Duchan (1993) designa de «normativa«,perspectiva esta que então desafiava a abor<strong>da</strong>gemmédico-etiológica à qual o autor se refere enquantovisão «patológica» <strong>da</strong> avaliação e intervenção.Três grandes áreas do desenvolvimento <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>constituíram objecto central na investigação desteperíodo: o crescimento vocabular, a longitude <strong>da</strong>s frasese a correcção <strong>da</strong> articulação (Ingram, 1992). Incluiram --se, nesta última, trabalhos como os de Templin (1957),que ain<strong>da</strong> hoje constituem referência para a avaliaçãofonético-fonológica feita por muitos clínicos. Partilhandoos objectivos de muitos dos investigadores destaépoca, o autor propôs-se estabelecer normas etárias deaquisição dos vários fonemas <strong>da</strong> língua Inglesa, recorrendo,para tal, a uma amostra de 480 crianças organiza<strong>da</strong>sde acordo com as suas i<strong>da</strong>des.Foi no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 que a consideração dodesenvolvimento fonológico à luz de uma perspectiva linguísticacomeçou a tomar curso. As preocupações ultrapassaram,então, o enfoque descritivo do períodoanterior e as análises fonológicas vieram servir a procurade uma compreensibili<strong>da</strong>de dos padrões observados deacordo com grelhas linguísticas de análise.As repercussões desta transformação no plano <strong>da</strong> avaliaçãoclínica sentiram-se, de forma particularmente vinca<strong>da</strong>,ao nível <strong>da</strong> análise e interpretação <strong>da</strong>s amostrascolhi<strong>da</strong>s. To<strong>da</strong> a revolução teórico-conceptual trazi<strong>da</strong>pelo enfoque linguístico concentrou-se, num primeiromomento, na formação de duas abor<strong>da</strong>gens do desvio e<strong>da</strong> reeducação fonético-fonológica. Surgiu, inicialmente,uma leitura basea<strong>da</strong> na noção de Traços Distintivos,que se fez acompanhar, com poucos anos de intervalo,pelo enfoque dos Processos Fonológicos. No final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>de 80, uma mutação paradigmática ain<strong>da</strong> interna à Linguísticaviria, num segundo momento, demonstrar asaliência deste domínio no âmbito <strong>da</strong> investigação e praxisclínica <strong>da</strong> Fonologia infantil desviante. Referimo-nosao grande corpo teórico <strong>da</strong> Fonologia não Linear que, a partir<strong>da</strong> tradição generativa clássica de Chomsky e Halle(1968), se ramificaria numa série de formalizações econceptualizações que, de forma ca<strong>da</strong> vez mais proeminente,afectam a avaliação do desenvolvimento fonético-fonológico.Da avaliação tradicional à procura de regulari<strong>da</strong>des sistémicasO peso do conhecimento oriundo <strong>da</strong> Linguística na avaliaçãoviria também a afectar a evolução dos racionaisinerentes à eliciação e análise de amostras de linguagem.Em paralelo com o período de descrição normativa inicialmentereferido, surge um momento que alguns autoresdesignam de «avaliação tradicional» (Yavas, 1988),74


ou «Avaliação fonema-a-fonema» (Bernhardt e Stoel --Gammon, 1994). Seguiu-se um momento apoiado nanoção de traços distintivos e, em segui<strong>da</strong> na de processosfonológicos. Finalmente, há a considerar, também naclínica, o impacto <strong>da</strong> Fonologia não linear .As primeiras avaliações <strong>da</strong> Fonologia – «avaliação tradicional«ou «som-a-som» assumiram por objectivo aidentificação <strong>da</strong>s não correspondências entre o som <strong>da</strong>criança e o som alvo, tendo sido feitas de acordo com listasde erro nas quais se incluiam substituições, omissões,distorsões e adições (Bernhardt e Stoel-Gammon, 1994;Yavas, 1988). Lund e Duchan (1993) designam estaabor<strong>da</strong>gem de «testagem articulatória» (articulatory Testing),uma vez que ela assentava no recurso a testes articulatóriosque, na sua forma típica, elicitavam a criança,no âmbito de uma tarefa de nomeação de gravuras, adizer um som no princípio, meio e fim <strong>da</strong> palavra.O processo assentava num pressuposto de independênciados fonemas entre si, encontrando-se ausente qualquertentativa de agrupamento em padrões gerais.Existiriam, assim, para ca<strong>da</strong> classe de erro (omissão,substituição, adição ou distorção), tantas subclassesquantos os fonemas presentes na língua em causa.Na medi<strong>da</strong> em que o conceito subjacente se socorria dostraços metodológicos então característicos <strong>da</strong> investigação(a abor<strong>da</strong>gem transversal de grandes amostras), aintervenção era planea<strong>da</strong> de acordo com <strong>da</strong>dos normativosrelativos à i<strong>da</strong>de de aquisição de ca<strong>da</strong> fonema.Resultava <strong>da</strong>qui a determinação <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de do desviosegundo uma lógica quantitativa exclusivamente assenteno número de erros registados (Yavas, 1988).O sistema de avaliação som-a-som parece desvalorizar aideia de sistema fonológico, colocando num segundoplano a função contrastiva entre os distintos segmentossonoros. Esta concepção abarcou a designação de «dislalia»,termo tão amplo, que no Grego significava disfunçãoou dificul<strong>da</strong>de para falar. A dislalia desdobra-se emclassificações de acordo com o fonema afectado. É assimque encontramos os rotacismos (dificul<strong>da</strong>des para pronunciaro /r/), deltacismos (dificul<strong>da</strong>des para o /d/),lamb<strong>da</strong>cismos (dificul<strong>da</strong>des para o /l/), etc.A influência <strong>da</strong> Linguística desencadeou, como jávimos, uma nova perspectiva sobre as produções <strong>da</strong>criança. Relativamente ao modelo desenvolvimentalsubjacente, o aspecto fun<strong>da</strong>mental desta viragem residiuna noção de produção sistemática e governa<strong>da</strong> porregras, por oposição a uma concepção de desvio som asom que, de algum modo, se descomprometia em relaçãoà assunção de um modelo produtivo capaz de descrevera especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Fonologia infantil. Yavas(1988) ilustra esta questão afirmando que «Uma omissãonão implica necessariamente que o fonema estejatotalmente ausente do sistema <strong>da</strong> criança» (p. 3), sendoantes fun<strong>da</strong>mental atender a to<strong>da</strong> a diversi<strong>da</strong>de dedependências contextuais inerentes à sua produção noâmbito <strong>da</strong> palavra.A concepção em causa veio também mostrar-se conflituantecom a própria compreensão <strong>da</strong> noção de fonema.Com efeito, a valorização do fonema enquanto uni<strong>da</strong>deindependente deixava, por um lado, aberta a inferênciade um conceito de fala enquanto série de movimentosarticulatórios isolados, facto por si incompatível com o(já remoto) reconhecimento do fonema enquanto enti<strong>da</strong>derelacional, «uni<strong>da</strong>de mínima capaz de provocardiferenças de significado» (Trask, 1996, p.264). Se, porum lado, a noção de independência entre os fonemas eracriticável, juntava-se a esta proprie<strong>da</strong>de uma outra cujoquestionamento seria integrado na crítica ao sistema deavaliação som-a-som. A ideia <strong>da</strong> indivisibili<strong>da</strong>de dofonema viria a constituir o grande motor conceptualpara a construção de um novo sistema de análise e interpretaçãode <strong>da</strong>dos de avaliação. A promoção desta viragempartiria <strong>da</strong> teoria dos Traços Distintivos.Na sua forma tradicional (e tal como foi apresentadonos princípios do Alfabético Fonético universal (1888),o conceito de «traço» associou-se às categorias de ponto,75


modo e sonori<strong>da</strong>de. No âmbito <strong>da</strong> Fonologia Clínicaforam, contudo, os trabalhos de Jakobson et al. (1952) eChomsky e Halle (1968) a fornecer os mais significativoscontributos para o abandono <strong>da</strong> concepção defonema enquanto uni<strong>da</strong>de indivisível, vindo este a serconsiderado um agregado de traços distintivos de naturezasubsegmental (Bernhardt e Stoel-Gammon, 1994).Embora de equiparável importância, a introdução deambos os sistemas de traços na investigação e na clínicaredundou na adopção definitiva do segundo, uma vezque a natureza articulatória dos seus traços respondia –por oposição ao carácter acústico dos traços de Jakobson– de forma evidentemente mais directa às exigências <strong>da</strong>intervenção (Yavas, 1985). De acordo com o modelo detraços de Chomsky e Halle, os traços (variáveis articulatóriascontrola<strong>da</strong>s independentemente) têm uma funçãofonética e uma função fonológica. Obedecendo àprimeira, eles são escalas que se associam aos aspectoscontroláveis de modo independente em relação ao acto<strong>da</strong> fala, variando segundo uma diversi<strong>da</strong>de de valoresnão relacionados com a criação de contrastes (porexemplo, o traço [sonoro] é uma escala que admite muitosvalores entre os extremos). Fonologicamente, elesdefinem relações de contrastes conti<strong>da</strong>s no sistemafonológico, função à luz <strong>da</strong> qual eles têm valor binário.No quadro teórico do desenvolvimento fonológico, opressuposto introduzido pelos traços distintivos foi o deque a aquisição de fonemas se faz em função <strong>da</strong> aquisiçãode contrastes entre traços distintivos, admitindo-seque estes últimos seriam pré-requisitos uns dos outros.A noção de desvio estruturar-se-ia, por consequência,na pressuposição de um «problema no emprego do traçodistintivo» (Singh, 1976, in Lamprecht e Hernandorena,1988, p.68), sendo este apreciável a partir do confrontoentre a pronúncia desvia<strong>da</strong> e a pronúncia alvorealiza<strong>da</strong> por um falante normal. Neste contexto, dir-se --á que o traço distintivo «constitui a uni<strong>da</strong>de linguísticapertinente para servir de base à descrição e análise quedeverá determinar diagnósticos e linhas terapêuticas,pois retrata o sistema com desvios, com as suas regulari<strong>da</strong>dese o seu funcionamento: o traço distintivo serve debase a uma análise fonológica que reflecte a organização<strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des de som com referência á sua função essencial– transmitir mensagens <strong>da</strong> língua, viabilizando a suaadequação comunicativa» (ibid., p.69).No período de crescimento desta abor<strong>da</strong>gem tornou-seassinalável, por outro lado, a crescente proliferação desistemas de traços distintivos, a qual acabou por tornardifusos os esforços de estan<strong>da</strong>rdização <strong>da</strong>s técnicas deanálise propostas. No plano <strong>da</strong> implementação <strong>da</strong>s avaliações,criticou-se também o facto de não ser feitorecurso de recolhas de linguagem espontânea (Bernhardte Stoel-Gammon, 1994), tendo ain<strong>da</strong> sido integra<strong>da</strong>sno âmbito <strong>da</strong>s críticas metodológicas aspectoscomo a escassez de abor<strong>da</strong>gens comparativas e a falta decomprovação <strong>da</strong> generalização dos traços distintivos nafala espontânea <strong>da</strong>s crianças (Lamprecht e Hernandorena,1988). Ao mesmo tempo, a tendência deste tipo deanálise para a centração nas substituições opunha-se aofacto de ser «ca<strong>da</strong> vez mais nota<strong>da</strong>, na altura, a necessi<strong>da</strong>dede ir para além do segmento e de analizar erros deestrutura silábica e de assimilação» (Bernhardt e Stoel --Gammon, 1994, p.124). Respostas a este e aos demaisapelos viriam a ser <strong>da</strong><strong>da</strong> pela abor<strong>da</strong>gem segundo processosfonológicos.A visão dos Processos Fonológicos teve origem na obra deStampe (1969) e recebeu uma reformulação basilar comos trabalhos de Ingram (1976,1979). Foram, contudo,numerosos os investigadores <strong>da</strong> Fonologia infantil queparticiparam neste desenvolvimento, podendo salientar-seSchriberg e Kwiatowski (1980), Weiner (1979) eHodson (1980).Um dos pontos de parti<strong>da</strong> desta abor<strong>da</strong>gem situou-se,tal como a perspectiva dos traços distintivos, na procurade uma sistematici<strong>da</strong>de inerente às produções fonológicas<strong>da</strong> criança. Esta organização interna tornar-se-ia76


visível, segundo os seus defensores, no confronto entre osistema fonológico <strong>da</strong> criança e o do adulto, constituindoos processos fonológicos o vínculo responsávelpela sucessiva reelaboração deste agregado de regraspróprias (processos fonológicos) e de funcionamentoindissociável <strong>da</strong> particular apropriação que a criança faz<strong>da</strong> língua-alvo.Enquanto que a formulação de Stampe se fez a um nívelaltamente abstracto e se iniciou com os universais fonológicosde to<strong>da</strong>s as línguas do mundo, Ingram (1976)usou esta ideia de processo fonológico de uma formamais descritiva, tendo por objectivo a caracterização dospadrões de erro na aquisição fonológica (Lund eDuchan, 1993).A par <strong>da</strong> evidente valorização <strong>da</strong> natureza sistemáticados padrões <strong>da</strong>s crianças, o aspecto central <strong>da</strong> avaliaçãona óptica dos processos fonológicos residia num enfoquede aquisição enquanto supressão desses mesmosprocessos. Recobertos de uma reali<strong>da</strong>de psicológica(Yavas, 1985), os processos fonológicos permitem,segundo esta grelha, uma resposta à questão <strong>da</strong> normali<strong>da</strong>dedesenvolvimental dos padrões <strong>da</strong> criança.Assim – enquanto passíveis de serem integrados numacronologia – estes processos sinalizariam o desvio namedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua perseverança. Ain<strong>da</strong> que admiti<strong>da</strong> avariabili<strong>da</strong>de, o facto de a criança exibir, nas suas produções,um processo característico de um momento desenvolvimentalprecoce poderá constitur um critériofun<strong>da</strong>mental para o diagnóstico. A ele acrescer-se-ia o<strong>da</strong> presença de processos idiossincráticos ou incomuns,sendo ain<strong>da</strong> merecedor de atenção o eventual desencontro/desarmoniacronológica de processos (coexistênciade processos característicamente precoces comprocessos posteriores) (Yavas, 1985; Grunwell, 1992).Sobre esta base, os alvos <strong>da</strong> intervenção passariam pelaredução dos processos perseverantes ou idiossincráticos.Carballo, Marrero e Mendonza (2000) reforçam estecontributo clínico-diagnóstico <strong>da</strong> análise de processosde simplificação, assinalando a necessi<strong>da</strong>de de detectarprocessos perseverantes (atraso) e processos infrequentes(alterações fonológicas). Sublinham, no entanto, avariabili<strong>da</strong>de que pode ocorrer não só inter-individualmente,mas também em virtude de características dialectais<strong>da</strong> língua. Para distinguir a natureza deste últimogrupo de processos (de fonte dialectal) assinalam queestes «...não podem considerar-se simplificações domodelo adulto porque também aparecem neste.» (p.89).Acrescentam que «De um ponto de vista linguístico, sãoo resultado <strong>da</strong> tensão de tendências contrapostas nointerior do sistema, evidências <strong>da</strong> vitali<strong>da</strong>de de uma língua,que evolui como um organismo vivo.» (idem).Vemos, assim, como a tendência no interior deste paradigmase deslocou de um intuito de conceptualização/modelizaçãodo desenvolvimento no sentido deuma abor<strong>da</strong>gem descritiva, instrumental relativamente àavaliação. Uma vez definido este novo território, um dosproblemas emergentes diz respeito às categorias de processosa considerar no momento <strong>da</strong> avaliação.Finalmente, o impacto <strong>da</strong> Fonologia Não Linear deve sersublinhado. O termo Fonologia não linear tem vindo aser empregue para recobrir várias teorias fonológicascomo a «autossegmental», «métrica», «lexical» ou «prosódica».Salvaguar<strong>da</strong><strong>da</strong>s as suas fronteiras, to<strong>da</strong>s estasteorias partilham uma origem histórica e um núcleo depressupostos. A primeira diz respeito ao modelo clássico<strong>da</strong> Fonologia Generativa de Chomsky e Halle (1968).Ao nível dos pressupostos, Bernhardt e Stoel-Gammon(1994) referem, em fórmula de máxima síntese, a suapreocupação comum com as «relações hierárquicas entre uni<strong>da</strong>desfonológicas« (palavras, sílabas, segmentos e traços)(p.223). Ao contrário do que acontece nas concepçõeslineares, em muitos destes modelos a representaçãofonológica consiste em diversas «fia<strong>da</strong>s» (tiers) (sequênciaslineares de elementos lineares e paralelos comdiversas ligações entre eles), pelo que tem vindo a sersugeri<strong>da</strong> a designação de modelos «multilineares»77


(Trask, 1996). Os níveis de representação hierarquicamenteorganizados considerados na generali<strong>da</strong>de dosmodelos não lineares compreendem as fia<strong>da</strong>s do pé(conjunto de sílabas forte/fraca), do ataque-rima (constituintes<strong>da</strong> sílaba), esqueletal (fia<strong>da</strong> cv, medeadoraentre a fia<strong>da</strong> ataque-rima e segmental) e fia<strong>da</strong> do segmento.Uma <strong>da</strong>s consequências fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> consideraçãodestes diversos níveis de representação foi a promoção<strong>da</strong> investigação do desenvolvimento prosódico nascrianças, tendo este vindo a ser abor<strong>da</strong>do à luz de umagrelha de organização hierárquica de níveis de representaçãona qual toma um lugar claro a relação entre aspectossegmentais e suprassegmentais (Stoel-Gammon,1992). Nestes últimos, o papel do formato silábicoassume um lugar proeminente, tornando-se fun<strong>da</strong>mentalaveriguar o quanto a articulação correcta de umdeterminado fonema depende do contexto (formato)silábico em que está inserido.Outra <strong>da</strong>s noções fun<strong>da</strong>mentais incorpora<strong>da</strong>s pelaFonologia Linear foi a de marcação, que se desenvolveuem estreita relação com os conceitos <strong>da</strong> gramática universal.Neste território (não-linear) de recuperação dotermo (já presente no Círculo de Praga e no Generativismo),haverá uma opção marca<strong>da</strong> e outra não marca<strong>da</strong>para ca<strong>da</strong> um dos aspectos gramaticais (traços distintivosinclusive). A opção não marca<strong>da</strong> faz parte <strong>da</strong> gramáticaUniversal e, por tal, não tem de ser «aprendi<strong>da</strong>» (sãoexemplos o formato CV – Consoante-Vogal – para asílaba, ou as coronais para as consoantes). A opção marca<strong>da</strong>é a mais invulgar e requer «evidência positiva» doinput exterior (demonstração de existência) (Bernhardte Stoel-Gammon, 1994).Do ponto de vista <strong>da</strong> inspiração teórica, é uma tendênciauniversalista que guia as aplicações <strong>da</strong>s teorias emcausa ao desenvolvimento. Em termos muito genéricos,a visão é a <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de um tempo próprio e deuma estimulação permanente para que o sistema <strong>da</strong>criança vá incluindo de forma progressiva o que de específicoexiste numa língua.Linguística e dicotomia fonético-fonológico nas patologias<strong>da</strong> linguagemPor inerência aos paradigmas de recolha e análise atrásdescritos, a Linguística introduziu a necessi<strong>da</strong>de de distinguirentre desvios fonéticos e deficiências fonológicas.São, de facto, diversos os autores que enfatizam aespecifici<strong>da</strong>de de um nível de organização linguísticapor uni<strong>da</strong>des contrastivas (nível fonológico) por oposiçãoa um nível de realização articulatória (fonético)(Bosch, 1984; Yavas, Hernandorena e Lamprecht, 1991;Hernandorena, 1993; Lamprecht, 1993).Abor<strong>da</strong>gens concorrentes (Culbertson e Tanner, 2001)aludem a uma dicotomia próxima confrontando adesigna<strong>da</strong>«abor<strong>da</strong>gem tradicional» com a «fonológica».À luz desta visão, a segun<strong>da</strong> marcar-se-ia pela ênfase emregras linguísticas governantes <strong>da</strong> formação de sílabas eserviria melhor a intervenção em crianças com déficesacentuados. A abor<strong>da</strong>gem tradicional é indica<strong>da</strong> para ascrianças cuja fala difere <strong>da</strong> fala padrão apenas em algunsfonemas ou para as que necessitam apenas de estimulaçãoorosensoriomotora.A toma<strong>da</strong> em conta desta distinção vem permitir a delimitaçãode um grupo de crianças designáveis como «portadorasde um desvio linguístico do tipo fonológico»(Lamprecht e Hernandorena, 1988, p.59), caracterizando-seestas por uma inadequação no seu sistemafonológico sem que, contudo, se possa afirmar que sejamincapazes de utilizar os sons de forma sistemática. Talcomo afirma Ingram (1976), as fonologias destas criançasconstituem um sistema, ain<strong>da</strong> que este tenha característicasdiferentes de um sistema fonológico consideradocomo normal.Dir-se-á, em suma, que a procura de tal sistematici<strong>da</strong>delinguística no desvio foi uma conquista <strong>da</strong>s teorias fonológicas.Nesse sentido, o percurso histórico formado78


pelos grandes sistemas de avaliação fonético-fonológicareflecte a preocupação crescente com esta concepçãodual do desvio. Actualmente, a avaliação é, na ver<strong>da</strong>de,ca<strong>da</strong> vez mais sensível à definição de padrões desviantesestritamente vinculados a aspectos linguísticos (desviosfonológicos) sem que haja com isto uma necessi<strong>da</strong>desimultânea de especificação <strong>da</strong> causa desse desvio. A estepropósito, Sanclemente (1995) sublinha a tendênciahistórica – no âmbito <strong>da</strong> avaliação <strong>da</strong> linguagem – parao deslocamento desde a obtenção «...de uma medi<strong>da</strong> ouuma classificação patológica» no sentido dos modelos«...actuais, nos quais o objectivo é proporcionar ao clínicoto<strong>da</strong> uma série de métodos, técnicas e instrumentosque lhe permitam caracterizar essa linguagem, determinarse existem necessi<strong>da</strong>des educativas específicas e proporcionaro máximo de orientações possíveis para aintervenção educativa» (p.76). Correlativamente, odiagnóstico de desvios fonéticos é ca<strong>da</strong> vez mais claro,associando-se- este sim – à procura de uma causa identificáveltanto a nível orgânico como psicomotor.Níveis e instrumentos de avaliação:uma propostaExpomos aqui os instrumentos e técnicas de avaliaçãoaplica<strong>da</strong>s ao caso em análise. Tal como atrás foi referenciado,as dimensões léxico – semântica, morfossintácticae pragmática não são aqui alvo de atenção, mas sim afonético-fonológica . Contudo, oferecer-se-ão algumaspautas que poderão constituir indicadores válidos para aanálise <strong>da</strong>s mesmas, bem como os princípios que lhessubjazem .A preferência ofereci<strong>da</strong> aqui à avaliação fonológicaprende-se com vários factores. Por um lado, a emergência<strong>da</strong> fonologia infantil constitui o primeiro indicador dodesenvolvimento linguístico <strong>da</strong> criança . Por outro, a criançaapresenta atraso na aquisição <strong>da</strong> linguagem sempre queesta dimensão se encontra comprometi<strong>da</strong>. Um terceirofactor prende-se com a necessi<strong>da</strong>de de encontrar ou pesquisaro tipo de processos ou ocorrência de erros/desviosde forma a direccionar uma ulterior reeducação.As lacunas manifestas nesta dimensão linguística podemjustificar uma terapêutica que contempla aspectos demotrici<strong>da</strong>de, de percepção ou ambos. A opção por ca<strong>da</strong>um deles requer concludente análise dos défices em causa.A perspectivação <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de linguísticanuma totali<strong>da</strong>de biopsicossocialO pressuposto de que a activi<strong>da</strong>de linguística é indissociáveldo quadro geral de desenvolvimento implica, nomomento <strong>da</strong> avaliação, a delimitação prévia do quadrode competência cognitiva, motora e socioafectiva <strong>da</strong>criança.O traçado preliminar do percurso temporal biopsicossocialque antecede a configuração desenvolvimentalpresente no momento <strong>da</strong> consulta (anamnese) constitui aprimeira fonte de informação, passível de dirigir ulterioresexplorações. Para além <strong>da</strong> história familiar <strong>da</strong>criança, importa considerar os eventos pré, peri e pós-nataisinerentes ao nascimento, fazendo suceder-lhes um traçadosucinto <strong>da</strong>s vicissitudes inerentes ao processo global dedesenvolvimento. Através do informador presente, é obtidoum relato indirecto cujos componentes podem, emsegui<strong>da</strong>, ser revistos por observação directa.Em obediência a um princípio de despistagem preliminarde factores anatomofisiológicos incidentes na competênciapara a fala, a observação directa deve incidirprioritariamente na ánalise <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de estrutural efuncional <strong>da</strong> motrici<strong>da</strong>de fonoarticulatória com seus órgãosfixos e móveis, bem assim como a prática de hábitos dealimentação e outros (por exemplo, o uso frequente e79


prolongado de chupeta, dedo, etc.) que indirectamentepodem interferir no acto de produção verbal oral.Activi<strong>da</strong>de linguística: compreensão eexpressãoA avaliação dos dois processos inerentes ao uso <strong>da</strong> linguagem– compreensão e expressão – beneficia <strong>da</strong> aplicaçãode estratégias múltiplas, passíveis de cobrir níveise manifestações diversas. No caso <strong>da</strong> compreensão, éimportante apreciar, por um lado, os comportamentos<strong>da</strong> criança em contextos de diferente exigência cognitiva,correlativos de diferentes níveis de processamentosemântico.Sugerimos aqui algumas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des passíveis deextracção de <strong>da</strong>dos pertinentes para um perfil perilinguístico.A – Memória Sequencial Auditiva: a retenção auditiva dematerial oral é indissociável <strong>da</strong> compreensão linguística,seja este linguístico ou não. Apresentamos, para tal, umatécnica de avaliação incidente na retenção de listas denúmeros, palavras, pseudopalavras e sílabas, registando --se assim o nível de sucesso obtido numa tarefa de repetiçãooral.As diferenças na retenção de palavras e pseudopalavrassão particularmente relevantes para a determinação dopeso de materiais com significado (palavras) na competênciamnésica.A importância deste tipo de registos vincula-se à capaci<strong>da</strong>de<strong>da</strong> criança para reter e organizar sequências desons, de acordo com o modelo que a própria língua lheoferece. Vários são os trabalhos que relacionam as dificul<strong>da</strong>desde aprendizagem linguística com os défices naretenção e organização dos elementos sonoros <strong>da</strong> língua.A constatação <strong>da</strong> tardia aquisição de palavras polissilábicase baixa frequência de uso é deste facto um <strong>da</strong>do fàcilmentecomprovado.B – Percepção e Discriminação AuditivaVárias poderão ser as activi<strong>da</strong>des leva<strong>da</strong>s a cabo nesteapartado, cumprindo o objectivo de comprovar a precisãodiscriminativa que a criança apresenta relativamenteaos sons em geral e aos sons <strong>da</strong> fala em particular.As lacunas aqui verifica<strong>da</strong>s reflectem as dificul<strong>da</strong>deslatentes para a análise <strong>da</strong> <strong>da</strong> linguagem fala<strong>da</strong>.Desta forma, sugerimos que a repetição de estruturasrítmicas a partir de um modelo produzido pelo adulto,bem assim como a discriminação fonética de pares defonemas consonânticos, vogais e pares mínimos de palavras,constituam um momento particularmente relevanteneste primeiro bloco, que pretende analisar odomínio perilinguístico.C – Compreensão linguística e competência semânticaNa dimensão <strong>da</strong> compreensão, a activi<strong>da</strong>de linguísticaé indissociável <strong>da</strong> competência semântica <strong>da</strong> criança.A competência semântica deve ser entendi<strong>da</strong> como apossibili<strong>da</strong>de de referir o real através <strong>da</strong> linguagem, apelandoao processamento <strong>da</strong> informação sobre o mundonum conjunto de representações mentais associa<strong>da</strong>s asignificantes verbais. Neste sentido, os instrumentos etécnicas dirigidos à determinação de um nível de compreensãolinguística apelam a factores de desenvolvimentocognitivo associados a múltiplos níveis deprocessamento. Nesta análise propomos as seguintesabor<strong>da</strong>gens:C1 – Avaliação <strong>da</strong> compreensão de enunciados sob forma de ordens<strong>da</strong><strong>da</strong>s à criança: o técnico dirige um pedido/ordem àcriança (exemplo: «dá-me o lápis»), solicitando uma oumais acções. A complexi<strong>da</strong>de do pedido, correlativa donúmero de ideias subjacentes, é manipula<strong>da</strong> tendo emconta dimensões como o envolvimento de relações80


espaciais entre dois objectos («Agarra o lápis dentro doestojo»), de orações subordina<strong>da</strong>s («Dá-me o lápisquando eu contar até Três»), de orações coordena<strong>da</strong>s(«Dá-me o lápis e senta-te») ou de sistemas de.categorizaçãosegundo duas dimensões («Dá-me o lápis vermelhoe grande»). A criança é posiciona<strong>da</strong> num níveldeterminado, em função do ponto de ocorrência deinsucesso ao longo deste processo de complexificação.Deve salientar-se que esta técnica apela à manifestação<strong>da</strong> compreensão linguística de uma forma especialmentepura, uma vez que a resposta <strong>da</strong> criança é <strong>da</strong><strong>da</strong> apenassob forma de acção, sem qualquer necessi<strong>da</strong>de deexpressão verbal.C2 – Compreensão Linguística: Avaliação <strong>da</strong> aquisição de ÍndicesBásicos de Compreensão (IBC) com suporte em gravuras ou perguntasdirectas.Para análise deste item devem ser <strong>da</strong><strong>da</strong>s respostas a umconjunto de questões envolvendo os elementos gramaticais«Onde? De onde? Quem? De quem? Com quem?A quem? Para quê? Para onde? Quantos? Qual / quais?Porquê? Quando?». Poderá ser apresenta<strong>da</strong> uma gravuraà criança, contendo várias acções simultâneas.Inicia-se o processo com uma exploração sumária doconteúdo <strong>da</strong> gravura, feita pelo próprio examinador. Nocaso de existirem dúvi<strong>da</strong>s quanto à competência dereconhecimento dos objectos/elementos presentes, oexaminador deverá solicitar à criança uma nomeaçãopreliminar («O que é...?). Segue-se a aplicação de questõessegundo as questões adstritas a ca<strong>da</strong> um dos IBC.Salienta-se que o nível <strong>da</strong> comrpeensão linguística estáassociado à questão do examinador, já que a compre -ensão dos conteúdos <strong>da</strong> gravura assenta no reconhecimentovisual dos elementos gráficos. Ao contrário <strong>da</strong>técnica anteriormente referi<strong>da</strong> (compreensão de ordense resposta sob forma de acção), aqui a criança deveexprimir-se verbalmente para manifestar o seu nível decompreensão. O comportamento <strong>da</strong> criança é alvo deavaliação em termos de IBC adquiridos. Ca<strong>da</strong> indicadorpode ser classificado como não adquirido, adquirido ouemergente. Para que esta última classificação seja atribuí<strong>da</strong>,o comportamento linguístico perante a gravurafalha mas, questiona<strong>da</strong> num outro contexto – sobre umaspecto <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> quotidiana – a partir do mesmoIBC, a criança obtém sucesso.C3 – Avaliação <strong>da</strong> compreensão de conceitos espacio- temporais apartir de gravuras ou objectos em distintos espaços ou posições.Para a avaliação deste apartado pode ser ofereci<strong>da</strong> umagravura que representa um conjunto de objectos de elevadograu de familiari<strong>da</strong>de e colocados sob um determinadomóvel. Esta sugestão advém <strong>da</strong> nossa prática com agravura designa<strong>da</strong> «a secretária», a qual faz parte de umconjunto de materiais de avaliação <strong>da</strong> compreensão linguística.Para conseguir o objectivo proposto, é dirigido à criançaum conjunto de questões fecha<strong>da</strong>s («O lápis está emcima ou em baixo <strong>da</strong> secretária?»), apelando à escolha deuma entre duas opções de resposta <strong>da</strong><strong>da</strong>s (cima/baixo,no exemplo <strong>da</strong>do). As opções de resposta cobrem oseguinte espectro de oposições: Atrás / à frente; Cheio /vazio; Dentro / fora; Em cima / em baixo; Alto/ baixo;Aberto / fechado; Longe / perto; Grosso / fino; Curto /comprido; Grande / pequeno.C4 – Avaliação <strong>da</strong> Compreensão: categorizaçãoUma sugestão para avaliação deste item poderá ser to<strong>da</strong>aquela gravura ou objectos reais que contenham objectosou elementos classificáveis como animais, frutas,meios de transporte e móveis. São dirigidos à criançapedidos («Quero que me mostres as frutas») e questões(«Quantos animais há?»), e a resposta obti<strong>da</strong> é li<strong>da</strong>como indicador <strong>da</strong> competência de categorização, solicita<strong>da</strong>pela expressão linguística do examinador.81


C5 – Avaliação <strong>da</strong> Compreensão de Ordens Simples, Complexas deselecção e execuçãoEste tipo de tarefas envolvem activi<strong>da</strong>des de memória epode multiplicar o poder do pensamento em extensão erapidez. Um clássico exemplo deste tipo de activi<strong>da</strong>despode ser aquele que ordena à criança: «dá-me o lápis» queestá por baixo <strong>da</strong> mesa ou ain<strong>da</strong>: «mostra-me a gravura quetem duas portas e quatro janelas pinta<strong>da</strong>s de amarelo».C6 – Compreensão de situaçõesA linguagem representa um papel de grande relevo emrelação a outros elementos semióticos (imagens, etc.)construídos pelo indivíduo na medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s suas necessi<strong>da</strong>des.Uma vez que a linguagem está elabora<strong>da</strong> socialmentee contém um conjunto de instrumentoscognitivos (relações, classificações, etc.) ao serviço dopensamento, entendemos que uma activi<strong>da</strong>de cognitivadesta natureza pode oferecer excelentes indicadores <strong>da</strong>«ideia» que a criança detém acerca <strong>da</strong>s relações entre os<strong>da</strong>dos do seu quotidiano existencial, reflectindo-se naforma de usar a sua linguagem produtiva. Exemplo destetipo de activi<strong>da</strong>des podem constituir-se como perguntasdo tipo: «que farias se te queimasses ou se alguém teempurrasse na rua?»C7 – Reconto de pequeno texto e extracção de inferênciasA estratégia de reconto utiliza grande parte de todos osítems atrás assinalados: memória sequencial, indicadoresbásicos de compreensão, categorização. Para alémdestes <strong>da</strong>dos revela ain<strong>da</strong> a capaci<strong>da</strong>de de manifestar acoesão, organização e sequenciação de acontecimentos,através de um conjunto de enunciados que materializamum pensamento dedutivo.D – Vertente <strong>da</strong> expressãoNo âmbito <strong>da</strong> expressão, a necessi<strong>da</strong>de primeira é a deconsiderar as dimensões <strong>da</strong> linguagem – léxico, morfossintaxee fonético-fonologia. Algumas <strong>da</strong>s técnicas aplica<strong>da</strong>sà compreensão são aqui reutilizáveis, sendo, noentanto, necessário, obter amostras expressamente paraeste fim. Ao servir a avaliação do processo expressivo, asinteracções verbais – decorrentes do contacto não controladoexaminador-examinando informais servemain<strong>da</strong> para a avaliação <strong>da</strong> pragmática.D1-Expressão e LéxicoA avaliação do Léxico expressivo suporta-se na análisede to<strong>da</strong>s as emissões verbais <strong>da</strong> criança. Os instrumentosatrás apresentados – tarefas de categorização e verbalizaçãoperante as gravuras contendo acções e relaçõesespaciotemporais – são passíveis de eliciar expressãoverbal e, em consequência, de permitir a inspecção doacesso produtivo <strong>da</strong> criança a palavras de diferentes classes(nomes, verbos, adjectivos). Também as interacçõesinformais com a criança podem oferecer <strong>da</strong>dos sobreeste nível de domínio linguístico. Finalmente, a tarefa denomeação de imagens pode ain<strong>da</strong> constituir uma fontepara esta tipo de caracterização – podendo contabilizar --se a medi<strong>da</strong> em que a criança precisa de imitar a produçãoadulta do modelo fonológico para nomear aimagem, isto é, se possui domínio lexical alargado.Paralelamente poderá também aqui ser usado como instrumentoválido o teste Peabody, vali<strong>da</strong>do para o PortuguêsEuropeu.D2 – Expressão e MorfossintaxeConquanto que qualquer situação de expressão verbalserve a avaliação do Léxico, apenas um discurso fluente –conversacional – pode eluci<strong>da</strong>r sobre o domínio morfossintáctico.O domínio morfossintáctico apela simultaneamenteà Morfologia (variabili<strong>da</strong>de na forma <strong>da</strong>s palavras emcontexto de frase) e à Sintaxe (conjunto de padrões eestruturas hierárquicas conducentes à emissão de frases).Um instrumento privilegiado para a avaliação destasdimensões é o discurso fluente obtido durante a conversaçãoacerca de uma gravura representativa de diversas82


acções simultâneas. A análise <strong>da</strong>s interacções informaisé, também, aqui relevante.As preocupações de análise devem centrar-se nos registosou categorias gramaticais: adequado uso de pronomes,advérbios, flexão verbal e nominal, conjunções, preposições.D3 – Expressão: Fonético-fonologiaContrariamente à morfossintaxe, a dimensão fonético --fonológica beneficia <strong>da</strong> solicitação de um conjuntoespecífico de estímulos, conjunto que possa compreenderuma varie<strong>da</strong>de de dimensões que respeitam a singulari<strong>da</strong>dedo sistema <strong>da</strong> lingua em causa. O recurso a umteste articulatório permite atingir este objectivo.Propomos aqui uma prova de avaliação fonológica constituí<strong>da</strong>por 62 imagens pré-selecciona<strong>da</strong>s que a criança éconvi<strong>da</strong><strong>da</strong> a nomear enquanto palavras isola<strong>da</strong>s. Noconjunto dos estímulos linguísticos implicados são contempla<strong>da</strong>svárias situações respeitantes à longitude <strong>da</strong>palavra (número de sílabas), ao acento de palavra, composiçãofonémica e composição em termos de formatossilábicos (CV, CCV, CVC, etc.). A solicitação destesníveis de diversi<strong>da</strong>de linguística permite aceder ao oespectro de padrões sonoros que a criança conseguearticular (fonética) no contexto <strong>da</strong> palavra de uma línguaconcreta (fonologia).D4 – Expressão e PragmáticaA existência de tipologias de avaliação do uso <strong>da</strong> linguagemem contexto comunicacional (Pragmática) nãoobvia a que seja feita uma avaliação geral deste nível decompetências com base apenas nas interacções desenvolvi<strong>da</strong>sdurante a sessão de avaliação. Importa aquiconsiderar a adequação <strong>da</strong>s intenções comunicativas aocontexto, bem como a forma como essas intenções sãoveicula<strong>da</strong>s do ponto de vista linguístico. O respeitopelos turnos de conversação, a manipulação dos temasde conversação com coerência discursiva, a adequaçãoao interlocutor e ao contexto e o uso correcto de convençõessociolinguísticas são itens a ter em conta emqualquer tipo de observação linguística.Caso ClínicoAnamnese – Dados GlobaisHistória FamiliarM., criança do sexo masculino, apresenta, actualmente,uma i<strong>da</strong>de cronológica de 10 anos e 2 meses. É oquarto filho de quatro irmãos de uma família de nívelsocioeconómico considerado baixo. Os pais, divorciadosapós o terceiro mês de nascimento deste filho,constituíram, ca<strong>da</strong> um deles, novo agregado familiar.Ambos os progenitores têm vindo a passar por contextospessoais de grande complexi<strong>da</strong>de os quais oscilamentre o uso de substâncias tóxicas, reclusão e domíniossócio-afectivos de grande instabili<strong>da</strong>de.Até aos oito anos de i<strong>da</strong>de, M. teria ficado entregue aoscui<strong>da</strong>dos dos irmãos mais velhos e de avós idosos comparcos recursos económicos. Alguns <strong>da</strong>dos obtidosjunto de elementos <strong>da</strong> instituição que actualmente acriança frequenta – e após uma primeira avaliação <strong>da</strong>linguagem – referem que esta teria sido vítima denegligência por parte dos avós (na ausência de pais, porreclusão), no que diz respeito a cui<strong>da</strong>dos básicos desaúde, higiene e de alimentação, tendo-se efectuado,praticamente, na rua, o seu processo de socialização.Actualmente, o contexto socio-familiar e emocional <strong>da</strong>mãe ain<strong>da</strong> não se encontra estabilizado de molde a fazerface à educação e subsistência dos filhos. Neste contexto,a opção toma<strong>da</strong> foi a de distribuir as crianças por diversosestabelecimentos de assistência a menores.O percurso escolar de M. passou pela frequência do 1ºciclo num bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de do Porto onde a grande maioriados seus moradores apresenta sérias dificul<strong>da</strong>des económicase múltiplas problemáticas de cariz psicossocial.83


Tendo frequentado a escola oficial deste conglomeradohabitacional durante o 1º e 2º anos do primeiro ciclo,teria ficado retido no 2º ano em virtude de uma aprendizageminsuficiente para a qual muito contribuiu a falta deassidui<strong>da</strong>de escolar. Considerando tratar-se de umacriança em risco socioeducacional, o Tribunal de Protecçãode menores retirou-o <strong>da</strong> família (avós) quando M.apresentava 8 anos de i<strong>da</strong>de, tendo este ficado sob alça<strong>da</strong>de uma instituição de apoio a crianças no que a educação,escolari<strong>da</strong>de e subsistência diz respeito. Por incapaci<strong>da</strong>dede resposta aos problemas de agressivi<strong>da</strong>de de M., a instituiçãoatrás referi<strong>da</strong> levou a cabo a transferência destepara um outro espaço institucional, passando a frequentara escola oficial desta nova área de residência onde,actualmente, frequenta o 3º ano de escolari<strong>da</strong>de.O motivo <strong>da</strong> consulta para avaliação <strong>da</strong> linguagem partiu<strong>da</strong> Professora desta instituição, a qual – por conhecimentoparticular e em face do conglomerado de dificul<strong>da</strong>desobserva<strong>da</strong>s – pediu aju<strong>da</strong> no sentido de maximizar estratégiasreeducativos a aplicar, tornando assim a linguagemdesta criança mais funcional. Seria, pois, uma consulta deavaliação <strong>da</strong> linguagem tendente a oferecer algumas pistasde reeducação linguística em contexto escolar com umaDocente que tinha levado a cabo uma pós-graduação emNecessi<strong>da</strong>des Educativas Especiais e se confrontava agoracom um perfil linguístico de grande complexi<strong>da</strong>de.Gravidez, parto e pós-partoTodos os <strong>da</strong>dos a este propósito obtidos foram oferecidospela instituição sob alça<strong>da</strong> <strong>da</strong> qual se encontra estacriança. Tais <strong>da</strong>dos, de carácter muito genérico, apontampara uma gravidez não deseja<strong>da</strong>, de termo e na materni<strong>da</strong>de.Os períodos pré, peri e pós-natal teriam decorridosem problemas dignos de relevo.Doenças na primeira infânciaExistem registos de otites e de problemas respiratórios(presença de asma) até aos dois anos de i<strong>da</strong>de.Ain<strong>da</strong> que frequente uma instituição e se desloque apenasao contexto sócio-familiar actual constituído pelamãe – afasta<strong>da</strong> do pai <strong>da</strong>s crianças e vivendo com umcompanheiro – a situação de M. faz-nos pensar emnegligência de cui<strong>da</strong>dos básicos de higiene e, eventualmente,maus tratos, uma vez que não tem sido rara aobservação, por parte <strong>da</strong> escola, de diversos hematomasapós final de semana com a família..Desenvolvimento global (área socioafectiva, motora e comunicacional )Entre os aspectos a assinalar, refere-se que M. foi amamentadoartificialmente. O percurso até à marcha foiadquirido de forma normativa, assim como o respeitanteà expressão <strong>da</strong>s primeiras palavras. O desfralde foifeito na i<strong>da</strong>de normal.O sono de M. é agitado e perturbado, com pesadelos.Do ponto de vista afectivo, M. é apresentado comouma criança com dificul<strong>da</strong>des no contacto interpessoal.A Directora <strong>da</strong> Instituição, Encarrega<strong>da</strong> de Educação deM., refere-o como uma criança emocionalmente muito«instável, carente, muito impulsiva, porém justa e compreensivaAcrescentou que M. adora a mãe e os irmãos,visita o pai com pouca regulari<strong>da</strong>de e passa todos os fins --de-semana em casa <strong>da</strong> mãe.A professora refere-o como uma criança muito problemáticae conflituosa, apresentando problemas de linguagem,dificul<strong>da</strong>des de atenção/concentração e deaprendizagem em geral.Motrici<strong>da</strong>de fonoarticulatóriaAo nível <strong>da</strong> motrici<strong>da</strong>de fonoarticulatória não se observamproblemas. A implantação dos dentes, a coordenação<strong>da</strong> língua e lábios, assim como os movimentos dosmaxilares exibem uma funcionali<strong>da</strong>de normativa.84


Retenção auditivaRelativamente à retenção de sequências numéricas, M.errou pelo menos uma em ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s sequências dedois/ três elementos e errou duas nas sequências de quatroelementos. Repetiu correctamente as sequências depalavras do mesmo campo semântico com dois elementose, no conjunto de sequências de três elementos,repetiu apenas dois elementos; nas sequências de quatroelementos, repetiu dois e acrescentou palavras novas.Nas sequências de palavras de distintos campos semânticos,nos grupos de quatro elementos, repetiu três; nassequências de cinco elementos, repetiu três; nas pseudopalavras(conjuntos de dois elementos), repetiu omesmo número, mas não as formas correctas; a partir detrês elementos, omitiu umas e repetiu outras, mas tambémsubstituiu os fonemas; por fim, nas sílabas emsequência, verificamos que a partir de três sílabas predominamas omissões e substituições, desrespeitandoassim as propostas de sequenciação e memorização.Repetição de estruturas rítmicasA repetição de estruturas rítmicas a partir de ummodelo produzido pelo adulto apresentou lacunas relevantespara esta i<strong>da</strong>de, uma vez que o máximo de êxitoconsistiu na reprodução de séries com três batimentosnão intervalados. A discriminação fonética em pares deconsoantes apresentou maior êxito, porém na discriminaçãode pares mínimos de palavras o êxito foi menosevidente.Trata-se, pois, de uma criança com lacunas na discriminaçãoe percepção de elementos perilinguísticos os quaisse constituem como indicadores válidos para a aprendizagem<strong>da</strong>s nuances <strong>da</strong> língua e se vinculam, com frequência,a aspectos globais de aprendizagem.Análise de produçõesFonético-fonológicasA tarefa de nomeação de imagens constitui um procedimentolargamente utilizado para verificar, com detalhe,uma fala nem sempre inteligível. Os resultados obtidos,na prova articulatória, com esta criança, são traduzidosna tab. 1.Para a tipificação do erro, foram tidos em conta o tipo deprocesso fonológico observado (omissão, substituição,harmonia ou epêntese), o alvo fonémico do mesmo, oformato silábico em que ocorre e a posição <strong>da</strong> sílaba afecta<strong>da</strong>na palavra. Para a descrição do fonema afectado usaram-seas classes de modo (oclusivas, fricativas, líqui<strong>da</strong>s).Quanto à tipologia de processos fonológicos aqui aplica<strong>da</strong>,importa delimitar os âmbitos de ca<strong>da</strong> um. A omissãocorresponde à emissão <strong>da</strong> palavra alvo com ausênciade uma sílaba ou fonema. Ao contrário, a substituição correspondeà troca de um fonema por outro (o número defonemas é mantido), podendo esta troca ocorrer entredois elementos <strong>da</strong> mesma classe de modo (interfricativas,interoclusivas, interlíqui<strong>da</strong>s) ou a classes distintas(extrafricativas, extraoclusivas e extralíqui<strong>da</strong>s). A harmoniaconstitui um caso particular de substituição, no qualo fonema substituto existe na palavra em causa, ocorrendoum processo de «contaminação». A epêntese consistena inserção de um fonema, aumentando o númerode fonemas <strong>da</strong> palavra com possível alteração <strong>da</strong> suaestrutura silábica. Finalmente, a classificação de distorçãoé aplica<strong>da</strong> quando ocorrem dois erros numa palavramono ou dissilábica e mais de dois erros quando é tri oupolissilábica, tornando-a de difícil compreensão.As variantes dialectais (formas de articulação associa<strong>da</strong>sa uma <strong>da</strong><strong>da</strong> região) não são considera<strong>da</strong>s como processosfonológicos.85


Tab. 1. Tipificação dos erros. A ausência de indicações na coluna relativa a tipificação de erro corresponde à articulação correcta <strong>da</strong> palavra pela criança.Estímulo O que a criança diz Tipificação do Erro CodificaçãoSAMPAEscrita literal1. Almofa<strong>da</strong> [mufad6] mufa<strong>da</strong> Omissão de sílaba inicial em polissílabo Omi si poli2. Árvore [ab@] abe Omissão líqui<strong>da</strong> /r/ em VC inicialOmissão de vogal /u/ em CV medial.Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CV final3. Banho4. Barba [bag6] baga Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CVC inicial.Substituição intraoclusivas com anteriorização: /b/ por /g/ em CV final.DistorçãoDistorção5. Brincos [b uS] bincos Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV inicial. Omi /r/ CCV6. Botões7. Borboleta [bubulet6] bobuleta Omissão de líqui<strong>da</strong> vibrante /r/ em CVC inicial. Omi /r/ CVC8. Bicicleta [Sit@lEt6] xiteleta Omissão de sílaba inicial em polissílabo. Substituição Intrafricativa com troca de lugarde articulação: /s/ por /S/Substituição Intraoclusiva /k/ por /t/.Epêntese de vogal neutra.9. Casaco10. Iogurte [6gut@] agute Omissão de semivogal /j/ em ditongo crescente.Substituição de vogal /o/ por /6/Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CVC medial11. ChapéuDistorçãoDistorção12. Cobra [kOb6] coba Omissão de líqui<strong>da</strong> vibrante /r/ em CCV final. Omi /r/ CCV13. Coelho14. Caracol15. Crocodilo [kukulilu] cocolilo Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV inicial.Harmonia consonântica anterior com substituição do /d/ por /l/.Omi /r/ CCVHar ant sub d/l16. Erva [Ev6] eva Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em VC inicial. Omi /r/ VC17. Descalçar. [d6Skawsar] descauçar Semivocalização de líqui<strong>da</strong> /l/ por semivogal /w/ em CVC medial Semiv l/w18. Dragão [d6gãw] <strong>da</strong>gão Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV inicial. Omi /r/ CCV19. Esca<strong>da</strong>20. Estrela [iStel6] istela Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV meio. Omi /r/ CCV21. Escrever [iSk@ver] isquever Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV meio. Omi /r/ CCV22. Faca23. Fecha<strong>da</strong>24. Floresta [f@lulESt6] felulesta Epêntese de vogal neutra.Harmonia consonântica posterior com substituição do /r/ por /l/.Ep vogal neutraHar post sub r/ l25. Flor [f@lor] felor Epêntese de vogal neutra. Ep vogal neutra26.Fotografia [tug6fi6] tugafia Omissão de sílaba em polissílabo.Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV medial.Omi si poliOmi /r/ CCV86


Estímulo O que a criança diz Tipificação do Erro CodificaçãoSAMPAEscrita literal27. Fral<strong>da</strong> [fald6] fal<strong>da</strong> Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCVC inicial. Omi /r/ CCVC28. Frasco [faSku] fasco Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCVC inicial. Omi /r/ CCVC29. Fruta [fut6] futa Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV inicial. Omi /r/ CCV30. Garrafa [R6Raf6] rarrafa Harmonia consonântica anterior com substituição de /g/ por /R/ Har ant sub g/R31. Grande [6~d@] ãnde Omissão do grupo consonântico inicial /gr/ em CCV~ Omi /gr/ em CCV32. Gelado [Zuladu] julado Substituição de Vogal em CV inicial Sub /@/ (vogal neutra) por /u/33. Livro [libu] Libu Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV final. Omi /r/ CCV34. Maçã35. Mesa36. Mãos37. Magro [magu] mago Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV final. Omi /r/ CCV38. Nariz39. Panela40. Pistola [f@StOl6] festola Substituição extraoclusiva /p/ por /f/ em CVC inicial.Substituição de vogal por vogal neutra em CVC inicialSub p/fSub /i/ por vogal neutra41. Planta [p@l6~t6] pelanta Epêntese de vogal neutra. Ep vogal neutra42. Pijama [piZ6m@] pijame Substituição de vogal final. Sub /6/ por vogal neutral43. Prato [patu] pato Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV inicial. Omi /r/ CCV44. Peixe45. Quadro [kwadu] quado Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV final. Omi /r/ CCV46. Quatro [kwatu] quato Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV final. Omi /r/ CCV47. Quadrado [kw6<strong>da</strong>du] qua<strong>da</strong>do Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV meio. Omi /r/ CCV48. Relógio [R@lOZu] relójo Omissão de vogal em CVG final Omi vog /i/49. Sapato50. Cigarro [siRaRu] cirrarro Harmonia consonantal anterior com substituição de /g/ por /R/ Har ant sub g/R51. Sopa52. Senhora53. Sol54. Telefone [t@fOn@] tefone Omissão de sílaba em polissílabo. Omi si poli55. Telhado56. Tartaruga [t6t6rug6] tataruga Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CVC inicial. Omi /r/ CVC57. Três [teS] tês Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCVC Omi /r/ CCVC58. Triciclo [t@lisiklu] teliciclo Epêntese de vogal neutraSubstituição de líqui<strong>da</strong> /r/ por /l/ em CCV inicialEp @ Sub r/l CCV59. Vela [bEl6] bela Variante dialectal60. Zebra [zeb6] zeba Omissão de líqui<strong>da</strong> /r/ em CCV final. Omi /r/ CCV61. Dedo62. Queijo87


Uma leitura dos <strong>da</strong>dos tendo em conta o desempenhopor formatos silábicos revela, de imediato, uma dificul<strong>da</strong>declara com os formatos do tipo CCV e CCVC. Emcerca de 80% (19 em 25) <strong>da</strong>s sílabas deste tipo ocorre aomissão <strong>da</strong> líqui<strong>da</strong> como segun<strong>da</strong> consoante do formatoCCV/CCVC, correspondendo aos casos em que asegun<strong>da</strong> consoante é ocupa<strong>da</strong> pela líqui<strong>da</strong> /r/. Ocorre,num dos casos de grupo consonantal /tr/ (triciclo), asubstituição <strong>da</strong> líqui<strong>da</strong> vibrante /r/ pela líqui<strong>da</strong> lateral /l/.O fonema /l/, quando na mesma posição (segun<strong>da</strong> consoante),não induz o processo de omissão, mas antes ode epêntese de vogal. Por consequência, os restantes20% estão associados ao fonema /l/ no mesmo tipo deformato (CCV).Desta forma, a adulteração dos fonemas /l/ e /r/ em gruposconsonantais ou sílaba do tipo CCV ocupa, pois,valores significativamente superiores quando do /r/ setrata.Deve sublinhar-se que o recurso ao processo de omissãocorresponde a um estadio arcaico de relação com estesformatos, constituindo, por exemplo, um hipotéticoprocesso de metátese (parto por prato, por exemplo)um recurso consideravelmente mais sofisticado e correspondentea períodos de domínio linguístico maispróximos <strong>da</strong> realização do modelo linguístico adequado.Saliente-se, finalmente, que o processo de omissão do/r/ enquanto segun<strong>da</strong> consoante está associado a todosos grupos consonantais e a to<strong>da</strong>s as posições <strong>da</strong> sílaba napalavra (inicial, medial e final).Nos formatos CVC/VC, dos quais podem ser exemplo aprimeira sílaba <strong>da</strong>s palavras «barba»/»erva», o recursodominante é também a omissão <strong>da</strong> líqui<strong>da</strong> /r/. Este é aplicado,sempre que existe uma sílaba do tipo CVC/VC comfonema /r/ em final de sílaba no início <strong>da</strong> palavra – tartaruga,barba, borboleta, erva, árvore. Em posição medial,encontramos ain<strong>da</strong> afecta<strong>da</strong> a sílaba CVC <strong>da</strong> palavra«iogurte». Existe, na totali<strong>da</strong>de, uma percentagem de100% de erro na realização do /r/ em início de palavra.As dificul<strong>da</strong>des com os polissílabos revelam-se na presençade omissões de sílaba, em alguns casos integrantesde um processo de distorção que atesta um claro nãodomínio a este nível. Num conjunto de sete estímulospolissilábicos, observa-se a ocorrência de três processosde omissão de sílaba. Sendo um processo consideradoarcaico no desenvolvimento linguístico, revela a dificul<strong>da</strong>de<strong>da</strong> criança para se confrontar com palavras degrande extensão e maior dificul<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> quando seacresce a falta de familiari<strong>da</strong>de com o vocábulo.Ocorrem três casos de substituição no formato CV, duasdelas entre fonemas <strong>da</strong> mesma classe (a oclusiva /b/ por/g/, em «barba» por «baga» e a fricativa /s/ por /S/ em«bicicleta» por «xiteleta»). Ressalte-se que, em ambosos casos, ocorre uma posteriorização, ou seja, a substituiçãodo fonema alvo por um outro que é articulado emponto mais posterior no tracto vocal.A substituição extraclasse observa<strong>da</strong> (de oclusiva porfricativa, em «pistola» por «festola») constitui umaocorrência invulgar, na medi<strong>da</strong> em que suporta um processode substituição de uma consoante mais precocementeadquiri<strong>da</strong> (/p/) por uma consoante maistardiamente adquiri<strong>da</strong> (/f/).Verificam-se ain<strong>da</strong> três harmonias consonantais poranteriorização. Duas ocorrem por anteriorização (crocodilopor cocolilo; cigarro por cirrarro), e uma outrapor posteriorização (floresta por felulesta). Apesar deeste tipo de processos corresponder, normalmente, aperíodos precoces de desenvolvimento linguístico nacriança, a presença <strong>da</strong>s mesmas neste tipo de produçõesleva-nos a especular que elas possam estar associa<strong>da</strong>s aofactor <strong>da</strong> frequência de uso pela criança (menor emcigarro e floresta) e/ou a contextos fonológicos de maiorcomplexi<strong>da</strong>de, entre os quais se podem citar o maiornúmero de sílabas e a presença de formatos silábicosmais complexos (floresta, crocodilo).Dispensamo-nos de comentar os erros observados emvogais, já que constituem ocorrências de baixa frequência.88


SínteseFace ao exposto – e atendendo à i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> criança (10anos) – pode afirmar-se que o seu desempenho fonético-fonológicose encontra muito aquém do esperadopara a sua i<strong>da</strong>de cronológica. Na ver<strong>da</strong>de, aos cinco anosde i<strong>da</strong>de qualquer criança sem problemas no seu percursodesenvolvimental e linguístico já se encontra emposse de to<strong>da</strong>s as estruturas fonológicas–base. Por consequência,face aos resultados obtidos, esta criançamanifesta um domínio fonológico bastante instável,facto que se repercute em todos os domínios <strong>da</strong> aprendizageme <strong>da</strong> comunicação.De um ponto de vista qualitativo, é evidente a dificul<strong>da</strong>depara dominar o fonema /r/ nos formatos CCV eCCVC (todos os grupos consonantais com /r/), perseverandouma relação arcaica marca<strong>da</strong> pela omissão.No caso do /r/ nos formatos CVC/VC, parece estar emdecurso um processo de acesso aos mesmos, podendoser atribuí<strong>da</strong> uma classificação de realização emergente.Pelo contrário, no formato CV, o fonema /r/ é articuladocom bastante sucesso.Sugere-se que seja tal situação atendi<strong>da</strong> por profissional<strong>da</strong> área, com uma periodici<strong>da</strong>de tal que permita a eliminaçãodestes processos o mais rapi<strong>da</strong>mente possível, evitandopossíveis sequelas que deste facto sabemos advirem.Referências BibliográficasBERNHARDT, B. & Stoel Gammon, C. 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YAVAS, M., Hernandorena, C. & Lamprecht, R. (1991). Avaliação Fonológica<strong>da</strong> Criança. Porto Alegre: Artes Médicas.NOTA: O SAMPA é um sistema de notação de valores fonéticos que foicriado para simplificar a transcrição fonética em contextos ou suportes informáticos.Compreende, para além dos caracteres normais do alfabeto para amaioria dos fonemas, as seguintes convenções:6 – a em velaa – a em casae – e em mesaE – e em vela@ – e em grandeo – o em portoO – o em portaS – x em peixeZ – j em pijamaR – r em carro90

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