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Relíquias de Casa Velha

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-- Não.-- Nem para ver os termos?-- Não.-- Imagine que lhe proponho ir combater contra seu marido, matá-lo e voltar, disse eu cadavez mais tonto.-- Propõe isto?-- Imagine.-- Não creio que ninguém me ame com tal força, concluiu sorrindo. Olhe, que estão reparandoem nós.Dizendo isto, separou-se <strong>de</strong> mim, e foi ter com a tia e o poeta. Eu fiquei ainda algunssegundos com o livro na mão, como se <strong>de</strong>veras o examinasse, e afinal <strong>de</strong>ixei-o. Vim sentarme<strong>de</strong>fronte <strong>de</strong>la. Os três conversavam <strong>de</strong> cousas do Rio Gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong> combates entrefe<strong>de</strong>ralistas e legalistas, e da vária sorte <strong>de</strong>les. O que eu então senti não se escreve; pelomenos, não o escrevo eu, que não sou romancista. Foi uma espécie <strong>de</strong> vertigem, um <strong>de</strong>lírio,uma cena pavorosa e lúcida, um combate e uma glória. Imaginei-me no campo, entre uns eoutros, combatendo os fe<strong>de</strong>ralistas, e afinal matando João da Fonseca, voltando e casando-mecom a viúva. Maria Cora contribuía para esta visão sedutora; agora, que me recusara a carta,parecia-me mais bela que nunca, e a isto acrescia que se não mostrava zangada nem ofendida,tratava-me com igual carinho que antes, creio até que maior. Disto podia sair uma impressãodupla e contrária, -- uma <strong>de</strong> aquiescência tácita, outra <strong>de</strong> indiferença, mas eu só via aprimeira, e saí <strong>de</strong> lá completamente louco.O que então resolvi foi realmente <strong>de</strong> louco. As palavras <strong>de</strong> Maria Cora: "Não creio queninguém me ame com tal força" -- soavam-me aos ouvidos, como um <strong>de</strong>safio. Pensei nelastoda a noite, e no dia seguinte fui ao Engenho Velho; logo que tive ocasião <strong>de</strong> jurar-lhe aprova, fi-lo.-- Deixo tudo o que me interessa, a começar pela paz, com o único fim <strong>de</strong> lhe mostrar que aamo, e a quero só e santamente para mim. Vou combater a revolta.Maria Cora fez um gesto <strong>de</strong> <strong>de</strong>slumbramento. Daquela vez percebi que realmente gostava <strong>de</strong>mim, verda<strong>de</strong>ira paixão, e se fosse viúva, não casava com outro. Jurei novamente que ia parao Sul. Ela, comovida, esten<strong>de</strong>u-me a mão. Estávamos em pleno romantismo. Quando eunasci, os meus não acreditavam em outras provas <strong>de</strong> amor, e minha mãe contava-me osromances em versos <strong>de</strong> cavaleiros andantes que iam à Terra Santa libertar o sepulcro <strong>de</strong>Cristo por amor da fé e da sua dama. Estávamos em pleno romantismo.CAPÍTULO VFUI PARA O SUL. OS combates entre legalistas e revolucionários eram contínuos esangrentos, e a notícia <strong>de</strong>les contribuiu a animar-me. Entretanto, como nenhuma paixãopolítica me animava a entrar na luta, força é confessar que por um instante me senti abatido ehesitei. Não era medo da morte, podia ser amor da vida, que é um sinônimo; mas, uma ououtra cousa, não foi tal nem tamanha que fizesse durar por muito tempo a hesitação. Nacida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> encontrei um amigo, a quem eu por carta do Rio <strong>de</strong> Janeiro disseramuito reservadamente que ia lá por motivos políticos. Quis saber quais.-- Naturalmente são reservados, respondi tentando sorrir.

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