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Relíquias de Casa Velha

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lhe lembrava a entrega e a recusa da primeira e lhe pedia francamente a mão. Entreguei acarta, dous dias <strong>de</strong>pois, com estas palavras:-- Desta vez não recusará ler-me.Não recusou, aceitou a carta. Foi à saída, à porta da sala. Creio até que lhe vi certa comoção<strong>de</strong> bom agouro. Não me respon<strong>de</strong>u por escrito, como esperei. Passados três dias, estava tãoansioso que resolvi ir ao Engenho Velho. Em caminho imaginei tudo; que me recusasse, queme aceitasse, que me adiasse, e já me contentava com a última hipótese, se não houvesse <strong>de</strong>ser a segunda. Não a achei em casa; tinha ido passar alguns dias na Tijuca. Saí <strong>de</strong> láaborrecido. Pareceu-me que não queria absolutamente casar; mas então era mais simples dizêloou escrevê-lo. Esta consi<strong>de</strong>ração trouxe-me esperanças novas.Tinha ainda presentes as palavras que me dissera, quando me <strong>de</strong>volveu a primeira carta, e eulhe falei da minha paixão: ''Suponho que eu o amo; nem por isso <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> ser uma senhoracasada". Era claro que então gostava <strong>de</strong> mim, e agora mesmo não havia razão <strong>de</strong>cisiva paracrer o contrário, embora a aparência fosse um tanto fria. Ultimamente, entrei a crer que aindagostava, um pouco por vaida<strong>de</strong>, um pouco por simpatia, e não sei se por gratidão também;tive alguns vestígios disso. Não obstante, não me <strong>de</strong>u resposta à segunda carta. Ao voltar daTijuca, vinha menos expansiva, acaso mais triste. Tive eu mesmo <strong>de</strong> lhe falar na matéria; aresposta foi que por ora, estava disposta a não casar.-- Mas um dia ...? perguntei <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum silêncio.-- Estarei velha.-- Mas então... será muito tar<strong>de</strong>?-- Meu marido po<strong>de</strong> não estar morto.Espantou-me esta objeção.-- Mas a senhora está <strong>de</strong> luto.-- Tal foi a notícia que li e me <strong>de</strong>ram; po<strong>de</strong> não ser exata. Tenho visto <strong>de</strong>smentir outras que sereputavam certas.-- Quer certeza absoluta? perguntei. Eu posso dá-la.Maria Cora empali<strong>de</strong>ceu. Certeza. Certeza <strong>de</strong> quê? Queria que lhe contasse tudo, mas tudo. Asituação era tão penosa para mim que não hesitei mais, e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lhe dizer que era intençãominha não lhe contar nada, como não contara a ninguém, ia fazê-lo, unicamente paraobe<strong>de</strong>cer à intimação. E referi o combate, as suas fases todas, os riscos, as palavras,finalmente a morte <strong>de</strong> João da Fonseca. A ânsia com que me ouviu foi gran<strong>de</strong>, e não menor oabatimento final. Ainda assim, dominou-se, e perguntou-me:-- Jura que me não está enganando?-- Para que a enganar? O que tenho feito é bastante para provar que sou sincero. Amanhã,trago-lhe outra prova, se é preciso mais alguma.Levei-lhe os cabelos que cortara ao cadáver. Contei-lhe, -- e confesso que o meu fim foi irritálacontra a memória do <strong>de</strong>funto, -- contei-lhe o <strong>de</strong>sespero da Prazeres. Descrevi essa mulher eas suas lágrimas. Maria Cora ouviu-me com os olhos gran<strong>de</strong>s e perdidos; estava ainda comciúmes. Quando lhe mostrei os cabelos do marido, atirou-se a eles, recebeu-os, beijou-os,chorando, chorando, chorando... Entendi melhor sair e sair para sempre. Dias <strong>de</strong>pois recebi aresposta à minha carta; recusava casar.

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