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Relíquias de Casa Velha

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Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá <strong>de</strong>ntro com a família, eambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona <strong>de</strong>há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria <strong>de</strong> amor. Agra<strong>de</strong>ceu <strong>de</strong>pressa e mal, e saiu àscarreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa <strong>de</strong> empréstimo com o filho e oscem mil-réis <strong>de</strong> gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno,uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verda<strong>de</strong>, algumas palavras duras contra a escrava,por causa do aborto, além da fuga. Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas,verda<strong>de</strong>iras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.--Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.CAPÍTULO PRIMEIROMARIA CORAUMA NOITE, voltando para casa, trazia tanto sono que não <strong>de</strong>i corda ao relógio. Po<strong>de</strong> sertambém que a vista <strong>de</strong> uma senhora que encontrei em casa do comendador T... contribuíssepara aquele esquecimento; mas estas duas razões <strong>de</strong>stróem-se. Cogitação tira o sono e o sonoimpe<strong>de</strong> a cogitação; só uma das causas <strong>de</strong>via ser verda<strong>de</strong>ira. Ponhamos que nenhuma, efiquemos no principal, que é o relógio parado, <strong>de</strong> manhã, quando me levantei, ouvindo <strong>de</strong>zhoras no relógio da casa.Morava então (1893) em uma casa <strong>de</strong> pensão no Catete. Já por esse tempo este gênero <strong>de</strong>residência florescia no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Aquela era pequena e tranqüila. Os quatrocentoscontos <strong>de</strong> réis permitiam-me casa exclusiva e própria; mas, em primeiro lugar, já eu ali residiaquando os adquiri, por jogo <strong>de</strong> praça; em segundo lugar, era um solteirão <strong>de</strong> quarenta anos,tão afeito à vida <strong>de</strong> hospedaria que me seria impossível morar só. <strong>Casa</strong>r não era menosimpossível. Não é que me faltassem noivas. Des<strong>de</strong> os fins <strong>de</strong> 1891 mais <strong>de</strong> uma dama, -- enão das menos belas, -- olhou para mim com olhos brandos e amigos. Uma das filhas docomendador tratava-me com particular atenção. A nenhuma <strong>de</strong>i corda, o celibato era a minhaalma, a minha vocação, o meu costume, a minha única ventura. Amaria <strong>de</strong> empreitada e por<strong>de</strong>sfastio. Uma ou duas aventuras por ano bastavam a um coração meio inclinado ao ocaso e ànoite.Talvez por isso <strong>de</strong>i alguma atenção à senhora que vi em casa do comendador, na véspera. Erauma criatura morena, robusta, vinte e oito a trinta anos, vestida <strong>de</strong> escuro; entrou às <strong>de</strong>z horas,acompanhada <strong>de</strong> uma tia velha. A recepção que lhe fizeram foi mais cerimoniosa que asoutras; era a primeira vez que ali ia. Eu era a terceira. Perguntei se era viúva.-- Não; é casada.-- Com quem?-- Com um estancieiro do Rio Gran<strong>de</strong>.-- Chama-se?-- Ele? Fonseca, ela Maria Cora.-- O marido não veio com ela?-- Está no Rio Gran<strong>de</strong>.Não soube mais nada; mas a figura da dama interessou-me pelas graças físicas, que eram ooposto do que po<strong>de</strong>riam sonhar poetas românticos e artistas seráficos. Conversei com elaalguns minutos, sobre cousas indiferentes, -- mas suficientes para escutar-lhe a voz, que era

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