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(os) no Sistema Prisional - CREPOP - Conselho Federal de Psicologia

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OrganizadoresCONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIACENTRO DE REFERÊNCIAS TÉCNICAS EM PSICOLOGIA EPOLÍTICAS PÚBLICASComissão <strong>de</strong> elaboração do documentoFernanda Otoni <strong>de</strong> Barr<strong>os</strong>-BrissetMaria Márcia Badaró Ban<strong>de</strong>iraPedro J<strong>os</strong>é PachecoConselheira ResponsávelAdriana Eiko Matsumoto


É permitida a reprodução <strong>de</strong>sta publicação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sem alterações e citada afonte. Disponível também em: www.cfp.org.br e em crepop.pol.org.br1ª edição – 2012Projeto Gráfico – Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ExpressãoDiagramação – I<strong>de</strong>oramaRevisão – P<strong>os</strong>itive Línguas e IdiomasCoor<strong>de</strong>nação Geral/ CFPYvone Magalhães DuarteCoor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Comunicação do CFPCristina BravoAndré Almeida /EditoraçãoEquipe Técnica do Crepop/CFPMonalisa Barr<strong>os</strong> e Márcia Mansur/Conselheiras ResponsáveisMarta Azevedo Klumb Oliveira / Coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> Relações Coorporativas do CFPNatasha Ram<strong>os</strong> Reis da Fonseca/Coor<strong>de</strong>nadora TécnicaCibele Cristina Tavares <strong>de</strong> Oliveira /Assessora <strong>de</strong> MetodologiaKlebiston Tchavo /Assistente administrativoTiago Regis/ Pesquisador Técnico do Crepop/CRP05Equipe Técnica/CRPsRenata Leporace Farret (CRP 01 – DF), Thelma Torres (CRP 02 – PE), Gisele VieiraDourado O. Lopes (CRP 03 – BA), Luciana Franco <strong>de</strong> Assis e Leiliana Sousa (CRP04 – MG), Beatriz Adura e Tiago Regis (CRP 05 – RJ), Ana Maria Gonzatto e EdsonFerreira (CRP 06 – SP), Silvia Giugliani e Carolina d<strong>os</strong> Reis (CRP 07 – RS), AnaInês Souza (CRP 08 – PR), Marlene Barbaresco (CRP 09 – GO/TO), Letícia MariaS. Palheta (CRP 10 – PA/AP), Djanira Luiza Martins <strong>de</strong> Sousa (CRP 11 – CE/PI/MA), Juliana Ried (CRP 12 – SC), Katiúska Araújo Duarte (CRP 13 – PB), Keila <strong>de</strong>Oliveira (CRP 14 – MS), Eduardo Augusto <strong>de</strong> Almeida (CRP 15 – AL), Patrícia Matt<strong>os</strong>Cal<strong>de</strong>ira Brant Littig (CRP 16 – ES), Zilanda Pereira <strong>de</strong> Lima (CRP 17 – RN), FabianaTozi Vieira (CRP 18 – MT), Lidiane <strong>de</strong> Melo Drapala (CRP 19 – SE), VanessaMiranda (CRP 20 – AM/RR/RO/AC).Referências bibliográficas conforme ABNT NBR 6022, <strong>de</strong> 2003, 6023, <strong>de</strong> 2002,6029, <strong>de</strong> 2006 e10520, <strong>de</strong> 2002.Direit<strong>os</strong> para esta edição – <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>: SAF/SUL Quadra 2,BlocoB, Edifício Via Office, térreo, sala 104, 70070-600, Brasília-DF(61) 2109-0107 /E-mail: ascom@cfp.org.br /www.cfp.org.brImpresso <strong>no</strong> Brasil – Novembro <strong>de</strong> 2012Catalogação na publicaçãoBiblioteca Miguel CervantesFundação Biblioteca Nacional


<strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DAS (OS) PSICÓLOGAS(OS) NO SISTEMA PRISIONAL. <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>. -Brasília: CFP, 2012.65 p.ISBN: 978-85-89208-49-91. Psicólog<strong>os</strong> 2. Políticas Públicas 3.<strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>I. Título. BF76


XV PlenárioGestão 2011-2013DiretoriaHumberto Cota Verona – Presi<strong>de</strong>nteClara Goldman Ribemboim – Vice-presi<strong>de</strong>nteMonalisa Nascimento d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong> Barr<strong>os</strong> – TesoureiraDeise Maria do Nascimento – SecretáriaConselheir<strong>os</strong> efetiv<strong>os</strong>Flávia Cristina Silveira Lem<strong>os</strong>Secretária Região NorteAluízio Lopes <strong>de</strong> BritoSecretário Região Nor<strong>de</strong>steHeloiza Helena Mendonça A. MassanaroSecretária Região Centro-OesteMarilene Proença Rebello <strong>de</strong> SouzaSecretária Região Su<strong>de</strong>steAna Luiza <strong>de</strong> Souza CastroSecretária Região SulConselheir<strong>os</strong> suplentesAdriana Eiko MatsumotoCelso Francisco TondinCynthia Rejane Corrêa Araújo CiaralloHenrique J<strong>os</strong>é Leal Ferreira RodriguesMárcia Mansur SaadallahMaria Ermínia CilibertiMariana Cunha Men<strong>de</strong>s TorresMarilda CastelarSandra Maria Francisco <strong>de</strong> AmorimTânia Suely Azevedo BrasileiroR<strong>os</strong>eli GoffmanConselheir<strong>os</strong> suplentesAngela Maria Pires CaniatoAna Paula Porto Noronha


Conselheir<strong>os</strong> responsáveis:<strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>:Márcia Mansur Saadallah e Monalisa Nascimento d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong> Barr<strong>os</strong>CRPsCarla Maria Manzi Pereira Baracat (CRP 01 – DF), Alessandra <strong>de</strong> Limae Silva (CRP 02 – PE), Alessandra Sant<strong>os</strong> Almeida (CRP 03 – BA),Paula Ângela <strong>de</strong> F. e Paula (CRP 04 – MG), Cristiane Knijnik e LindomarDarós (CRP 05 – RJ), Carla Biancha Angelucci (CRP 06 – SP), VeraLúcia Pasini (CRP 07 – RS), Maria Sezinei<strong>de</strong> C. <strong>de</strong> Melo (CRP 08 – PR),Wadson Arantes Gama (CRP 09 – GO/TO), Jureuda Duarte Guerra (CRP10 – PA/AP), Adriana <strong>de</strong> Alencar Gomes Pinheiro (CRP 11 – CE/PI/MA),Marilene Wittitz (CRP 12 – SC), Carla <strong>de</strong> Sant’ana Brandão C<strong>os</strong>ta (CRP13 – PB), Elisângela Ficagna (CRP 14 – MS), Izolda <strong>de</strong> Araújo Dias(CRP 15 – AL), Andréa d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong> Nascimento (CRP 16 – ES), AlyssonZenildo C<strong>os</strong>ta Alves (CRP17 – RN), Luiz Guilherme Araújo Gomes (CRP18 – MT) André Luiz Mandari<strong>no</strong> Borges (CRP 19 – SE), Selma <strong>de</strong> JesusCobra (CRP 20 – AM/RR/RO/AC).


APRESENTAÇÃOO <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> (CFP) apresenta à categoria e àsocieda<strong>de</strong> em geral o documento <strong>de</strong> Referências Técnicas para Atuaçãodas(<strong>os</strong>) Psicólogas(<strong>os</strong>) <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> produzido a partir dametodologia do Centro <strong>de</strong> Referência Técnica em <strong>Psicologia</strong> e PolíticasPúblicas (Crepop), este documento busca construir referência sólidapara a atuação da <strong>Psicologia</strong> na área.As referências construídas têm como base <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> étic<strong>os</strong> epolític<strong>os</strong> <strong>no</strong>rteadores do trabalho das(<strong>os</strong>) psicólogas(<strong>os</strong>), p<strong>os</strong>sibilitandoa elaboração <strong>de</strong> parâmetr<strong>os</strong> compartilhad<strong>os</strong> e legitimad<strong>os</strong> pelaparticipação crítica e reflexiva da categoria.As referências refletem o processo <strong>de</strong> diálogo que <strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong>vêm construindo com a categoria, <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> se legitimar comoinstância reguladora do exercício profissional. Por mei<strong>os</strong> cada vezmais <strong>de</strong>mocrátic<strong>os</strong>, esse diálogo tem se pautado por uma política <strong>de</strong>reconhecimento mútuo entre <strong>os</strong> profissionais e pela construção coletiva<strong>de</strong> uma plataforma profissional que seja também ética e política.Esta publicação marca mais um passo <strong>no</strong> movimento <strong>de</strong> aproximaçãoda <strong>Psicologia</strong> com o campo das Políticas Públicas. Aborda cenário<strong>de</strong>licado e multifacetado <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa socieda<strong>de</strong>, <strong>no</strong> contexto do <strong>Sistema</strong><strong>Prisional</strong>, levando em consi<strong>de</strong>ração a <strong>de</strong>fesa d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>.A opção pela abordagem <strong>de</strong>ste tema reflete o compromisso d<strong>os</strong>Conselh<strong>os</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> e Regionais <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> com a qualificação daatuação das(<strong>os</strong>) psicólogas(<strong>os</strong>) em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> seus espaç<strong>os</strong> <strong>de</strong> atuaçãopriorizando a <strong>de</strong>fesa d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>.HUMBERTO VERONAPresi<strong>de</strong>nte do <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>13


SumárioAPRESENTAÇÃO 13INTRODUÇÃO 17A PRISÃO E A PSICOLOGIA 27A PSICOLOGIA NAS PRISÕES DO BRASIL 392.1 A lógica das prisões e seus exames 452.2 A lógica segregativa d<strong>os</strong> manicômi<strong>os</strong> judiciári<strong>os</strong> e oesforço para sua superação 552.2.1 As ações do <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> paraa superação d<strong>os</strong> manicômi<strong>os</strong> judiciári<strong>os</strong> 583. AS REFERÊNCIAS PARA A PRÁTICA 653.1 As referências para a prática a partir dapesquisa <strong>CREPOP</strong> 694. Consi<strong>de</strong>rações finais 75REFERÊNCIAS 83ANEXOS 9115


Introdução17


INTRODUÇÃO1. Centro <strong>de</strong> Referência Técnica em <strong>Psicologia</strong> e PolíticasPúblicas [<strong>CREPOP</strong>]O Centro <strong>de</strong> Referência Técnica em <strong>Psicologia</strong> e Políticas Públicas[<strong>CREPOP</strong>] é um disp<strong>os</strong>itivo técnico-político <strong>de</strong> pesquisa do <strong>Sistema</strong>Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> criado em 2006.Presente em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> Regionais <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, o <strong>CREPOP</strong>tem por escopo proporcionar maior capilarida<strong>de</strong> do saber e da prática da<strong>Psicologia</strong> na esfera pública. Atuando em re<strong>de</strong>, o <strong>CREPOP</strong> <strong>de</strong>senvolveprocess<strong>os</strong> <strong>de</strong> sistematização e propagação d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>psicólog<strong>os</strong> nas políticas públicas locais, colaborando assim para ofortalecimento da profissão na perspectiva d<strong>os</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> e paraa construção <strong>de</strong> referências técnico-políticas da atuação profissional.Promovendo a interlocução da <strong>Psicologia</strong> com <strong>os</strong> espaç<strong>os</strong> <strong>de</strong>formulação, gestão e execução <strong>de</strong> Políticas Públicas, o <strong>CREPOP</strong> temconseguido ao longo <strong>de</strong> sua existência provocar um <strong>de</strong>bate crítico n<strong>os</strong>eio da categoria acerca do papel do Estado na construção das PolíticasPúblicas e o da Socieda<strong>de</strong> Civil <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> controle social. É nessesentido que o <strong>CREPOP</strong> tem contribuído como um disp<strong>os</strong>itivo <strong>de</strong> gestãoao <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, assessorando tanto <strong>os</strong> plenári<strong>os</strong>regionais quanto o plenário fe<strong>de</strong>ral em matéria <strong>de</strong> Políticas Públicas.A<strong>de</strong>mais, o trabalho <strong>de</strong> pesquisa do <strong>CREPOP</strong>, que envolve <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ocontato com as gestões públicas até a interlocução com a categoria e<strong>de</strong>mais atores da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviç<strong>os</strong>, tem produzido efeit<strong>os</strong> divers<strong>os</strong>. Fatoé que as Referências Técnicas, produto final do processo <strong>de</strong> pesquisa,têm servido não apenas à orientação e problematização do cotidia<strong>no</strong>profissional, mas também como material bibliográfico <strong>de</strong> concurs<strong>os</strong>públic<strong>os</strong> e como recurso pedagógico n<strong>os</strong> espaç<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação.2. MetodologiaO conjunto <strong>de</strong> ações em pesquisa <strong>de</strong>senvolvidas pelo <strong>Sistema</strong>Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, por meio do <strong>CREPOP</strong>, está organizado a partirda diretriz Investigação Permanente em <strong>Psicologia</strong> e Políticas Públicas,que consiste em pesquisar nacionalmente o fazer d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> diantedas especificida<strong>de</strong>s regionais.19


A prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> investigar a atuação profissional em políticaspúblicas visa apreen<strong>de</strong>r o núcleo <strong>de</strong> saberes e práticas 1 do cotidia<strong>no</strong> <strong>de</strong>trabalho d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> (CAMPOS, 2000). As áreas escolhidas para aspesquisas são eleitas a partir <strong>de</strong> critéri<strong>os</strong> como: inserção da <strong>Psicologia</strong>em dada política; abrangência territorial; existência <strong>de</strong> marc<strong>os</strong> lógicolegaise o caráter social e/ou emergencial d<strong>os</strong> serviç<strong>os</strong> prestad<strong>os</strong>.A escolha do <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> como foco <strong>de</strong>sta pesquisa se dá emfunção <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates realizad<strong>os</strong> <strong>no</strong> âmbito do <strong>Sistema</strong>Conselh<strong>os</strong>. Em 2004, o tema ganha contorn<strong>os</strong> mais acentuad<strong>os</strong> <strong>no</strong> VCongresso Nacional <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> (CNP), quando a categoria apontaa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais qualificação e orientação para a prática n<strong>os</strong>serviç<strong>os</strong> públic<strong>os</strong>. A disp<strong>os</strong>ição da categoria para enfrentar o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>fazer a crítica da instituição prisional e <strong>de</strong> suas práticas reverberaramtambém nas teses do VI e VII CNP’s, realizad<strong>os</strong> em 2007 e 2010respectivamente.Des<strong>de</strong> então, o <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> tem dado <strong>de</strong>staque às discussõesdo <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> ações. Fato marcantefoi a realização <strong>de</strong> duas edições, a primeira em 2005 e a segundaem 2008, do Seminário Nacional sobre a Atuação do Psicólogo <strong>no</strong><strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>, sendo a <strong>de</strong> 2005 realizada em parceria com oDepartamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Vale ressaltar que taisseminári<strong>os</strong> foram resultado <strong>de</strong> um intenso trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e <strong>de</strong>reflexões realizadas <strong>no</strong> âmbito d<strong>os</strong> CRP’s.No a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 2007 foi lançada a publicação Diretrizes para Atuaçãoe Formação d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong> do <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> Brasileiro 2 , umarealização do CFP e do Ministério da Justiça que teve por objetivoapresentar um primeiro retrato nacional da atuação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>1. Segundo Gastão Wagner <strong>de</strong> Sousa Camp<strong>os</strong>, a “institucionalização d<strong>os</strong> saberes e suaorganização em práticas se daria mediante a conformação <strong>de</strong> núcle<strong>os</strong> e <strong>de</strong> camp<strong>os</strong>.Núcleo como uma aglutinação <strong>de</strong> conheciment<strong>os</strong> e como a conformação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminadopadrão concreto <strong>de</strong> compromisso com a produção <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> uso. O núcleo<strong>de</strong>marcaria a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma área <strong>de</strong> saber e <strong>de</strong> prática profissional; e o campo,um espaço <strong>de</strong> limites imprecis<strong>os</strong> on<strong>de</strong> cada disciplina e profissão buscariam em outrasapoio para cumprir suas tarefas teóricas e práticas.” (CAMPOS, 2000, p.220).2. Disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/<strong>de</strong>pen_cartilha.pdf20


nesse campo, apontando uma perspectiva <strong>de</strong> formação atravessadapelo campo d<strong>os</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>, tendo assim em vista a superaçãodo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> classificação e estigmatização d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> presente<strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>.Levando em consi<strong>de</strong>ração a relevância <strong>de</strong>sse contexto, o <strong>Conselho</strong>Consultivo do <strong>CREPOP</strong>, colegiado formado pel<strong>os</strong> conselheir<strong>os</strong> do CFPjunto d<strong>os</strong> conselheir<strong>os</strong> responsáveis por cada <strong>CREPOP</strong> regional, elegeuo <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> como uma área <strong>de</strong> pesquisa a ser realizada <strong>no</strong> a<strong>no</strong><strong>de</strong> 2007. O presente escrito é a materialização <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong>pesquisa empreendido pela Re<strong>de</strong> <strong>CREPOP</strong>.A Pesquisa <strong>no</strong> âmbito do <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>O processo investigativo da Re<strong>de</strong> <strong>CREPOP</strong> consiste inicialmente <strong>no</strong>levantamento d<strong>os</strong> marc<strong>os</strong> lógico-legais da política em foco 3 , tanto anível nacional quanto regional. Este trabalho tem por função subsidiar oentendimento <strong>de</strong> como a política está estruturada <strong>no</strong> território brasileiro.Em um segundo momento, é disponibilizado <strong>no</strong> sítio eletrônico do<strong>CREPOP</strong> o questionário online, ferramenta que tem por objetivo reunirinformações diversas e singularida<strong>de</strong>s das diferentes práticas d<strong>os</strong>psicólog<strong>os</strong>.Em term<strong>os</strong> quantitativ<strong>os</strong>, o questionário online da pesquisa sobrea atuação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> n<strong>os</strong> fornece subsídi<strong>os</strong>para pensar a qualificação e as formas <strong>de</strong> contratação nesse campo<strong>de</strong> trabalho. Em númer<strong>os</strong> totais, o questionário foi respondido por 176psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 2007, sendo 148 mulheres (84%) e 28 homens(16%). Do total <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>ntes, 78,5% está na faixa etária entre 26e 45 an<strong>os</strong>. Com relação ao tempo <strong>de</strong> atuação, 53% atuam na áreaprisional há men<strong>os</strong> <strong>de</strong> quatro an<strong>os</strong> e 31,2% atuam <strong>de</strong> 5 a 10 an<strong>os</strong>.Com relação ao regime <strong>de</strong> contratação, a pesquisa apontou que 45,5%d<strong>os</strong> respon<strong>de</strong>ntes são estatutári<strong>os</strong>, ou seja, ingressaram por concursopúblico, sendo a modalida<strong>de</strong> “contrato temporário” a segunda maiorforma <strong>de</strong> inserção do psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional (31,1%). Quanto3. Este documento foi finalizado antes da apresentação do anteprojeto do <strong>no</strong>vo CódigoPenal Brasileiro.21


à especificida<strong>de</strong> das unida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> trabalham esses profissionais, apesquisa do <strong>CREPOP</strong> apontou que a maioria d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> (60,4%)atua em penitenciárias, especialmente em regime fechado.Com relação à formação profissional d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>, <strong>no</strong> quetange às formações específicas para atuação <strong>no</strong> sistema prisional,verificou-se que 13% informaram que, além do curso <strong>de</strong> graduaçãoem <strong>Psicologia</strong>, tinham curs<strong>os</strong> <strong>de</strong> graduação em Direito e Pedagogia e63,6% p<strong>os</strong>suíam algum curso <strong>de</strong> pós-graduação. Contudo, somente58% <strong>de</strong>stes respon<strong>de</strong>ram sobre o nível d<strong>os</strong> curs<strong>os</strong>: 67,7% informaramserem especialistas ou perit<strong>os</strong>; 21,5% concluíram o mestrado ou sãomestrand<strong>os</strong> e 9,2% são doutores ou doutorand<strong>os</strong>.Paralelamente à disponibilização do questionário online, <strong>os</strong><strong>CREPOP</strong>’s regionais 4 são responsáveis pela realização <strong>de</strong> encontr<strong>os</strong>com <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> que trabalham na política em foco. Esses encontr<strong>os</strong>geram relatóri<strong>os</strong> regionais, <strong>os</strong> quais passam por uma compilaçãorealizada por um grupo <strong>de</strong> consultoria em pesquisa, e, p<strong>os</strong>teriormente,são enviad<strong>os</strong> para uma comissão ad hoc, comp<strong>os</strong>ta por um conselheirodo CFP, um grupo <strong>de</strong> especialistas escolhido pelo <strong>Conselho</strong> Consultivoe um técnico do <strong>CREPOP</strong>. Essa comissão é responsável pela elaboraçãoda primeira versão da Referência Técnica para Atuação d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong>na política em foco, nesse caso o <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>.Durante o processo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong>sse documento, essa comissãoacompanhou toda a discussão e movimentação do campo temáticoem questão <strong>de</strong>ntro e fora do <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong>. Importante relatarque esse processo gerou dois aconteciment<strong>os</strong> <strong>de</strong> peso <strong>no</strong> âmbito do<strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong>, a edição <strong>de</strong> duas resoluções 5 , que se <strong>de</strong>sdobrouem muit<strong>os</strong> embates entre a categoria, o judiciário e gestores do sistemaprisional. O presente texto também reflete esse processo.Na continuida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> pesquisa, a primeira versão daReferência Técnica para Atuação d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>entrou em consulta pública a toda a categoria.4. No a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 2007 existiam 16 unida<strong>de</strong>s regionais do <strong>CREPOP</strong>.5. Resolução 009/10 http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolucao2010_009.pdf e 012/11, disponível em http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2011/06/resolucao_012-11.pdf22


A consulta pública é um sistema utilizado em várias instâncias,sobretudo governamentais, que tem como objetivo auxiliar naelaboração <strong>de</strong> document<strong>os</strong> através da coleta <strong>de</strong> opiniões da socieda<strong>de</strong>.Esse sistema permite que a socieda<strong>de</strong> participe da formulação e<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas públicas, ampliando assim a discussão da coisapública, e coleta <strong>de</strong> forma fácil, ágil e com baixo custo às opiniões dasocieda<strong>de</strong>.No âmbito d<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> da Re<strong>de</strong> <strong>CREPOP</strong>, consi<strong>de</strong>ram<strong>os</strong> que aimportância do processo <strong>de</strong> consulta pública resi<strong>de</strong> na p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> dacategoria po<strong>de</strong>r intervir <strong>no</strong> texto apresentado, po<strong>de</strong>ndo assim qualificaro documento e aprimorar <strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> <strong>de</strong> coletivização da pesquisa.Em relação à Referência Técnica para Atuação d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong><strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>, a consulta pública foi realizada <strong>no</strong> período <strong>de</strong> 26<strong>de</strong> janeiro a 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2012. O documento teve 339 acess<strong>os</strong> erecebeu 26 contribuições. Concomitante a este processo, foi realizadoum <strong>de</strong>bate nacional online 6 sobre a mesma temática <strong>no</strong> dia 12 <strong>de</strong> abril<strong>de</strong>ste a<strong>no</strong>, o que mobilizou 1350 acess<strong>os</strong> ao canal <strong>de</strong> transmissãodisponibilizado <strong>no</strong> sítio eletrônico do CFP, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates que serealizaram em diferentes Conselh<strong>os</strong> Regionais.Findo o período <strong>de</strong> consulta pública, o texto foi cotejado pelacomissão ad hoc a partir das contribuições enviadas pela categoria. Oresultado é o presente documento que ora apresentam<strong>os</strong> que, como opróprio <strong>no</strong>me diz, preten<strong>de</strong>-se uma referência à prática d<strong>os</strong> profissionaispsicólog<strong>os</strong> que trabalham <strong>no</strong> sistema prisional. Referência <strong>no</strong> sentido<strong>de</strong> orientação e <strong>de</strong> sistematização da trajetória <strong>de</strong> p<strong>os</strong>icionament<strong>os</strong>adotad<strong>os</strong> pela <strong>Psicologia</strong> <strong>no</strong> âmbito prisional; como um ponto <strong>de</strong>contato, uma relação que o <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> tem com <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>que estão na dura lida do sistema prisional. Portanto, este texto nãop<strong>os</strong>sui o caráter <strong>no</strong>rmativo <strong>de</strong> uma resolução, mas sim a peculiarida<strong>de</strong><strong>de</strong> pôr em análise as condições objetivas e a materialização daspráticas <strong>de</strong> dado trabalho em um ambiente institucional. Além disso,esta Referência também busca apresentar <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> ético-polític<strong>os</strong>da <strong>Psicologia</strong> (<strong>de</strong>purad<strong>os</strong> <strong>no</strong> incessante diálogo entre categoria-sistema3. O ví<strong>de</strong>o do <strong>de</strong>bate está disponível <strong>no</strong> link:http://www.youtube.com/watch?v=_X9vYvCYZIw&feature=plcp23


penal- socieda<strong>de</strong> civil) para a atuação <strong>no</strong> sistema prisional.3. Organização do documentoNo primeiro eixo, A Prisão e a <strong>Psicologia</strong>, a emergência dainstituição prisional é problematizada em paralelo à constituiçãoda <strong>Psicologia</strong> como um saber estruturado que almeja ares <strong>de</strong>cientificida<strong>de</strong>. Levando em consi<strong>de</strong>ração as <strong>de</strong>mandas jurídicas<strong>de</strong> classificação e diagnóstico <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas expressões do serhuma<strong>no</strong> à <strong>Psicologia</strong>, o texto <strong>de</strong>lineia um percurso histórico <strong>no</strong> qualpõe em análise tais relações e n<strong>os</strong> coloca uma questão fundamental,a qual atravessará todo o documento: Para que serve a <strong>Psicologia</strong>na prisão?Avançando a análise, o eixo A <strong>Psicologia</strong> nas Prisões do Brasilse concentra nas relações da <strong>Psicologia</strong> com o sistema prisional<strong>no</strong> cenário brasileiro. Tecendo comentári<strong>os</strong> que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> operíodo anterior à institucionalização da <strong>Psicologia</strong> como profissão,ocorrida em 1962, até <strong>os</strong> dias atuais, esse capítulo traz element<strong>os</strong>concret<strong>os</strong> importantes para se pensar a questão antes levantada:componentes em term<strong>os</strong> <strong>de</strong> legislação, como a Lei <strong>de</strong> Execução Penal,promulgada em 1984, e outr<strong>os</strong> relativ<strong>os</strong> à prática <strong>de</strong> psicólog<strong>os</strong>,como o trabalho nas Comissões Técnicas <strong>de</strong> Classificação (CTC) e oExame Crimi<strong>no</strong>lógico. O eixo ainda localiza e situa as movimentaçõespolíticas <strong>no</strong> âmbito do <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> relativas à temática prisionalna década <strong>de</strong> 2000 e propõe uma reflexão crítica com vistas ao fimd<strong>os</strong> H<strong>os</strong>pitais <strong>de</strong> Custódia e Tratamento Psiquiátrico, mais conhecid<strong>os</strong>por Manicômi<strong>os</strong> Judiciári<strong>os</strong>.O foco do terceiro eixo, Referências para a Prática, diz respeito aocotidia<strong>no</strong> <strong>de</strong> trabalho d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong> sistema prisional, trazendo ao<strong>de</strong>bate discurs<strong>os</strong> e práticas, oriund<strong>os</strong> das movimentações políticas d<strong>os</strong>últim<strong>os</strong> an<strong>os</strong> em tor<strong>no</strong> do tema e do material <strong>de</strong> pesquisa produzidopela Re<strong>de</strong> <strong>CREPOP</strong>.Por fim, <strong>no</strong> quarto eixo, as Consi<strong>de</strong>rações Finais, o texto apontaa importância do trabalho intersetorial e <strong>os</strong> seus divers<strong>os</strong> atoresenvolvid<strong>os</strong> como uma estratégia <strong>de</strong> enfrentamento à lógica segregativae exclu<strong>de</strong>nte que constitui a instituição prisional.Condizente à história das movimentações políticas que tem se<strong>de</strong>senrolado há alguns an<strong>os</strong> <strong>no</strong> âmbito do <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong>, este24


documento <strong>de</strong> referência técnica segue a mesma linha e tem comopropósito trazer à tona uma crítica p<strong>os</strong>sível e necessária a todas aspráticas <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Convict<strong>os</strong> <strong>de</strong> que nenhuma forma<strong>de</strong> violência vale a pena, seguim<strong>os</strong> firmes com a canção: Romper aincabível prisão! 77. Trecho da música Sonho Imp<strong>os</strong>sível, comp<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> J.Darion e M.Leigh, versão <strong>de</strong> ChicoBuarque e Ruy Guerra (1972) para o musical O Homem <strong>de</strong> La Mancha <strong>de</strong> Ruy Guerra.25


A prisão e a psicologia27


A PRISÃO E A PSICOLOGIAAs prisões, ou seu gênero penal – a privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> –,nem sempre foram a forma hegemônica e tampouco unanimida<strong>de</strong>na resp<strong>os</strong>ta social diante <strong>de</strong> um membro da socieda<strong>de</strong> que<strong>de</strong>srespeita as suas leis formais. Os estabeleciment<strong>os</strong> prisionais,como <strong>os</strong> que conhecem<strong>os</strong> hoje, seja na forma do presídio i<strong>de</strong>al,on<strong>de</strong> “crimin<strong>os</strong><strong>os</strong>” seriam colocad<strong>os</strong> para cumprir uma pena justae sairiam com suas faltas “morais” corrigidas, seja na forma trágicada realida<strong>de</strong> prisional brasileira exibida nas reportagens sobrerebeliões, superlotações e maus-trat<strong>os</strong>, são resultantes d<strong>os</strong> fatoresque produziram a socieda<strong>de</strong> e o Estado mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>, após a superaçãoda or<strong>de</strong>m feudal e fortalecimento do modo <strong>de</strong> produção capitalista.Esse sistema prisional, i<strong>de</strong>al ou trágico, é um subproduto do n<strong>os</strong>socontexto social, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das formas <strong>de</strong> produção econômica eda reprodução d<strong>os</strong> valores sociais <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa época. Suas condições<strong>de</strong> existência foram exploradas brilhantemente por divers<strong>os</strong> autores,tais como Erving Goffman, Michel Foucault, Eugênio Raúl Zaffaroni,Loïc Wacquant e Jacques Alain Miller.Assim, as prisões brasileiras são constituídas a partir <strong>de</strong> divers<strong>os</strong>princípi<strong>os</strong>, sobretudo legais e funcionais, que legitimam as formas/forças <strong>de</strong> suas configurações atuais. Segundo Bitencourt (2001),<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa esfera exclusivamente jurídico-formal, as funções dapena po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidas como:1. retributivas e punitivas: funcionando como uma prevenção geraldo <strong>de</strong>lito através do princípio da exemplarida<strong>de</strong>, essa função visariasustentar uma representação <strong>no</strong> imaginário social <strong>de</strong> fazer o “<strong>de</strong>sviante”pagar a dívida para com a socieda<strong>de</strong>, servindo-se da visibilida<strong>de</strong> docastigo e do sofrimento prisional como exempl<strong>os</strong>/mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> para que<strong>os</strong> <strong>de</strong>mais membr<strong>os</strong> <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong> “violada” reprimam/inibam/controlem qualquer <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> burlar as leis do código. A partir davisibilida<strong>de</strong> do castigo, sup<strong>os</strong>tamente, se evitaria a prática <strong>de</strong> <strong>no</strong>v<strong>os</strong>comportament<strong>os</strong> <strong>de</strong>sviantes da <strong>no</strong>rma;2. ressocializadoras e “terapêuticas”: funcionando como umaprevenção especial do <strong>de</strong>lito, instituída tanto na aplicação quanto naexecução da pena, essa função “político-educativa” estaria associada29


à i<strong>de</strong>ologia da recuperação do apenado e à lógica do tratamentoressocializador e visaria um <strong>de</strong>terminado “modus” <strong>de</strong> recuperaçãopedagógica, curativa e/ou reabilitadora do dito crimin<strong>os</strong>o ou “doentemoral e criminal”. Tal pretensão <strong>de</strong> modificação ontológica semprese materializou por meio <strong>de</strong> métod<strong>os</strong> disciplinares, pastorais econfessionais, visando a “internalização” ou a aprendizagem <strong>de</strong>sentiment<strong>os</strong> socialmente aceitáveis, tais como arrependimento, culpa,alegria, empatia, respeito ao próximo, <strong>de</strong>ntre outr<strong>os</strong>, perante umainstância estatal-jurídica, religi<strong>os</strong>a ou mesmo científica.Porém, em praticamente todas as análises produzidas em tor<strong>no</strong> daquestão “para que servem as prisões?,” fica claro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, quea resp<strong>os</strong>ta n<strong>os</strong> leva para uma constatação empírica <strong>de</strong> que elas servempara aquilo que talvez esteja mais subliminarmente implicado emcada uma <strong>de</strong>ssas funções instituídas, que é segregar cert<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> como parte in<strong>de</strong>sejável da socieda<strong>de</strong>.E é também contribuindo com essas funções que a <strong>Psicologia</strong>, comouma disciplina científica, associada a um conhecimento autô<strong>no</strong>m<strong>os</strong>obre o sujeito e como um recurso <strong>de</strong> intervenção na vida humana,tor<strong>no</strong>u-se um saber e uma prática que só ganhou significado <strong>no</strong>âmbito das relações que se forjaram <strong>no</strong> mundo mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>, com todas asimplicações relativas às <strong>no</strong>ções como indivíduo, sujeito, personalida<strong>de</strong>,disciplina, controle, previsibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre inúmeras outras.P<strong>os</strong>to isso, <strong>de</strong>corre daí que a <strong>Psicologia</strong> e a prisão são fenômen<strong>os</strong>contemporâne<strong>os</strong> – não só <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> sua atualida<strong>de</strong>, mas também,e principalmente, <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> sua coexistência. Ou seja, a prisão ea <strong>Psicologia</strong> são produt<strong>os</strong> <strong>de</strong> um mesmo tempo, ambas são categoriasa serviço do mesmo projeto social <strong>de</strong> produção e transformação<strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s. Michel Foucault (1979) quando reflete sobre afinalida<strong>de</strong> da prisão, não hesita em afirmar que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo, elafoi projetada para funcionar como um instrumento tão aperfeiçoadoquanto a escola, a caserna e o h<strong>os</strong>pital, agindo sobre <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>com precisão. Ainda que essa aspiração tenha-se revelado frustradatambém <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo, ela diz muito sobre a i<strong>de</strong>ologia subjacenteàs prisões e à <strong>Psicologia</strong>, como resp<strong>os</strong>tas sociais a uma <strong>de</strong>manda pelaconformação e ajustament<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminad<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong>. Importanteressaltar que a regulamentação da <strong>Psicologia</strong> como profissão, a partir30


da Lei n.º 4.119/62, construída num contexto político e <strong>de</strong> tensõessociais que eclodiam antes da instauração da ditadura civil e militar,<strong>no</strong>rmatiza como atribuição do psicólogo a “solução <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong>ajustamento”. (BRASIL, LEI n.º 4.119/62)Como n<strong>os</strong> faz refletir Kafka em “O Processo” com seu personagemJ<strong>os</strong>eph K, que, após uma manhã sinistra, foi qualificado como<strong>de</strong>linquente, ator e autor <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito qualquer, sendo então tratado<strong>de</strong> acordo com sua <strong>no</strong>va condição: passou a ser concebido <strong>de</strong> formaindissociada <strong>de</strong> seu ato, ligado a ele por um feixe complexo <strong>de</strong> fi<strong>os</strong> <strong>de</strong>instint<strong>os</strong>, temperament<strong>os</strong>, pulsões e inclinações; sua vida foi profanada,cada passo seu tor<strong>no</strong>u-se parte <strong>de</strong> um processo penal racionalizante etotalitário, do qual não podia escapar; sua <strong>no</strong>va realida<strong>de</strong> instituiu umaespécie <strong>de</strong> gramática às avessas, cujo predicado era, inevitavelmente,tomado como sujeito. Dessa forma, morre o homem, nasce o crimin<strong>os</strong>o.Cabe esclarecer aqui que as ciências psicológicas, <strong>no</strong> período damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ao se constituírem como um saber <strong>de</strong> referência a partirdo início do século XIX, tiveram que adotar uma concepção <strong>de</strong> sujeitopsicológico baseado num realismo exacerbado. Nesse contexto eranecessário objetivar e materializar aquilo que até então permaneciaem um gran<strong>de</strong> vazio epistemológico que nem a Matemática, a Física,a Biologia, a Medicina, ou qualquer outra ciência havia até mead<strong>os</strong>do século XIX conseguido visualizar, concretizar ou quantificar: ocomportamento e a mente humana.É nesse aparente vazio, naquilo que até então não tinha sidoexplicado, classificado ou <strong>de</strong>svelado ainda, isto é, a mente e/ou aalma humana, que o sujeito/objeto psicológico vai surgir a fim <strong>de</strong>iluminar a escuridão que ainda se abatia sobre a incógnita almahumana, tão <strong>de</strong>sconhecida até então, se comparada à naturezahumana.” (GUARESCHI & PACHECO, 2008, p.53)Ao buscar concretizar o até então abstrato e o chamado “metafísico”,as “ciências da subjetivida<strong>de</strong>” (ou ciências psi), utilizando-seda produção <strong>de</strong> um saber sobre o objeto/sujeito cogn<strong>os</strong>cente,procuram então formular, <strong>de</strong>scobrir e explicar esse ser consi<strong>de</strong>radocartesianamente racional a fim <strong>de</strong> sustentar um saber universalbaseado numa racionalida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> “esclarecer”, “clarificar” e31


“iluminar” tudo que seja da or<strong>de</strong>m da natureza e do Homem. Claro,que para se chegar nessa “verda<strong>de</strong> verificável” foram necessári<strong>os</strong> <strong>os</strong>já instituíd<strong>os</strong> e reconhecid<strong>os</strong> métod<strong>os</strong> experimentais <strong>de</strong> observação,<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição, <strong>de</strong> redução e <strong>de</strong> simplificação <strong>de</strong>sse realismo que, pelacorreta utilização das técnicas a<strong>de</strong>quadas, se apresentariam com maisobjetivida<strong>de</strong> através do comportamento e/ou da fala humana. Tratavase<strong>de</strong> uma tentativa metódica <strong>de</strong> sustentar <strong>os</strong> parâmetr<strong>os</strong> da chamadaciência mo<strong>de</strong>rna através do método científico natural que fomentaaté <strong>os</strong> dias atuais muitas pesquisas e elucubrações sobre o objeto da<strong>Psicologia</strong>, a saber, o “sujeito psicológico”.É baseada nesta concepção <strong>de</strong> “sujeito psicológico palpável” queocorre a articulação entre essa <strong>Psicologia</strong> <strong>de</strong>scritiva e a tambéminsipiente crimi<strong>no</strong>logia como dois camp<strong>os</strong> <strong>de</strong> conheciment<strong>os</strong> emexpansão e em busca <strong>de</strong> legitimação como ciências <strong>de</strong> fato, amparad<strong>os</strong>num i<strong>de</strong>al p<strong>os</strong>itivista <strong>de</strong> lei e or<strong>de</strong>m. A articulação acima prop<strong>os</strong>tavisava à aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um exercício <strong>de</strong> saber/po<strong>de</strong>r que buscava<strong>de</strong>limitar qualitativamente <strong>os</strong> comportament<strong>os</strong> manifest<strong>os</strong> comocorret<strong>os</strong> ou não, numa vinculação direta entre o fazer huma<strong>no</strong>, exp<strong>os</strong>topela conduta e/ou fala, com o ser na sua intimida<strong>de</strong> mais profunda.Tarefa que caberia a <strong>Psicologia</strong> esclarecer, clarear, sob a forma <strong>de</strong>conhecimento. Ou seja, é pela colagem direta e <strong>de</strong>terminista entre<strong>os</strong> at<strong>os</strong> observáveis e <strong>os</strong> que <strong>de</strong>signaram como “sujeito psicológico”,na pretensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifração <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sej<strong>os</strong>, fantasias, personalida<strong>de</strong>e etc., que o sistema psicológico classificatório vai operar separandoprimeiramente a mente em funções mentais <strong>no</strong>rmais e a<strong>no</strong>rmais parap<strong>os</strong>teriormente separar <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> entre saudáveis e patológic<strong>os</strong>através da tipificação jurídica <strong>de</strong> at<strong>os</strong> criminalizad<strong>os</strong>.Nessa articulação, a crimi<strong>no</strong>logia etiológica, associada a<strong>os</strong>insipientes saberes psi <strong>de</strong> fins do século XIX, não tardará em associar<strong>os</strong> at<strong>os</strong> criminais a<strong>os</strong> seres consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> internamente <strong>de</strong>generad<strong>os</strong>e perig<strong>os</strong><strong>os</strong>, fortalecendo uma visão naturalista da socieda<strong>de</strong> e o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma antropologia do homem crimin<strong>os</strong>o com aescola italiana, a qual estava ancorada na teoria p<strong>os</strong>itivista da <strong>de</strong>fesasocial.Preocupada com <strong>os</strong> <strong>de</strong>svi<strong>os</strong> da natureza que <strong>de</strong>terminam <strong>os</strong>comportament<strong>os</strong> atípic<strong>os</strong>, bizarr<strong>os</strong> e estranh<strong>os</strong>, surge nessa época a32


chamada Escola P<strong>os</strong>itivista <strong>de</strong> Crimi<strong>no</strong>logia que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rá a puniçãocomo <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m social, sob forte influência da colagem doconceito <strong>de</strong> pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> à personalida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> infratores,consi<strong>de</strong>rando o crimin<strong>os</strong>o como um monstru<strong>os</strong>o <strong>de</strong>sviante.[...] o enxerto entre as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> déficit permanente e mal moral,<strong>no</strong> contexto da época pineliana, encontrou as condições necessáriaspara fazer brotar a “pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>”, na forma <strong>de</strong> um conceitohíbrido, mas absolutamente inédito. A naturalida<strong>de</strong> com a qualessa <strong>no</strong>vida<strong>de</strong> conceitual foi recepcionada, tanto nas instituiçõesmédicas, jurídicas e sociais, <strong>de</strong> forma geral, daquela época até<strong>os</strong> dias <strong>de</strong> hoje, parece ser tributária <strong>de</strong>sse engenh<strong>os</strong>o artifício.Porém, basta dar a palavra a esses indivídu<strong>os</strong> dit<strong>os</strong> perig<strong>os</strong><strong>os</strong> paraperceber o que n<strong>os</strong>sa experiência revela: essa engenhoca conceitualestá a serviço <strong>de</strong> uma ficção, e mesmo por ser ficção não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>ter efeit<strong>os</strong> mortífer<strong>os</strong> ao incidir <strong>no</strong> real d<strong>os</strong> corp<strong>os</strong> e das práticasinstitucionais, na maioria das vezes, calando e mortificando aresp<strong>os</strong>ta do sujeito em sua singularida<strong>de</strong> inequívoca e imp<strong>os</strong>sível<strong>de</strong> prever. Esse artifício talvez ainda sobreviva porque alimenta aarte do discurso do mestre, político-gestor, em fazer crer ser p<strong>os</strong>sívelpresumir a pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> das pessoas e garantir a segurançapara <strong>os</strong> <strong>de</strong>mais. Contudo, o perigo aí se instala quando essa i<strong>de</strong>iatermina por suturar a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas leituras para <strong>os</strong> at<strong>os</strong>human<strong>os</strong> e sua articulação intrínseca ao contexto sociológico <strong>de</strong>cada época. Quando se procuram resp<strong>os</strong>tas n<strong>os</strong> corp<strong>os</strong>, <strong>de</strong>ixa-se <strong>de</strong>interrogar o discurso que faz o laço da política e da socieda<strong>de</strong> e que,sobremaneira, afeta <strong>os</strong> corp<strong>os</strong>, seus at<strong>os</strong> e resp<strong>os</strong>tas. (BARROS-BRISSET, 2011, s/n)Numa imbricação <strong>de</strong> conceit<strong>os</strong> como monstru<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>e personalida<strong>de</strong> criminal, esta escola, cuj<strong>os</strong> principais expoentes foram8. Cesare Lombr<strong>os</strong>o (1835 – 1909), médico italia<strong>no</strong>, é consi<strong>de</strong>rado o i<strong>de</strong>alizador efundador da escola <strong>de</strong> antropologia criminal italiana principalmente pelo lançamento<strong>de</strong> seu mais fam<strong>os</strong>o livro, O Homem Delinquente, em 1876.9. Enrico (1856 – 1929), jurista e político italia<strong>no</strong>, é consi<strong>de</strong>rado um d<strong>os</strong> gran<strong>de</strong>smestres do Direito Criminal. Ferri é o principal representante da escola p<strong>os</strong>itivista <strong>no</strong>Direito Penal e o criador da sociologia criminal. Sua obra influenciou profundamentea legislação penal <strong>de</strong> divers<strong>os</strong> países, inclusive a do Brasil”. Apresentação do autorna contracapa do livro Discurs<strong>os</strong> <strong>de</strong> Acusação (ao lado das Vítimas), <strong>de</strong> sua autoria(Ferri, 2007).10. Rafael Garofalo (1851 - 1934). jurista, consi<strong>de</strong>rado um d<strong>os</strong> pioneir<strong>os</strong> da crimi<strong>no</strong>logiaitaliana.33


Cesare Lombr<strong>os</strong>o 8 , Enrico Ferri 9 e Rafael Garofalo 10 creditam, comoúnica fonte <strong>de</strong> conhecimento e critério <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> a experiência comofato p<strong>os</strong>itivo e observável a partir apenas <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> sensíveis. Comisso, a crimi<strong>no</strong>logia p<strong>os</strong>itivista buscou aplicar <strong>os</strong> métod<strong>os</strong> <strong>de</strong> redução,observação e experimentação a<strong>os</strong> fat<strong>os</strong> sociais, fil<strong>os</strong>ófic<strong>os</strong> e human<strong>os</strong>a fim <strong>de</strong> buscar maiores esclareciment<strong>os</strong> e iluminações acerca nã<strong>os</strong>omente do crime, mas, principalmente, do crimin<strong>os</strong>o, este serconsi<strong>de</strong>rado monstru<strong>os</strong>o e perig<strong>os</strong>o que precisaria ser controlado pel<strong>os</strong>istema penal com a “ajuda” da ciência para manter a dita segurançae or<strong>de</strong>m pública.Michel Foucault (2008) relaciona o disp<strong>os</strong>itivo <strong>de</strong> segurançaa<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> disciplinares mo<strong>de</strong>rn<strong>os</strong>, que, com seus controlesregulatóri<strong>os</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>os</strong> códig<strong>os</strong> jurídico-penais arcaic<strong>os</strong>, se encarregamdas <strong>de</strong>cisões da saú<strong>de</strong> e da vida das populações. Entretanto, segundoeste autor, o <strong>de</strong>sespero pela “segurança” m<strong>os</strong>tra-se cada vez maispresente e atuante principalmente quando se refere à esfera dacriminalida<strong>de</strong> contemporânea ou das questões envolvendo a or<strong>de</strong>msocial: “O conjunto das medidas legislativas, d<strong>os</strong> <strong>de</strong>cret<strong>os</strong>, d<strong>os</strong>regulament<strong>os</strong>, das circulares que permitem implantar <strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong><strong>de</strong> segurança, esse conjunto é cada vez mais gigantesco” (Ibi<strong>de</strong>m,p.11). E, para efetivar este mecanismo, não basta a verda<strong>de</strong>ira inflaçãolegal que tem<strong>os</strong> na atualida<strong>de</strong>, mas apelar[...] para toda uma série <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> vigilância, <strong>de</strong> vigilânciad<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>, <strong>de</strong> diagnóstico do que eles são, <strong>de</strong> classificaçãoda sua estrutura mental, da sua patologia própria, etc., todo umconjunto disciplinar que viceja sob <strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> <strong>de</strong> segurançapara fazê-l<strong>os</strong> funcionar. (Ibi<strong>de</strong>m, p. 11).Associado a esse disp<strong>os</strong>itivo, tem<strong>os</strong> na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> o conceito <strong>de</strong>“risco social” também sustentando intervenções p<strong>os</strong>itivistas baseadasna lógica da prevenção e repressão. Mas, para que isso seja eficaz,faz-se necessário i<strong>de</strong>ntificar e separar <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> “em risco” e <strong>os</strong> “<strong>de</strong>risco” para que se p<strong>os</strong>sa evitar o máximo que <strong>os</strong> segundo ataquem <strong>os</strong>primeir<strong>os</strong>. O conceito “<strong>de</strong> risco” po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como o pensamentoque envolve o cálculo do provável <strong>no</strong> futuro, seguido pela ação <strong>no</strong>presente com o objetivo <strong>de</strong> controle <strong>de</strong>sse futuro em potencial (R<strong>os</strong>e,34


2010). Esta lógica do controle do risco e sua medição, gerenciamento eplanejamento preten<strong>de</strong> diminuir o máximo a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que dan<strong>os</strong>graves ocorram nas relações sociais <strong>de</strong>vido a sup<strong>os</strong>t<strong>os</strong> transtorn<strong>os</strong> oudoenças que, se diagn<strong>os</strong>ticadas precocemente, po<strong>de</strong>riam ser tratadasou isoladas antes <strong>de</strong> o fato dan<strong>os</strong>o ocorrer.Diante disso, a naturalização da articulação da personalida<strong>de</strong>criminal a<strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> <strong>de</strong> pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> risco social seleciona,através d<strong>os</strong> métod<strong>os</strong> diagnóstic<strong>os</strong> “a<strong>de</strong>quad<strong>os</strong>”, aqueles que <strong>de</strong>vempermanecer ou sair das prisões, relacionando cada vez mais umapsicologização das questões penais a<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> exclusivamentepunitiv<strong>os</strong> e <strong>de</strong> controles da vida cotidiana.Assim, compreen<strong>de</strong>-se porque as <strong>de</strong>mandas jurídicas para a<strong>Psicologia</strong> sempre foram <strong>de</strong> classificar e diagn<strong>os</strong>ticar característicascomo pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, antissocialismo, progn<strong>os</strong>e <strong>de</strong>reincidência, biografia criminal, nexo causal <strong>de</strong>lito-<strong>de</strong>linquente,alterações em funções mentais “<strong>no</strong>rmais” e (im)p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>“cura” para subsidiar p<strong>os</strong>ições jurídicas mais repressivas, punitivas e/ou <strong>os</strong> tip<strong>os</strong> <strong>de</strong> tratament<strong>os</strong> psi que <strong>de</strong>veriam ser imp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> ao sujeito“crimin<strong>os</strong>o” a fim <strong>de</strong> evitar a qualquer custo a reincidência, ou seja,que indivídu<strong>os</strong> “<strong>de</strong> risco” incomo<strong>de</strong>m <strong>os</strong> “em risco”. Nessa lógicadicotômica e maniqueísta, <strong>os</strong> “especialistas do motivo” fortalecema individualização das questões sociais e as visões punitivistas erepressoras através da busca <strong>de</strong> relações <strong>de</strong>terministas e causais queexpliquem por que existem comportament<strong>os</strong> criminais e como intervirantes para que eles não se repitam. Tal como afirma Salo <strong>de</strong> Carvalho:A concepção <strong>de</strong> homem presente <strong>no</strong> paradigma etiológico sefundamenta na dicotomia entre indivíduo e socieda<strong>de</strong>, portantoa constituição do indivíduo é compreendida in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dascondições concretas nas quais está inserido. Esta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pensamento, ao negar o aspecto histórico e social da constituiçãodo sujeito, contribui para sedimentar ainda mais a explicaçãodo comportamento crimin<strong>os</strong>o e suas motivações com enfoque<strong>no</strong> indivíduo, sua personalida<strong>de</strong> e características orgânicas.(CARVALHO, 2010, p. 3)É se opondo a essas concepções <strong>de</strong> sujeito psicológico que ocorrem<strong>os</strong> investiment<strong>os</strong> atuais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parcela da categoria <strong>de</strong> psicólog<strong>os</strong>35


que trabalham <strong>no</strong> sistema prisional brasileiro. É consi<strong>de</strong>rando acomplexida<strong>de</strong> da situação que atravessa as biografias <strong>de</strong>ssas pessoasque se encontram presas, bem como sua relação com as inúmerascondições sociais, históricas, políticas e econômicas que a questão dacriminalida<strong>de</strong> contemporânea e suas múltiplas formas <strong>de</strong> penalizaçã<strong>os</strong>ão agora analisadas e problematizadas. Nessa visão atual consi<strong>de</strong>rasea criminalização não algo natural e regido por causas biológicas e/ouindividuais, mas como um processo social e histórico, <strong>de</strong>limitado poruma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> crime como <strong>de</strong>terminado socialmente e <strong>de</strong> acordocom <strong>de</strong>terminado momento histórico.Com isso, crime não po<strong>de</strong> ser compreendido aqui como um mero atoindividual cometido por um sujeito “<strong>de</strong>sadaptado” e contra as regrasgerais, e nem prisão como um mecanismo penal eficaz e útil paradar conta da criminalização contemporânea e todas as suas múltiplasimplicações coletivas e sociais. Sobre essa forma hegemônica <strong>de</strong>penalização mo<strong>de</strong>rna instituída há mais <strong>de</strong> duzent<strong>os</strong> an<strong>os</strong>, consi<strong>de</strong>raseo método prisional mais um forte fator criminalizante, sendo assimtotalmente ineficaz em term<strong>os</strong> <strong>de</strong> diminuição <strong>de</strong> at<strong>os</strong> criminais, talcomo inúmer<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> e pesquisas já o comprovaram (ADORNO eSALLA, 2007; GARLAND, 2008; LEA e YOUNG, 2001; KARAM,2004; SALLA, 2001 e 2006). Tais estud<strong>os</strong>, assim como as cotidianasconstatações empíricas <strong>de</strong> quem convive com a realida<strong>de</strong> prisional,especialmente a brasileira, <strong>de</strong>monstram exatamente o contrárioquanto à pena <strong>de</strong> prisão: é um d<strong>os</strong> gran<strong>de</strong>s mecanism<strong>os</strong> disciplinarese <strong>de</strong> controle que potencializa a marginalização, a exclusão social e asrelações sociais mortíficas e <strong>de</strong>gradantes.Tal como afirma Foucault, já na década <strong>de</strong> 70:As prisões não diminuem a taxa <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>: po<strong>de</strong> aumentálas,multiplicá-las ou transformá-las, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crimes e <strong>de</strong>crimin<strong>os</strong><strong>os</strong> permanece estável, ou, ainda pior, aumenta. [...] a<strong>de</strong>tenção provoca a reincidência: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sair da prisão, se têmmais chances que antes <strong>de</strong> voltar a ela, <strong>os</strong> con<strong>de</strong>nad<strong>os</strong> são, emproporção consi<strong>de</strong>rável, antig<strong>os</strong> <strong>de</strong>tent<strong>os</strong>.” (FOUCAULT, 1999, p.221).Diante disso, problematiza-se aqui as leituras enrijecidas36


conceitualmente <strong>de</strong> um certo “sujeito psicológico” natural e essencial,pois se consi<strong>de</strong>ra a constituição subjetiva humana diretamenterelacionada à flui<strong>de</strong>z do mundo, às suas infinitas contradições numpermanente processo <strong>de</strong> invenção <strong>de</strong> si e do mundo.Isso dito, então, torna-se fundamental questionar <strong>os</strong> sistemas geraise universalizantes que falam em <strong>no</strong>me <strong>de</strong>sses sujeit<strong>os</strong> encaixando<strong>os</strong>homogeneamente em sistemas classificatóri<strong>os</strong> e em princípi<strong>os</strong>gerais que visam domesticar as massas populacionais, excluind<strong>os</strong>uas experiências singularizantes e coletivas. Consi<strong>de</strong>ra-se que olugar daquele sujeito fixo, natural, individual, essencial e <strong>de</strong>terminadopor qualquer or<strong>de</strong>m natural, moral, religi<strong>os</strong>a, etc. per<strong>de</strong> espaço epo<strong>de</strong>r diante da complexida<strong>de</strong> e instabilida<strong>de</strong> que a questão criminalcontemporânea e suas múltiplas formas <strong>de</strong> olhares e disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong>tentam explicitar.É com este espírito e princípi<strong>os</strong> que o <strong>de</strong>bate sobre a <strong>Psicologia</strong><strong>no</strong> sistema prisional se impôs, produzindo questionament<strong>os</strong> e<strong>de</strong>sacomodações, <strong>os</strong> quais p<strong>os</strong>sibilitaram (re)construções e (re)arranj<strong>os</strong> necessári<strong>os</strong> em todo processo <strong>de</strong>mocrático para que houvessemobilizações e discussões coletivas em busca <strong>de</strong> outra realida<strong>de</strong> da<strong>Psicologia</strong> e das prisões brasileiras.Nesse pa<strong>no</strong>rama, surge a questão: Para que serve então a <strong>Psicologia</strong>?Ou mais especificamente falando: Para que serve a <strong>Psicologia</strong> na prisão?Uma resp<strong>os</strong>ta p<strong>os</strong>sível para essa dúvida po<strong>de</strong>ria ser: para “proteger” asocieda<strong>de</strong>, legitimando <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> separação e fortalecendo <strong>os</strong> níveis<strong>de</strong> exclusão com base em conceit<strong>os</strong> como ‘conduta <strong>de</strong>sviante’ e ‘graus<strong>de</strong> pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>’. Outra resp<strong>os</strong>ta, igualmente p<strong>os</strong>sível, aponta para ap<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ali estar para produzir uma intervenção na prisão emdiferentes níveis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a promoção da acessibilida<strong>de</strong> a recurs<strong>os</strong> paradar tratamento a<strong>os</strong> sofriment<strong>os</strong> imp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> pela experiência do cárcere,até a <strong>de</strong>sconstrução das necessida<strong>de</strong>s históricas, sociais e i<strong>de</strong>ológicasque têm sustentado a sua existência.O caminho para essa segunda resp<strong>os</strong>ta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, sobretudo, <strong>de</strong>uma p<strong>os</strong>tura crítica por meio da qual se po<strong>de</strong>ria inclusive modificara primeira e reverter, quem sabe, o legado histórico das prisões emuma oportunida<strong>de</strong> para o exercício da reflexão e da crítica acerca doconceito <strong>de</strong> justiça e do próprio conceito <strong>de</strong> pena. Essa seria uma37


perspectiva ética <strong>de</strong>ntro do que se espera <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> inclusivae <strong>de</strong>mocrática.A constituição social da figura do “<strong>de</strong>linquente” ou o olhar sobre<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> que são consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> em “vulnerabilida<strong>de</strong> social”<strong>de</strong>vem, portanto, ser element<strong>os</strong> <strong>de</strong> reflexão para a prática profissionalcompromissada da <strong>Psicologia</strong>, assim como a análise crítica sobre <strong>os</strong>atravessament<strong>os</strong> jurídico-institucional-polític<strong>os</strong> na prática psicológica.Para efetivar essa outra resp<strong>os</strong>ta p<strong>os</strong>sível, a <strong>Psicologia</strong> conta comoutro legado histórico que se constituiu como contrapeso da políticaconvencional, beligerante e vingativa. Tal legado compõe-se <strong>de</strong> princípi<strong>os</strong>e marc<strong>os</strong> lógic<strong>os</strong> instituíd<strong>os</strong> por uma política comprometida com <strong>os</strong>direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>, conduzida pel<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> sociais e respaldadapel<strong>os</strong> organism<strong>os</strong> multilaterais como a Organização das Nações Unidas(ONU) e a Organização Mundial da Saú<strong>de</strong> (OMS), bem como pel<strong>os</strong> órgã<strong>os</strong>governamentais através da garantia <strong>de</strong> respeito a preceit<strong>os</strong> étic<strong>os</strong> e legaisque embasam atualmente a <strong>Psicologia</strong> como ciência e profissão. Esteselement<strong>os</strong> serão discutid<strong>os</strong> <strong>no</strong> próximo capítulo.38


A psicologia nas prisões do Brasil39


A PSICOLOGIA NAS PRISÕES DO BRASILA atual realida<strong>de</strong> prisional brasileira e suas referências legaisresultam <strong>de</strong> intens<strong>os</strong> <strong>de</strong>bates e embates históric<strong>os</strong> ocorrid<strong>os</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oBrasil Colônia, que foi penalmente regido pelo Livro V das Or<strong>de</strong>naçõesFilipinas até a entrada <strong>no</strong> período imperial. Deu-se então a promulgaçãodo Código Criminal do Império <strong>de</strong> 1830 e do Código <strong>de</strong> ProcessoPenal <strong>de</strong> 1832, reformado em 1841. Em 1890, chegou-se ao CódigoCriminal da República. Em 1940, é publicado o Código Penal vigenteaté <strong>os</strong> dias atuais, alterado parcialmente em 1984 11 . Tais disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong>legais <strong>de</strong>finiram a criação das primeiras instituições penitenciáriasbrasileiras, <strong>no</strong> mo<strong>de</strong>lo das chamadas Casas <strong>de</strong> Correção, em divers<strong>os</strong>estad<strong>os</strong>, tais como a Casa <strong>de</strong> Correção da Corte do Rio <strong>de</strong> Janeiro em1850, <strong>de</strong> São Paulo em 1852 e <strong>de</strong> Porto Alegre em 1855 12 . Divers<strong>os</strong>outr<strong>os</strong> estabeleciment<strong>os</strong> prisionais e correcionais surgiram a partir dasegunda meta<strong>de</strong> do século XIX e início do século XX, estando até hojeextremamente fortalecid<strong>os</strong> como um sistema penal hegemônico emtodo território nacional 13 .Nesse sentido, influenciada pelo forte princípio p<strong>os</strong>itivista penal dasleis brasileiras, princípio baseado na doutrina da <strong>de</strong>fesa social (Freitas,2002), a prisão além <strong>de</strong> servir a<strong>os</strong> preceit<strong>os</strong> jurídico-formais tambémfoi utilizada <strong>no</strong> Brasil (e não somente aqui) para segregar homens emulheres que lutavam contra a ditadura civil e militar que se instalou<strong>no</strong> país <strong>de</strong> 1964 a 1985. Após serem pres<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> órgã<strong>os</strong> civis emilitares (DOI-CODI, DEOPS, PE 14 ), muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> que sobreviveramàs torturas eram encaminhad<strong>os</strong> ao Presídio Tira<strong>de</strong>ntes, cujo <strong>no</strong>meoficial era “Recolhimento <strong>de</strong> Pres<strong>os</strong> Tira<strong>de</strong>ntes”, um d<strong>os</strong> mais antig<strong>os</strong>11. O código penal, neste a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 2012, está em processo <strong>de</strong> discussão para <strong>no</strong>vareforma.12. Para um estudo histórico mais aprofundado sobre <strong>os</strong> disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> legais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oBrasil Colônia, que infelizmente neste texto não é p<strong>os</strong>sível em função d<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong>do mesmo e do espaço restrito, ver dois artig<strong>os</strong> disponíveis on-line: Ferreira (2009) eTaquary (2008).13. Ver Dad<strong>os</strong> relatóri<strong>os</strong> INFOPEN in: http://www.infopen.gov.br/14. DOI-CODI ( Destacamento <strong>de</strong> Operações e Informações – Centro <strong>de</strong> Operações<strong>de</strong> Defesa Interna); DEOPS (Departamento <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Política e Social); PE (Políciado Exército).41


presídi<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>, criado inicialmente como “<strong>de</strong>pósito <strong>de</strong>escrav<strong>os</strong> e <strong>de</strong>pois, já <strong>no</strong> período republica<strong>no</strong>, foi utilizado várias vezespara receber <strong>os</strong> op<strong>os</strong>itores do regime”. (FREIRE et al., 1997, p. 25)Mas, a que <strong>de</strong>mandas respondia a construção d<strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> presídi<strong>os</strong>em n<strong>os</strong>so país? Em que medida essa resp<strong>os</strong>ta foi orientada por políticasprisionais externas? Como o Brasil acompanhou o <strong>de</strong>senvolvimento dalógica - ou da racionalida<strong>de</strong> - que embasava o encarceramento comoresp<strong>os</strong>ta da justiça ao crime? Em que medida e como isso se articulacom a <strong>Psicologia</strong> como ciência e profissão?Os diferentes saberes e profissões que foram convocad<strong>os</strong> a contribuir<strong>no</strong> sistema prisional respon<strong>de</strong>ram, hegemonicamente, a partir da funçãoestratégica <strong>de</strong> “ortopedia social”, conforme apontado por Foucault(2001). No caso da <strong>Psicologia</strong>, almejando status <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong>, as<strong>de</strong>mandas sociais relacionadas à legitimida<strong>de</strong> da pena-prisão foramrespondidas a partir do paradigma da naturalização d<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong>psicológic<strong>os</strong>, com a psicologização do dito “comportamento crimin<strong>os</strong>o”.No Brasil, antes mesmo <strong>de</strong> a <strong>Psicologia</strong> ser reconhecida como profissão(1962) 15 já se encontravam psicologistas 16 <strong>no</strong> campo da justiça criminal.Segundo a Cartilha “Diretrizes para atuação e formação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>do sistema prisional brasileiro” (2007), a ciência psicológica estápresente nas prisões <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época <strong>de</strong> 1930, marcada pelo discursomédico da psiquiatria sobre o indivíduo crimin<strong>os</strong>o. Em São Paulo, porexemplo, <strong>os</strong> estud<strong>os</strong> psicológic<strong>os</strong> ficavam a cargo do médico assistente <strong>de</strong><strong>Psicologia</strong>, que participava da equipe técnica do Serviço <strong>de</strong> BiotipologiaCriminal, criado em 1939, na Penitenciária do Estado. Tal serviço tinhacomo objetivo “realizar estud<strong>os</strong> e investigações na área da Psiquiatria,Antropologia, Crimi<strong>no</strong>logia, Endocri<strong>no</strong>logia e <strong>Psicologia</strong>” para, <strong>de</strong>ntre15. A <strong>Psicologia</strong>, enquanto ciência e profissão, foi regulamentada através da Lei N.ºº4.119 – <strong>de</strong> 27-08-1962 que dispõe também sobre <strong>os</strong> curs<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação em<strong>Psicologia</strong>.16. Termo utilizado por pesquisadores em história da <strong>Psicologia</strong> para <strong>de</strong>signar profissionaise acadêmic<strong>os</strong> que se voltavam para <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> psicológic<strong>os</strong> n<strong>os</strong> seusestud<strong>os</strong> e intervenções. Segundo BRITO, 2009 (apud Oliveira, 2011) a expressão“psicologistas”, referia-se a<strong>os</strong> profissionais <strong>de</strong> diferentes áreas que <strong>no</strong> início do SéculoXX se interessavam por temas afet<strong>os</strong> à psicologia a partir <strong>de</strong> estud<strong>os</strong> sobre questõesrelacionadas ao Direito Penal, antes mesmo <strong>de</strong> a psicologia ser uma profissão legalmentereconhecida.42


outras competências, “estudar a personalida<strong>de</strong> do crimin<strong>os</strong>o <strong>no</strong> seuaspecto biopsíquico e social, procurando classificá-lo” (Ibi<strong>de</strong>m, p.50). Já<strong>no</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, segundo estud<strong>os</strong> <strong>de</strong> Jacó-Vilela, apud Brito (2009),Eliezer Schnei<strong>de</strong>r, advogado por formação, apresentou interesse por temasda <strong>Psicologia</strong> a partir <strong>de</strong> estud<strong>os</strong> sobre questões relacionadas ao DireitoPenal, ingressando como ‘técnico <strong>de</strong> assunt<strong>os</strong> educacionais’ <strong>no</strong> Instituto<strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da atual Universida<strong>de</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>no</strong> a<strong>no</strong><strong>de</strong> 1941, exercendo ativida<strong>de</strong>s d<strong>os</strong> então chamad<strong>os</strong> psicologistas, comoeram <strong>de</strong><strong>no</strong>minad<strong>os</strong> <strong>os</strong> profissionais <strong>de</strong> outras áreas que se interessavampor esse campo (OLIVEIRA, 2011). Na década <strong>de</strong> 1950, Schnei<strong>de</strong>r atuoucomo perito <strong>no</strong> então Manicômio Judiciário do Rio <strong>de</strong> Janeiro, h<strong>os</strong>pital<strong>de</strong>stinado a<strong>os</strong> chamad<strong>os</strong> “louc<strong>os</strong> infratores” e, em 1969, o psiquiatra epsicólogo Miguel Chalub ingressou neste mesmo h<strong>os</strong>pital na condição <strong>de</strong>perito, ativida<strong>de</strong> que ainda exerce em 2012.Ainda, segundo Jacó-Vilela e outr<strong>os</strong> (2005), a <strong>Psicologia</strong> nadécada <strong>de</strong> 1970 se preocupava em estabelecer formas maciças epadronizadas <strong>de</strong> mensuração psicológica, <strong>de</strong>stacando-se a psicometriautilizada para “alocar <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> em sua p<strong>os</strong>ição <strong>no</strong> conjunto <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>terminada população” (p.265). Medir e classificar objetivavamo controle, a adaptação, a <strong>no</strong>rmatização e a padronização social.Essa atitu<strong>de</strong> político-i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> controle da socieda<strong>de</strong> tinha, nessadécada em que a ditadura civil e militar estava cristalizada <strong>no</strong> país, oobjetivo <strong>de</strong> “prevenir” a formação <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sviad<strong>os</strong>” e afastar <strong>os</strong> cidadã<strong>os</strong>das questões políticas vigentes à época. Para essa i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> Estado,a luta política representava uma ameaça à socieda<strong>de</strong>; a família <strong>de</strong>veriaser o eixo da atenção social e cada um <strong>de</strong> seus membr<strong>os</strong> <strong>de</strong>veriaestar voltado exclusivamente para si mesmo, sem se preocupar comas questões políticas e as reivindicações sociais. Como apontado porCoimbra (1995), para o Estado, as pessoas <strong>de</strong>viam estar:[...] apenas preocupadas com a história <strong>de</strong> suas vidas e comsuas emoções particulares, em que o mundo exterior parece n<strong>os</strong><strong>de</strong>cepcionar, parece vazio e sem atrativ<strong>os</strong>, fortalece, <strong>de</strong>sse modo,a privacida<strong>de</strong> familiar e a interiorização das pessoas [...] há umaatitu<strong>de</strong> cética em term<strong>os</strong> <strong>de</strong> política, sobretudo pela crença <strong>de</strong> que<strong>os</strong> interesses pessoais, familiares estão acima <strong>de</strong> quaisquer outr<strong>os</strong>e que não se po<strong>de</strong> e não se <strong>de</strong>ve abrir mão <strong>de</strong>les. [...] qualquer43


angústia do cotidia<strong>no</strong>, qualquer sentimento <strong>de</strong> mal-estar existencial,são imediatamente remetid<strong>os</strong> para o território da “falta”, on<strong>de</strong> <strong>os</strong>especialistas “psi” estão vigilantes e atent<strong>os</strong> para resgatar suasvítimas. (COIMBRA, 1995, p.33-35)Influenciada por essa visão intimista, foi publicada logo após asalterações do Código Penal pela Lei n.º 7.209, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>1984, e ainda sob a vigência da ditadura civil e militar brasileira, omarco legal <strong>de</strong> maior importância na questão da política prisional emn<strong>os</strong>so país: a Lei <strong>de</strong> Execução Penal – LEP (Lei n.º 7.210 <strong>de</strong> 1984). ALEP foi instituída, segundo estabelece seu artigo 1°, com o objetivo <strong>de</strong>“efetivar as disp<strong>os</strong>ições <strong>de</strong> sentença ou <strong>de</strong>cisão criminal e proporcionarcondições para a harmônica integração social do con<strong>de</strong>nado e dointernado” (BRASIL, 1984).Para essa “harmônica integração social” se pressupôs um tratamentopenal que tivesse como efeito tornar as pessoas “ressocializadas”,“reeducadas” e “ajustadas” ao mo<strong>de</strong>lo hegemônico <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>.Como apontam Almeida, Badaró Ban<strong>de</strong>ira e Sant<strong>os</strong> (2010), aExp<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> Motiv<strong>os</strong> da LEP, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1983, <strong>de</strong>ixa claro que ochamado “tratamento penal” consiste na aplicação individualizada doregime progressivo da pena – fechado/semiaberto/aberto – consoanteàs “condições personalíssimas do agente” auferidas por meio <strong>de</strong>exame crimi<strong>no</strong>lógico, bem como na atribuição <strong>de</strong> trabalho “segundoas aptidões ou ofício anterior do preso” (Código Penal, 1940, p.14).Na análise <strong>de</strong>sses autores, a redução da reincidência se dá, portanto,por meio da progressiva reinserção social através do resgate parciale contínuo <strong>de</strong> parcelas da liberda<strong>de</strong> suprimida, baseando-se <strong>no</strong>“mérito” do con<strong>de</strong>nado e em uma previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua presumidaadaptabilida<strong>de</strong> social (BRASIL, 1984).Observa-se, portanto, que a LEP, ao instituir o “tratamentopenitenciário”, não o fez como uma abordagem <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> comocomumente i<strong>de</strong>ntificam<strong>os</strong> a palavra “tratamento”, “mas sim em umaexpectativa <strong>de</strong> alteração da conduta d<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> por meio da própriaregulação da pena e da disciplina penitenciária” (BRASIL, 1984).44


2.1 A lógica das prisões e seus examesA lógica que <strong>de</strong>terminava as intervenções d<strong>os</strong> profissionais queatuavam nesse campo (e ainda atuam) estava calcada (e ainda está)na investigação sobre a pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, por meio do chamado examecrimi<strong>no</strong>lógico. Como diz Foucault, a técnica do exame, “supõe ummecanismo que liga um certo tipo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> saber a uma certaforma <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r [...]. Um ‘po<strong>de</strong>r da escrita’ é constituído comouma peça essencial nas engrenagens da disciplina” (1999, p.156-157).Os “especialistas” passam a integrar o campo da justiça penal para fazeroperar uma lógica mais sutil <strong>de</strong> repressão. É com esse espírito que a LEPpromulgada em 1984 17 convoca <strong>os</strong> “especialistas”, entre eles o psicólogo,para integrar uma equipe multiprofissional <strong>de</strong><strong>no</strong>minada Comissão Técnica<strong>de</strong> Classificação (CTC), comp<strong>os</strong>ta também por psiquiatra, assistentesocial e chefes <strong>de</strong> serviço da unida<strong>de</strong> prisional. Segundo a LEP, em seuartigo 5º, a CTC tem a incumbência <strong>de</strong> classificar <strong>os</strong> apenad<strong>os</strong>, segundo<strong>os</strong> seus antece<strong>de</strong>ntes e personalida<strong>de</strong> para orientar a elaboração doprograma individualizador da execução da pena. Além disso, po<strong>de</strong>rápropor à autorida<strong>de</strong> competente, as progressões, regressões e conversõesd<strong>os</strong> regimes penais (art. 6º) a partir do exame crimi<strong>no</strong>lógico realizado pelopsicólogo, psiquiatra e pelo assistente social, quando <strong>de</strong>terminado pelojuiz da execução penal 18 . Desse modo, a LEP marcou oficialmente o lugardo psicólogo <strong>no</strong> contexto da execução penal com a função <strong>de</strong> perito parasubsidiar o juiz nas suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> concessão ou não da progressão <strong>de</strong>regime e do livramento condicional. Esse exame tem por objetivo i<strong>de</strong>ntificaras múltiplas causas que, na história d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>, constituiriam fatores17. Em 2003 com a promulgação da lei 10.792 o artigo 6º foi alterado e passou a tera seguinte redação: “A classificação será feita por Comissão Técnica <strong>de</strong> Classificaçãoque elaborará o programa individualizador da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada aocon<strong>de</strong>nado ou preso provisório”.18. A Lei 10.792/2003 também alterou o artigo 112 da LEP, que passou a ter aseguinte redação: “A pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> será executada em forma progressivacom a transferência para regime men<strong>os</strong> rigor<strong>os</strong>o, a ser <strong>de</strong>terminada pelo juiz, quandoo preso tiver cumprido ao men<strong>os</strong> um sexto da pena <strong>no</strong> regime anterior e <strong>os</strong>tentar bomcomportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadasas <strong>no</strong>rmas que vedam a progressão”. Estas mudanças na legislação e seus impact<strong>os</strong>para a atuação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> serão tratad<strong>os</strong> p<strong>os</strong>teriormente neste capítulo.45


geradores da conduta <strong>de</strong>litu<strong>os</strong>a e avaliar as mudanças ocorridas ao longoda pena <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> sua superação. Lembrando Foucault (1977), épreciso se reportar ao biográfico para justificar o comportamento crimin<strong>os</strong>o:[...] a prisão, local <strong>de</strong> execução da pena, é ao mesmo tempo local <strong>de</strong>observação d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> punid<strong>os</strong> em dois sentid<strong>os</strong>. Vigilância, é claro.Mas também conhecimento <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>tento, <strong>de</strong> seu comportamento, <strong>de</strong>suas disp<strong>os</strong>ições profundas, <strong>de</strong> sua progressiva melhora; as prisões <strong>de</strong>vemser concebidas como um local <strong>de</strong> formação para um saber clínico sobre<strong>os</strong> con<strong>de</strong>nad<strong>os</strong>. [...] é preciso que o prisioneiro p<strong>os</strong>sa ser mantido sob umolhar permanente; é preciso que sejam registradas e contabilizadas todasas a<strong>no</strong>tações que se p<strong>os</strong>sa tomar sobre eles (FOUCAULT, 1999, p.221).Esse exame/olhar minuci<strong>os</strong>o <strong>de</strong><strong>no</strong>minado “perícia” para concessãod<strong>os</strong> benefíci<strong>os</strong> legais tem sido questionado ao longo do tempo, nã<strong>os</strong>ó por psicólog<strong>os</strong>, mas também por alguns operadores do Direito,como Carvalho (2008) quando afirma em seu livro “Antimanual <strong>de</strong>Crimi<strong>no</strong>logia” que “o mo<strong>de</strong>lo oficial das ciências criminais vislumbra <strong>os</strong><strong>de</strong>mais saberes como servis, permitindo apenas que forneçam subsídi<strong>os</strong>para a disciplina mestra do direito penal” (p.22). E acrescenta: “Aarrogância do direito penal aliada à subserviência das áreas <strong>de</strong>conhecimento que são submetidas e que se submetem a este mo<strong>de</strong>lo,obtém como resultado o reforço do dogmatismo, o isolamento científicoe o natural distanciamento d<strong>os</strong> reais problemas da vida” (i<strong>de</strong>m).Entretanto, essa análise crítica feita por Carvalho não é comumentre a alguns profissionais psicólog<strong>os</strong> que se alinham a um discursoenaltecedor <strong>de</strong> suas valor<strong>os</strong>as contribuições <strong>no</strong> campo jurídico, <strong>de</strong>ixam<strong>de</strong> colocar em análise o lugar que a <strong>Psicologia</strong> tem ocupado <strong>no</strong> sistema<strong>de</strong> justiça criminal e a quem está servindo.É fato que, n<strong>os</strong> primórdi<strong>os</strong> da relação do psicólogo <strong>no</strong> campo daexecução penal, sua atuação foi sendo construída empiricamente,tendo em vista a pouca discussão <strong>de</strong>sse campo temático n<strong>os</strong> espaç<strong>os</strong><strong>de</strong> formação e mei<strong>os</strong> acadêmic<strong>os</strong>. No entanto, a crescente <strong>de</strong>mandapolítica e social acerca do encarceramento exigiu da <strong>Psicologia</strong> umadiscussão mais aprofundada e construção <strong>de</strong> métod<strong>os</strong> <strong>de</strong> intervençãoe reflexões teóricas sobre o contexto do sistema prisional.A partir da década <strong>de</strong> 1990, observa-se um “boom” do maciçorecurso ao encarceramento, aumentando consi<strong>de</strong>ravelmente o número46


<strong>de</strong> exames crimi<strong>no</strong>lógic<strong>os</strong> produzindo, como efeito em alguns estad<strong>os</strong>, oaumento do tempo do encarceramento. Tal fato aumentou a insatisfação<strong>de</strong> muit<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> que, já naquela ocasião, questionavam essaprática, principalmente <strong>os</strong> oriund<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma formação crítica, op<strong>os</strong>ta ài<strong>de</strong>ologia p<strong>os</strong>itivista <strong>de</strong> caráter <strong>de</strong>terminista, classificatória e pericial.A crise mundial do Welfare State e a implementação <strong>de</strong> políticasneoliberais na gestão econômico-social do Estado constituem element<strong>os</strong>que engendraram o surgimento <strong>de</strong> uma <strong>no</strong>va or<strong>de</strong>m social aindamais exclu<strong>de</strong>nte e intolerante, seja n<strong>os</strong> países <strong>de</strong>senvolvid<strong>os</strong> ou “em<strong>de</strong>senvolvimento”. De acordo com Löic Wacquant (2003), n<strong>os</strong> últim<strong>os</strong>vinte an<strong>os</strong> tem-se consolidado uma “política estatal <strong>de</strong> criminalização dasconsequências da miséria <strong>de</strong> Estado” (p. 20). É o que o autor <strong>de</strong><strong>no</strong>mina<strong>de</strong> Estado Penal em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> um Estado Social. Aliado à sólidaestrutura carcerária e prisional, o Estado Penal se constituiu, <strong>de</strong> formaainda mais pernici<strong>os</strong>a, também pela gradativa retirada <strong>de</strong> investimentoem políticas públicas e na implementação <strong>de</strong> políticas compensatórias nagestão social. Consequentemente, segundo Zaffaroni (1988), “o sistemapenal lati<strong>no</strong>-america<strong>no</strong> é estabelecido fundamentalmente <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong>provocar sofrimento” (p. 22).Compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> sob este prisma é fundamental paraanalisarm<strong>os</strong> as formas como n<strong>os</strong>sa socieda<strong>de</strong> tem lidado com asquestões sociais, com <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> da violência social, exclusão emarginalização, por meio <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> criminalização da pobreza,políticas do cárcere “duro” e pela constituição <strong>de</strong> um Estado Penaltipicamente brasileiro.Vera Malagutti Batista, em seu prefácio ao livro “Punir <strong>os</strong> Pobres:a <strong>no</strong>va gestão da miséria n<strong>os</strong> EUA” <strong>de</strong> Wacquant (2001), trazà tona importantes element<strong>os</strong> para n<strong>os</strong>sa análise da socieda<strong>de</strong>contemporânea a partir do fortalecimento do neoliberalismo e aconsequente constituição <strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong> Tolerância Zero, ou seja,um Estado Penal Transnacional. Ali, afirma que: “a pobreza não émais exército <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, tor<strong>no</strong>u-se uma pobreza sem<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>, precisando ser isolada, neutralizada e <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”(Ibi<strong>de</strong>m, p. 8). Sua reflexão n<strong>os</strong> esclarece que: “se as prisões do séculoXVIII e XIX foram projetadas como fábricas <strong>de</strong> disciplina, hoje sãoplanejadas como fábricas <strong>de</strong> exclusão” (Ibi<strong>de</strong>m).47


Contraditoriamente, em relação a<strong>os</strong> marc<strong>os</strong> lógico-legais, n<strong>os</strong> an<strong>os</strong>1990, o Brasil experimenta e fortalece suas instituições <strong>de</strong>mocráticas.O <strong>Conselho</strong> Nacional <strong>de</strong> Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) editaa Resolução N.º 14 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1994 e apresenta as RegrasMínimas para Tratamento d<strong>os</strong> Pres<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil. Esse documento recupera<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> que caracterizaram a publicação das “Regras Mínimas parao Tratamento d<strong>os</strong> Reclus<strong>os</strong>” da ONU, que trazia um histórico internacional<strong>de</strong> discussões organizadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1955, ou seja, quase 40 an<strong>os</strong> <strong>de</strong>discussões às quais o Brasil havia ficado ausente.Após 19 an<strong>os</strong> <strong>de</strong> vigência da LEP, <strong>os</strong> legisladores alteraram, em 2003,alguns <strong>de</strong> seus artig<strong>os</strong> por meio da Lei n.º 10.792/2003 que retirou daCTC a função <strong>de</strong> acompanhamento da execução penal, <strong>de</strong>ixando a cargoda Comissão, tão somente, realizar o exame crimi<strong>no</strong>lógico inicial, <strong>no</strong>momento <strong>de</strong> ingresso da pessoa <strong>no</strong> sistema penitenciário para fins <strong>de</strong>orientação do pla<strong>no</strong> individualizador da pena 19 . A alteração que impactoua forma <strong>de</strong> atuação profissional da <strong>Psicologia</strong>, entretanto, fez-se na redaçãodo artigo 112 quando retirou do texto a exigência do exame crimi<strong>no</strong>lógicopara concessão da progressão <strong>de</strong> regime e do livramento condicional,bastando apenas a comprovação <strong>de</strong> “bom comportamento carcerário”emitido pelo diretor do estabelecimento, além <strong>de</strong> que “a <strong>de</strong>cisão serásempre motivada e precedida <strong>de</strong> manifestação do Ministério Público e do<strong>de</strong>fensor” (BRASIL, 2003) 20 .Essas alterações na LEP <strong>de</strong>ixaram em suspenso a prática hegemônica<strong>de</strong> elaboração do exame crimi<strong>no</strong>lógico e gerou certo incômodo paraalguns psicólog<strong>os</strong>, que já habituad<strong>os</strong> com a rotina diária <strong>de</strong>sses examescrimi<strong>no</strong>lógic<strong>os</strong>, se viram sem função <strong>no</strong> seu trabalho, enquanto outr<strong>os</strong>vibraram com a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuarem na atenção à saú<strong>de</strong> integral 2119. Ver <strong>no</strong>va redação do artigo 6º da lei Lei n.ºº 10.792, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003.20. Ver <strong>no</strong>va redação do artigo 112º da Lei n.º10792/200321. “A integralida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser compreendida a partir <strong>de</strong> uma dupla perspectiva.Primeiramente, prevê o trânsito do usuário por tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> níveis da atenção, na perspectiva<strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> cuidado que estabeleça uma dinâmica <strong>de</strong> referência e <strong>de</strong>contrarreferência entre a atenção primária e as <strong>de</strong> média e alta complexida<strong>de</strong>, assegurandoa continuida<strong>de</strong> <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> atenção e cuidado. Por outro lado, supõeque a compreensão sobre <strong>os</strong> agrav<strong>os</strong> consi<strong>de</strong>re a complexida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> vida esituação social do indivíduo, a fim <strong>de</strong> promover intervenções sistêmicas que abranjaminclusive as <strong>de</strong>terminações sociais sobre a saú<strong>de</strong> e a doença, para além da adoção <strong>de</strong>medidas médicobiológicas.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE,, 2012).48


das pessoas presas, realizando ativida<strong>de</strong>s que reduzissem <strong>os</strong> agrav<strong>os</strong>psíquic<strong>os</strong> <strong>de</strong>correntes do encarceramento, como também buscandoações intersetoriais em prol do resgate d<strong>os</strong> laç<strong>os</strong> sociais com vistas àvida em liberda<strong>de</strong> 22 .A partir <strong>de</strong>ssas reflexões, uma discussão foi iniciada, em 2004,<strong>no</strong> V Congresso Nacional <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> (CNP), instância máxima<strong>de</strong>liberativa do <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> para a profissão <strong>no</strong>Brasil, que incluiu em suas diretrizes para a gestão 2004-2007 açõesrelativas à <strong>Psicologia</strong> <strong>no</strong> contexto da execução penal através <strong>de</strong> algunsp<strong>os</strong>icionament<strong>os</strong>: repúdio ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD),criado pela Lei n.º 10.792/2003, que atenta contra a saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong>pessoas presas i<strong>de</strong>ntificadas como <strong>de</strong> alta pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, justificandoum regime disciplinar violento que permite o isolamento por até 360dias, po<strong>de</strong>ndo chegar até um sexto do tempo total <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação;apoio e incentivo à implementação da Portaria Interministerialn.º 1777/2003 que rege o Pla<strong>no</strong> Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong>Penitenciário; inclusão do item ‘a assistência psicológica’ <strong>no</strong> Artigo14da Lei <strong>de</strong> Execução Penal.Alguns psicólog<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> que trabalham nas prisões já apontavam,naquela ocasião, a importância <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong> paradigmas <strong>de</strong> umaprática avaliativa pericial para uma prática <strong>de</strong> atenção psic<strong>os</strong>social,uma vez que tinham diante <strong>de</strong> si, pessoas adoecendo psiquicamenteem razão das precárias e violentas condições <strong>de</strong> confinamento. Talmudança foi alimentada pela publicação da Lei n.º 10.792/2003.Neste mesmo a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 2003, <strong>os</strong> Ministéri<strong>os</strong> da Justiça e da Saú<strong>de</strong>publicaram a Portaria Interministerial n.º 1777/2003 que criou o Pla<strong>no</strong>Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> Penitenciário (PNSSP), esten<strong>de</strong>ndo <strong>os</strong>princípi<strong>os</strong> e diretrizes do <strong>Sistema</strong> Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS) à populaçãocarcerária. Caberiam a<strong>os</strong> estad<strong>os</strong> que optassem por a<strong>de</strong>rir ao Pla<strong>no</strong>Nacional, criar <strong>os</strong> seus Plan<strong>os</strong> Operativ<strong>os</strong> Estaduais com a implantaçãodas equipes mínimas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em todas as unida<strong>de</strong>s prisionais e nã<strong>os</strong>omente nas unida<strong>de</strong>s h<strong>os</strong>pitalares.Os psicólog<strong>os</strong> já há algum tempo <strong>de</strong>mandavam a<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong>22. Sobre a crítica a essas alterações consultar o autor Salo <strong>de</strong> Carvalho <strong>no</strong> texto...,(pegar na referencia)49


<strong>Psicologia</strong> resp<strong>os</strong>tas para questões cuja incidência na prática exigiaconstruir <strong>no</strong>v<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> <strong>de</strong> atuação. Dentre essas <strong>de</strong>mandas, o relato <strong>de</strong>um d<strong>os</strong> participantes da pesquisa <strong>CREPOP</strong> (2007) <strong>de</strong>stacou a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong>: “criar canais <strong>de</strong> interlocução com o sistema jurídico (juiz e afins) n<strong>os</strong>entido <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar a <strong>de</strong>manda, esclarecendo para eles a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> ampliar n<strong>os</strong>so papel, inclusive nas ativida<strong>de</strong>s periciais.” Portanto, a<strong>de</strong>manda d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> ao <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> requeria um “movimentomaciço sobre a atuação do psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional, inclusive paraajudar a repensar e transformar esse sistema”.Diante <strong>de</strong>sses dois aconteciment<strong>os</strong> - alteração da LEP e a criaçãodo PNSSP - estava aberta a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> investiremem projet<strong>os</strong> e ações que visassem à promoção d<strong>os</strong> laç<strong>os</strong> sociais pormeio da atenção integral à saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando para trás a prática pericialque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1980, <strong>de</strong>finia-se como a única dominante d<strong>os</strong>psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong> contexto prisional. Para tal, tornava-se necessário realizarprocess<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação permanente para <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> trabalharem naperspectiva do SUS exigida pelo PNSSP. Certamente, tal perspectivatraria alguns embates <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> <strong>de</strong> trabalho, uma vez que tal práticavai <strong>de</strong> encontro com <strong>os</strong> preconceit<strong>os</strong> e estereótip<strong>os</strong> existentes na prisão<strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu surgimento há mais <strong>de</strong> duzent<strong>os</strong> an<strong>os</strong>.2.1.1 Ações do <strong>Sistema</strong> <strong>Conselho</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> em relação àprática do psicólogo nas prisões.Em 2005, pensando nessa formação, o DEPEN, em parceria como CFP, organizou o I Encontro Nacional <strong>de</strong> Psicólog<strong>os</strong> do <strong>Sistema</strong><strong>Prisional</strong>, realizado <strong>no</strong> mês <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro em Brasília. Esse eventofoi precedido <strong>de</strong> encontr<strong>os</strong> realizad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> Regionais <strong>de</strong><strong>Psicologia</strong> com <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> que atuavam <strong>no</strong> sistema prisional d<strong>os</strong>estad<strong>os</strong> com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encaminhar prop<strong>os</strong>tas para a formação eatuação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> nesse campo <strong>de</strong> trabalho.Esse encontro foi um marco na história da inserção das ciências epráticas psicológicas na esfera da execução penal, pois p<strong>os</strong>sibilitou,pela primeira vez, dar visibilida<strong>de</strong> nacional ao trabalho d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>na área da execução penal, bem como a<strong>os</strong> problemas étic<strong>os</strong> e polític<strong>os</strong>por eles enfrentad<strong>os</strong> <strong>no</strong> seu cotidia<strong>no</strong> profissional. Para ampliar avisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas práticas, o CFP em conjunto com <strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong>50


Regionais, mapeou a situação técnico-administrativa d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> eas práticas por eles realizadas, por meio <strong>de</strong> questionári<strong>os</strong> encaminhad<strong>os</strong>a<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>, permitindo conhecer a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas e <strong>de</strong>inserções <strong>de</strong>sses profissionais na prisão. O Encontro Nacional permitiua<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> serem protagonistas das diretrizes para a atuação d<strong>os</strong>psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong> sistema prisional. As discussões que ocorreram tanton<strong>os</strong> estad<strong>os</strong> quanto <strong>no</strong> Encontro Nacional resultaram na publicaçãodas “Diretrizes para atuação e formação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> do sistemaprisional brasileiro” 23 .Em 2007, o VI Congresso Nacional <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> (CNP) 24ampliou as <strong>de</strong>liberações sobre a “Intervenção d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong><strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>”, <strong>no</strong> que se refere às Condições <strong>de</strong> Trabalho,ao Controle Social e Fiscalização, à Formação e Capacitação d<strong>os</strong>psicólog<strong>os</strong>, à Pesquisa com <strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong> e Criação <strong>de</strong> ReferênciasTécnicas e Políticas, às Políticas Públicas, à Saú<strong>de</strong> d<strong>os</strong> Trabalhadoresque atuam <strong>no</strong> sistema prisional.Em 2008, dando cumprimento às diretrizes do VI CNP, o CFPpromoveu o II Seminário Nacional do <strong>Sistema</strong> Penitenciário, ocorrido <strong>no</strong> Rio<strong>de</strong> Janeiro, com o tema “Questionamento ao mo<strong>de</strong>lo e <strong>de</strong>safio a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong>human<strong>os</strong>”, marcando um claro p<strong>os</strong>icionamento político do <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong><strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> pelo fim p<strong>os</strong>sível das prisões. Nesse Seminário ficou <strong>de</strong>liberad<strong>os</strong>er necessária a superação da pena-prisão para que sejam preservad<strong>os</strong> aomáximo <strong>os</strong> laç<strong>os</strong> sociais e d<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> frente às <strong>no</strong>rmas penais, utilizandocomo último recurso a pena <strong>de</strong> encarceramento, <strong>de</strong>pois que todas as outrasalternativas f<strong>os</strong>sem utilizadas e não lograssem êxito. Também, nesse evento,foi <strong>de</strong>flagrada uma Moção contra o Exame Crimi<strong>no</strong>lógico 25 , <strong>de</strong>corrente doprocesso <strong>de</strong> discussão <strong>de</strong>slanchado em 2005 sobre as questões éticas queenvolvem a prática <strong>de</strong>sse exame. Além disso, foi questionada a participação23. Disponibilizada <strong>no</strong> site do CFP: www.cfp.org.br24. O Congresso Nacional da <strong>Psicologia</strong> (CNP) é a instância máxima que discute e <strong>de</strong>liberapolíticas prioritárias para o triênio subsequente, ou seja, para a próxima gestãod<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> Regionais e do <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong>. Nele são <strong>de</strong>finidas as diretrizes <strong>de</strong> atuaçãopara o <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong>. Atualmente, o CNP ocorre a cada três an<strong>os</strong>, por meio dasetapas que ocorrem <strong>de</strong>ntro d<strong>os</strong> conselh<strong>os</strong> regionais e etapa nacional do Congresso,que ocorre em Brasília. O regimento do CNP é aprovado na Assembleia <strong>de</strong> Políticas,da Administração e das Finanças (APAF).25. Ver moção em anexo.51


d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> n<strong>os</strong> procediment<strong>os</strong> <strong>de</strong> caráter punitivo e disciplinar <strong>de</strong>ntrodo sistema prisional, <strong>no</strong>tadamente <strong>os</strong> <strong>de</strong> apuração <strong>de</strong> faltas disciplinarescometidas pel<strong>os</strong> pres<strong>os</strong>, o que contraria <strong>os</strong> fundament<strong>os</strong> do seu Código <strong>de</strong>Ética Profissional. Esse Seminário resultou na publicação, pelo CFP, em 2010,do relatório “Atuação do Psicólogo <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>” 26 , do qual consta aspalestras d<strong>os</strong> participantes do evento.Apesar da Lei n.º 10.792/ 2003, na prática, a exigência doexame crimi<strong>no</strong>lógico ainda permanecia em muit<strong>os</strong> estad<strong>os</strong>. Essa falta<strong>de</strong> uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduta entre <strong>os</strong> magistrad<strong>os</strong> da execução penalgerou conflit<strong>os</strong> entre eles, e coube ao Supremo Tribunal <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> (STF)e ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (STJ) <strong>de</strong>finirem a conduta jurídica pormeio das Súmulas Vinculantes STF N.º 26 27 , aprovada em <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 2009, e STJ N.º 439 28 , aprovada em 2010, ambas dando po<strong>de</strong>resao juiz para requerer o exame crimi<strong>no</strong>lógico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que em <strong>de</strong>cisãomotivada/fundamentada.Com a publicação das respectivas súmulas, o <strong>de</strong>bate entre ojudiciário e a <strong>Psicologia</strong> em tor<strong>no</strong> do exame crimi<strong>no</strong>lógico se acirrou.Salo <strong>de</strong> Carvalho, em 2007, já antecipara o jogo <strong>de</strong> forças sobre aintenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>svincular a <strong>de</strong>cisão judicial d<strong>os</strong> pareceres e comentaque a Lei n.º10.792/2003 foi clara ao excluir o exame crimi<strong>no</strong>lógicocomo requisito subjetivo fundamental para obtenção d<strong>os</strong> benefíci<strong>os</strong>/direit<strong>os</strong> legais, pois reconhecia que:26. http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/Atuacao_d<strong>os</strong>_Psicolog<strong>os</strong>_<strong>no</strong>_<strong>Sistema</strong>_<strong>Prisional</strong>.pdf27. Súmula Vinculante n.ºº 26 aprovada pelo Supremo Tribunal <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> em16/12/2009: Para efeito <strong>de</strong> progressão <strong>de</strong> regime <strong>no</strong> cumprimento <strong>de</strong> pena por crimehediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalida<strong>de</strong> doart. 2º da Lei n.º 8.072, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1990, sem prejuízo <strong>de</strong> avaliar se o con<strong>de</strong>nadopreenche, ou não, <strong>os</strong> requisit<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> e subjetiv<strong>os</strong> do benefício, po<strong>de</strong>ndo<strong>de</strong>terminar, para tal fim, <strong>de</strong> modo fundamentado, a realização <strong>de</strong> exame crimi<strong>no</strong>lógico.Recuperado em 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2011 <strong>de</strong> http://www.ipclfg.com.br/colunistas/ivanluis-marques/sumula-vinculante-n-26-do-stf-e-sumula-471-do-stj-%E2%80%93-ateoria-da-abstrativizacao-do-controle-difuso-<strong>de</strong>-constitucionalida<strong>de</strong>.28. Súmula 439, do Supremo Tribunal <strong>de</strong> Justiça: “Admite-se o exame crimi<strong>no</strong>lógicopelas peculiarida<strong>de</strong>s do caso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que em <strong>de</strong>cisão motivada”. Recuperado em 3<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2011 <strong>de</strong> http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=9699252


[...] havia falhas, distorções e/ ou imp<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> técnica <strong>de</strong>realização da prova pericial ou parecer técnico, não cabendo,portanto, ao julgador, ao órgão acusador, ou a qualquer outr<strong>os</strong>ujeito da execução, retificar o antigo mo<strong>de</strong>lo. Do contrário, estarse-áofen<strong>de</strong>ndo a lógica formal e material do princípio da legalida<strong>de</strong>penal (CARVALHO, 2007,p.168)Logo após o Seminário Nacional do <strong>Sistema</strong> Penitenciário em 2008,<strong>de</strong>fine-se na Assembleia das Políticas Administrativas e Financeiras do<strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> (APAF) 29 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar um Grupo <strong>de</strong> Trabalho com a incumbência <strong>de</strong>discutir a prática do psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional, bem como marcaruma p<strong>os</strong>ição acerca do chamado exame crimi<strong>no</strong>lógico, por meio dacriação <strong>de</strong> uma minuta <strong>de</strong> resolução 30 , sobre tais ativida<strong>de</strong>s. Essegrupo foi comp<strong>os</strong>to por representantes <strong>de</strong> divers<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> Regionaismais o <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> e elaborou a minuta que foi aprovada soba <strong>de</strong><strong>no</strong>minação <strong>de</strong> Resolução 09/2010 31 . Essa resolução ousou aovedar a<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> a realização d<strong>os</strong> exames crimi<strong>no</strong>lógic<strong>os</strong>. Alémdisso, direcio<strong>no</strong>u suas práticas para a atenção integral à saú<strong>de</strong> daspessoas presas, bem como a promoção <strong>de</strong> recurs<strong>os</strong> <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>por meio <strong>de</strong> ações intersetoriais. Devido a isso, divers<strong>os</strong> operadoresjurídic<strong>os</strong> e profissionais da <strong>Psicologia</strong> afetad<strong>os</strong> por essa resolução<strong>de</strong>monstraram, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua publicação <strong>no</strong> Diário Oficial da União,várias resistências e incompreensões quanto a<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> da referidaresolução, especialmente <strong>no</strong> que tange ao art. 4º que trata da vedaçãodo psicólogo <strong>de</strong> realizar <strong>os</strong> já referid<strong>os</strong> exames crimi<strong>no</strong>lógic<strong>os</strong>.Assim, sob a tensão gerada pela recente publicação da Resolução09/2010, em junho <strong>de</strong> 2010, <strong>no</strong> VII Congresso Nacional da <strong>Psicologia</strong>(CNP) intitulado “<strong>Psicologia</strong> e Compromisso com a Promoção <strong>de</strong>29. A Assembleia das Políticas Administrativas e Financeiras - APAF, constituída por<strong>de</strong>liberação do IIº Congresso Nacional da <strong>Psicologia</strong>, é a instância <strong>de</strong>liberativa d<strong>os</strong>Conselh<strong>os</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> e Regionais <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, estando subordinada às <strong>de</strong>liberações doCongresso Nacional da <strong>Psicologia</strong>. Instituída pela Resolução CFP nº10 <strong>de</strong> 1998http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-10-1998/30. Resolução são as <strong>no</strong>rmativas que o <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> para orientare regulamentar a profissão.31. Em APAF, em maio <strong>de</strong> 2010. Esta resolução entrou em vigor a partir <strong>de</strong> junho domesmo a<strong>no</strong>. http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-09-2010/53


Direit<strong>os</strong>: um Projeto Ético-político para a Profissão”, realizado emBrasília, o item 18 do Ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong> <strong>de</strong> Deliberações 32 reafirma a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> maior interlocução da <strong>Psicologia</strong> com instâncias <strong>de</strong> controle social afim <strong>de</strong> garantir princípi<strong>os</strong> constitucionais e <strong>de</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> <strong>de</strong>ntreoutras <strong>de</strong>liberações.Nesse documento ressaltou-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cuidadoespecífico com as mulheres presas gestantes e/ou lactantes.Delibera ainda sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar a implementação edivulgação da articulação do psicólogo com a área da saú<strong>de</strong> e como conceito integral <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, bem como “estabelecer, <strong>no</strong> <strong>Conselho</strong><strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, articulação permanente com <strong>os</strong> Ministéri<strong>os</strong>da Saú<strong>de</strong> e da Justiça para garantir a implantação/implementaçãodo Pla<strong>no</strong> Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> Penitenciário (Portarian.º 1.777/2003).” (p 40). Além disso, o VII CNP propôs ampladivulgação das razões que subsidiam sua p<strong>os</strong>ição contrária sobre oexame crimi<strong>no</strong>lógico.Diante do calor<strong>os</strong>o <strong>de</strong>bate instalado junto a<strong>os</strong> representantesdo Po<strong>de</strong>r Judiciário e do Po<strong>de</strong>r Executivo quanto à Resolução n.º09/2010, o CFP <strong>de</strong>cidiu suspen<strong>de</strong>r temporariamente a referidaResolução. Mais uma vez, O <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> partiu para umaampla discussão com a categoria, com <strong>os</strong> operadores jurídic<strong>os</strong> ecom a socieda<strong>de</strong> em geral acerca da realida<strong>de</strong> prisional e da funçãoda <strong>Psicologia</strong> nessas instituições.Um <strong>de</strong>sses moment<strong>os</strong> foi o Fórum Nacional sobre a Resolução n.º09/2010 realizado em <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 2010, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo,com a participação <strong>de</strong> 207 psicólog<strong>os</strong> e representantes <strong>de</strong> outrasáreas. Na APAF <strong>de</strong> 2010, após esse Fórum, <strong>de</strong>cidiu-se prorrogar asuspensão da Resolução n.º 09/2010 até junho <strong>de</strong> 2011, com oobjetivo <strong>de</strong> aprofundar a discussão sobre o assunto, <strong>de</strong>terminandoa<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> Regionais que realizassem audiências públicas, sep<strong>os</strong>sível com a participação das Comissões <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>das Assembleias Legislativas d<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> da Fe<strong>de</strong>ração.Entre janeiro e abril <strong>de</strong> 2011, foram realizadas 12 audiênciaspúblicas com ampla participação da categoria, da socieda<strong>de</strong>civil, d<strong>os</strong> Po<strong>de</strong>res Judiciário, Executivo e Legislativo. Uma <strong>de</strong>lasfoi convocada pela Procuradoria <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e54


as outras organizadas pel<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> Regionais das seguintesUnida<strong>de</strong>s Fe<strong>de</strong>rativas: Distrito <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong>, Mato Gr<strong>os</strong>so do Sul, Bahia,Maranhão, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Rio <strong>de</strong> Janeiro, São Paulo, MinasGerais, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Paraná e Santa Catarina. Além disso,foi criado um Grupo <strong>de</strong> Trabalho da APAF, comp<strong>os</strong>to pelo CFP e <strong>os</strong>seguintes Conselh<strong>os</strong> Regionais: 01, 02, 05, 06, 07, 08, 10, 11 e14, responsável por elaborar uma minuta <strong>de</strong> alteração à ResoluçãoCFP n.º 09/2010, com base na análise d<strong>os</strong> encaminhament<strong>os</strong>provenientes das audiências públicas. Na APAF <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> maio<strong>de</strong> 2011 foi aprovada a Minuta <strong>de</strong> Resolução elaborada pelo GTe, em junho <strong>de</strong> 2011, foi publicada a Resolução nº 012/2011 33que revoga a Resolução nº 09/2010 e regulamenta a atuação dopsicólogo <strong>no</strong> âmbito do sistema prisional.2.2 A lógica segregativa d<strong>os</strong> manicômi<strong>os</strong> judiciári<strong>os</strong> e o esforçopara sua superaçãoA questão d<strong>os</strong> <strong>de</strong>signad<strong>os</strong> louc<strong>os</strong> infratores ou pacientes judiciári<strong>os</strong>é tema can<strong>de</strong>nte, polêmico e relevante <strong>de</strong>ntro do sistema penal epenitenciário brasileiro. Essas discussões <strong>de</strong>scortinam as inúmerasmazelas e constantes violações d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> em divers<strong>os</strong> disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong>institucionais, seja <strong>no</strong> campo <strong>no</strong>rmativo e jurídico como <strong>no</strong> clínico esocial.Questionament<strong>os</strong> e criticas se acumulam em teses acadêmicas,fóruns e conferências <strong>de</strong>dicadas à discussão d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>,saú<strong>de</strong> mental e justiça, exigindo em divers<strong>os</strong> setores, o re<strong>de</strong>senhoda política que, ainda hoje, apoiada na presunção <strong>de</strong> pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>do louco, se orienta pela aplicação <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> segurança portempo in<strong>de</strong>terminado e consequente asilo do louco em manicômiojudiciário até a cessação da pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>: uma das maioresexpressões da violação institucional d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil.Os disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> <strong>no</strong>rmativ<strong>os</strong> que tratam <strong>de</strong>ssa questão, <strong>de</strong>ntre eleso Código Penal em vigor, que segue basicamente inalterado <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o inicio do século XX <strong>no</strong> Brasil, presumirá perig<strong>os</strong>o aquele que33. Ver anexo.55


praticou um crime em razão <strong>de</strong> doença mental. Segundo o CódigoPenal brasileiro: “Art. 26: é isento <strong>de</strong> pena o agente que, por doençamental ou <strong>de</strong>senvolvimento mental incompleto ou retardado, era,ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>ro caráter ilícito do fato ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar-se <strong>de</strong> acordo com esteentendimento.” 34Uma vez enquadrad<strong>os</strong> <strong>no</strong> artigo 26, serão absolvid<strong>os</strong> <strong>de</strong> seuscrimes, mas sentenciad<strong>os</strong> a uma medida <strong>de</strong> segurança por tempoin<strong>de</strong>terminado visando sua proteção e a da socieda<strong>de</strong>. Perig<strong>os</strong>o,do ponto <strong>de</strong> vista jurídico, não é aquele indivíduo sobre o qualpresumiria uma p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reincidência e sim aquele cujaavaliação psiquiátrica pericial indicar evi<strong>de</strong>nte doença mental,condição entendida como <strong>de</strong>ficiente ou incapacitante, portanto,imp<strong>os</strong>sível <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r ao que se enten<strong>de</strong> juridicamente comoresponsabilida<strong>de</strong>. Isso configura uma exceção aplicável apenas a<strong>os</strong>consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> doentes mentais, segundo o Código Penal.Uma discussão critica e política sobre essa categoria “pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>”é necessário que seja feita. Em estudo recente, Fernanda Otoni Barr<strong>os</strong>-Brisset 35 tece as bases ficcionais estabelecidas <strong>no</strong> contexto sociológico<strong>de</strong> várias épocas e que persistem <strong>no</strong> fundamento da genealogia dapericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> (BARROS-BRISSET, 2011). Em seu livro Por uma política<strong>de</strong> atenção integral ao louco infrator, a autora <strong>de</strong>monstra que essapresunção não se encontra exclusivamente <strong>no</strong> código penal, mas tambémdisseminada n<strong>os</strong> discurs<strong>os</strong>, <strong>de</strong> tal sorte que serviu <strong>de</strong> base para se ler ocaso <strong>de</strong> um adolescente em São Paulo, a exemplo <strong>de</strong> tant<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>.Por ser presumidamente perig<strong>os</strong>o, este indivíduo está <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>os</strong> 16an<strong>os</strong> respon<strong>de</strong>ndo por uma medida sócio-educativa <strong>de</strong> internaçãoprevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta medidatem tempo limite e é <strong>de</strong>finida por lei, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>no</strong> máximo <strong>de</strong>três an<strong>os</strong>, po<strong>de</strong>ndo apenas se esten<strong>de</strong>r até o adolescente completar21 an<strong>os</strong>. Contudo, excepcionalmente, tendo em vista o pré-conceitoda elevada presunção <strong>de</strong> sua pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, recentemente este34. Legislação Brasileira. Codigo Penal. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 49.35. Em sua tese <strong>de</strong> doutorado56


jovem foi transferido para uma Unida<strong>de</strong> Experimental <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> 36 ,<strong>de</strong>vendo por lá restar, por tempo in<strong>de</strong>terminado. Para justificar a<strong>de</strong>terminação judicial, fora da lei em vigor na n<strong>os</strong>sa socieda<strong>de</strong>, <strong>os</strong>istema jurídico consi<strong>de</strong>rou sua patologia mental e sua altíssimapericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, atestada por laud<strong>os</strong> <strong>de</strong> psiquiatras forenses, sópo<strong>de</strong>ndo se <strong>de</strong>svincular <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>sti<strong>no</strong>, quando <strong>os</strong> mesm<strong>os</strong> avaliaremcessada a sua pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>. (BARROS-BRISSET, 2009).No caso das medidas <strong>de</strong> segurança, em vigor <strong>no</strong> Código Penal,aplicáveis em pessoas maiores <strong>de</strong> 18 an<strong>os</strong>, ainda que diversaslegislações p<strong>os</strong>sam variar quanto ao local do cumprimento dasmedidas estabelecidas, via-<strong>de</strong>-regra, sua liberação está condicionadaao ato do Juiz, subsidiado pela autorida<strong>de</strong> médica. O tempo da medidaé sempre in<strong>de</strong>terminado, justificado pela atribuição <strong>de</strong>sse conceito <strong>de</strong>“pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>” como consequência do entendimento da condiçãonão-responsável do indivíduo portador <strong>de</strong> doença mental.A<strong>os</strong> louc<strong>os</strong> infratores, em gran<strong>de</strong> parte do território brasileiro, temrestado apenas o silêncio, o isolamento, o massacre subjetivo cotidia<strong>no</strong>e o sequestro institucional d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> fundamentais válid<strong>os</strong> paraqualquer pessoa humana.36. A Unida<strong>de</strong> Experimental <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (UES) é um equipamento atualmente pertencenteà Secretaria Estadual <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>stinado a custodiar, segundo o Decreto que oregulamenta (Dec. nº 53427/2008), “adolescentes e jovens adult<strong>os</strong>” com diagnóstico<strong>de</strong> distúrbio <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> e alta pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, que cometeram at<strong>os</strong> infracionaisgraves, egress<strong>os</strong> da Fundação Casa e interditad<strong>os</strong> pelas Varas <strong>de</strong> Família e Sucessões.Os jovens são processad<strong>os</strong> em ações judiciais com pedid<strong>os</strong> <strong>de</strong> interdição civil cumuladocom internação h<strong>os</strong>pitalar compulsória, n<strong>os</strong> term<strong>os</strong> da lei 10.216/2001.N<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> d<strong>os</strong> jovens encarcerad<strong>os</strong> na UES, trata-se <strong>de</strong> espécie <strong>de</strong> custódia à margemda legalida<strong>de</strong>, que se presta a prorrogar o limite improrrogável <strong>de</strong> três an<strong>os</strong> <strong>de</strong> internação<strong>de</strong> jovens em conflito com a lei. Após o esgotamento da competência daJustiça da Infância, ao invés <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r-se à compulsória liberação em virtu<strong>de</strong> doalcance máximo do tempo <strong>de</strong> encarceramento, o jovem dito perig<strong>os</strong>o, diagn<strong>os</strong>ticadocomo sendo portador <strong>de</strong> transtor<strong>no</strong> <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> anti-social, é enviado à Unida<strong>de</strong>Experimental <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.Ao contrário da medida <strong>de</strong> internação, esse <strong>no</strong>vo encarceramento não é precedido docometimento <strong>de</strong> um crime, cuja apuração tenha se submetido às garantias da lei. Ojovem é para lá enviado sem que tenha praticado ato algum, após ter sido exaustivamenteresponsabilizado pelo ato infracional cometido outrora. A<strong>de</strong>mais, essa espécie<strong>de</strong> custódia não comporta prazo <strong>de</strong> duração. O jovem permanecerá enclausurado atésegunda or<strong>de</strong>m judicial.57


N<strong>os</strong> dias atuais, as i<strong>no</strong>vações conceituais introduzidas pela reformapsiquiátrica antimanicomial, pel<strong>os</strong> avanç<strong>os</strong> na clínica das psic<strong>os</strong>ese as <strong>no</strong>vas soluções <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão das mi<strong>no</strong>rias <strong>no</strong>contexto das cida<strong>de</strong>s, exigem um <strong>no</strong>vo arranjo institucional para tratara questão do louco infrator <strong>de</strong> modo diferente da solução encontradapel<strong>os</strong> reformadores do final do século XIX.A entrada em cena <strong>de</strong> <strong>no</strong>v<strong>os</strong> paradigmas e mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> pensar a políticae a vida em socieda<strong>de</strong> questio<strong>no</strong>u antigas i<strong>de</strong>ologias, tensionando econstrangendo <strong>os</strong> atores <strong>no</strong> campo da justiça penal, segurança públicae a própria socieda<strong>de</strong> a repensarem conceit<strong>os</strong> e p<strong>os</strong>turas quanto aomodo <strong>de</strong> tratar o indivíduo que respon<strong>de</strong> por um crime, portador<strong>de</strong> sofrimento mental. Essa transformação paradigmática requer aconstrução <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas bases para a prática dirigida ao louco infrator, <strong>de</strong>tal modo que reclama a construção <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas diretrizes, que p<strong>os</strong>samprescindir d<strong>os</strong> pressup<strong>os</strong>t<strong>os</strong> que a sustentam ainda n<strong>os</strong> dias <strong>de</strong> hoje.Torna-se cada vez mais necessário construir <strong>no</strong>vas diretrizes emcondições <strong>de</strong> transmitir o frescor <strong>de</strong> soluções que coloquem <strong>no</strong> centro<strong>de</strong> sua ação a potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> do ser huma<strong>no</strong>, estejaeste respon<strong>de</strong>ndo por um crime cometido ou não. O conceito <strong>de</strong><strong>de</strong>fesa social em jogo na política <strong>de</strong> segurança pública precisa serre<strong>de</strong>senhado <strong>de</strong> acordo com a pluralida<strong>de</strong> das formas razoáveis <strong>de</strong>laço social na socieda<strong>de</strong> contemporânea, exigindo a invenção <strong>de</strong> <strong>no</strong>v<strong>os</strong>mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> aplicação das medidas penais, <strong>de</strong> acordo com fins queconduzam a inserção social, redução da violência e construção da paz.2.2.1 As ações do <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> para asuperação d<strong>os</strong> manicômi<strong>os</strong> judiciári<strong>os</strong>No final <strong>de</strong> 1999, inaugurou-se na agenda pública um processo<strong>de</strong> discussão coletiva problematizando a questão do louco infrator <strong>no</strong>Brasil. A responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse pontapé inicial coube à Campanha <strong>de</strong>Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> d<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, levantando a ban<strong>de</strong>ira:“Manicômio Judiciario... o pior do pior...” 37 .Seu lançamento aconteceu na abertura do IV Encontro Nacional daLuta Antimanicomial em Macéio através da apresentação, em uma37. Ver anexo 3-Cartaz da Campanha Manicômio Judiciario... o pior do pior.58


mesa redonda, <strong>de</strong> três eix<strong>os</strong> <strong>no</strong>rteadores da problematização sobre aquestão complexa que o tema da campanha teria para enfrentar pelafrente. Ou seja, primeiramente foi apresentado um relatório <strong>de</strong>talhad<strong>os</strong>obre as inúmeras violações <strong>de</strong> direit<strong>os</strong> imp<strong>os</strong>tas a<strong>os</strong> louc<strong>os</strong> infratores,<strong>no</strong> Estado Brasileiro, <strong>de</strong>scortinando o cenário político que a campanhateria que enfrentar. Em seguida surgiram <strong>os</strong> questionament<strong>os</strong> sobrea realida<strong>de</strong> jurídica, <strong>no</strong>rmativa e institucional d<strong>os</strong> louc<strong>os</strong> infratorese, por último, foram exp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> <strong>os</strong> resultad<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma pesquisa emcurso <strong>no</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais que se <strong>de</strong>sdobrou <strong>no</strong><strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto substitutivo ao manicômio judiciário,<strong>de</strong>senhado <strong>de</strong> acordo com <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> da luta antimanicomial e d<strong>os</strong>direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>. 38A Campanha <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> (1999) foi indubitavelmenteum marco na mobilização politica, social e interistitucional n<strong>os</strong>entido <strong>de</strong> tornar pública a violação d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> aplicadainstitucionalmente a<strong>os</strong> louc<strong>os</strong> infratores. 39Já nessa época, o Programa <strong>de</strong> Atenção Integral ao PacienteJudiciário do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais - PAI-PJ <strong>de</strong>monstravaa p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um entrelaçamento entre justiça, saú<strong>de</strong> e socieda<strong>de</strong>em condições <strong>de</strong> dispensar o disp<strong>os</strong>itivo manicomial <strong>de</strong> custódia.Junto a esse programa, outras iniciativas similares, com característicaspróprias, mas com o mesmo objetivo <strong>de</strong> substituir a lógica segregativasurgiram em Goiás, o Programa <strong>de</strong> Atenção Integral ao Louco InfratorPAILI (2006) 40 , <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, o Projeto Qorpo Santo (2008),38. P<strong>os</strong>teriormante, como falarem<strong>os</strong> adiante, esta pesquisa <strong>de</strong>u resultado à práticaconhecida como Programa <strong>de</strong> Atenção Integral ao Paciente Judiciario, em situação <strong>de</strong>sofrimento mental (PAI-PJ). (http://www.tjmg.jus.br/presi<strong>de</strong>ncia/projeto<strong>no</strong>v<strong>os</strong>rum<strong>os</strong>/pai_pj/)39. No conjunto d<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> <strong>de</strong>flagrad<strong>os</strong> por Franco Basaglia em sua estada<strong>no</strong> Brasil em 1979 (um a<strong>no</strong> antes <strong>de</strong> sua morte), principalmente a partir <strong>de</strong> suas<strong>de</strong>clarações após sua visita ao manicômio <strong>de</strong> Barbacena (MG), algumas iniciativasintroduziram disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> sociabilizadores (como saídas terapêuticas, visitas domiciliaresassistidas, <strong>de</strong>sinternação progressiva, <strong>de</strong>ntre outras) <strong>no</strong> interior das instituiçõesmanicomiais <strong>de</strong> São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro e Minas Gerais.40. Ver Referencia em http://www.premioin<strong>no</strong>vare.com.br/praticas/paili-programa-<strong>de</strong>atencao-integral-ao-louco-infrator/e seu manual com informações gerais http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteud<strong>os</strong>-<strong>de</strong>-apoio/publicacoes/sau<strong>de</strong>-mental/cartilhadopailli.pdf59


na Bahia (2011) e, recentemente, a experiência do Programa <strong>de</strong>Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PAC), <strong>no</strong> Espírito Santo(2012). Essas iniciativas têm sustentado <strong>no</strong> Brasil, por meio da práticaintersetorial, a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidado e atenção a esses cidadã<strong>os</strong>através <strong>de</strong> uma prática clínica, jurídica e social não segregativa,obe<strong>de</strong>cendo às particularida<strong>de</strong>s locais <strong>de</strong> cada estado brasileiro, masem consonância com <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> da lei 10216/2001.60Disp<strong>os</strong>ições <strong>no</strong>rmativas i<strong>no</strong>vadorasDes<strong>de</strong> a campanha do CFP, uma série <strong>de</strong> discussões públicas,mobilizações políticas e institucionais, produções acadêmicas têmse <strong>de</strong>dicado ao tema, ganhando ainda maior força com a lei 10216,publicada em 2001. No final <strong>de</strong> 2001, o Ministério da Saú<strong>de</strong> convidou<strong>os</strong> representantes d<strong>os</strong> divers<strong>os</strong> segment<strong>os</strong> governamentais e nãogovernamentais e das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> controle social, <strong>no</strong> campo da saú<strong>de</strong>mental, para participar e tomar a palavra durante a III ConferênciaNacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental.As formulações conceituais e <strong>no</strong>rmativas, <strong>os</strong> resultad<strong>os</strong> e <strong>os</strong>arranj<strong>os</strong> institucionais alcançad<strong>os</strong> pela Conferência produziram nadiscussão coletiva a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar diretrizes e orientaçõespara a imediata revisão da questão do manicômio judiciário e do loucoinfrator. O relatório final da Conferência <strong>de</strong>stacou uma série <strong>de</strong> diretrizespara pensar a reorientação do mo<strong>de</strong>lo da política penitenciária relativaao louco infrator. Como por exemplo, enfatizou a Recomendação nº456 da III Conferência, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria se “criar em todas as VarasCriminais um programa integrado para acompanhamento a pacientessub judice.” Sobre <strong>os</strong> portadores <strong>de</strong> sofrimento mental privad<strong>os</strong> <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong>, o relatório insistiu:A Reforma psiquiátrica <strong>de</strong>ve ser <strong>no</strong>rteadora das práticas dasinstituições forenses. A questão do manicômio Judiciário <strong>de</strong>ve serdiscutida com as diferentes áreas envolvidas, com o objetivo <strong>de</strong> garantiro direito do portador <strong>de</strong> sofrimento mental infrator à responsabilida<strong>de</strong>,à reinserção social e a uma assistência <strong>de</strong>ntro d<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> do SUS eda Reforma Psiquiátrica.” (MINISTÉRIO SAUDE: 2001:128)A publicação da Portaria Interministerial n° 628, promulgadaem abril <strong>de</strong> 2002, afirmou que a população confinada n<strong>os</strong> manicômi<strong>os</strong>


judiciári<strong>os</strong> e penitenciárias <strong>de</strong>veria encontrar na política nacional <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> mental a orientação para seu tratamento.Foi organizado em julho <strong>de</strong> 2002 o “Seminário parareorientação d<strong>os</strong> H<strong>os</strong>pitais <strong>de</strong> Custódia e Tratamento Psiquiátrico”,sob a coor<strong>de</strong>nação do Ministério da Saú<strong>de</strong> e da Justiça, envolvendo<strong>os</strong> divers<strong>os</strong> atores nacionais ligad<strong>os</strong> institucionalmente à questão dolouco infrator.Tor<strong>no</strong>u-se consensual a compreensão <strong>de</strong> que o <strong>Sistema</strong> Único <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> (SUS) e a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong>vem responsabilizarsepelo tratamento da pessoa submetida à medida <strong>de</strong> segurança.Trata-se sem dúvida <strong>de</strong> um passo importante para a consolidação dareforma e para a garantia d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong>stas pessoas. (MINISTÉRIODA SAUDE, 2002: 6)Esse Seminário também aprovou como recomendação paraconstrução <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> atenção nacional ao louco infrator quen<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> da Fe<strong>de</strong>ração on<strong>de</strong> não houvesse manicômi<strong>os</strong> judiciári<strong>os</strong>não <strong>de</strong>veriam ser construíd<strong>os</strong> <strong>no</strong>v<strong>os</strong>, nem mesmo ampliar <strong>os</strong> h<strong>os</strong>pitais<strong>de</strong> custódia já existentes 41 . Pedro Gabriel Delgado, coor<strong>de</strong>nador doPrograma Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental do Ministério da Saú<strong>de</strong>, em suaexp<strong>os</strong>ição ao final do seminário, falou sobre a “Reforma Psiquiátrica eatendimento ao paciente infrator: o feito e o por fazer”.Algumas experiências apresentadas e <strong>de</strong>batidas <strong>no</strong> seminário –como a do PAI-PJ, do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais – vem<strong>de</strong>monstrando que é p<strong>os</strong>sível o atendimento do paciente mentalinfrator fora do H<strong>os</strong>pital <strong>de</strong> Custódia e Tratamento Psiquiátrico(HCTP), em serviço <strong>de</strong> atenção diária ou ambulatóri<strong>os</strong>. Este <strong>de</strong>veser um objetivo a se perseguir, <strong>no</strong> rumo da superação e substituiçãoprogressiva <strong>de</strong>stes estabeleciment<strong>os</strong>. (MINISTERIO SAUDE,2002:32)A experiência do encaminhamento d<strong>os</strong> louc<strong>os</strong> infratores paratratamento <strong>no</strong> SUS, através da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> atenção em saú<strong>de</strong>mental, sem dispensar o cumprimento da resp<strong>os</strong>ta estabelecida41. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE/MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Seminário Nacionalpara Reorientação d<strong>os</strong> H<strong>os</strong>pitais <strong>de</strong> Custódia e Tratamento Psiquiátrico : RelatórioFinal. Brasília, setembro <strong>de</strong> 2002, p.26.61


juridicamente, surgiu nesse contexto como a orientação para essescas<strong>os</strong>. O encaminhamento <strong>de</strong>ssa população para a re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> exige <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> atores envolvid<strong>os</strong> “o <strong>de</strong>safio do fortalecimentoda re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção extra-h<strong>os</strong>pitalar e a capacitação d<strong>os</strong> profissionaisda saú<strong>de</strong> e da justiça para o redirecionamento da assistência ao loucoinfrator”. (MINISTÉRIO DA SAUDE, 2002:06)Essas orientações <strong>no</strong>rmativas em atenção a pessoas emsituação <strong>de</strong> sofrimento mental que cometeram crimes ensinam que assoluções relativas ao tratamento do louco infrator não se encontram naforma autô<strong>no</strong>ma e a poucas mã<strong>os</strong>, exige o comprometimento coletivod<strong>os</strong> divers<strong>os</strong> atores que atravessam seu campo <strong>de</strong> intervenção, <strong>de</strong>tal sorte que tem sido p<strong>os</strong>sível, como testemunham experiências<strong>de</strong> projet<strong>os</strong> e programas já mencionad<strong>os</strong>, manter como priorida<strong>de</strong>absoluta que o tratamento d<strong>os</strong> louc<strong>os</strong> infratores seja realizado na re<strong>de</strong>SUS, segundo <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> orientadores <strong>de</strong> atenção psic<strong>os</strong>social aoportador <strong>de</strong> sofrimento mental, <strong>de</strong>senhad<strong>os</strong> pelo Ministério da Saú<strong>de</strong>.Apesar d<strong>os</strong> constrangiment<strong>os</strong> relativ<strong>os</strong> ao jogo <strong>de</strong> força emação nas arenas <strong>de</strong> discussão, próprio à natureza heterogênea d<strong>os</strong>discurs<strong>os</strong> atuantes, para alcançar este fim é preciso sustentar comohorizonte a luta <strong>de</strong>cidida através <strong>de</strong> uma trajetória muito particularque consi<strong>de</strong>ra a complexida<strong>de</strong> que amarra a singularida<strong>de</strong><strong>no</strong>rmativa, jurídica, social e clínica que atuam em cada caso.(BARROS-BRISSET, 2010, p126.)Hoje po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> afirmar que faz parte do consenso público queé preciso rever urgentemente a política penitenciária para o loucoinfrator, centralizada na solução institucional do manicômio judiciário,equipamento em completa dissonância com a lei 10.216/2001 e com<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>. É preciso urgentemente rever este estado <strong>de</strong>coisas e propor alternativas ao mo<strong>de</strong>lo ineficaz e retrógrado ainda emvigor, seguindo alguns indicadores para animar a formulação <strong>de</strong> <strong>no</strong>vasdiretrizes para uma política nacional <strong>de</strong> atenção ao louco infratorque esteja em consonância com a mobilização nacional produzidapela Campanha Nacional <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> d<strong>os</strong> Conselh<strong>os</strong><strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> em 1999, <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> da lei 10.216/2001 (Lei daReforma Psiquiátrica), as recomendações da III Conferência Nacional62


<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental (2001), <strong>os</strong> pressup<strong>os</strong>t<strong>os</strong> e encaminhament<strong>os</strong> doSeminário Interministerial <strong>de</strong> Reorientação d<strong>os</strong> H<strong>os</strong>pitais <strong>de</strong> Custódiae Tratamento Psiquiátrico realizado pelo Ministério da Justiça e Saú<strong>de</strong>(2002), a Resolução n. 05/2004 do <strong>Conselho</strong> Nacional <strong>de</strong> PolíticasCriminais e Penitenciárias (CNPCP), as referências orientadoras doPrograma Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública com Cidadania (Pronasci),criado com a lei nº 11.530, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007, a IV ConferênciaNacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental (2010), a Resolução n. 04/2010 do CNPCP,a Recomendação 35/2011 do <strong>Conselho</strong> Nacional <strong>de</strong> Justiça (CNJ), oParecer Final da Comissão da Procuradoria <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> d<strong>os</strong> Direit<strong>os</strong> doCidadão (PFDC) sobre medidas <strong>de</strong> segurança e h<strong>os</strong>pitais <strong>de</strong> custódiae o tratamento psiquiátrico sob a perspectiva da Lei 10.216/01,publicado em 2011 42 .Essa <strong>no</strong>va concepção <strong>de</strong> atenção ao louco infrator segue alógica da intersetorialida<strong>de</strong>, integração e respeito às soluções <strong>de</strong>sociabilida<strong>de</strong> substituindo a lógica da segregação que acontece com afragmentação das ações na execução das políticas públicas.42. http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp%3FDocumentID%3D%257B746F032F-580C-4A1B-B00F-436D72A24FD%257D%26ServiceInstUID%3D%257B4AB01622-7C49-420B-9F76-15A4137F1CCD%257D63


As referências para a prática65


3. AS REFERÊNCIAS PARA A PRÁTICAComo indicou a Pesquisa <strong>CREPOP</strong> (2007), as ações da <strong>Psicologia</strong>necessitam também ser <strong>de</strong>scoladas <strong>de</strong> perícias e avaliações. Essanecessida<strong>de</strong> traz a <strong>Psicologia</strong> para um cenário <strong>de</strong> resistência,evi<strong>de</strong>nciando as contradições do po<strong>de</strong>r judiciário e investindo na saú<strong>de</strong>integral das pessoas em privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.Fato é que a atuação do psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional brasileiro,historicamente, não tem encontrado uma resp<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> consenso <strong>no</strong>campo discursivo das populações intersetoriais envolvidas. A Justiça,a comunida<strong>de</strong>, a pessoa encarcerada e a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo geralnão comungam das mesmas expectativas em relação à atuação dopsicólogo e, mesmo entre psicólog<strong>os</strong>, sempre houve divergências sobrequais seriam as suas funções <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>.Essa ausência <strong>de</strong> um consenso e as inúmeras forças conflitantes,ao longo <strong>de</strong> muit<strong>os</strong> an<strong>os</strong>, direcionaram as ações d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>que atuam <strong>no</strong> sistema prisional, salvo exceções, a<strong>os</strong> mandat<strong>os</strong><strong>de</strong>scrit<strong>os</strong> n<strong>os</strong> códig<strong>os</strong> e <strong>no</strong>rmativas legais, bem como às <strong>de</strong>mandasoriundas <strong>de</strong> interpretações legais realizadas por operadores jurídic<strong>os</strong>,especialmente por promotores públic<strong>os</strong> e juízes <strong>de</strong> execução penal.Ou seja, muitas vezes, <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> respon<strong>de</strong>m à <strong>de</strong>manda conformefoi formulada sem questionar sua pertinência segundo <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong>étic<strong>os</strong> que fundamentam a experiência profissional da <strong>Psicologia</strong> e asconsequências <strong>de</strong> sua ação para o sujeito que foi tomado como objeto<strong>de</strong>sse exame.Tais leituras, na maioria das vezes, estão relacionadas a<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong>morais, polític<strong>os</strong> e econômic<strong>os</strong> que regem as relações da socieda<strong>de</strong>capitalista na qual vivem<strong>os</strong>. As práticas d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> nesse campoorientam-se, na maioria das vezes, por mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> classificatóri<strong>os</strong> epsicopatológic<strong>os</strong> em ações avaliativas e diagnósticas que sempreforam hegemônicas, <strong>no</strong> sentido da segregação.Des<strong>de</strong> a promulgação da Constituição <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> 1988, que institui<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> <strong>de</strong>mocrátic<strong>os</strong> <strong>de</strong> direito, a promoção e proteção <strong>de</strong> direit<strong>os</strong>human<strong>os</strong> e garantias individuais (civis, políticas, sociais, econômicase culturais) passam a reger as ações legais e governamentais quantoà sua população. Mesmo que em term<strong>os</strong> <strong>de</strong> legislações fundadas em67


i<strong>de</strong>ologias progressistas e <strong>de</strong> vanguarda, tais como o ECA e o SUS, naconvivência com a própria LEP, em alguns pont<strong>os</strong>, o que se percebeé que na execução penal as medidas punitivistas e <strong>de</strong>sumanizantesse fortalecem cada vez mais por meio <strong>de</strong> intervenções massificantese violentas. É nessa contradição que se insere a <strong>Psicologia</strong> comociência e profissão <strong>de</strong>ntro do sistema prisional. Tod<strong>os</strong> esses moment<strong>os</strong>/moviment<strong>os</strong> <strong>de</strong> questionament<strong>os</strong>, <strong>de</strong>bates e reflexões contribuem paraa construção <strong>de</strong> caminh<strong>os</strong> que expressem maior coerência com asperspectivas <strong>de</strong> compromisso social e <strong>de</strong> respeito por direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>e princípi<strong>os</strong> constitucionais que <strong>de</strong>finem <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> <strong>de</strong> referências da<strong>Psicologia</strong> brasileira contemporânea.A mobilização discursiva d<strong>os</strong> divers<strong>os</strong> setores <strong>de</strong>u lugar à calor<strong>os</strong>adiscussão pública, em que se evi<strong>de</strong>nciou <strong>no</strong> cenário aberto do <strong>de</strong>bate<strong>de</strong>mocrático, pela primeira vez, <strong>os</strong> interesses e discurs<strong>os</strong> que estavamacomodad<strong>os</strong> <strong>de</strong>trás d<strong>os</strong> mur<strong>os</strong> da prisão e da burocracia jurídico–institucional.A atuação do psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional estava na pauta, e <strong>os</strong>paradigmas que congelavam sua atuação <strong>no</strong> silêncio das práticassegregativas emergiram para reclamar sua existência. Pu<strong>de</strong>m<strong>os</strong>assistir o ressurgimento <strong>de</strong> argument<strong>os</strong> apoiad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> paradigmas dapericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a atuação do psicólogo se justificavaem <strong>no</strong>me da <strong>de</strong>fesa social e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliação do risco doretor<strong>no</strong> do indivíduo para a socieda<strong>de</strong>, sem consi<strong>de</strong>rar <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> <strong>de</strong>ssaprática naquele que era o sujeito da ação, contribuindo, muitas vezes,para alienação, sofrimento e segregação social. (BARROS-BRISSET,2011; CARNEIRO, 2011)As i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> e risco social, um discurso enquadrado<strong>no</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vigiar e punir, conflitavam com a orientação <strong>de</strong> uma<strong>Psicologia</strong> crítica voltada para <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>, cuja contribuiçãocaminha na perspectiva <strong>de</strong> fortalecer uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática e <strong>de</strong>inclusão social.A crítica a essa situação produziu a necessida<strong>de</strong> da (re)formulação<strong>de</strong> diretrizes e referências que orientassem o trabalho do psicólogo<strong>no</strong> sistema prisional brasileiro para outro viés, baseado em outr<strong>os</strong>princípi<strong>os</strong>, cuja discussão coletiva, <strong>no</strong> âmbito do sistema conselh<strong>os</strong>,foi responsável pela publicação da Resolução do CFP n.º 009/2010.68


Mesmo que muito criticada em term<strong>os</strong> estritamente jurídic<strong>os</strong>, numadiscussão epistemológica e ética mais aprofundada, tal diretrizregulatória <strong>de</strong><strong>no</strong>tou i<strong>no</strong>vação ao propor outra forma <strong>de</strong> pensar o fazerpsicológico a partir <strong>de</strong> uma mudança <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> sujeito.A Resolução do CFP nº 012/2011, mesmo reconhecendo odissenso na categoria, instala a orientação <strong>no</strong>rmativa para a atuaçãodo psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional que correspon<strong>de</strong> a uma políticapara a <strong>Psicologia</strong> consonante com <strong>os</strong> disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> constitucionais emvigor <strong>no</strong> Estado Democrático <strong>de</strong> Direito Brasileiro, e <strong>de</strong>termina que aatuação do psicólogo seja voltada para garantia d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>do cidadão que recebe seus cuidad<strong>os</strong>. 423.1 As referências para a prática a partir da pesquisa <strong>CREPOP</strong>O material colhido nas diversas etapas da pesquisa <strong>CREPOP</strong> auxiliouna i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong>senvolvidas pel<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> que atuam<strong>no</strong> sistema prisional brasileiro por meio das seguintes ativida<strong>de</strong>s:“avaliações psicológicas e elaboração <strong>de</strong> relatóri<strong>os</strong>, laud<strong>os</strong> e pareceres;atenção psicológica; pronto-atendimento; encaminhament<strong>os</strong>; reuniões<strong>de</strong> equipe; acompanhamento extramur<strong>os</strong>; atuação nas relaçõesinstitucionais; atuação em re<strong>de</strong>; elaboração <strong>de</strong> projet<strong>os</strong>, pesquisas eproduções e práticas acadêmicas; promoção <strong>de</strong> event<strong>os</strong>; recrutamentoe seleção; atuação conjunta com a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>; coor<strong>de</strong>nação dabiblioteca” 44 .Ao se analisar as dificulda<strong>de</strong>s e <strong>os</strong> <strong>de</strong>safi<strong>os</strong> que <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>enfrentam <strong>no</strong> seu cotidia<strong>no</strong> <strong>de</strong> trabalho, o relatório faz <strong>os</strong> seguintesapontament<strong>os</strong>:[...] falta <strong>de</strong> recurs<strong>os</strong> materiais e financeir<strong>os</strong>, <strong>de</strong> pessoal,<strong>de</strong> espaço físico a<strong>de</strong>quado, dificulda<strong>de</strong>s na relação com outr<strong>os</strong>profissionais e funcionári<strong>os</strong> da unida<strong>de</strong>, em especial, com <strong>os</strong> agentespenitenciári<strong>os</strong>, precárias condições <strong>de</strong> trabalho: insalubrida<strong>de</strong>,pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, baixa remuneração, ausência <strong>de</strong> pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> carreira,carg<strong>os</strong> e salári<strong>os</strong>, gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> trabalho, principalmente d<strong>os</strong>exames crimi<strong>no</strong>lógic<strong>os</strong> e pareceres da CTC, em relação ao número<strong>de</strong> profissionais por unida<strong>de</strong>, carga horária extensa, <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>administrativa <strong>no</strong> sistema prisional, <strong>de</strong>ntre outras. (<strong>CREPOP</strong>, 2007)69


Quanto a esse item, a pesquisa apresenta a seguinte indagação:“como você lida com <strong>os</strong> <strong>de</strong>safi<strong>os</strong>”?O modo <strong>de</strong> lidar com essas questões m<strong>os</strong>trou-se bastante variadoe distinto em suas concepções, pois foi atravessado por inúmer<strong>os</strong>fatores que variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tipo <strong>de</strong> vínculo <strong>de</strong> trabalho (estatutário,contrato temporário, etc.), até pelo modo <strong>de</strong> inserção do psicólogo <strong>no</strong>órgão responsável pelo sistema prisional <strong>no</strong> estado (por exemplo, hápsicólog<strong>os</strong> que são funcionári<strong>os</strong> ou contratad<strong>os</strong> <strong>de</strong> outras Secretarias<strong>de</strong> Estado e prestam serviço <strong>no</strong> sistema prisional), bem como e,fundamentalmente, pela formação profissional e o modo <strong>de</strong> trabalharnesse contexto. Além disso, observa-se nas resp<strong>os</strong>tas apresentadas anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhor qualificação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte d<strong>os</strong> profissionaispara uma discussão profunda sobre a “criminalida<strong>de</strong>” e o dito“crimin<strong>os</strong>o”, bem como sobre as relações mais amplas que envolvema discussão sobre o sistema penal e penitenciário.Tais necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> qualificação e maior fundamentação naspráticas cotidianas visam principalmente acabar com o que a pesquisaapresenta como uma das ativida<strong>de</strong>s mais apontadas como limitadoras<strong>de</strong> práticas i<strong>no</strong>vadoras <strong>no</strong> sistema prisional, ou seja, a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandapela realização <strong>de</strong> exames crimi<strong>no</strong>lógic<strong>os</strong> e pareceres da ComissãoTécnica <strong>de</strong> Classificação (CTC).Em contradição ao disp<strong>os</strong>to na Lei 10.792 <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 2003 e nas Diretrizes para Atuação e Formação d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong>do <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> Brasileiro (CFP/DEPEN, 2007), a prática <strong>de</strong>elaboração <strong>de</strong> relatóri<strong>os</strong>, laud<strong>os</strong>, pareceres e avaliações psicológicasainda se m<strong>os</strong>tra hegemônica e presente em praticamente todo oterritório nacional, uma vez que estas práticas, ao longo d<strong>os</strong> an<strong>os</strong>,justificaram a presença da <strong>Psicologia</strong> na área criminal. Em razãodisso, torna-se necessário construir outr<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> fazer e pensara <strong>Psicologia</strong> nesse contexto, constituindo uma <strong>no</strong>va orientação para aformação e atuação profissional do psicólogo.Diante disso, algumas ativida<strong>de</strong>s d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> apresentadas napesquisa estão voltadas, principalmente, para o atendimento emgrupo, tanto <strong>de</strong> pres<strong>os</strong> (“encontr<strong>os</strong> reflexiv<strong>os</strong> <strong>de</strong> preparação paraliberda<strong>de</strong>, ativida<strong>de</strong>s com egress<strong>os</strong>, oficinas <strong>de</strong> arte e cultura, música,70


teatro, ações <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, prevenção <strong>de</strong> usoabusivo <strong>de</strong> drogas” 45 , <strong>de</strong>ntre outras), como <strong>de</strong> seus familiares e <strong>de</strong>agentes penitenciári<strong>os</strong>. Porém, <strong>de</strong>stacam as dificulda<strong>de</strong>s cotidianaspara implementar tais ações, principalmente em razão das <strong>no</strong>rmas<strong>de</strong> segurança, da falta <strong>de</strong> espaç<strong>os</strong> e materiais, ausência <strong>de</strong> políticaspúblicas e <strong>de</strong> projet<strong>os</strong> na área da assistência a<strong>os</strong> pres<strong>os</strong>.Quanto à questão da formação e qualificação profissional d<strong>os</strong>psicólog<strong>os</strong> que atuam <strong>no</strong> sistema prisional, se a capacitação <strong>de</strong>sejadapermanecer sob a ótica da manutenção das práticas já estabelecidas,ou seja, pela continuida<strong>de</strong> do exame crimi<strong>no</strong>lógico, continuarem<strong>os</strong> aacreditar na “cientificida<strong>de</strong>” <strong>de</strong>sse instrumento e na permanência dopsicólogo na CTC, principalmente as que avaliam faltas disciplinares. Abusca pela qualificação profissional passa pelo “imperativo categórico<strong>de</strong> se fazer repensar a prática psicológica voltando-a para a perspectivada reintegração social, superando o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> classificação eestigmatização d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>” (CFP/DEPEN, 2007, p.12). “Não<strong>de</strong>vem<strong>os</strong> n<strong>os</strong> enganar”, dizia Foucault,[...] essas técnicas (<strong>de</strong> exame) apenas mandam <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong><strong>de</strong> uma instância disciplinar a outra, e reproduzem, <strong>de</strong> uma formaconcentrada, ou formalizada, o esquema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r saber próprio atoda disciplina [...]. O exame continua preso à tec<strong>no</strong>logia disciplinar(FOUCAULT, 2001, p. 186).Muit<strong>os</strong> juízes produzem suas sentenças basead<strong>os</strong> n<strong>os</strong> pareceresdas equipes técnicas, que, por sua vez, <strong>os</strong> realizam em condiçõesextremamente <strong>de</strong>sfavoráveis. Com isso, muit<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>, mesmoque problematizando tal lugar, o reforçam assumindo um discurs<strong>os</strong>up<strong>os</strong>tamente “científico” <strong>de</strong> um saber específico, rotulando e pré<strong>de</strong>terminandoo futuro das pessoas presas. Mesmo que oficialmentecaiba ao juiz tais <strong>de</strong>cisões sobre a liberda<strong>de</strong> das pessoas presas, oprofissional da <strong>Psicologia</strong> muitas vezes é forçado a assumir este lugar<strong>de</strong> juiz anexo (Foucault, 1999), ou um juiz paralelo, contrariando umlugar ético <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> um saber que visa, na verda<strong>de</strong>, o respeitoàs diferenças e a imp<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão <strong>de</strong> comportament<strong>os</strong>,45. <strong>CREPOP</strong>/CFP, 200771


sentiment<strong>os</strong>, fantasias humanas.Tal como preconiza Foucault (1999), trata-se do exercício <strong>de</strong> um<strong>de</strong>terminado saber-po<strong>de</strong>r, pois:Estam<strong>os</strong> na socieda<strong>de</strong> do professor-juiz, do médico-juiz, doeducador-juiz, do “assistente social”-juiz; tod<strong>os</strong> fazem reinara universalida<strong>de</strong> do <strong>no</strong>rmativo; e cada um <strong>no</strong> ponto em que seencontra, aí submete o corpo, <strong>os</strong> gest<strong>os</strong>, <strong>os</strong> comportament<strong>os</strong>, ascondutas, as aptidões, <strong>os</strong> <strong>de</strong>sempenh<strong>os</strong> (...) à medida em quea medicina, a psicologia, a educação, a assistência, o ‘trabalh<strong>os</strong>ocial’ tomam uma parte maior d<strong>os</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> controle e <strong>de</strong>sanção, em compensação o aparelho penal po<strong>de</strong>rá se medicalizar,se psicologizar, se pedagogizar, e <strong>de</strong>sse modo tornar-se men<strong>os</strong> útila ligação que a prisão constituía quando, pela <strong>de</strong>fasagem entre seudiscurso penitenciário e seu efeito <strong>de</strong> consolidação da <strong>de</strong>linquência,ela articulava o po<strong>de</strong>r penal e o po<strong>de</strong>r disciplinar (...). (FOUCAULT,1999, p. 251-253).O exame crimi<strong>no</strong>lógico foi apontado pel<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> participantes dapesquisa como uma das práticas impeditivas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ações <strong>de</strong> inserção social e para a vida em liberda<strong>de</strong>. Outro impedimentofoi a relação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> com <strong>os</strong> agentes penitenciári<strong>os</strong>. Segundoo relato <strong>de</strong> um psicólogo participante da pesquisa <strong>CREPOP</strong> “(...) <strong>os</strong>própri<strong>os</strong> agentes impe<strong>de</strong>m <strong>os</strong> apenad<strong>os</strong> <strong>de</strong> subirem quando estessolicitam. Eles é que fazem a triagem d<strong>os</strong> que serão atendid<strong>os</strong>, sobemquem eles querem (Crepop/CEAPG/FGV-SP, 2007 p. 67). Apesar disso,diz o relatório, “muit<strong>os</strong> esforç<strong>os</strong> têm sido feit<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> profissionais<strong>de</strong>sse campo para transformar a cultura prisional e garantir <strong>os</strong> direit<strong>os</strong>das pessoas presas” (Ibi<strong>de</strong>m) e <strong>de</strong>staca que: “(...) ainda há a cultura<strong>de</strong> que <strong>os</strong> pres<strong>os</strong> não são gente, são animais (...). Mas a<strong>os</strong> pouc<strong>os</strong>tentam (<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>) construir um espaço lá <strong>de</strong>ntro buscando apoio<strong>de</strong> policiais e direção, <strong>no</strong> atendimento a<strong>os</strong> intern<strong>os</strong>” (Ibi<strong>de</strong>m).São muit<strong>os</strong> <strong>os</strong> <strong>de</strong>safi<strong>os</strong> apontad<strong>os</strong> pela pesquisa do <strong>CREPOP</strong>,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>os</strong> “relacionad<strong>os</strong> à falta <strong>de</strong> recurs<strong>os</strong> materiais” até “ausência<strong>de</strong> (re)conhecimento e <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> papéis <strong>no</strong> trabalho em equipemultidisciplinar” (p.97-98 e 69, respectivamente). Na cartilhapublicada pelo CFP/DEPEN (2007), <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> apontaram, <strong>de</strong>ntreoutras necessida<strong>de</strong>s, a <strong>de</strong> estabelecer diretrizes <strong>de</strong> ação <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong>:72


Desconstruir o conceito <strong>de</strong> crime relacionado unicamenteà patologia ou história individual, ao biográfico, e enfatizar <strong>os</strong>disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> sociais que promovem a criminalização”, <strong>de</strong> “interagircom <strong>os</strong> <strong>de</strong>mais profissionais das áreas técnicas com vistas àconstrução <strong>de</strong> projet<strong>os</strong> interdisciplinares voltad<strong>os</strong> para a garantiadas pessoas presas (CFP/DEPEN, 2007, p. 104-105)De modo geral, diretrizes em condições <strong>de</strong> “garantir a aplicaçãodas políticas públicas e garantir <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> daspessoas presas” (CEAPG/FGV-SP, 2007, p.75).No âmbito das medidas <strong>de</strong> segurança 46 , <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> sinalizavama necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “direcionar sua atuação <strong>de</strong> forma a construiralternativas para a internação compulsória, privilegiando o tratamentona re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e fortalecendo a implementação da reformapsiquiátrica nessas instituições” (CFP/DEPEN, 2007, p. 105).Com <strong>os</strong> exempl<strong>os</strong> citad<strong>os</strong> a partir das duas pesquisas realizadas(CFP/DEPEN e <strong>CREPOP</strong>) observa-se que <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> <strong>de</strong>sejam ocuparum outro lugar, livre do domínio jurídico e médico, engajando-se empráticas voltadas para as políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> coletiva. O II SeminárioNacional sobre <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> realizado em <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 2008, <strong>no</strong>Rio <strong>de</strong> Janeiro, apontou esse <strong>de</strong>sejo da categoria, que se refletiu n<strong>os</strong><strong>de</strong>bates das mesas e na Moção <strong>de</strong> Repúdio ao Exame Crimi<strong>no</strong>lógicoentregue ao Diretor Geral do DEPEN e encaminhada também aoMinistério da Justiça.A publicação CFP/DEPEN (2007), nas palavras da então presi<strong>de</strong>ntedo CFP, Ana Bock, chamou a atenção para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serepensar o papel da <strong>Psicologia</strong> <strong>no</strong> contexto prisional: “É preciso atuarcom as pessoas presas tendo em vista a vida em liberda<strong>de</strong>, para alémd<strong>os</strong> mur<strong>os</strong> da instituição prisional, estimulando a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> d<strong>os</strong>círcul<strong>os</strong> vici<strong>os</strong><strong>os</strong> que promovem a exclusão social” (p. 11-12). Nessesentido, um questionamento se faz necessário:[...] se vim<strong>os</strong> que as prisões produzem efeit<strong>os</strong> <strong>de</strong> subjetivação eque o sistema penal, ao configurar a <strong>de</strong>linquência, contribui paraa produção e reprodução d<strong>os</strong> <strong>de</strong>linquentes, o que po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> fazerpela <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong>ssas carreiras, para a produção <strong>de</strong> <strong>de</strong>svi<strong>os</strong>46. Ver Título VI do Código Penal e da LEP.73


nessa trajetória que se quer preconizar como irreversível? Comoutilizar n<strong>os</strong>sas competências, não para reafirmar <strong>de</strong>stin<strong>os</strong> e, simpara ajudar a conduzir o <strong>de</strong>svio para outras direções mais criativasa favor da vida? (KOLKER, 2004, p. 202).Tal questionamento n<strong>os</strong> leva a pensar que o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>sse trabalhotambém requer ações que estabeleçam re<strong>de</strong>s para fora da instituiçãopenal, com as áreas da assistência social e da saú<strong>de</strong>, especialmentea da saú<strong>de</strong> mental, que tem n<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> da reforma psiquiátricaantimanicomial, a expressão máxima <strong>de</strong> outro paradigma <strong>de</strong> atuaçãod<strong>os</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, em consonância com as políticas públicasdo <strong>Sistema</strong> Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS). Caberá, portanto ao psicólogo,<strong>no</strong> contexto prisional, direcionar seu fazer e sua escuta a<strong>os</strong> conflit<strong>os</strong>subjacentes a<strong>os</strong> discurs<strong>os</strong> produzid<strong>os</strong>, tanto pela pessoa presa, quantopelas instituições prisionais e <strong>os</strong> agentes jurídic<strong>os</strong> e sociais em ação,fazendo com que as suas intervenções p<strong>os</strong>sam constituir-se comop<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong>s que viriam a produzir um outro discurso mais criativoe libertador. Ou seja, um fazer que se abre para uma p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>elaboração e <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> um <strong>no</strong>vo laço social <strong>de</strong> um modogeral, fazendo com que se repense até mesmo a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stesistema penitenciário.74


Consi<strong>de</strong>rações finais75


4. Consi<strong>de</strong>rações finaisA atual concepção <strong>de</strong> Estado baseia-se na compreensão <strong>de</strong> quetoda a estrutura estatal <strong>de</strong>ve voltar-se para a promoção e a proteçãod<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> (civis, polític<strong>os</strong>, sociais, econômic<strong>os</strong>, culturais,difus<strong>os</strong> e coletiv<strong>os</strong>). O Estado <strong>de</strong> Direito Brasileiro, fundamentado pelaConstituição <strong>de</strong> 1988, reconhece e protege tais direit<strong>os</strong>, ao estabelecerque “são direit<strong>os</strong> sociais a educação, a saú<strong>de</strong>, o trabalho, a moradia, olazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternida<strong>de</strong> e àinfância, a assistência a<strong>os</strong> <strong>de</strong>samparad<strong>os</strong>” (BRASIL, CONSTITUIÇÃOFEDERAL,1988, art 6º.). Diante disso, a população do sistemaprisional <strong>de</strong>ve ter seus direit<strong>os</strong> assegurad<strong>os</strong> como todo cidadão.A partir d<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> exp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> na Carta Magna <strong>de</strong> n<strong>os</strong>so país,<strong>de</strong>riva-se a necessária orientação <strong>de</strong> um projeto político <strong>de</strong> profissão<strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> produzir intervenções que efetivamente contribuam paraa construção e o fortalecimento da cidadania plena, da promoçãod<strong>os</strong> direit<strong>os</strong>, da <strong>de</strong>fesa incondicional da vida e na construção <strong>de</strong> umasocieda<strong>de</strong> pautada por relações <strong>de</strong>mocráticas.No sistema prisional, garantir direit<strong>os</strong> significa garantir à populaçãoacessibilida<strong>de</strong> a<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> necessári<strong>os</strong> para a sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umprojeto <strong>de</strong> vida fora d<strong>os</strong> mur<strong>os</strong>. Isso significa que o psicólogo <strong>de</strong>vetrabalhar para promover situações e condições que visem à promoçã<strong>os</strong>ocial daquele que, <strong>de</strong>vido ao crime que cometeu, teve sua liberda<strong>de</strong>sequestrada. O trabalho do psicólogo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a entrada da pessoa n<strong>os</strong>istema prisional, <strong>de</strong>ve se orientar <strong>no</strong> sentido da promoção <strong>de</strong> recurs<strong>os</strong>visando uma saída sustentável e satisfatória para o fortalecimento dolaço social.O espírito d<strong>os</strong> “consi<strong>de</strong>rand<strong>os</strong>” da polêmica Resolução CFP nº12/2011 47 <strong>de</strong>finiu <strong>os</strong> pressup<strong>os</strong>t<strong>os</strong> que <strong>de</strong>vem ser respeitad<strong>os</strong> nacondução das práticas psicológicas, bem como o horizonte que sequer alcançar <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssas práticas profissionais, <strong>de</strong>ntroda especificida<strong>de</strong> p<strong>os</strong>ta pelo exercício da <strong>Psicologia</strong> <strong>no</strong> âmbito daexecução penal. Nesse sentido, apontou como o horizonte da ação dopsicólogo <strong>no</strong> sistema prisional a promoção do laço social sustentável47. http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-0122011/77


em condições <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.Os avanç<strong>os</strong> alcançad<strong>os</strong> <strong>no</strong> que diz respeito à construção e aofortalecimento <strong>de</strong> um Estado Democrático <strong>de</strong> Direito Brasileiroperpassa, necessariamente, pela problematização e pela superaçãodas estruturas arcaicas que se radicam na negação d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> e que sealicerçam num paradigma <strong>de</strong> Estado autoritário e, consequentemente,anti<strong>de</strong>mocrático.Tais estruturas arcaicas encontram expressão não somente namaterialida<strong>de</strong> arquitetônica das instituições manicomiais e prisionais,mas também na produção e na reprodução <strong>de</strong> saberes e práticas quelegitimam a marginalização e contribuem para o processo <strong>de</strong> exclusã<strong>os</strong>ocial. Um elemento síntese <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> é a existência do diagnósticoe do prognóstico que alia à questão do sofrimento mental (ainda quesob a <strong>de</strong><strong>no</strong>minação <strong>de</strong> transtor<strong>no</strong> mental) a i<strong>de</strong>ia da pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> e,<strong>no</strong> caso das pessoas em cumprimento <strong>de</strong> pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, aelaboração <strong>de</strong> um “prognóstico crimi<strong>no</strong>lógico” <strong>de</strong> reincidência, adotadoprincipalmente pelo chamado “exame crimi<strong>no</strong>lógico”.Essas presunções paradigmáticas, <strong>no</strong> conjunto <strong>de</strong> suas práticas,conformam um estado <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> direit<strong>os</strong>. Visando superar essaviolação, a Resolução CFP 12/2001 regulamentou a proibição <strong>de</strong> que<strong>os</strong>(as) psicólog<strong>os</strong>(as) participem d<strong>os</strong> procediment<strong>os</strong> administrativ<strong>os</strong><strong>de</strong> apuração <strong>de</strong> faltas disciplinares, realizad<strong>os</strong> pela unida<strong>de</strong> prisionale que, p<strong>os</strong>teriormente homologad<strong>os</strong> pelo juiz da execução penal,sabem<strong>os</strong>, geram consequências significativas na restrição d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong>das pessoas presas <strong>no</strong> cumprimento <strong>de</strong> suas penas, como, porexemplo, regressão <strong>de</strong> regime, vedação <strong>de</strong> progressão e <strong>de</strong> livramentocondicional, obstaculização <strong>de</strong> indulto, entre outr<strong>os</strong>. Isso significouuma orientação precisa <strong>de</strong> que o psicólogo <strong>de</strong>ve trabalhar a favor daprodução do laço social e não da aplicação <strong>de</strong> disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> punitiv<strong>os</strong>,pois julgar e punir não são práticas da profissão.Sabem<strong>os</strong> que a rotina n<strong>os</strong> process<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalho, bem comoestabelecimento <strong>de</strong> procediment<strong>os</strong> das equipes diferenciando aspráticas a serem <strong>de</strong>senvolvidas (<strong>de</strong> acompanhamento e <strong>de</strong> perícia), sãoresponsabilida<strong>de</strong>s do Po<strong>de</strong>r Executivo e das respectivas Secretarias,que <strong>de</strong>vem gerir o sistema prisional nas unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rativas do país.Não obstante, tal organização não po<strong>de</strong> se dar em condições que78


<strong>de</strong>srespeitem <strong>os</strong> preceit<strong>os</strong> étic<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma profissão.Ao estar vinculado a uma unida<strong>de</strong> prisional, a(o) psicóloga(o) éresponsável, necessariamente, pelo acompanhamento da atençãopsic<strong>os</strong>social da população que está em privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> ecustodiada na unida<strong>de</strong> em que está atuando, como aliás, <strong>de</strong>termina aPortaria Interministerial n.º 1.777/2003, que institui o Pla<strong>no</strong> Nacional<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>.Segundo o disp<strong>os</strong>to nesse pla<strong>no</strong>, <strong>os</strong> profissionais das equipes <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> responsáveis pela atenção psic<strong>os</strong>social “não tem atribuiçõespericiais, ou seja, <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> e assistentes sociais que as compõemnão tem como tarefa realizar exames crimi<strong>no</strong>lógic<strong>os</strong>.” (BRASIL/MS2010, p. 18)Promover e acompanhar o projeto <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> inserçã<strong>os</strong>ocial da pessoa presa, segundo <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> constitucionais <strong>de</strong> garantia<strong>de</strong> direit<strong>os</strong> e tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> document<strong>os</strong> <strong>no</strong>rmativ<strong>os</strong> aqui apresentad<strong>os</strong>, é<strong>de</strong>ver fundamental do psicólogo em sua atuação <strong>no</strong> sistema prisional.O fundamento da sua ação está na promoção do laço social.Para tanto, o acompanhamento do projeto individualizado se fazarticulado a um trabalho feito por muit<strong>os</strong>. Essa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidad<strong>os</strong>e acompanhamento envolve colegas do sistema prisional, atoressociais ligad<strong>os</strong> às relações da pessoa presa <strong>de</strong>ntro e fora da prisão, <strong>os</strong>colegas da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> justiça (advogad<strong>os</strong>, <strong>de</strong>fensores públic<strong>os</strong>, juízes epromotores), bem como, outr<strong>os</strong> atores que participam da sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong>convivência.Na pesquisa do <strong>CREPOP</strong>, em 2007, <strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> enfatizaram que,se um d<strong>os</strong> principais objetiv<strong>os</strong> <strong>de</strong> suas atuações é a promoção daressocialização <strong>de</strong>sses pres<strong>os</strong>, então, além <strong>de</strong> atuarem, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntrod<strong>os</strong> presídi<strong>os</strong>, para que este fato se torne realida<strong>de</strong>, é preciso oestabelecimento <strong>de</strong> uma atuação em re<strong>de</strong>, que p<strong>os</strong>sibilite acesso a<strong>os</strong>outr<strong>os</strong> serviç<strong>os</strong> e que seja construída uma relação <strong>de</strong> parceria. Por isso,sugeriram que, <strong>no</strong> texto <strong>de</strong>sta Referência, f<strong>os</strong>se abordada a discussã<strong>os</strong>obre a importância <strong>de</strong>sse trabalho articulado em re<strong>de</strong> como uma dasferramentas fundamentais para efetivar o processo <strong>de</strong> ressocialização.Portanto, é <strong>de</strong>ver do psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional articular essare<strong>de</strong> intersetorial para que o projeto <strong>de</strong> atenção integral à pessoa presap<strong>os</strong>sa ser efetivado. Isso implica em interlocuções com <strong>os</strong> divers<strong>os</strong>79


atores <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> (assistentes sociais, médic<strong>os</strong>, juízes, promotores,advogad<strong>os</strong>, educadores, programas sociais e institucionais divers<strong>os</strong> quep<strong>os</strong>sam beneficiar a pessoa em acompanhamento, ONGs, familiares eetc.) sempre que for necessário para aten<strong>de</strong>r à individualização doprojeto <strong>de</strong> cada caso, na direção <strong>de</strong> promover melhores condições paraa vida em liberda<strong>de</strong>.Desse modo, a discussão e articulação da re<strong>de</strong> intersetorial embenefício da promoção da re<strong>de</strong> social da pessoa presa torna-sefundamental. A atuação do psicólogo <strong>no</strong> sistema prisional somentepo<strong>de</strong>rá ser realizada se sustentar a articulação <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> intersetorial<strong>de</strong> modo permanente.Cabe, portanto, a cada profissional <strong>de</strong>senvolver uma p<strong>os</strong>tura críticae ética para avaliar as <strong>de</strong>mandas a ele remetidas em seu trabalho,<strong>de</strong> modo a encontrar <strong>os</strong> caminh<strong>os</strong> que garantam o bom exercício da<strong>Psicologia</strong>, com fundamentação teórica e técnica, com respeito aoatendido, <strong>de</strong> modo a garantir as condições para o exercício <strong>de</strong> sualiberda<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e integrida<strong>de</strong>, apoiando sua prática n<strong>os</strong>valores que embasam a Declaração Universal d<strong>os</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>.80


LISTA DE SIGLASACD - auxiliar <strong>de</strong> consultório <strong>de</strong>ntárioAPAF- Assembleia das Políticas Administrativas e Financeiras do<strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>CFP- <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>CRP- <strong>Conselho</strong> Regional <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>CNP - Congresso Nacional da <strong>Psicologia</strong>CNPCP - <strong>Conselho</strong> Nacional <strong>de</strong> Política Criminal e PenitenciáriaDEPEN - Departamento Penitenciário NacionalECA - Estatuto da Criança e AdolescenteLEP- Lei <strong>de</strong> Execuções PenaisMEC- Ministério da EducaçãoONU - Organização das Nações UnidasOMS - Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>PNEDH - Pla<strong>no</strong> Nacional <strong>de</strong> Educação em Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>PNSSP - Pla<strong>no</strong> Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>Sistema</strong> PenitenciárioPPA - Pla<strong>no</strong> PlurianualRDD - Regime Disciplinar DiferenciadoSME - Secretaria Municipal <strong>de</strong> EducaçãoSUS – <strong>Sistema</strong> Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>81


Referências83


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Anex<strong>os</strong>91


ANEXOSAnexo 1:MOÇÃO CONTRA O EXAME CRIMINOLÓGICONós, profissionais que atuam<strong>os</strong> <strong>no</strong> sistema prisional e a socieda<strong>de</strong>civil organizada, vim<strong>os</strong> neste II Seminário Nacional do <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>realizado n<strong>os</strong> dias 12, 13 e 14 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 2008, na cida<strong>de</strong>do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ratificar a prop<strong>os</strong>ta encaminhada pel<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong>ao <strong>Sistema</strong> Conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> e ao DEPEN por ocasião do IEncontro Nacional d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong> do <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong>, em <strong>no</strong>vembro<strong>de</strong> 2005. Tal prop<strong>os</strong>ta refere-se à importância da articulação <strong>de</strong> açõesconjuntas entre as categorias profissionais responsáveis pelo examecrimi<strong>no</strong>lógico, para entendimento junto a<strong>os</strong> Juíz<strong>os</strong> da Execução Penale gestores públic<strong>os</strong> sobre a aplicabilida<strong>de</strong> da Lei 10.792/2003, <strong>no</strong>que se refere à extinção do exame crimi<strong>no</strong>lógico (“Diretrizes paraatuação e formação d<strong>os</strong> psicólog<strong>os</strong> do sistema prisional brasileiro”,CFP/DEPEN,2005). Incorporam<strong>os</strong> a esta prop<strong>os</strong>ta, a Manifestação do<strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> contrária à tentativa <strong>de</strong> reintrodução doparecer da Comissão Técnica <strong>de</strong> Classificação e do Exame Crimi<strong>no</strong>lógicopara fins <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> Benefício <strong>de</strong> Progressão <strong>de</strong> Regime, atravésd<strong>os</strong> Projet<strong>os</strong> <strong>de</strong> Lei <strong>de</strong> númer<strong>os</strong> 00190/2007, prop<strong>os</strong>to pela senadoraMaria do Carmo Alves, e 75/2007, do Senador Gerson Camata, cujasrazões encontram-se anexas a esta Moção.Assim, manifestam<strong>os</strong> n<strong>os</strong>so repúdio à manutenção do examecrimi<strong>no</strong>lógico para concessão d<strong>os</strong> benefíci<strong>os</strong> legais (livramentocondicional e progressão <strong>de</strong> regime), consi<strong>de</strong>rando que o examecrimi<strong>no</strong>lógico tem se constituído em uma prática não só burocrática,mas, sobretudo estigmatizante, classificatória e violadora d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong>human<strong>os</strong>. Além disso, sua realização se dá em condições objetivasque se caracterizam pela violação do Código <strong>de</strong> Ética d<strong>os</strong> profissionaisenvolvid<strong>os</strong>. Seu uso reifica discurs<strong>os</strong> que sustentam a compreensão doconflito a partir <strong>de</strong> uma sup<strong>os</strong>ta natureza perig<strong>os</strong>a amparada em traç<strong>os</strong>pessoalizad<strong>os</strong> e não a partir <strong>de</strong> uma relação dialética entre indivíduoe produções sócio-históricas. A prática do exame crimi<strong>no</strong>lógico tem93


eduzido as p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação d<strong>os</strong> profissionais que atuam naárea das assistências previstas nas legislações brasileiras referentes àpopulação carcerária, ferindo em muitas ocasiões <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>e impedindo tais profissionais <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às reais necessida<strong>de</strong>s daspessoas presas na perspectiva <strong>de</strong> sua reintegração social.ASSINAM A MOÇÃO:1. <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>2. Instituto Carioca <strong>de</strong> Crimi<strong>no</strong>logia.3. Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ.4. Grupo Tortura Nunca Mais/SP.5. Centro <strong>de</strong> Justiça Global.6. Instituto <strong>de</strong> Defensores <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>.7. Movimento Nacional <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> – MNDH.8. Associação Paulista <strong>de</strong> Defensores Públic<strong>os</strong> – APADEP.9. Associação para a Reforma <strong>Prisional</strong> – ARP /RJ.10. Observatório das Violências Policiais - SP.11. Pastoral Carcerária Nacional (CNBB).12. Coletivo Contra Tortura - SP.13. Núcleo Especializado <strong>de</strong> Situação Carcerária da Defensoria14. Pública do Estado <strong>de</strong> São Paulo.15. Centro <strong>de</strong> Defesa d<strong>os</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> <strong>de</strong> Campinas – CDDH.16. Centro Santo Dias da Arquidiocese <strong>de</strong> São Paulo - CSDDH.17. <strong>Conselho</strong> Estadual da Defesa d<strong>os</strong> Direit<strong>os</strong> da Pessoa Humana- CONDEPE/SP.18. <strong>Conselho</strong> Regional <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> / RJ (CRP- 05).19. <strong>Conselho</strong> Regional <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>/ SP ( CRP -06)20. Plenária do I Encontro Regional <strong>de</strong> Conselh<strong>os</strong> da Comunida<strong>de</strong>da Região Su<strong>de</strong>ste (em 08/11/2008).21. Fala Preta - Organização <strong>de</strong> Mulheres Negras.22. Núcleo Interdisciplinar <strong>de</strong> Ações para a Cidadania da UFRJ -NIAC.23. Núcleo Especializado da Infância e Juventu<strong>de</strong> da DefensoriaPública do Estado <strong>de</strong> São Paulo.24. Núcleo Especializado <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> da DefensoriaPública / SP94


25. Programa <strong>de</strong> Atenção Integrada ao Paciente Judiciário doTribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais - PAIPJ/TJ MG.26. Sindicato d<strong>os</strong> Psicólog<strong>os</strong> <strong>no</strong> Estado <strong>de</strong> São Paulo (SinPsi).27. Instituto <strong>de</strong> Cultura e Consciência Negra Nelson Man<strong>de</strong>la28. CEDECA – Centro <strong>de</strong> Defesa da Criança e do Adolescente <strong>de</strong>Jundiaí.29. Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa Violências: sujeito e política (Programa <strong>de</strong>Pós graduação em <strong>Psicologia</strong> Social da PUC-SP)1. Cecília Coimbra - Psicóloga e Professora da UFF/RJ.2. Vera Malaguti – socióloga, Instituto Carioca <strong>de</strong> Crimi<strong>no</strong>logia.3. Geraldo Prado - Doutor em Direito, Professor-adjunto <strong>de</strong> DireitoProcessual Penal da UFRJ e do programa <strong>de</strong> Pós-graduação da UNESAe Magistrado do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Rio <strong>de</strong> Janeiro.4. Marcelo Ta<strong>de</strong>u Lem<strong>os</strong> <strong>de</strong> Oliveira – Juiz da Vara <strong>de</strong> execuçõesPenais <strong>de</strong> Alagoas.5. Rubens Casara - Juiz <strong>de</strong> direito do TJ/RJ, membro do Movimentoda Magistratura Fluminense pela Democracia e professor <strong>de</strong> processopenal do IBMEC-RJ.6. Dr. Lucia<strong>no</strong> Mariz Maia - Procurador da República e Professor <strong>de</strong>Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> da Universida<strong>de</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> da Paraíba.7. João Luiz Duboc Pinaud – Advogado, presi<strong>de</strong>nte da Rama do Rio<strong>de</strong> Janeiro, da AAJ - Associação Americana <strong>de</strong> Juristas e membro daComissão Nacional <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> do <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> da OAB.8. Esther Arantes - Professora da PUC-RJ e UERJ.9. Virgílio <strong>de</strong> Matt<strong>os</strong> - Professor, Grupo <strong>de</strong> Pesquisa-Ação Violência,Criminalida<strong>de</strong> e Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>.10. Salo <strong>de</strong> Carvalho - Mestre (UFSC) e Doutor (UFPR) em Direito.Prof. Titular da PUCRS. Advogado.11. Cynthia Maria Pinto da Luz - Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong>Human<strong>os</strong> da OAB Subseção Joinville.12. Cristina Rauter - Doutora em psicologia clínica, Coor<strong>de</strong>nadorado programa <strong>de</strong> Pós-graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFF, Membro daEquipe Clínico-GTNM/ RJ.13. Maria Helena <strong>de</strong> Souza Patto - Profa. Titular USP/SP.95


14. Heliana <strong>de</strong> B. Con<strong>de</strong> Rodrigues - Profa. da UERJ da graduaçãoe Especialização em <strong>Psicologia</strong> Jurídica.15. Leila Torraca - Profª UERJ - Graduação e Pós-Graduação em<strong>Psicologia</strong> Jurídica.16. Anna Paula Uziel - Professora da UERJ (Coord. do Curso <strong>de</strong><strong>Psicologia</strong> Jurídica).17. Deise Mancebo - Professora da UERJ.18. Fernanda Bast<strong>os</strong> Otoni – psicóloga, PAIPJ/TJ MG.19. Maria Helena Zamora - Profa. do Depto. <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da PUC.20. Padre Gunther Alois Zgubic - Pastoral Carcerária Nacional/CNBB.21. João Tancredo – Advogado, membro do Instituto <strong>de</strong> Defensores<strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>.22. Haroldo Caeta<strong>no</strong> da Silva - Promotor <strong>de</strong> Justiça da ExecuçãoPenal em Goiânia/GO e i<strong>de</strong>alizador do Programa <strong>de</strong> Atenção Integralao Louco Infrator – PAILI.23. Igor Barreto <strong>de</strong> Menezes Pereira - Advogado do Núcleo Jurídicoda Pastoral Carcerária <strong>de</strong> Fortaleza.24. Conceição Bernar<strong>de</strong>lli - Defensora Pública do Estado do Pará.25. Marcelo Freixo - Deputado Estadual pelo PSOL.26. Gloria Marcia Perci<strong>no</strong>to - Advogada, Professora da Faculda<strong>de</strong><strong>de</strong> Direito da UERJ e Procuradora <strong>de</strong> Justiça do Min. Público do Rio<strong>de</strong> Janeiro, ap<strong>os</strong>entada.27. Edmar Carrusca <strong>de</strong> Oliveira - Membro da Comissão Nacional <strong>de</strong>Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> do <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>.28. Maria Ignes Lanzellotti Bal<strong>de</strong>z Kato - Defensora Publica doEstado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.29. Mariana <strong>de</strong> Assis Brasil e Weigert - Mestre PUCRS e Un.Autô<strong>no</strong>ma <strong>de</strong> Barcelona, Doutoranda (UAB) em Crimi<strong>no</strong>logia, Profª.da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito Dom Alberto e Advogada da Themis.30. Sandra Carvalho - Diretora do Justiça Global.31. Cecília Pescatore Alves - Psicóloga, Dra. em <strong>Psicologia</strong> Social,Docente da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taubaté e da PUC/SP.32. Conceição Casulari - Professora <strong>Psicologia</strong> Social e Forense.33. Ana Mercês Bahia Bock - Psicóloga, Professora Titular da PUC/SP.96


34. Laura Lambert - Grupo <strong>de</strong> Amig<strong>os</strong> e Familiares <strong>de</strong> Pessoas emPrivação <strong>de</strong> Liberda<strong>de</strong>.35. Adriana R<strong>os</strong>a - Psicóloga da Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> doRio <strong>de</strong> Janeiro.36. Ana Carla Souza S. da Silva - Psicóloga da SEAP/RJ.37. Edmar Oliveira – Médico e Diretor do IMAS Nise da Silveira.38. Ana Maria Otoni Mesquita - Psicóloga Clínica e da Maternida<strong>de</strong>do H<strong>os</strong>pital Estadual Pedro II.39. Andréa da Luz Carvalho – FIOCRUZ - RJ.40. Estela Scheinvar - Socióloga do SPA da UFF e Professora daUERJ.41. Hebe Sig<strong>no</strong>rini Gonçalves - Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> UFRJ.42. Izabel Cristina Fialho <strong>de</strong> Oliveira - CAPS Pedro Pellegri<strong>no</strong> eCAPS AD Viva Vida.43. Janne Calhau Mourão - Psicóloga, membro da Equipe ClínicogrupalGTNM/ RJ.44. Julio Morais - Assistente Social da SEAP/RJ.45. Tânia Dahmer – Assistente Social da SEAP46. Jussara Spolaor - Psicóloga Aprimoranda em CAPS e CECCO/SP.47. Lygia Santa Maria Ayres - Psicóloga e Pesquisadora da UFF.48. Márcia Adriana Fernan<strong>de</strong>s - Advogada - Secretaria Executiva daAssociação pela Reforma <strong>Prisional</strong>, Mestre em Ciências Penais UCAM/RJ e Profa. Direito Penal UCAM.49. Marc<strong>os</strong> Argollo - Psiquiatra, Diretor do H<strong>os</strong>pital <strong>de</strong> CustódiaHeitor Carrilho.50. Tânia Kolker - Médica da SEAP/RJ.51. Maria das Graças <strong>de</strong> Carvalho Henriques Áspera - Psicóloga daFUNDAC - Fundação da Criança e do Adolescente/BA.52. Odair Furtado - Psicólogo, Professor Dr. da PUC/SP..53. Pedro Paulo G. <strong>de</strong> Bicalho - Prof. Adj. do Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>da UFRJ, vinculado ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Direito.54. Selma Lopes - Psicóloga do TJ/RJ.55. Sergio Alarcon - Coor<strong>de</strong>nador Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental <strong>de</strong>Nova Iguaçu/RJ.56. Sergio F. C. Grazia<strong>no</strong> Sobrinho - Professor da UNESC (Criciúma97


- SC), Mestre (UFSC), Doutor (PUC-RJ), Advogado.57. Solange Diuana - Psicóloga Jurídica e Terapeuta <strong>de</strong> Casal eFamília.58. Márcia Badaró – Psicóloga da SEAP/ RJ e Conselheira do CRP-0559. Alexan<strong>de</strong>r Ramalho (Enfermeiro, Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>e Prof. da Univ. Estácio <strong>de</strong> Sá)60. Myrna Coelho (psicóloga - rg: 27907594-7)61. Patrícia Albuquerque (psicóloga da SMS/RJ)62. Eduardo Pass<strong>os</strong> - doutor em <strong>Psicologia</strong> Professor Associado IIdo Deptº <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da UFF63. Vera Vital Brasil - psicóloga equipe clínica Tortura Nunca Maise IASERJ64. Heloisa Greco/Bizoca - Coor<strong>de</strong>nadora do Instituto Helena Greco<strong>de</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> e Cidadania (MG).65. Lidiane Penha - Advogada OAB/RJ nº 146.96566. Elizabeth Paiva - psicóloga do Departamento Geral <strong>de</strong> AçõesSocio Educativas (DEGASE)67. Profª. Dra Maria Cristina G. Vicentin - Prof. assistente daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> <strong>de</strong> PUC-SP, coor<strong>de</strong>nadora do Núcleo <strong>de</strong>Pesquisa Violências: sujeito e política (Programa <strong>de</strong> Pós graduação em<strong>Psicologia</strong> Social da PUC-SP68. Profa Drª Miriam Debieux R<strong>os</strong>a - Prof. Titular da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>Psicologia</strong> PUC-SP e Profª Doutora do Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da USP(coor<strong>de</strong>nadora do Laboratório Psicanálise e Socieda<strong>de</strong>)69. Rafael Mendonça Dias - psicólogo e pesquisador do JustiçaGlobal70. Luciana Knijnik - psicóloga da Equipe Clínica do Grupo TorturaNunca Mais/RJ71. Carl<strong>os</strong> Weis – Defensor Público (SP), Coor<strong>de</strong>nador Nacionalda Comissão <strong>de</strong> Execução Penal do <strong>Conselho</strong> <strong>de</strong> Defensores Públic<strong>os</strong>Gerais d<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> e Presi<strong>de</strong>nte do <strong>Conselho</strong> da Comunida<strong>de</strong> daComarca <strong>de</strong> São Paulo.72. Renata Bessa - <strong>de</strong>fensora pública73. Ana Sílvia F. Vasconcel<strong>os</strong> - Assistente Social da SEAP cedidaa SEASDH e Diretora do Centro <strong>de</strong> Promoção Social Abrigo do Cristo98


Re<strong>de</strong>ntor74. Marcus Vinicius <strong>de</strong> Oliveira Silva - Psicólogo e professor daUFBA /Instituto Silvia Lane - <strong>Psicologia</strong> e Compromisso Social75. Paulo Henrique Telles Fagun<strong>de</strong>s – advogado do CRP-0576. Gustavo Borchert - músico, mestrando em psicologia/UFF77. Ednéia <strong>de</strong> Oliveira Mat<strong>os</strong> Tancredo - Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong>Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> do Instituto d<strong>os</strong> Advogad<strong>os</strong> Brasileir<strong>os</strong>78. Ana Maria <strong>de</strong> Carvalho Bezerra – psicóloga(CRP 02/2637) -Professora <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Jurídica na Faculda<strong>de</strong> Integrada do Recife(FIR), Professora <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Aplicada ao Direito na Faculda<strong>de</strong>Marista do Recife, Professora <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Aplicada ao Direito Penal<strong>no</strong> Curso <strong>de</strong> Pós Graduação em Intervenção Psic<strong>os</strong>social Jurídica daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Humanas <strong>de</strong> Olinda (FACHO)79. R<strong>os</strong>angela <strong>de</strong> Castro e Abreu - Psicóloga do DEGASE eProfessora da USU80. João Ricardo Wan<strong>de</strong>rley Dornelles - Coor<strong>de</strong>nador do Núcleo <strong>de</strong>Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong> da PUC-Rio81. Queiti Batista Moreira Oliveira - Psicóloga, Professora <strong>de</strong><strong>Psicologia</strong> Aplicada ao Direito da UNESA, Pesquisadora Colaboradorado CLAVES/ENSP/FIOCRUZ.82. Fernanda Men<strong>de</strong>s Lages Ribeiro - psicóloga, colaboradora daComissão <strong>de</strong> Orientação e Ética do CRP05 e pesquisadora colaboradorado Centro Lati<strong>no</strong> America<strong>no</strong> <strong>de</strong> Estud<strong>os</strong> <strong>de</strong> Violência e Saú<strong>de</strong> JorgeCareli - CLAVES/FIOCRUZ.83. Iara Maria Ilgenfritz da Silva – advogada, criminalista,pesquisadora autô<strong>no</strong>ma. RJ84. Carl<strong>os</strong> Alberto Ribeiro C<strong>os</strong>ta - doutorando do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ e supervisor da equipe <strong>de</strong>estagiári<strong>os</strong> do H<strong>os</strong>pital <strong>de</strong> Custódia e Tratamento Psiquiátrico HeitorCarrilho.85. Flávio Guilhon - Psicólogo, Especializando na <strong>Psicologia</strong> Juridicada UERJ86. Wilma Fernan<strong>de</strong>s Mascarenhas- Psicóloga Secretaria Municipal<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - SMS/RJ87. Carla Silva Barb<strong>os</strong>a, - psicóloga, intervenção da Casa <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>Dr. Eiras em Paracambi, Residências Terapêuticas <strong>de</strong> Paracambi,99


colaboradora do CRPRJ.88. Júlia Nogueira Dorigo - Psicóloga Mestranda em psicologiasocial UFMG89. Nelio Zuccaro - Gerência <strong>de</strong> DST-AIDS da SESDEC-RJ90. Maria Gorete Antonia Men<strong>de</strong>s - Psicóloga CRP-MG, Membro doLab Trab - Laboratório <strong>de</strong> Pesquisa, Ensi<strong>no</strong> e Extensão em <strong>Psicologia</strong>do Trabalho da UFMG Professora <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Jurídica da Faculda<strong>de</strong><strong>de</strong> Divinópolis.91. Luiz Roberto Rezen<strong>de</strong> Martins - Professor <strong>de</strong> Direito da PUCMinas92. Edimar Fernando Mendonça <strong>de</strong> Souza - Juiz titular da 8ª Varada Fazenda Pública e Professor <strong>de</strong> Direito das Execuções Criminais daEscola Superior da Magistratura do Estado do Maranhão.93. Prof Dra Angela Maria Pires Caniato - Universida<strong>de</strong> Estadual<strong>de</strong> Maringá94. Carla Boy <strong>de</strong> Siqueira - Psicóloga - Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Riodas OstrasCARTA - MANIFESTO CONTRA O EXAME CRIMINOLÓGICOA Lei <strong>de</strong> Execução Penal (lei 7210, <strong>de</strong> 11.07.1984) instituiu ochamado “tratamento penitenciário” pessoas con<strong>de</strong>nadas à penaprivativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Para tal, o con<strong>de</strong>nado <strong>de</strong>verá ser submetidoao exame crimi<strong>no</strong>lógico realizado por uma Comissão Técnica <strong>de</strong>Classificação constituída por psicólog<strong>os</strong>, assistentes sociais e psiquiatrasque trabalham <strong>no</strong> sistema prisional d<strong>os</strong> diferentes estad<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>.Estes profissionais <strong>de</strong>verão produzir um diagnóstico com vistas ao“pla<strong>no</strong> individualizado <strong>de</strong> tratamento”. A mesma lei também instituiuum sistema <strong>de</strong> direit<strong>os</strong> e <strong>de</strong>veres d<strong>os</strong> pres<strong>os</strong>, sanções e recompensasque regulamentam a aplicação da disciplina e as assistências a que <strong>os</strong>mesm<strong>os</strong> fazem jus (assistência material, à saú<strong>de</strong>, jurídica, educacional,social e religi<strong>os</strong>a). Portanto, o chamado “tratamento penitenciário”visa alteração <strong>de</strong> condutas das pessoas presas por meio do regimeprogressivo da pena (passagem do regime fechado para o semi-abertoe <strong>de</strong>ste para o regime aberto) e da disciplina penitenciária. O examecrimi<strong>no</strong>lógico <strong>de</strong>verá servir então para “auferir” a personalida<strong>de</strong> da100


pessoa presa por ocasião da progressão <strong>de</strong> regime e do livramentocondicional, na expectativa <strong>de</strong> que se p<strong>os</strong>sa presumir que a mesmanão voltará a <strong>de</strong>linqüir, ou seja, prever uma sup<strong>os</strong>ta “adaptabilida<strong>de</strong>social” e a conseqüente redução da reincidência criminal.Ora, sabem<strong>os</strong> há muito tempo que a política penitenciária que searrasta pel<strong>os</strong> sécul<strong>os</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a criação da prisão tem sido marcadamentevioladora d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong>, apesar das legislações nacionais einternacionais. Entre elas, estão a própria Lei <strong>de</strong> Execução Penal e asRegras Mínimas para Tratamento do preso <strong>no</strong> Brasil, <strong>de</strong> 11/11/1994que <strong>de</strong>termina, em seus text<strong>os</strong>, a garantia d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> constitucionais.O exame crimi<strong>no</strong>lógico, ao longo d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> tem se m<strong>os</strong>trado maisum instrumento <strong>de</strong> controle do que <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>,na medida em que sua origem está fundamentada na crença <strong>de</strong> queexiste uma essência crimin<strong>os</strong>a n<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>, <strong>de</strong>svinculada <strong>de</strong> seuscontext<strong>os</strong> sócio, histórico, político e cultural. Na socieda<strong>de</strong> em quevivem<strong>os</strong>, cada vez mais exclu<strong>de</strong>nte, não há como responsabilizarapenas o indivíduo pelo <strong>de</strong>lito cometido, quando sabem<strong>os</strong> que amaioria da população carcerária é constituída <strong>de</strong> pessoas das camadasmais pobres da população, jovens, <strong>de</strong> baixa escolarida<strong>de</strong> que tentamsobreviver d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> que são p<strong>os</strong>síveis. Não se trata <strong>de</strong> questionarapenas o peque<strong>no</strong> número <strong>de</strong> profissionais em todo o Brasil pararealizar o exame crimi<strong>no</strong>lógico, ou a sua eficácia, pois na verda<strong>de</strong>, nãoacreditam<strong>os</strong> que tal exame p<strong>os</strong>sa prever e garantir comportament<strong>os</strong>,assim como qualquer outro instrumento das ciências humanas, pormais investid<strong>os</strong> que estejam <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong>. O exame crimi<strong>no</strong>lógicotem servido apenas a um ritual não só burocrático, mas principalmenteestigmatizador e classificatório <strong>no</strong> qual se baseia o Judiciário para<strong>de</strong>cidir sobre a vida (ou morte) das pessoas. Nessa medida, tornaseum instrumento violador da intimida<strong>de</strong>, da imagem, da pessoa,restringindo a análise do conflito a questões <strong>de</strong> natureza individual nãocomo próprio da dinâmica social, em sua condição histórica, econômica,cultural e política. Outr<strong>os</strong>sim, é sabido que questões <strong>de</strong> classe ebiotipo físico alimentam o imaginário social e contagiam o processo <strong>de</strong>ingresso <strong>no</strong> sistema penal, seja pela discricionarieda<strong>de</strong> d<strong>os</strong> que operama lei, seja pelas próprias condições objetivas <strong>de</strong> trânsito social <strong>de</strong>ssaspopulações. Nesse sentido, há um público previamente <strong>de</strong>finido e101


i<strong>de</strong>ologicamente constituído como alvo do exame crimi<strong>no</strong>lógico. Sobreo tema, há hoje uma extensa bibliografia crítica produzida nas áreasdas ciências humanas e sociais que n<strong>os</strong> apontam ser necessário seter uma relação crítica com a própria ciência, pois ela não é neutra e,historicamente, teorias e práticas têm sido construídas para garantir adominação e disseminar a adaptação passiva d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> à or<strong>de</strong>msocial sem questioná-la. Dessa forma, p<strong>os</strong>icionamo-n<strong>os</strong> contrariamenteem relação a tais práticas segregadoras que acabam por suscitar e/ouperpetuar preconceit<strong>os</strong> e exclusões nas relações sociais.Consi<strong>de</strong>ram<strong>os</strong> ainda que o exame crimi<strong>no</strong>lógico tem ocupadogran<strong>de</strong> parte do trabalho d<strong>os</strong> profissionais contribuindo para reduzirsuas p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação na área das assistências, <strong>de</strong> modo quep<strong>os</strong>sam aten<strong>de</strong>r às reais necessida<strong>de</strong>s das pessoas presas na perspectivada sua reintegração social. Sabem<strong>os</strong> que a prisão tem m<strong>os</strong>trado suafalência ao longo d<strong>os</strong> sécul<strong>os</strong>, tornando-se um disp<strong>os</strong>itivo promotor daviolência e da reincidência criminal, uma vez que o estigma da prisãomarca, <strong>de</strong> modo profundo, a vida <strong>de</strong> quem, porventura, passe por ela.“O que foi feito para excluir não po<strong>de</strong> incluir: Pelo fim da violência naspráticas <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>” (Campanha Nacional <strong>de</strong> Direit<strong>os</strong>Human<strong>os</strong> do CFP, 2006).Anexo 2:RESOLUÇÃO CFP 012/2011Regulamenta a atuação da(o) psicóloga(o) <strong>no</strong> âmbito do sistemaprisionalO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, <strong>no</strong> uso <strong>de</strong> suasatribuições legais e regimentais, que lhe são conferidas pela Lei n°5.766, <strong>de</strong> 20/12/1971;CONSIDERANDO o disp<strong>os</strong>to <strong>no</strong> Art. 6º, letra “c”, da Lei n° 5.766 <strong>de</strong>20/12/1971, e o Art. 6º, inciso V, do Decreto n° 79.822 <strong>de</strong> 17/6/1977;CONSIDERANDO que a Constituição <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong>, em seu Art. 196,102


em como <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> e diretrizes preconizad<strong>os</strong> pelo <strong>Sistema</strong> Único<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS), <strong>de</strong>finem que a saú<strong>de</strong> é direito <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> e <strong>de</strong>ver doEstado;CONSIDERANDO as Regras Mínimas para Tratamento doPreso <strong>no</strong> Brasil (Resolução nº 14 <strong>de</strong> 11/11/1994), resultante darecomendação do Comitê Permanente <strong>de</strong> Prevenção do Crime e JustiçaPenal da ONU, que estabelece em seu Art. 15 a assistência psicológicacomo direito da pessoa presa;CONSIDERANDO as “Diretrizes para Atuação e Formação d<strong>os</strong>Psicólog<strong>os</strong> do <strong>Sistema</strong> <strong>Prisional</strong> Brasileiro”, elaboradas pelo Ministérioda Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o <strong>Conselho</strong><strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> (CFP);CONSIDERANDO que as questões relativas ao encarceramento<strong>de</strong>vem ser compreendidas em sua complexida<strong>de</strong> e como um processoque engendra a marginalização e a exclusão social;CONSIDERANDO que a <strong>Psicologia</strong>, como Ciência e Profissão,p<strong>os</strong>iciona-se pelo compromisso social da categoria em relação àsprop<strong>os</strong>ições alternativas à pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, além <strong>de</strong>fortalecer a luta pela garantia <strong>de</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> nas instituições emque há privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>;CONSIDERANDO que as(<strong>os</strong>) psicólogas(<strong>os</strong>) atuarão segundo<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> do seu Código <strong>de</strong> Ética Profissional, <strong>no</strong>tadamente aquelesque se fundamentam <strong>no</strong> respeito e na promoção da liberda<strong>de</strong>, dadignida<strong>de</strong>, da igualda<strong>de</strong> e da integrida<strong>de</strong> do ser huma<strong>no</strong>, conforme aDeclaração Universal d<strong>os</strong> Direit<strong>os</strong> Human<strong>os</strong>;CONSIDERANDO o processo <strong>de</strong> profícua interlocução com acategoria, as teses aprovadas <strong>no</strong> IV, V, VI e VII Congresso Nacional<strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> (CNP), relativas ao sistema prisional, com o objetivo <strong>de</strong>regulamentar a prática profissional da(o) psicóloga(o) <strong>no</strong> âmbito d<strong>os</strong>istema prisional;CONSIDERANDO <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>sta Diretoria, ad referendum doPlenário do <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, em reunião realizada <strong>no</strong>dia 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2011.103


RESOLVE:Art. 1º. Em todas as práticas <strong>no</strong> âmbito do sistema prisional,a(o) psicóloga(o) <strong>de</strong>verá respeitar e promover:a) Os direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> d<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> em privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,atuando em âmbito institucional e interdisciplinar;b) Os process<strong>os</strong> <strong>de</strong> construção da cidadania, em contrap<strong>os</strong>içãoà cultura <strong>de</strong> primazia da segurança, <strong>de</strong> vingança social e <strong>de</strong>disciplinarização do indivíduo;c) A <strong>de</strong>sconstrução do conceito <strong>de</strong> que o crime está relacionadounicamente à patologia ou à história individual, enfatizando <strong>os</strong>disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> sociais que promovem o processo <strong>de</strong> criminalização;d) A construção <strong>de</strong> estratégias que visem ao fortalecimento d<strong>os</strong>laç<strong>os</strong> sociais e uma participação maior d<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> por meio <strong>de</strong> projet<strong>os</strong>interdisciplinares que tenham por objetivo o resgate da cidadania e ainserção na socieda<strong>de</strong> extramur<strong>os</strong>.Art. 2º. Em relação à atuação com a população em privação <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong> ou em medida <strong>de</strong> segurança, a(o) psicóloga(o) <strong>de</strong>verá:a) Compreen<strong>de</strong>r <strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> na sua totalida<strong>de</strong> histórica, social,cultural, humana e emocional;b) Promover práticas que potencializem a vida em liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>modo a construir e fortalecer disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> que estimulem a auto<strong>no</strong>miae a expressão da individualida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> envolvid<strong>os</strong> <strong>no</strong> atendimento;c) Construir disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> <strong>de</strong> superação das lógicas maniqueístasque atuam na instituição e na socieda<strong>de</strong>, principalmente com relaçãoa projet<strong>os</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e reintegração social;d) Atuar na promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, a partir d<strong>os</strong> pressup<strong>os</strong>t<strong>os</strong>antimanicomiais, tendo como referência fundamental a Lei da ReformaPsiquiátrica, Lei n° 10.216/2001, visando a favorecer a criação ou ofortalecimento d<strong>os</strong> laç<strong>os</strong> sociais e comunitári<strong>os</strong> e a atenção integral;e) Desenvolver e participar da construção <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s n<strong>os</strong> serviç<strong>os</strong>públic<strong>os</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>/saú<strong>de</strong> mental para as pessoas em cumprimento <strong>de</strong>pena (privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e restritiva <strong>de</strong> direit<strong>os</strong>), bem como <strong>de</strong>medidas <strong>de</strong> segurança;f) Ter auto<strong>no</strong>mia teórica, técnica e metodológica, <strong>de</strong> acordo com<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> ético-polític<strong>os</strong> que <strong>no</strong>rteiam a profissão.Parágrafo Único: É vedado à(ao) psicóloga(o) participar <strong>de</strong>procediment<strong>os</strong> que envolvam as práticas <strong>de</strong> caráter punitivo e104


disciplinar, <strong>no</strong>tadamente <strong>os</strong> <strong>de</strong> apuração <strong>de</strong> faltas disciplinares.Art. 3º. Em relação à atuação como gestor, a(o) psicóloga(o)<strong>de</strong>verá:a) Consi<strong>de</strong>rar as políticas públicas, principalmente <strong>no</strong> tocante àsaú<strong>de</strong> integral, à assistência social e a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> human<strong>os</strong> <strong>no</strong> âmbitodo sistema prisional, nas prop<strong>os</strong>tas e projet<strong>os</strong> a ser implementad<strong>os</strong> <strong>no</strong>contexto prisional;b) Contribuir na elaboração e prop<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> <strong>de</strong> atuaçãoque combatam a culpabilização do indivíduo, a exclusão social emecanism<strong>os</strong> coercitiv<strong>os</strong> e punitiv<strong>os</strong>;c) Promover ações que facilitem as relações <strong>de</strong> articulaçãointerpessoal, intersetorial e interinstitucional;d) Consi<strong>de</strong>rar que as atribuições administrativas do cargo ocupadona gestão não se sobrepõem às <strong>de</strong>terminações contidas <strong>no</strong> Código <strong>de</strong>Ética Profissional e nas resoluções do <strong>Conselho</strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>.Art. 4º. Em relação à elaboração <strong>de</strong> document<strong>os</strong> escrit<strong>os</strong> parasubsidiar a <strong>de</strong>cisão judicial na execução das penas e das medidas <strong>de</strong>segurança:a) A produção <strong>de</strong> document<strong>os</strong> escrit<strong>os</strong> com a finalida<strong>de</strong> exp<strong>os</strong>ta<strong>no</strong> caput <strong>de</strong>ste artigo não po<strong>de</strong>rá ser realizada pela(o) psicóloga(o)que atua como profissional <strong>de</strong> referência para o acompanhamentoda pessoa em cumprimento da pena ou medida <strong>de</strong> segurança, emquaisquer modalida<strong>de</strong>s como atenção psic<strong>os</strong>social, atenção à saú<strong>de</strong>integral, projet<strong>os</strong> <strong>de</strong> reintegração social, entre outr<strong>os</strong>.b) A partir da <strong>de</strong>cisão judicial fundamentada que <strong>de</strong>terminaa elaboração do exame crimi<strong>no</strong>lógico ou outr<strong>os</strong> document<strong>os</strong> escrit<strong>os</strong>com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instruir processo <strong>de</strong> execução penal, excetuadasas situações previstas na alínea ‘a’, caberá à(ao) psicóloga(o) somenterealizar a perícia psicológica, a partir d<strong>os</strong> quesit<strong>os</strong> elaborad<strong>os</strong> pelo<strong>de</strong>mandante e <strong>de</strong>ntro d<strong>os</strong> parâmetr<strong>os</strong> técnico-científic<strong>os</strong> e étic<strong>os</strong> daprofissão.§ 1º. Na perícia psicológica realizada <strong>no</strong> contexto da execuçãopenal ficam vedadas a elaboração <strong>de</strong> prognóstico crimi<strong>no</strong>lógico <strong>de</strong>reincidência, a aferição <strong>de</strong> pericul<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> e o estabelecimento <strong>de</strong> nexocausal a partir do binômio <strong>de</strong>lito-<strong>de</strong>linqüente.§ 2º. Cabe à(ao) psicóloga(o) que atuará como perita(o) respeitar o105


direito ao contraditório da pessoa em cumprimento <strong>de</strong> pena ou medida<strong>de</strong> segurança.Art. 5º. Na atuação com outr<strong>os</strong> segment<strong>os</strong> ou áreas, a(o)psicóloga(o) <strong>de</strong>verá:a) Visar à reconstrução <strong>de</strong> laç<strong>os</strong> comunitári<strong>os</strong>, sociais e familiares<strong>no</strong> atendimento a egress<strong>os</strong> e familiares daqueles que ainda estão emprivação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>;b) Atentar para <strong>os</strong> limites que se impõem à realização <strong>de</strong>atendiment<strong>os</strong> a colegas <strong>de</strong> trabalho, sendo seu <strong>de</strong>ver apontara incompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> papéis ao ser convocado a assumir talresponsabilida<strong>de</strong>.Art. 6º. Toda e qualquer ativida<strong>de</strong> psicológica <strong>no</strong> âmbito d<strong>os</strong>istema prisional <strong>de</strong>verá seguir <strong>os</strong> itens <strong>de</strong>terminad<strong>os</strong> nesta resolução.Parágrafo Único – A não observância da presente <strong>no</strong>rmaconstitui falta ético-disciplinar, passível <strong>de</strong> capitulação n<strong>os</strong> disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong>referentes ao exercício profissional do Código <strong>de</strong> Ética Profissional doPsicólogo, sem prejuízo <strong>de</strong> outr<strong>os</strong> que p<strong>os</strong>sam ser arguid<strong>os</strong>.2011.Art. 7º. Esta resolução entrará em vigor <strong>no</strong> dia 2 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong>Art. 8º. Revogam-se as disp<strong>os</strong>ições em contrário, em especiala Resolução CFP nº 009/2010.Brasília, 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2011.HUMBERTO VERONAPresi<strong>de</strong>nte106


Anexo 3107


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