12.07.2015 Views

A poética da fluidez em Michèle Roberts - UNESP-Assis

A poética da fluidez em Michèle Roberts - UNESP-Assis

A poética da fluidez em Michèle Roberts - UNESP-Assis

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Polliana Cristina de OliveiraAs primeiras três obras de Michèle, A piece of the night (1978), TheVisitation (1983) e The Wild Girl (1984) interrogam as noções estabeleci<strong>da</strong>s dehistória e de identi<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong> estratégia não convencional dobildungsroman 1 . Tratam-se de narrativas desconfortáveis <strong>em</strong> sua configuração,ressignificando o confinamento estrutural do romance, lugar que aspersonagens f<strong>em</strong>ininas tradicionalmente foram insculpi<strong>da</strong>s como esposas,filhas, freiras e prostitutas pela narrativa patriarcal. The Book of Mrs. Noah(1987), The red Kitchen (1990) e Daughters of the House (1992) pod<strong>em</strong> serli<strong>da</strong>s de maneira diferente, como tentativas de escapar <strong>da</strong> noção de ‘fim’ noromance e, para isso, propõ<strong>em</strong>-se reflexões para além deles. O primeiro dessestrês últimos romances citados é construído <strong>em</strong> uma intrica<strong>da</strong> tessituranarrativa, na qual as diversas vozes de Sibilas articulam-se como vozesimaginárias de mulheres silencia<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> metanarrativa 2 fun<strong>da</strong>dora ⎯ aBíblia, produzindo um efeito pluridimensional. Os trabalhos posteriores de1 A criação do termo Bildungsroman aponta tanto para o estabelecimento do romance comogênero “digno” quanto para o processo de aperfeiçoamento do indivíduo burguês nascircunstâncias peculiares do processo histórico e político <strong>da</strong> Al<strong>em</strong>anha dos últimos trinta anosdo século dezoito. O termo teria sido <strong>em</strong>pregado pela primeira vez <strong>em</strong> 1803, pelo professor defilologia clássica Karl Morgenstern, <strong>em</strong> uma conferência sobre “o espírito e as correlações deuma série de romances filosóficos” (Martini, 1961, p. 45). Mais <strong>em</strong> tarde, <strong>em</strong> conferência de1820, o mesmo Morgenstern associará o termo por ele criado ao romance de Goethe Os anosde aprendizado de Wilhelm Meister (Wilhelm Meisters Lehrjahre, 1795-1796), cunhando assim afórmula paradigmática de definição do gênero:[Tal forma de romance ] poderá ser chama<strong>da</strong> deBildungsroman, sobretudo devido a seu conteúdo, porque ela representa a formação doprotagonista <strong>em</strong> seu início e trajetória <strong>em</strong> direção a um grau determinado de perfectibili<strong>da</strong>de[...]. Como obra de tendência mais geral e mais abrangente <strong>da</strong> bela formação do hom<strong>em</strong>,sobressai-se [...] Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe,obra duplamentesignificativa para nós, al<strong>em</strong>ães, pois aqui o poeta nos oferece, no protagonista e nas cenas epaisagens, vi<strong>da</strong> al<strong>em</strong>ã, maneira de pensar al<strong>em</strong>ã, assim como costumes de nossa época.(Morgenstern, 1988, p. 64-66).2 Na filosofia e na teoria <strong>da</strong> cultura, uma metanarrativa assume o sentido de uma grandenarrativa, uma narrativa de nível superior (“meta-“ é um prefixo de orig<strong>em</strong> grega que significa“para além de”), capaz de explicar todo o conhecimento existente ou capaz de representar umaver<strong>da</strong>de absoluta sobre o universo. A Bíblia e o Alcorão são ex<strong>em</strong>plos de metanarrativasuniversalmente conheci<strong>da</strong>s. É esta crença nas totali<strong>da</strong>des e na capaci<strong>da</strong>de de umametanarrativa para congregar todo o conhecimento possível que levou Jean-François Lyotard àproposição <strong>da</strong> condição pós-moderna como uma reação à confiança nesta utopia: “considera-seque o ‘pós-moderno’ é a increduli<strong>da</strong>de <strong>em</strong> relação às metanarrativas. Esta é, s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, umefeito do progresso <strong>da</strong>s ciências, mas este progresso, por sua vez, pressupõe-na. Ao desuso dodispositivo metanarrativo de legitimação corresponde especialmente a crise <strong>da</strong> filosofiametafísica e <strong>da</strong> instituição universitária que dela dependia.” (A Condição Pós-Moderna, 2ª. ed.,trad. de Bragança de Miran<strong>da</strong>, Gradiva, Lisboa, 1989, p. 12).Miscelânea, <strong>Assis</strong>, vol.6, jun./nov.2009 197

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!