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A Relevância da Ética Judiciária no Estado Contemporâneo - Emerj

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A avi<strong>da</strong>de jurisdicional do modo que hoje se encontra organiza<strong>da</strong>e estrutura<strong>da</strong> – integrando a função de um dos Poderes <strong>da</strong> República –surge nesse contexto, ou seja, <strong>no</strong>s mais recentes tempos <strong>da</strong> pós-moderni<strong>da</strong>de,em que o projeto do <strong>Estado</strong> do bem-estar social aparece bemcompromedo, em decorrência de uma constante ameaça de desestabilizardireitos polícos, tendência de postergar o reconhecimento dedireitos sociais encartados na Lei Fun<strong>da</strong>mental e desrespeito aos direitoshuma<strong>no</strong>s e do ci<strong>da</strong>dão. Aclama<strong>da</strong> como avi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> <strong>no</strong> <strong>Estado</strong>Democráco de Direito, em República Federava, a função judiciária temcomo fun<strong>da</strong>mentos, dentre outros, <strong>no</strong> caso brasileiro, a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e a digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pessoa humana. Sua natureza é de função exerci<strong>da</strong> por um dosPoderes constuídos, sendo credora de legimi<strong>da</strong>de do povo – haja vistaa forma de invesdura dos seus membros –, vocaciona<strong>da</strong> e dirigi<strong>da</strong> aoatendimento do que lhe for requerido, não importando quem figura <strong>no</strong>polo avo ou passivo <strong>da</strong> lide ou quem é interessado <strong>no</strong> deferimento <strong>da</strong>autorização exigi<strong>da</strong> por lei. Daí a relevância <strong>da</strong> éca judiciária na contemporanei<strong>da</strong>de.3 A ÉTICA COMO CONDUTA MORAL3.1 – A Éca em GeralA éca pode ser conceitua<strong>da</strong> como o discurso sistemáco que trata<strong>da</strong> conduta moral dos indivíduos parcipavos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Via de consequênciaentende-se por éca judiciária o discurso sistemáco que cui<strong>da</strong>do comportamento moral dos magistrados <strong>no</strong> exercício <strong>da</strong> função jurisdicional,observa<strong>da</strong> do ângulo inter<strong>no</strong> e, máxime, do ângulo exter<strong>no</strong>, não sópelos jurisdicionados como também por todos os ci<strong>da</strong>dãos. A afirmação<strong>da</strong> éca judiciária assume importância por estar atrela<strong>da</strong> à prestação deserviço público de distribuir jusça e servir de fortalecimento <strong>da</strong> credibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> população <strong>no</strong> Poder Judiciário.A éca judiciária na era contemporânea resgata a éca aristotélica,a éca kanana e a éca deontológica. É aristotélica por reverenciar ajusça, traduzi<strong>da</strong> na virtude moral abrangente <strong>da</strong>s demais virtudes, comoa coragem, o equilíbrio, a ver<strong>da</strong>de e a humil<strong>da</strong>de, possibilitando o relacionamentosocial dos indivíduos. Emoldura-se como kanana por se pautarpor <strong>no</strong>rmas de cumprimento <strong>da</strong> lei moral, referentes aos deveres pessoaise sociais. Enquadra-se como deontológica porque reverencia o justo,❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙ 275


Na reverência dos valores que compõem a imparciali<strong>da</strong>de, submete-seao que lhe é ve<strong>da</strong>do pelo art. 95, parágrafo único, <strong>da</strong> ConstuiçãoFederava. Em cumprimento ao dever que lhe é imposto como garana <strong>da</strong>imparciali<strong>da</strong>de em prol dos ligantes, deve se abster de receber auxílio oucontribuição de pessoas sicas ou jurídicas de direito público ou privado(arts. 95, par. único, IV, <strong>da</strong> Constuição Federal e 135, IV, <strong>da</strong> Lei ProcessualCivil). As garanas de imparciali<strong>da</strong>de não são instuí<strong>da</strong>s para preservar arelevância <strong>da</strong> função exerci<strong>da</strong>. Elas são dirigi<strong>da</strong>s aos ci<strong>da</strong>dãos para que –estando em juízo como autores ou réus – não duvidem <strong>da</strong> isenção do juizao conduzir o processo, acreditando que ele zela pela éca.O magistrado, verbi graa, há de se afastar do processo em queinstuições financeiras – ain<strong>da</strong> que encarrega<strong>da</strong>s de depósitos judiciaisou de outras funções auxiliares <strong>da</strong> jusça, figuram como partes em deman<strong>da</strong>sjudiciais <strong>no</strong> seu juízo – promovem encontro de juízes, em fins desemana, em aprazíveis locali<strong>da</strong>des, devendo se abster do desfrute gratuitodos serviços de hotel de luxo e <strong>da</strong>s suas refeições. A observância doprincípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de objeva fazer com que o juiz não abalroe aéca <strong>no</strong> processamento e <strong>no</strong> julgamento do feito que preside, tendendoa beneficiar uma <strong>da</strong>s partes. O juiz é o agente do <strong>Estado</strong> erigido em autori<strong>da</strong>dedesigna<strong>da</strong> para funcionar como terceiro encarregado de decidir oconflito, sem interesse <strong>no</strong> direito subjevo <strong>da</strong>s partes.Para ele é irrelevante se a sua decisão vai agra<strong>da</strong>r ou desagra<strong>da</strong>rum dos ligantes. A equidistância é caracterizadora <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>função jurisdicional. Ao ci<strong>da</strong>dão que carreou para a jurisdição a questãopernente ao conflito e àquele em desfavor de quem ela se dirige interessaa solução por um magistrado que se paute pela éca. 8O princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de também se estende ao impedimentodo magistrado, quando o legislador, atento à éca, dispõe que ele devetambém se afastar do processo em to<strong>da</strong>s as situações idenfica<strong>da</strong>s <strong>no</strong>art. 134 <strong>da</strong> Lei Processual Civil. Se não o faz, compromete a éca.8 Mauro Cappelle a<strong>no</strong>ta: “o valor ‘final’, a ‘essência’ ou a ‘natureza’, por assim dizer – <strong>da</strong> função judiciária é, portanto,que a decisão seja toma<strong>da</strong> por um terceiro imparcial, terus super partes, depois que as partes tenham doa possibili<strong>da</strong>de de apresentar e defender o seu caso: possibili<strong>da</strong>de que assegura, além de tudo, o caráter eminentemente‘parcipavo’ <strong>da</strong> função judiciária e <strong>da</strong> própria jurisprudência, entendi<strong>da</strong> como fonte, embora informal, decriação e evolução do direito. E, na ver<strong>da</strong>de, justamente estas duas caracteríscas, a imparciali<strong>da</strong>de do juiz (nemojudex in causa sua) e a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s partes de fazer valer em juízo as próprias razões (audiatur et altera pars,isto que constui a ‘fairness’ do processo), consideram-se por séculos como as duas regras fun<strong>da</strong>mentais – as ‘regras<strong>da</strong> jusça natural’ ou ‘rules of natural jusce’ – do processo judiciário” (Juízes Irresponsáveis? Porto Alegre: SérgioAntonio Fabris, 1999, p. 32-33).280❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙


judiciária independente <strong>da</strong>s funções administrava e legislava, a legali<strong>da</strong>dedos atos que provém <strong>da</strong> Administração Pública – que só pode atuarem conformi<strong>da</strong>de com o corpo de leis aprova<strong>da</strong>s e edita<strong>da</strong>s – e a nãointerveniência do <strong>Estado</strong> <strong>no</strong> que for aspirado socialmente em conduta ouavi<strong>da</strong>de permi<strong>da</strong>. De outro ângulo, garante o conjunto de <strong>no</strong>rmas queestruturam a Democracia. Como diz Delamar José Volpato Dutra “sob oponto de vista <strong>no</strong>rmavo, o <strong>Estado</strong> de Direito jusfica-se por assegurar umconjunto de regras que estruturam o procedimento democráco” (Manualde Filosofia do Direito. Caxias do Sul: Educs, 2008, p. 101).A éca judiciária deve ser analisa<strong>da</strong> dos ângulos inter<strong>no</strong> e exter<strong>no</strong>.Do ângulo inter<strong>no</strong> exige-se do magistrado de primeiro grau de jurisdiçãoa observância dos valores morais e cumprimento dos deveres inerentesao seu cargo, emoldurados <strong>no</strong>s diplomas legais e regulamentaresadiante mencionados, além de lhaneza, cautela e conhecimento <strong>da</strong>s <strong>no</strong>rmasde conduta social, para que se afaste qualquer dúvi<strong>da</strong> sobre sua integri<strong>da</strong>demoral. O juiz está cercado de fiscais do seu comportamento, quese estende desde o mais simples empregado terceirizado <strong>da</strong> limpeza <strong>da</strong>sreparções judiciárias ao Chefe do seu Poder, passando pela observaçãodos que militam <strong>no</strong> foro, partes e testemunhas que o avaliam, aclamandose ele se comporta de acordo com a éca ou a conspurca.Às vezes a conduta anéca do magistrado se deve à falta de discernimento<strong>da</strong> relevância <strong>da</strong> função jurisdicional que lhe exige comportamentointeiramente diferenciado dos demais indivíduos parcipavos. Émister que ele tenha essa consciência moral para agir ecamente.O Código Civil, por exemplo, reprova o procedimento do magistradoque, desrespeitando o disposto <strong>no</strong> art. 497, III, adquire, em hasta pública,bem sobre o qual se estende sua autori<strong>da</strong>de em feito judicial. Suponha-seque – após se remover para comarca próxima onde exercia a função judicante– arremate imóvel penhorado em execução de tulo extrajudicial levado àpraça, cujo processo por ele foi iniciado. Em princípio não há nuli<strong>da</strong>de, jáque não mais exercia jurisdição <strong>no</strong> órgão julgador onde o feito tramitava.No entanto, feriu a éca, uma vez que angiu a substância <strong>da</strong> sua conduta,demonstradora de obtenção de vantagem, ao adquirir bem cujas caracterís-cas conhecia em razão do ocio judicante, possibilitando o oferecimentode um lance único que o levou a vencer a licitação, afastando a oferta deoutros licitantes. Estes, desconhecendo as caracteríscas do imóvel, se abs-veram de elevar o preço ofertado pelo magistrado arrematante.❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙ 283


Em outro exemplo, o Estatuto Civil rechaça o comportamento domagistrado que falta com seus deveres funcionais. Ao deixar de admira escusa do tutor <strong>no</strong>meado, estabelece o art. 1.739 que o juiz respondediretamente por per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong><strong>no</strong>s que o me<strong>no</strong>r suportar, numa demonstraçãode reprovação máxima do seu vilipêndio à éca judicial, de modo aexcluir a responsabili<strong>da</strong>de civil objeva do <strong>Estado</strong>, por ato do seu agentepúblico <strong>no</strong> exercício <strong>da</strong> suas funções, traça<strong>da</strong> como linha geral <strong>no</strong>s arts. 37§ 6º, <strong>da</strong> Carta Federal e 43, <strong>da</strong> Lei Civil.Do ângulo exter<strong>no</strong> exige-se do julgador o compromisso com os valorese princípios processuais, tais como o contraditório e ampla defesa eo devido processo legal, emoldurados <strong>no</strong>s art. 5º, LIV e LV, <strong>da</strong> ConstuiçãoFederal, para legimar suas decisões e invesgar se elas devem ser corrigi<strong>da</strong>spor uma instância revisora. Ain<strong>da</strong> que orientado e pautado por umamicroéca, vale dizer, uma éca <strong>da</strong>s relações interpessoais, em decorrênciado cargo que ocupa e <strong>da</strong> função que exerce, urge que o magistrado seconscienze de que ao processar e julgar ação coleva, exempli graa,quando o feito se submete a julgamento – não mais por ele, mas por umcolegiado de magistrados – sua decisão, em grau de recurso, será revistacom a presunção de que os valores e princípios écos <strong>da</strong> sua atuaçãofuncional foram observados. Daí porque sua conduta deve se <strong>no</strong>rtear peladecência e probi<strong>da</strong>de jurisdicionais ínsitas à avi<strong>da</strong>de estatal que exerce.No 2º grau de jurisdição, a éca judiciária merece abor<strong>da</strong>gem paraque se possa, tal como ocorre <strong>no</strong> primeiro grau, conhecer a necessi<strong>da</strong>dede mu<strong>da</strong>nça de paradigma.Do ângulo inter<strong>no</strong>, o magistrado deve agir com equilíbrio ao disputarfunções, tais como as de direção do tribunal, presidência de associaçõesou de órgãos administravos ou julgadores, de modo a não faltarcom a éca, muitas vezes demonstra<strong>da</strong> pelo não cumprimento dos prazospara relatar, proceder à revisão, redigir votos e ementas, pedir dia parajulgamento, colocar em mesa os processos, comparecer e parcipar <strong>da</strong>ssessões <strong>da</strong> sua turma ou câmara. Do contrário assumirá um comportamentocontrário à éca. Observe-se que essa conduta anéca não vemtrata<strong>da</strong> na Lei Orgânica <strong>da</strong> Magistratura Nacional, <strong>no</strong> Código de Éca <strong>da</strong>Magistratura, <strong>no</strong>s Códigos Judiciários Estaduais ou mesmo <strong>no</strong>s RegimentosInter<strong>no</strong>s dos Tribunais.Ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> que tange ao comportamento éco visto do ângulo inter<strong>no</strong>,o magistrado de grau mais elevado deve se abster <strong>da</strong> práca do patri-284❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙


cia que lhe outorgou o art. 103-B, § 4º, II, <strong>da</strong> Carta Federal. Com fulcro<strong>no</strong>s princípios <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> impessoali<strong>da</strong>de, versado <strong>no</strong> art. 37 domesmo diploma constucional, não hesitou em “disciplinar o exercício decargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros demagistrados e de servidores invesdos em cargos de direção e assessoramento,<strong>no</strong> âmbito dos órgãos do Poder Judiciário”. O neposmo vemsendo combado, mas ain<strong>da</strong> não chegou ao seu termo resoluvo.Ain<strong>da</strong> que dissimulado – através <strong>da</strong> indicação do seu parente paraocupar cargo em comissão ou função grafica<strong>da</strong> em gabinete de colega e,em expediente de reciproci<strong>da</strong>de, de parente deste para cargo ou função igualou equivalente <strong>no</strong> seu gabinete – o ferimento <strong>da</strong> éca judiciária persiste.Por isso que a de<strong>no</strong>mina<strong>da</strong> “invesdura cruza<strong>da</strong>” foi alvo de <strong>no</strong>vo controleadministravo, desta vez pela vez pela Suprema Corte, que não hesitou emeditar a Súmula Vinculante 13, dispondo: “a <strong>no</strong>meação de cônjuge, companheiroou parente em linha reta, colateral ou por afini<strong>da</strong>de até o terceirograu, inclusive, <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de <strong>no</strong>meante ou de servidor <strong>da</strong> mesma pessoajurídica invesdo em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para oexercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ain<strong>da</strong>, de função grafica<strong>da</strong>na administração pública dos Poderes <strong>da</strong> União, dos <strong>Estado</strong>s, do DistritoFederal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designaçõesrecíprocas, viola a Constuição Federal”.A práca anéca do critério <strong>da</strong> pessoali<strong>da</strong>de connua se, por acaso,o magistrado indica para ser <strong>no</strong>meado em seu gabinete parente emquarto grau, como, exempli graa, um primo ou um sobrinho-neto, queobtém a investidura. A <strong>no</strong>meação não é ve<strong>da</strong><strong>da</strong> pelas <strong>no</strong>rmas legaise regulamentares, nem pela precita<strong>da</strong> Súmula Vinculante. Pode parecerque o comportamento não fere a éca. Ao reverso, se quem ele indicoue foi <strong>no</strong>meado é parente, mormente quando pouco ou na<strong>da</strong> entende dosserviços judiciários, infere-se um neposmo arrefecido.Dentro <strong>da</strong>s condutas anécas menciona<strong>da</strong>s pode ser incluí<strong>da</strong>,ain<strong>da</strong>, a contratação de pessoas indica<strong>da</strong>s – em regra vincula<strong>da</strong>s por laçosde amizade ou de parentesco com o magistrado gestor ou não ocupantede cargo de direção – para admissão em emprego de firmas que prestamserviços <strong>no</strong>s tribunais. São os chamados terceirizados, que muitas vezespermanecem <strong>no</strong> serviço público <strong>no</strong> regime celesta, por longos períodos,já que não há ve<strong>da</strong>ção para a re<strong>no</strong>vação do contrato ou <strong>da</strong> transferênciados beneficiados para a empresa que vence a concorrência para prestar286❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙


serviços nas Cortes de Jusça. Essa práca não é expressamente ve<strong>da</strong><strong>da</strong>,como se vê do art. 3º, <strong>da</strong> Resolução nº 07/05 do Conselho Nacional deJusça que proscreve, apenas, a contratação e a manutenção de contratode prestação de serviço com empresa que tenha, entre seus empregados,parente do magistrado ocupante ou não de cargo de direção <strong>no</strong> tribunal,o que permite – para quem quer se comportar aecamente – influenciara pessoa jurídica a contratá-lo posteriormente.Do exame <strong>da</strong>s <strong>no</strong>rmas legais e regulamentares que tratam <strong>da</strong> écajudiciária vê-se que elas mais se dirigem aos juízes mo<strong>no</strong>crácos, isto é,do primeiro grau, do que aos magistrados <strong>da</strong>s instâncias recursais. A LeiOrgânica <strong>da</strong> Magistratura Nacional nunca se preocupou com o patrimonialismoou com o neposmo, prácas anécas que – embora tenhamsido bastante reduzi<strong>da</strong>s – ain<strong>da</strong> são encontra<strong>da</strong>s <strong>no</strong>s tribunais, me<strong>no</strong>sprezandovalores e i<strong>no</strong>bservando princípios que acarretam a redução <strong>da</strong>confiança <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de na autori<strong>da</strong>de moral do Poder Judiciário. O jurisdicionadonão pode connuar a assisr essas prácas, pois sua confiançaé dirigi<strong>da</strong> a uma avi<strong>da</strong>de jurisdicional integra<strong>da</strong> por magistrados que devemrespeitar os princípios <strong>da</strong> impessoali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de. 11Ao magistrado <strong>da</strong> instância revisora se exige mais. Não se está diantede uma microéca <strong>da</strong> instância originária. Ao parcipar, v. g., de julgamentode representação de inconstucionali<strong>da</strong>de de lei municipal, deman<strong>da</strong>do de segurança colevo, de ação rescisória de sentença proferi<strong>da</strong>em ação fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em pretensão de interesse difuso, de uniformização dejurisprudência, de elaboração de súmula <strong>da</strong> jurisprudência predominante,em colegiado judicante, com elevado número de membros, como oÓrgão Especial do Tribunal de Jusça do <strong>Estado</strong> do Rio de Janeiro, há umadimensão pública maior <strong>da</strong> sua conduta, que, reuni<strong>da</strong> com as dos demaisjulgadores, muito se aproxima <strong>da</strong> macroéca, malgrado inexistam <strong>no</strong> processojudicial as macroestruturas que dão origem às decisões colevas.Do ponto de vista exter<strong>no</strong>, exige-se mais do magistrado do 2º graude jurisdição. Ao proceder ao julgamento dos feitos em que é relator,11 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao tratar <strong>da</strong> ‘Éca na administração pública’ registra: “morali<strong>da</strong>de tem sidoca<strong>da</strong> vez mais cobra<strong>da</strong> dos parlamentares, dos juízes e dos administradores, na medi<strong>da</strong> em que aumentam as decepçõespopulares com a conduta de seus dirigentes. O descrédito dos polícos, como não poderia deixar de ocorrer,se tem comunicado às próprias instuições, abalando-as profun<strong>da</strong>mente <strong>no</strong>s seus alicerces, tantas vezes tãolaboriosos plantados pelos povos. Em <strong>no</strong>sso País, essa crise é grande e necessita ser supera<strong>da</strong>, até como condiçãopara a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> governabili<strong>da</strong>de e do desenvolvimento. A preocupação com a morali<strong>da</strong>de é reclamo público,presente <strong>no</strong> povo, <strong>no</strong>s meios de comunicação e, é de se esperar, com frufera repercussão na consciência e na açãodos homens públicos e dos profissionais do direito” (Mutações do Direito Administravo. Rio de Janeiro: Re<strong>no</strong>var,3. ed., 2007, p. 51).❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙ 287


evisor ou vogal, o julgador deve se pautar pela éca do discurso, máximequando se trata de representação de inconstucionali<strong>da</strong>de de lei ou ato<strong>no</strong>rmavo. No julgamento <strong>da</strong> declaração de inconstucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> leique é palco do ataque judicial, por colidir com <strong>no</strong>rmas e princípios <strong>da</strong>Constuição, o magistrado votante ou falante, <strong>no</strong> linguajar habermasia<strong>no</strong>,deve assumir comportamento éco de tal forma que – admindo a sustentaçãodos demais votantes e ouvindo entendimentos contrários ao seu– não ulize argumentos estranhos à éca discursiva, na ávi<strong>da</strong> tentavade fazer prevalecer seu ponto de vista ou o seu convencimento. 12Nos julgamentos colegiados os debates são intensos e muitas vezescalorosos, máxime quando envolvem questões de grande repercussãonacional ou local. Os discursos apresentam pretensões de vali<strong>da</strong>de lógicosemâncase pragmácas. Quando na sessão do tribunal o magistradorelator apresenta o seu voto, fun<strong>da</strong>do <strong>no</strong> seu convencimento, e o revisorou o vogal diverge, deve este tratar aquele com simetria, digni<strong>da</strong>de erespeito. As argumentações devem surgir como procedimentos de entendimentosmútuos. 134 A REGULAMENTAÇÃO DA ÉTICA JUDICIÁRIAO exercício <strong>da</strong> avi<strong>da</strong>de judiciária requer sejam assegura<strong>da</strong>s garan-as de independência do magistrado, em decorrência do cargo vitalícioque ocupa. Se assim não fosse, quando contrariasse interesses maiores– <strong>no</strong>ta<strong>da</strong>mente dos demais Poderes – seria destuído, removido do seulugar ou teria seus vencimentos reduzidos. Além disso, para que se dediqueinteiramente à função judicante são assegura<strong>da</strong>s garanas de imparciali<strong>da</strong>deque impõem ao magistrado as proibições elenca<strong>da</strong>s <strong>no</strong> art. 95,parágrafo único, <strong>da</strong> Constuição Federal. Ao ser empossado <strong>no</strong> primeiroou <strong>no</strong> segundo grau de jurisdição presta compromisso de cumprir a Cons-tuição e as leis vigentes <strong>no</strong> País e os deveres inerentes ao seu cargo.Seus deveres estão elencados na Constuição Federal, na Lei Orgânica <strong>da</strong>12 Luiz Guilherme Mari<strong>no</strong>ni, com lastro em preleção de Robert Alexy, ao tratar dos ‘Direitos fun<strong>da</strong>mentais e democracia-Oproblema do controle do juiz sobre a decisão <strong>da</strong> maioria’, afirma que: “o controle judicial de constucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s leis se jusfica quando os juizes demonstram publicamente que seus julgamentos estão amparados emargumentos que são reconhecidos como bons argumentos, ou, ao me<strong>no</strong>s, como argumentos plausíveis, por to<strong>da</strong>saquelas pessoas racionais que aceitam a Constuição” (Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,3. ed., 2008, p. 92).13 Jürgen Habermas leciona que “a parr de pontos de vista procedurais, as argumentações aparecem, em segui<strong>da</strong>,como processos de entendimento mútuo que são regulados de tal maneira que proponentes e oponentespossam, numa atude hipotéca e liberados <strong>da</strong> pressão <strong>da</strong> ação e <strong>da</strong> experiência, examinar as pretensões de validezque se tornaram problemácas” (Consciência Moral e Agir Comunicavo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,2. ed., 2003, p. 110).288❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙


Magistratura Nacional, <strong>no</strong> Código de Éca <strong>da</strong> Magistratura e <strong>no</strong>s CódigosJudiciários Estaduais.A Lei Orgânica <strong>da</strong> Magistratura Nacional <strong>da</strong>ta de 14/03/79. Commais de trinta a<strong>no</strong>s de vigência e composta por 147 argos, está desatualiza<strong>da</strong>,uma vez que mulfários disposivos legais foram revogados pelaConstuição Federal de 1988 e Emen<strong>da</strong>s Constucionais posteriores. OTítulo III, que se divide em três Capítulos, versa sobre a Disciplina Judiciária,dedicando não mais do que cinco precepvos à éca judiciária. O CapituloI trata dos deveres do magistrado (arts. 35 a 39); o Capítulo II cui<strong>da</strong><strong>da</strong>s penali<strong>da</strong>des que a ele podem ser impostas (arts. 40 a 48) e o CapítuloIII versa sobre sua responsabili<strong>da</strong>de (art. 49). Da sua leitura se constata aobsolescência do trintenário diploma legal, por se apresentar como umconjunto de <strong>no</strong>rmas que pouco versam sobre o comportamento écodos magistrados. Aliás, sua edição coincide com o a<strong>no</strong> em que a expressão“pós-moderni<strong>da</strong>de” foi populariza<strong>da</strong> por Jean-François Lyotard. A MagistraturaNacional carece de um <strong>no</strong>vo Estatuto.O Código de Éca <strong>da</strong> Magistratura, editado em 18/09/08 pelo ConselhoNacional de Jusça, dentro <strong>da</strong>s atribuições que lhe foram conferi<strong>da</strong>spelos arts. 103-B § 4º, I e II, <strong>da</strong> Carta Federal e 60 <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> MagistraturaNacional, se traduz num diploma regulamentar, composto de 42argos, que exterioriza os princípios <strong>no</strong>rteadores <strong>da</strong> função jurisdicional:independência, imparciali<strong>da</strong>de, conhecimento e capacitação, cortesia,transparência, segredo profissional, prudência, diligência, integri<strong>da</strong>de profissionale pessoal, digni<strong>da</strong>de, honra e decoro. O Regulamento <strong>da</strong> Éca Judiciáriaestá supe<strong>da</strong>neado <strong>no</strong>s deveres do magistrado, conforme dispõemos arts. 35, VIII e 56, II, <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Magistratura Nacional: pautar-sepor um comportamento compavel com a digni<strong>da</strong>de, a honra e o decoro desuas funções e manter conduta irrepreensível na vi<strong>da</strong> pública e parcular.Dito Regulamento tem força de lei, haja vista ter sido expedido naesteira <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constucional nº 45/04, vinculando todos os magistrados<strong>da</strong> Federação a obedecer aos princípios que perfilhou. Contudo,cogita-se de um conjunto de regras de recomen<strong>da</strong>ção, quanto ao seuproceder <strong>no</strong> desempenho <strong>da</strong> avi<strong>da</strong>de estatal, destuí<strong>da</strong>s de preceitosque façam com que eles absorvam a consciência de uma postura écaconsentânea com as exigências dos ci<strong>da</strong>dãos.De outra parte, abstraído o campo punivo-disciplinar, é recomendávelque um Código de Éca faça previsão de sanções administravaspara o caso <strong>da</strong> conduta anéca acarretar consequências advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙ 289


violação dos preceitos, como, por exemplo, reparar o prejuízo causado aoErário, ou à parte ligante ou ao interessado, quando retar<strong>da</strong>r ato de ocioou, ain<strong>da</strong>, o reconhecimento público do procedimento anéco, comdivulgação de reparação voluntária do que foi reprovado pela socie<strong>da</strong>deou pelo seu tribunal, sem prejuízo de outras sanções meramente administravas.A persisr o que hoje se tem, pouco adianta anunciar regras deconduta éca sem que possa contar, como foi dito, com um instrumentocapaz de ajustá-las à reali<strong>da</strong>de do <strong>Estado</strong> contemporâneo.No âmbito estadual, o Código de Organização e Divisão Judiciárias do<strong>Estado</strong> do Rio de Janeiro – CODJERJ, editado pelo Tribunal de Jusça, através<strong>da</strong> Resolução nº 01, de 21/03/75, cui<strong>da</strong> <strong>da</strong> “éca funcional” do magistrado<strong>no</strong>s arts. 206 a 211, reproduzindo as ve<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Constuição Federal e <strong>da</strong>Lei Orgânica <strong>da</strong> Magistratura Nacional. Sua maior recomen<strong>da</strong>ção consta doart. 206: deve o magistrado manter irrepreensível procedimento na vi<strong>da</strong>pública e parcular, pugnando pelo presgio <strong>da</strong> jusça, zelando pela digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s funções e respeitando as do Ministério Público e dos advogados.Embora tenha também força de lei, uma vez que editado comfulcro em permissivo <strong>da</strong> Constituição Federal então em vigor e na Leinº 5.621/70, prestando-se a vincular todos os magistrados fluminenses,verifica-se que o Capítulo IV, do Título III do CODJERJ, que cui<strong>da</strong> dosseus direitos e deveres, traduz-se em <strong>no</strong>rmas de reprodução de dispositivos<strong>da</strong> Constituição Federal vigente à época. Não apresenta regrasde comportamento volta<strong>da</strong>s para a ética, nem de valorização dos direitosdo ci<strong>da</strong>dão em juízo.O magistrado deve obediência aos jurisdicionados do seu modo deagir. Todo aquele que atua com éca aumenta a confiança <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de naautori<strong>da</strong>de moral <strong>da</strong> avi<strong>da</strong>de judiciária. A conjugação <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong>Magistratura Nacional com o Código de Éca <strong>da</strong> Magistratura e os CódigosJudiciários Estaduais, ain<strong>da</strong> que insuficientes para vincular o magistrado aatuar com observância dos princípios <strong>da</strong> éca judiciária, se esforçam paraobter o seu perfil ideal. Louva-se a maioria que assim procede <strong>no</strong> exercício<strong>da</strong> judicatura. 14 Entrementes, quando se trata <strong>da</strong> mi<strong>no</strong>ria cujo compor-14 Diógenes Madeu, citando Aniceto Lopes Aliende, registra: “traçado o perfil do juiz, em sua conceituação ideal,como paradigma abstrato, dele exigiu Hélio Tornaghi, para a preservação <strong>da</strong> jusça, ‘o decoro nas atudes, a decêncianas ações, a serie<strong>da</strong>de na análise dos problemas, a <strong>no</strong>breza <strong>no</strong> trato, o pundo<strong>no</strong>r, a honra, a alvez, a serie<strong>da</strong>de’.(...) ‘esses atributos, que devem exornar a pessoa que assume o encargo de tornar efeva a distribuição <strong>da</strong> jusça,são quali<strong>da</strong>des morais indispensáveis, que exigem o complemento de uma sóli<strong>da</strong> e diversifica<strong>da</strong> cultura jurídica;uma experiência de vi<strong>da</strong>; uma percepção <strong>da</strong> natureza humana; uma capaci<strong>da</strong>de de raciocínio lógico, que englobeessa sul intuição que se convencio<strong>no</strong>u de<strong>no</strong>minar de senso comum’. A inteligência e o saber jurídico aliam-se nacomposição do acervo indispensável para que se tenha definivamente delinea<strong>da</strong> a figura do juiz” (Éca Geral eJurídica. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56).290❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙


tamento colide com a éca <strong>no</strong> desempenho <strong>da</strong> sua avi<strong>da</strong>de, infere-seque não há um instrumento hábil a compelir o magistrado a segui-la ou aprevenir a práca de condutas anécas, o que está a exigir mu<strong>da</strong>nça deparadigma.O projeto do <strong>no</strong>vo Estatuto <strong>da</strong> Magistratura tramita <strong>no</strong>s órgãoscompetentes. Depois que tomar corpo, for publicado e entrar em vigor,há que se editar um Código de Éca que venha a regulamentá-lo, servindode modelo para o desempenho <strong>da</strong> avi<strong>da</strong>de jurisdicional. Do contrário,a reunião de regras de conduta connuarão a decorar mais um diplomalegal e a éca judicial permanecerá como está, sendo vilipendia<strong>da</strong> poralguns poucos magistrados que não valorizam o seu cargo e a relevantefunção que exercem.5 CONCLUSÃOA função judiciária vem do poder que emana do povo, para esteestando volta<strong>da</strong>. Está à sua disposição, bastando a deflagração <strong>da</strong> pretensãoou a apresentação do requerimento para iniciar sua avi<strong>da</strong>de. A avi<strong>da</strong>deé exerci<strong>da</strong> em <strong>Estado</strong> de Direito, vale dizer, em democracia, que “é ogover<strong>no</strong> do povo para o povo e pelo povo”, como já dizia Abraham Lincoln,em 1863. O poder vem do povo que o exerce para o atendimento <strong>da</strong>s pretensõesenvolvendo direitos e interesses dos indivíduos parcipavos.Traduzindo-se em avi<strong>da</strong>de de interesse geral, desenvolvi<strong>da</strong> em RepúblicaFederava, a jurisdição se preocupa em atender, dentre outros, aoque diz respeito a dois objevos <strong>da</strong> democracia: à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e à digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pessoa humana, sem se olvi<strong>da</strong>r de se esforçar ao máximo para corrigire reparar o que não é feito a tulo de direitos fun<strong>da</strong>mentais. Como funçãode um dos Poderes <strong>da</strong> República, na conjugação dos arts. 1º, parágrafoúnico e 2º <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental com o art. 1º do Código de Processo Civil, ajurisdição é exerci<strong>da</strong> na mesma direção <strong>da</strong> avi<strong>da</strong>de administrava desempenha<strong>da</strong>pelo Poder Execuvo. A diferença reside apenas na natureza<strong>da</strong> função que ditos poderes exercem. Ao Execuvo cumpre administrar eao Judiciário solucionar conflitos.Ao prestar o serviço público, tal como o Execuvo, a função jurisdicional,reverenciando a éca judiciária <strong>no</strong> cumprimento dos seus deveres,objeva alcançar também o que está encartado <strong>no</strong> art. 3º <strong>da</strong> Lei Maior:❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙ 291


a) construir uma socie<strong>da</strong>de livre, justa e solidária; b) garanr o desenvolvimentonacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduziras desigual<strong>da</strong>des sociais e regionais; d) promover o bem de todos, sempreconceito de origem, raça, sexo, cor, i<strong>da</strong>de e quaisquer outras formasde discriminação. Esse úlmo objevo, qual seja, a promoção do bem detodos, muito se ajusta à avi<strong>da</strong>de jurisdicional, eis que se trata de funçãoexerci<strong>da</strong> por um dos Poderes <strong>da</strong> República para solucionar conflitos. A solução<strong>da</strong><strong>da</strong> à lide serve de função educava coadjuvante, uma vez que, aotomar conhecimento do resultado do processo, seus protagonistas se encarregamde divulgar o que foi decidido para os ci<strong>da</strong>dãos jurisdicionados.Os que se encontram na mesma situação ou em situação assemelha<strong>da</strong>,tomam conhecimento de que devem se comportar consoante ocomando emergente <strong>da</strong> decisão judicial. Do contrário, se persisrem <strong>no</strong>comportamento diferenciado, poderão ter seus direitos ou interesses angidos,caso deflagrem deman<strong>da</strong> ou venham a responder aos seus termos.Os demais Poderes <strong>da</strong> República, em casos iguais, também se curvam aocomando decisório, devendo modificar os entendimentos até então man-dos. Daí a relevância <strong>da</strong> éca judiciária, para que os jurisdicionadosconfiem na autori<strong>da</strong>de moral <strong>da</strong> Magistratura.A jurisdição não só decorre <strong>da</strong> estruturação do <strong>Estado</strong> como ostentamanifestação <strong>da</strong> sua soberania. Como dever se obriga a responderàs pretensões que lhe são dirigi<strong>da</strong>s, acolhendo ou rejeitando as de naturezacontenciosa e os requerimentos de índole graciosa. Através do processo,serve de instrumento de solução dos conflitos intersubjevos, controle<strong>da</strong>s condutas an-sociais e controle <strong>da</strong> constucionali<strong>da</strong>de <strong>no</strong>rmava,tudo <strong>no</strong> interesse individual, colevo ou difuso.A função jurisdicional na era contemporânea, foca<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong><strong>da</strong>niae na digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, pauta-se por uma éca diferencia<strong>da</strong>,atenta à recomen<strong>da</strong>ção constucional. Por isso tem sido invoca<strong>da</strong> parao implemento de polícas públicas, <strong>no</strong> atendimento, dentro do possível,dos direitos fun<strong>da</strong>mentais do ci<strong>da</strong>dão, na omissão do Execuvo. A éca<strong>da</strong> função judicante é bem diversa <strong>da</strong> que caracteriza as avi<strong>da</strong>des administravae legislava.A avi<strong>da</strong>de judiciária sempre esteve presente, do Ango Regime àpós-moderni<strong>da</strong>de. Na Angui<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> que se ressenndo de estrutu-292❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙


ação, mas dota<strong>da</strong> de função mediadora, era invoca<strong>da</strong> e procura<strong>da</strong> pelossúditos, na busca de solução dos seus conflitos. 15 Em Roma era um poucodiferente: o pretor atuava como representante do Poder Execuvo e doPoder Judicial. À proporção que o Império Roma<strong>no</strong> se estendia o sobera<strong>no</strong>delegava a função jurisdicional aos juízes.A divisão dos poderes idealiza<strong>da</strong> por Montesquieu proclamou aatribuição de dizer o direito ao Poder Judiciário. Porém, <strong>no</strong>s <strong>Estado</strong>s totalitáriosmoder<strong>no</strong>s as funções administrava e jurisdicional foram agluna<strong>da</strong>s,ao passo que a legislava restou esvazia<strong>da</strong>. A maioria dos <strong>Estado</strong>smoder<strong>no</strong>s se afastou do totalitarismo e a função jurisdicional recuperou oseu poder. Assim se mantém até o advento <strong>da</strong> pós-moderni<strong>da</strong>de, onde o<strong>Estado</strong> de Direito está presente.A jurisdição na era contemporânea é diferente. Tendo o indivíduodeixado a hetero<strong>no</strong>mia, com aquisição de esclarecimento, o <strong>Estado</strong> pósmoder<strong>no</strong>encartou em sua legislação a facili<strong>da</strong>de de acesso à sua avi<strong>da</strong>de,sendo garando não só o ingresso em juízo como também o cumprimento<strong>da</strong> decisão. A Constuição <strong>da</strong> Espanha garante ao ci<strong>da</strong>dão não sóo acesso à jurisdição como também à tutela judicial efeva (art. 24). Noâmbito inter<strong>no</strong>, a Constuição <strong>da</strong> República erigiu o acesso à jurisdiçãoem garana fun<strong>da</strong>mental, ampliando o conteúdo dos preceitos constantes<strong>da</strong>s Constuições anteriores, insculpindo <strong>no</strong> art. 5º, XXXV: “a lei nãoexcluirá <strong>da</strong> apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.O acesso à jurisdição restou facilitado por haver a ConstituiçãoFederal posto diversos órgãos do Poder Judiciário à disposição do ci<strong>da</strong>dão,de acordo com o rol do art. 92. Chama<strong>da</strong> a funcionar, a avi<strong>da</strong>de judiciárianão pode se furtar ao dever de prestar a tutela jurisdicional, o que sedeve ao fato de ter como o mais importante dos objevos: a distribuiçãode jusça. O cumprimento <strong>da</strong>s decisões fica a cargo <strong>da</strong> própria jurisdição,ex vi <strong>da</strong> <strong>no</strong>rma processual aberta, inscrita <strong>no</strong> art. 461 <strong>da</strong> Lei ProcessualCivil, de modo que o ci<strong>da</strong>dão vencedor obtenha a efevação do que restoudecidido. O juiz pós-moder<strong>no</strong> pode adotar as medi<strong>da</strong>s adequa<strong>da</strong>s àefevação do julgado, não devendo esmorecer <strong>no</strong> caso de resistência aocumprimento, seja quem for o vencido ou executado. É seu dever. E cum-15 Aristóteles já anunciava: “Eis porque, quando ocorrem disputas, as pessoas recorrem ao juiz. Recorrer ao juiz érecorrer à jusça, pois a natureza do juiz é ser uma espécie de jusça anima<strong>da</strong>, e as pessoas procuram o juiz comoum intermediário, e em algumas ci<strong>da</strong>des-<strong>Estado</strong> os juízes são chamados mediadores, na convicção de que, se osligantes conseguirem o meio-termo, obterão o que é justo. Portanto, justo é um meio termo já que o juiz o é” (Écaa Nicômaco. São Paulo, Marn Claret, 1. reimp., 2008, p. 111).❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙ 293


prir dever funcional de <strong>da</strong>r execução à decisão é também se comportarconforme a éca judiciária.Outro aspecto <strong>da</strong> relevância <strong>da</strong> éca judiciária é o registro de queo magistrado justo e que adota procedimento adequado ao exercício<strong>da</strong> avi<strong>da</strong>de jurisdicional do <strong>Estado</strong> contemporâneo deve observar quea legimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua decisão vai depender <strong>da</strong> maior parcipação <strong>da</strong>spartes <strong>no</strong> processo.O processo tem como efeito legimar a decisão proferi<strong>da</strong>. Isto sedá através <strong>da</strong> efeva parcipação <strong>da</strong>s partes e debates que contribuírampara a formação <strong>da</strong> convicção do juiz e entrega <strong>da</strong> prestação jurisdicional.A parcipação <strong>da</strong>s partes <strong>no</strong> processo legima a decisão proferi<strong>da</strong><strong>no</strong> instrumento <strong>da</strong> função jurisdicional <strong>da</strong> era contemporânea. A parcipaçãoé possível em decorrência <strong>da</strong> observância dos princípios que regemo processo civil, alguns deles erigidos em direito fun<strong>da</strong>mental, como ocorrecom o contraditório e ampla defesa e o devido processo legal, inscritos <strong>no</strong>art. 5º, LIV e LV <strong>da</strong> Carta Federal.A éca do discurso tem aplicação aos precitados princípios, porpossibilitar às partes sustentar seus argumentos, o que se inicia com apeção inicial, prossegue com a contestação e culmina com a audiênciade instrução e julgamento, onde os debates (discursos) assumem a maiorrelevância, tornando o processo justo. Consequentemente, ao reverenciara éca discursiva, o magistrado não só fortalece a aplicação dos precitadosprincípios constucionais, como também consagra a assunção deprocedimento conforme a éca judiciária do <strong>Estado</strong> contemporâneo. 16A parcipação consiste na oportuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s partes de apresentar esustentar suas razões e de se contrapor, produzir provas, integrar as audiências,sessões e julgamentos, com sustentações (discursos), de modo ainfluenciar na formação de uma decisão fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>, demonstradora deuma atuação ostensivamente democráca. 17 A avi<strong>da</strong>de jurisdicional <strong>da</strong> era16 Walter Reese-Schäfer registra: “a éca do discurso não precisa apregoar certos valores de conteúdo, passíveissempre de discussão, como por exemplo os direitos huma<strong>no</strong>s, porém, ao invés disso, ela pode descrever, numaperspecva exterior caracterizável como objeva, quase jurídica, os procedimentos do entendimento entre iguais.Quando esses procedimentos efevamente são executados, o resultado também teria que ser considerado “justo”,ao passo que se poderia discur interminavelmente sobre jusça quanto ao conteúdo. Habermas apóia-se aquiestritamente <strong>no</strong> modelo jurídico: quando ocorrer um procedimento legal, <strong>no</strong> qual ambas as partes forem ouvi<strong>da</strong>se as leis observa<strong>da</strong>s, também a sentença poderá ser considera<strong>da</strong> justa. Ela não precisará mais ser determina<strong>da</strong> aparr de uma ideia substancialista de jusça, que ca<strong>da</strong> um inferiu, de acordo com sua própria concepção de jusça,a parr de suas interpretações individuais do que ele ou ela considera direito” (Compreender Habermas. Petrópolis:Editora Vozes, 2009, p. 68).17 Luiz Guilherme Mari<strong>no</strong>ni, a<strong>no</strong>ta que a parcipação através do contraditório e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de dos atos processuaisconfere à parte a oportuni<strong>da</strong>de de interferir sobre a formação <strong>da</strong> decisão, garanndo a sua jusça (Op. cit., p. 455).294❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙


contemporânea recomen<strong>da</strong> que o magistrado, antes de proferir a decisão,proce<strong>da</strong> ao exame <strong>da</strong>s <strong>no</strong>rmas jurídicas que servem de lastro às razões dosligantes com os pressupostos comunicavos e condições do processolegislavo democráco. 18Ao adotar comportamento éco e se abster <strong>da</strong>s condutas anécaso magistrado reverencia a autênca éca judiciária. Isto pode se alcançarcom a elaboração de um Código Modelo de Éca Judiciária, consentâneocom a era do <strong>Estado</strong> contemporâneo. De que modo? Ouvidos os órgãosde classe e os magistrados, que se comprometem a respeitá-lo, será editadocom legimi<strong>da</strong>de do órgão encarregado de fiscalizar o seu cumprimento.Os demais Poderes, os jurisdicionados e os ci<strong>da</strong>dãos louvarão. O PoderJudiciário se fortalecerá.❖18 Luiz Guilherme Mari<strong>no</strong>ni, desta vez em consonância com entendimento de Habermas, sustenta que “a jurisdiçãodeve buscar legimi<strong>da</strong>de assegurando que o processo de gênese <strong>da</strong> lei seja recepvo àquilo que os ci<strong>da</strong>dãos estabelecemcomo consenso <strong>no</strong> espaço público. O juiz deveria estar atento ao consenso formado <strong>no</strong> espaço público a parr<strong>da</strong> discussão e do debate” (“Da Teoria <strong>da</strong> Relação Jurídica Processual ao Processo Civil do <strong>Estado</strong> Constucional” inA Constucionalização do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 535).❙R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 54, p. 271-295, abr.-jun. 2011❙ 295

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