primeiro nome <strong>do</strong> bairro.Mas, “em qualquer lugar onde haja seres humanos, haverá o lar de alguém – comoto<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> afetivo <strong>da</strong> palavra” (YI-FU TUAN, 1980, p. 130):[...] aí viemo tu<strong>do</strong> práqui, prá debaxo <strong>da</strong> caxa d’água. Nóis não tinha condições depagá aluguel. (...) Não tinha mari<strong>do</strong>. (...) Ali era só lixo. Não tinha água, não tinhaluz. Na peça que nóis morava era <strong>do</strong> tamanho de um quartinho, assim. Mais nãotinha porta nem janela. Só tinha uns buraco, assim. E tinha porta, assim, mais nãoera coloca<strong>da</strong>, a porta. (DONA ZULMIRA, abril/2008).Contu<strong>do</strong>, a vi<strong>da</strong> no lixão a experiência mais simples se tor<strong>na</strong>va um desafio. Do<strong>na</strong>Zulmira (abril/2008) contou a sua história evocan<strong>do</strong> <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> vivências por demaishuma<strong>na</strong>s e demasia<strong>do</strong> desuma<strong>na</strong>s: “[...] A gente ia fazer comi<strong>da</strong>, se tu levantasse a tampa <strong>da</strong>panela assim, tu não comia mais, era só mosca. (...) e a catinga <strong>do</strong> lixo? Cre<strong>do</strong>! E eu enfrenteiaquilo tu<strong>do</strong>...”. Ultrapassan<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as determi<strong>na</strong>ções Do<strong>na</strong> Zulmira fez <strong>da</strong>li o seu lar.Do<strong>na</strong> Iraci chegou ao bairro depois de ter mora<strong>do</strong> em muitos outros lugares embusca de abrigo e de trabalho para sustentar a si e aos seus filhos. Estava em busca <strong>da</strong>r<strong>ea</strong>lização de um sonho: ter um lugar para chamar de seu. Um abrigo. Uma casa própria. Umdireito viola<strong>do</strong> por muito tempo:Ah, eu vim aqui pro bairro com muito sacrifício! Eu fiz inscrição lá <strong>na</strong> Santa Luzia,fiz inscrição no Pedregal, fiz inscrição <strong>na</strong> Boa Vista, fiz inscrição em tu<strong>do</strong> quantoera lugar. Depois eu fui <strong>na</strong> prefeitura (...) porque eu estava grávi<strong>da</strong> desse meuminino, aí eu pedi pelo amor de Deus que ele me cedesse uma casinha porque euestava sozinha e eu trabalhava pra sustentá esses meus 3 filho. (DONA IRACI,abril/2008).As palavras de Do<strong>na</strong> Iraci apontam particularmente para a questão política <strong>do</strong>direito à moradia e ao trabalho. Surpreende o fato de pessoas passarem quase uma vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>em função de adquirir a casa própria. A casa, que por um la<strong>do</strong> é “sonho” a serincansavelmente persegui<strong>do</strong>, por outro, constitui-se em oportuni<strong>da</strong>de de especulaçãoimobiliária e estratégia política em época de eleição. Como diz Damergian (2000, p. 104): “epensar que o espaço priva<strong>do</strong>, o lugar próprio, o preservar-se <strong>do</strong> olhar perscruta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> outro, odireito à vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong> são aspectos importantes para a subjetivi<strong>da</strong>de...”.E, visto que viver <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de depende principalmente <strong>do</strong> acesso à moradia, pois“além <strong>da</strong> saúde, <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> e <strong>da</strong> educação, a habitação é também um elemento básico queconstitui um “mínimo social”, que habilita os indivíduos e os grupos sociais a fazerem outrasescolhas ou a desenvolver suas capaci<strong>da</strong>des.” (CARDOSO, 2007, p. 1).Entretanto, Vala<strong>da</strong>res vai além ao afirmar que “não há ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que sobreviva aodesabrigo; para consegui-la é necessário que o homem seja capaz de produzir para seu própriosustento.” (2000, p. 88). O autor se refere à possibili<strong>da</strong>de de o sujeito promover a sua
manutenção no mun<strong>do</strong>, no “con-texto e <strong>na</strong> situ-ação”, ou seja, possibili<strong>da</strong>de r<strong>ea</strong>l diante <strong>da</strong>totali<strong>da</strong>de que envolve o sujeito no lugar aonde ele age. Pois, “para se sustentar, nem sempreo sujeito é um ci<strong>da</strong>dão.” (p. 88). Porque, segun<strong>do</strong> Soalheiro, “há a lei e aquilo que não seconsegue com a lei.” (1998 apud VALADARES, 2000, p. 88), como, por exemplo, a situaçãode Do<strong>na</strong> Zulmira: “Eu queria era trabalhá e dá o quê comê pra eles (netos e filhas) né? Nãoqueria deixá eles passá fomi.”Da perspectiva de Gonçalves (2007, p. 44-45), “a casa diz respeito à condiçãohuma<strong>na</strong> (pois) o homem, tanto em nível concreto como simbólico, precisa <strong>do</strong> abrigo <strong>da</strong> casa(...) onde possa sonhar, refazer suas forças, alimentar-se <strong>da</strong> seiva <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> como uma segurançade estar abriga<strong>do</strong>, protegi<strong>do</strong>.” A autora está se referin<strong>do</strong> à condição universal de sentir-se emcomunhão com o outro.Padece-se de solidão por estar só no abrigo único <strong>do</strong> seu corpo e sofre-se dedesamparo por ter que assumir sozinho a responsabili<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong> a sua existência, mesmoestan<strong>do</strong>-se em meio à multidão. No dizer de Paz, “a solidão é o fun<strong>do</strong> último <strong>da</strong> condiçãohuma<strong>na</strong>... O homem é nostalgia e busca de comunhão. Por isso ca<strong>da</strong> vez que se sente a simesmo se sente como carência de outro, como solidão.” (apud REZENDE, 2000, p. 12). Poiso outro ao mesmo tempo em que é complemento é espelho que nos auxilia <strong>na</strong> tarefa desuavizar o nosso desamparo.Assim, pode-se pensar a casa a partir de suas dimensões concretas e simbólicas,ou seja, como objeto construí<strong>do</strong> e deseja<strong>do</strong> intensamente por oferecer proteção contra asam<strong>ea</strong>ças <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza e <strong>do</strong>s outros homens, e também, como objeto poético que faz“transcender o tempo comum”, <strong>na</strong> tese de Gonçalves (2002).Em outras palavras, uma casa é chão, é parede, é telha<strong>do</strong>, é porta e é janela, mas étambém um espaço infinito para nele projetarmos nosso jeito de ser, de sentir e de agir,“porque a casa é nosso canto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.” (BACHELARD, 1993, p. 25); porque “a casa vistacomo abrigo, como protetora, também é o lugar de nossos sonhos. É nela que o sujeito criaseus lugares mais íntimos. Em busca <strong>da</strong> casa vamos to<strong>do</strong>s nós.” (GONÇALVES, 2007, p. 44).Infere-se, portanto, que para o ser humano o abrigo é mais <strong>do</strong> que simplesmentesuas proprie<strong>da</strong>des físicas, concretas, mas que possui também um significa<strong>do</strong> simbólico, sejaeste, consciente ou não.O geógrafo Yi-Fu Tuan (1980) também demonstrou a relação entre o mun<strong>do</strong> e ossignifica<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong>s experiências corporais huma<strong>na</strong>s e, para isso criou os conceitos deTopofilia e Topofobia. O primeiro, topofilia, o autor o definiu como o “elo afetivo” que ligauma pessoa ao lugar ou ambiente físico, e o outro, topofobia, equivale ao oposto.
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