Da perspectiva de Tuan (1983 apud RABINOVICH, 2004) espaço se refere a duasforças capazes de produzir modificações <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de repouso ou de movimento de um corpoe as denominou “lugar” e “espaçamento ou espaciosi<strong>da</strong>de”. Lugar se relacio<strong>na</strong> com os valoresbásicos de afeto; espaçamento ou espaciosi<strong>da</strong>de corresponde ao uso livre <strong>do</strong> espaço para nelese projetar, seja no senti<strong>do</strong> concreto ou simbólico (p. 59). A partir <strong>da</strong> sensação e <strong>da</strong> percepção<strong>da</strong>s cores, <strong>da</strong>s formas, <strong>do</strong>s o<strong>do</strong>res, <strong>do</strong> prazer, o sujeito por sua ação-transforma<strong>do</strong>ra, modificaas paisagens visíveis <strong>do</strong> lugar e modifica a paisagem de seu mun<strong>do</strong> interno expressas pelasmarcas deixa<strong>da</strong>s e pelas formas de ser e agir, respectivamente.Corroboran<strong>do</strong> com o argumento de Tuan, Gonçalves (2002) afirma que o espaçopossui três dimensões: uma social, onde ocorrem as interações <strong>do</strong> indivíduo com os outros econsigo mesmo; outra cultural, em que os sistemas de crenças e valores são introjeta<strong>do</strong>s pormeio <strong>da</strong> dimensão social; e outra simbólica <strong>na</strong> qual elabora e repara as experiências boas eruins. Resumin<strong>do</strong>, o espaço teria o que a autora chama de dimensão sócio-cultural esimbólica entrelaça<strong>da</strong>s entre si.Portanto, o entorno faz parte <strong>do</strong> meio social visível, r<strong>ea</strong>l e o ambiente é aexperiência vivi<strong>da</strong> concretamente pelo sujeito, é concreto, palpável, mas é também etéreo eimaginário, pois “é onde ele trabalha, constrói sua casa, faz sua poética, constrói laços, apegase,sente-se pertencente a um lugar, sonha, transforma.” (GONÇALVES, 2002, p. 20).Espaço, entorno e lugar seria, então, o cotidiano <strong>do</strong> sujeito e <strong>do</strong> grupo socialdeclara<strong>do</strong> em seus aspectos físico, cultural, social, espiritual e psíquico. Sujeito, mun<strong>do</strong>,ci<strong>da</strong>de, bairro, rua, calça<strong>da</strong>, casa, sujeito. Uma relação que se amplia e se estreita nummovimento contínuo de tecer incessantemente, segun<strong>do</strong> após segun<strong>do</strong>, uma história através<strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>da</strong> visão, olfato, tato, audição e pele, contextualiza<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> cultura.Para Gonçalves (2002), para compreender os processos psicossociais <strong>da</strong>apropriação é necessário considerar os processos cognitivos, afetivos, simbólicos, interativose estéticos que dependem <strong>da</strong>s relações, <strong>da</strong>s influências mútuas e <strong>da</strong>s transações entre aspessoas, grupos sociais e/ou comuni<strong>da</strong>des e seus entornos sociofísicos, liga<strong>do</strong>s ao mo<strong>do</strong> d<strong>ea</strong>gir, de morar. Porque o fenômeno <strong>da</strong> apropriação relacio<strong>na</strong>-se com o processo deidentificação, pois permite ver-se a si mesmo no “outro” e nele reconhecer-se enquanto serhumano, porém, diferencian<strong>do</strong>-se dele, ou seja, retoman<strong>do</strong> Paz, o “outro seria complemento eespelho”:Aí, nóis escolhen<strong>do</strong> lixo achei uma per<strong>na</strong> duma pessoa... Porque <strong>da</strong>í começaro a serevoltá porque tavo trazen<strong>do</strong> per<strong>na</strong> de gente, e não pudia trazer aquilo ali. Ain<strong>da</strong>pessoa que tinha morri<strong>do</strong> de trombose, tu<strong>do</strong> corta<strong>do</strong>, de<strong>do</strong>, era per<strong>na</strong>, era braço, eratu<strong>do</strong> joga<strong>do</strong> ali no lixão? Nóis tu<strong>do</strong> ali no meio <strong>da</strong>quilo ali? (...) Aí nóis tu<strong>do</strong> serevoltemo: era aborto era tu<strong>do</strong>, aborto! A minha filha, ali <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> valo,
achou um menino dentro duma caixa de papelão enrola<strong>do</strong> com uma toalha mais unslençóis, assim enrola<strong>do</strong>, um menino a coisa mais <strong>do</strong> bonitinha, porque tava morto...Aí, a turma se revoltaro tu<strong>do</strong>. Aí, nóis parava o caminhão e não dexava mais ir.(Do<strong>na</strong> Zulmira, abril/2008).Embora vivessem <strong>do</strong> lixo e no lixo não se viam como lixo. Aqueles “espelhos”despe<strong>da</strong>ça<strong>do</strong>s refletiram uma r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong>de, porém, ao contrário destes, sabiam-se vivos. E, dessemo<strong>do</strong>, como vivos, levantaram-se contra aquela situação. Reivindicaram, lutaram e vencerama batalha. Transformaram aquele lugar e assim transformaram-se a si mesmos. ConformeVala<strong>da</strong>res disse: “o sujeito não aban<strong>do</strong><strong>na</strong>, nunca, a busca de seu lugar (...) esta busca é sempreum fazer, uma ação singular, sempre transforma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> ambiente, dito <strong>na</strong>tural.” (2000, p. 86).Destarte, pode-se associar o atual nome <strong>do</strong> bairro, Re<strong>na</strong>scer, ao re<strong>na</strong>scimento <strong>da</strong>Fênix, a ave queima<strong>da</strong> <strong>da</strong> mitologia grega. Em vez de re<strong>na</strong>scer <strong>da</strong>s cinzas, os mora<strong>do</strong>res <strong>da</strong>lire<strong>na</strong>sceram <strong>da</strong> pirita, <strong>do</strong> lixo, <strong>do</strong> descaso, <strong>da</strong> humilhação e <strong>da</strong> miséria. A ár<strong>ea</strong>, enquantoambiente degra<strong>da</strong><strong>do</strong>, ou seja, também enquanto espelho <strong>do</strong> homem, re<strong>na</strong>sceu <strong>do</strong> fogo <strong>do</strong>enxofre e pela ação coletiva foi transforma<strong>da</strong>. Segun<strong>do</strong> Gonçalves (2002), pela ação sobre oentorno a pessoa e a comuni<strong>da</strong>de transformam o espaço deixan<strong>do</strong> os rastros de suas ações,isto é, as suas marcas e o incorporam a seus processos de razão e emoção de uma forma ativae atualiza<strong>da</strong>.A luta trava<strong>da</strong> <strong>na</strong>quele bairro teve muitas mulheres à frente <strong>da</strong> batalha. As cincomulheres entrevista<strong>da</strong>s tinham filhos, duas tinham mari<strong>do</strong>. Mulheres Guerreiras, como asAmazo<strong>na</strong>s, que pertencem a uma socie<strong>da</strong>de matriarcal em um mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>do</strong> peloshomens. Como guerreiras genuí<strong>na</strong>s é que essas mulheres <strong>do</strong> bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatroempunharam as armas que estavam ao alcance de suas mãos para defenderem o seu lugarcontra as am<strong>ea</strong>ças presentes <strong>na</strong>s regras de relacio<strong>na</strong>mento humano cria<strong>da</strong>s pela cultura:Tentaro invadir comigo aqui dentro! Aí, eu peguei um facão que eu tinha dessetamanho e enfrentei, né! É meu e eu não vou <strong>da</strong>r pra ninguém! (...) Então, eu tiveque r<strong>ea</strong>gir <strong>da</strong> minha espécie pra não perder o que era meu, porque eu era sozinha etinha 3 filhos, né? (DONA IRACI, abril/08).O ser social produzi<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> acesso à cultura se coloca<strong>do</strong> em situaçãoextrema pode r<strong>ea</strong>gir acio<strong>na</strong><strong>do</strong> pelas forças mais primitivas, no caso, pelo instinto de vi<strong>da</strong>.Do<strong>na</strong> Iraci foi buscar no instinto de sua espécie a força para defender o seu espaço social, nocaso, a sua casa.Para Gifford (1987, p. 137 apud VALERA; POL; e VIDAL, s/d, p. 45) ocomportamento de Do<strong>na</strong> Iraci traz em si o fenômeno <strong>da</strong> territoriali<strong>da</strong>de defini<strong>da</strong> por ele comoum padrão de comportamentos e atitudes manti<strong>do</strong> por um indivíduo ou grupobas<strong>ea</strong><strong>do</strong> no controle percebi<strong>do</strong>, intencio<strong>na</strong>l ou r<strong>ea</strong>l de um espaço físico definível,
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