Antônio (rua). Aí, tinha um cara falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso bairro, <strong>da</strong>í eu disse pra ele assim:não adianta tu falá <strong>do</strong> nosso bairro, nosso bairro lá é bom, e tem outra: tu<strong>do</strong> contélugar tem ladrão, tu<strong>do</strong> conté lugar tem maconheiro... tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> conté lugar tembandi<strong>do</strong> (...) Defendi o bairro. Eu disse: tu não pode tá falan<strong>do</strong>, às vezes, no teubairro tem muita gente pior que o nosso.(DONA ZULMIRA, abril/2008).A fala de Do<strong>na</strong> Zulmira traz as proposições de Pol (s/d) sobre a territoriali<strong>da</strong>dehuma<strong>na</strong> <strong>na</strong> relação <strong>da</strong> pessoa, <strong>do</strong> grupo e <strong>do</strong> entorno sociofísico mais próximo. Para ess<strong>ea</strong>utor, defender seu território é um <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res de apropriação.Naquele bairro, Do<strong>na</strong> Zulmira e as outras entrevista<strong>da</strong>s ocupam um lugar, umamora<strong>da</strong>. A casa como abrigo tem o senti<strong>do</strong> de proteção. Depois de um dia de luta deseja-sevoltar para o aconchego <strong>da</strong> casa. Resguar<strong>da</strong>r-se <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> outro.Segun<strong>do</strong> alguns autores (GONÇALVES, 2007 e VALADARES, 2000) voltar paracasa pode ser considera<strong>do</strong> simbolicamente retor<strong>na</strong>r ao útero 10 , à caver<strong>na</strong> aonde emergem ossentimentos mais primitivos de proteção e aconchego. No dizer <strong>do</strong> poeta e filósofo Bachelard(1993, p. 26), a gente se reconforta ao reviver lembranças de proteção. A gente volta <strong>na</strong>imagi<strong>na</strong>ção, com a “soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> memória,”, às antigas mora<strong>da</strong>s para recarregar asenergias e buscar calor, alimento e descanso. Convívio, força e contentamento. Sem a casa “ohomem seria um ser disperso (...) porque ela é o nosso canto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” (BACHELARD,1993, p. 24). A casa é a nossa referência no espaço, disse o poeta.Entretanto, quan<strong>do</strong> a prefeitura de Criciúma fez o lot<strong>ea</strong>mento <strong>da</strong> ár<strong>ea</strong> e ca<strong>da</strong>strouas famílias para distribuir os lotes, muita coisa ain<strong>da</strong> precisava ser feita, como disse Do<strong>na</strong>Iraci (abril/2008): “A casa não tinha telha<strong>do</strong>, não tinha <strong>na</strong><strong>da</strong>, né? E não tinha janela, não tinha<strong>na</strong><strong>da</strong>, eu <strong>do</strong>rmia com isso aqui tu<strong>do</strong> aberto, pois não tinha <strong>na</strong><strong>da</strong>. Vinha só pra cui<strong>da</strong>r e comvelinha acesa”, pois também não tinha água enca<strong>na</strong><strong>da</strong>, energia elétrica, esgotamento sanitário,etc.. Do mesmo mo<strong>do</strong>, aconteceu com Do<strong>na</strong> Isaura “entremo sem janela, sem porta, sem <strong>na</strong><strong>da</strong>.(...) Porque nóis trouxemo foi só a cama e a rôpa <strong>do</strong> corpo”. E, com Do<strong>na</strong> Iraci, também:“porque a parte de lá (quem fez) foi a COHAB, mas sem parede sem <strong>na</strong><strong>da</strong> entende? (...) maisaqui era uma trabalheira quan<strong>do</strong> eu vim morar aqui”. Isso remete a Lynch (1965 apudCORRALIZA, 2000, p. 3) quan<strong>do</strong> diz que uma <strong>da</strong>s causas <strong>da</strong> sensação de mal estar <strong>na</strong>sci<strong>da</strong>des consiste <strong>na</strong> “rigidez (<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de), sua falta de sinceri<strong>da</strong>de e de franqueza.” Ou, comodisse Damergian:a ideologia <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte, além de manter os desfavoreci<strong>do</strong>s a distância, quan<strong>do</strong> lhes“oferece”, generosamente, algum tipo de “benefício” este é de tal formaempobreci<strong>do</strong> e destiuí<strong>do</strong> de condições que impossibilita o rompimento <strong>do</strong> círculo10 Simbologia <strong>do</strong> útero, conceito utiliza<strong>do</strong> por Gonçalves (2007) em seu livro Ci<strong>da</strong>de e Poética e por Vala<strong>da</strong>res(2000) no artigo Quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> espaço e habitação huma<strong>na</strong>.
vicioso <strong>da</strong> pobreza. (2001, p. 101).Esse espaço novo e vazio ofereci<strong>do</strong> pela administração municipal era precário ede difícil identificação, pois as casas populares são to<strong>da</strong>s iguais. Então, foi necessárioreformar a casa, torná-la habitável. Reformar a casa pode significar, nesse caso, modificar,melhorar, reformar a própria vi<strong>da</strong>.Fizeram-se os arranjos necessários, como a colocação de paredes, telha<strong>do</strong>s, pisos,portas e janelas, etc., porém, de tal forma, que em ca<strong>da</strong> casa percebem-se as diferençasrevela<strong>do</strong>ras <strong>da</strong>s características de seus mora<strong>do</strong>res. A isto se chama <strong>na</strong> Psicologia Ambientalde fenômeno <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>lização, que é a ação de diferenciar o que é seu <strong>da</strong>quilo que é <strong>do</strong>outro, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-o de significa<strong>do</strong> e si<strong>na</strong>is que refletem a sua perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e também favorecemos sentimentos de apego e de pertença ao lugar.Transformaram aquele espaço vazio em mora<strong>da</strong>s <strong>do</strong> coração. E, como ditoanteriormente, depois de apropria<strong>da</strong> a casa passa a ter um significa<strong>do</strong> emocio<strong>na</strong>l: “significatu<strong>do</strong> pra mim. Pra mim significa tu<strong>do</strong>. Eu defendi com unhas e dente, guria”, disse Do<strong>na</strong> Iraci(2008). E, a Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong> também: “eu a<strong>do</strong>ro, é ruimzinha assim mais eu gosto bastante [...]”.De acor<strong>do</strong> com Cavalvante (2004, p. 134), o homem cria “arranjos interiores”para seus espaços construí<strong>do</strong>s, a fim de atender às suas necessi<strong>da</strong>des e desejos. A porta, porexemplo, seria um desses arranjos. Ao cerrar a porta, cria-se um isolamento pessoal,intencio<strong>na</strong>l; ao abri-la, busca-se o contato com o outro. Ou como bem se expressou Do<strong>na</strong>Erundi<strong>na</strong> (abril/2008):[...] eu gosto é <strong>da</strong> porta (risos). Na frente de casa. Da porta dá de espiar o quê qu<strong>ea</strong>contece (risos). (...) Porque passa muita gente, ás vezes, gente conheci<strong>da</strong>, às vezes,gente que não conhece, né? Às vezes conversa com um, conversa com outro e assima gente passa o dia (risos).Dessa maneira, Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong> se abre para interagir com os outros pela porta <strong>da</strong>frente. A expressivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fala dessa senhora de 77 anos revela o grau de apreço que elasente pelos seus vizinhos e abertura para os desconheci<strong>do</strong>s. A porta, segun<strong>do</strong> Cavalcante(2004, p. 137), também é “um indica<strong>do</strong>r <strong>da</strong> alma huma<strong>na</strong> porque o homem investe nelaindividuali<strong>da</strong>de e sentimentos”, porque abrir ou fechar a porta expressa o desejo de interagirou não, respectivamente, com os semelhantes.Contu<strong>do</strong>, o simbolismo <strong>da</strong> casa é quase tão infinito quanto os sonhos e os desejoshumanos: ”Aí, ele me aju<strong>do</strong>u a fazer uma casinha, aí <strong>da</strong>li só fui crescen<strong>do</strong>”, disse Do<strong>na</strong>Erundi<strong>na</strong> (abril/2008). Portanto, a casa não é só “lugar”, é também alavanca para as outrasconquistas que a luta pela sobrevivência impõe. A casa também é sonho a ser r<strong>ea</strong>liza<strong>do</strong>: “Meu
- Page 1 and 2: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARIN
- Page 3 and 4: A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A A
- Page 5 and 6: INTRODUÇÃOO Trabalho de Conclusã
- Page 7 and 8: 1.3 MetodologiaO método utilizado
- Page 9 and 10: Renascer/Mina Quatro, foi necessár
- Page 11 and 12: mandaro ele assinar uma foia. Aí,
- Page 13 and 14: As palavras de Dona Iraci revelam a
- Page 15 and 16: Desse modo, percebe-se a cultura 7
- Page 17 and 18: os pobres.Desse modo, a subjetivida
- Page 19 and 20: sociais, trabalhistas, conjugais, e
- Page 21 and 22: acesso às crenças e às lendas da
- Page 23 and 24: abril, 2008). Seria uma simbiose 8
- Page 25 and 26: trabalhar com ela, porque me achou
- Page 27 and 28: (corporal), metafísicos (transcend
- Page 29 and 30: importante contra a alienação”,
- Page 31 and 32: manutenção no mundo, no “con-te
- Page 33 and 34: achou um menino dentro duma caixa d
- Page 35: FIGURA 3 - CRIANÇAS BRINCANDO NAS
- Page 39 and 40: vivida por todo o seu corpo, que me
- Page 41 and 42: memória ambiental (Figura 7).FIGUR
- Page 43 and 44: FIGURA 9 - A PAISAGEM CRIADA POR DO
- Page 45 and 46: partir dessa perspectiva, o signifi
- Page 47 and 48: Freud (apud DAMERGIAN, 2001, p. 106
- Page 49 and 50: REFERÊNCIASAVRITZER, Leonardo. Teo
- Page 51 and 52: n.1, p.17-21, 2004.HALL, Calvin S.;