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a origem do crime organizado no brasil: conceito e aspectos históricos

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A ORIGEM DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL: CONCEITO E ASPECTOSHISTÓRICOS.Ariane Bastos de Men<strong>do</strong>nça Maia ∗RESUMOO <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>, embora já venha de épocas remotas, nunca esteve tão emevidência quanto <strong>no</strong>s dias atuais. A criminalidade organizada adquiriu proporçõesassusta<strong>do</strong>ras, atuan<strong>do</strong> em diversas áreas ilícitas, infiltran<strong>do</strong>-se <strong>no</strong>s poderes estatais(Executivo, Legislativo e Judiciário) e aterrorizan<strong>do</strong> a população, que se encontra emesta<strong>do</strong> de pânico. Ante a eficiente organização <strong>do</strong> <strong>crime</strong>, ressalta-se, como nuncadantes visto, a desorganização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que não consegue combater de formaeficaz as facções crimi<strong>no</strong>sas por falta de um planejamento específico para este tipode criminalidade. Ações <strong>do</strong> Poder Público <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de combater de frente o <strong>crime</strong>organiza<strong>do</strong>, como aquelas realizadas <strong>no</strong> Complexo <strong>do</strong> Alemão, infelizmente, apesarde trazerem um alento tão grande para a sociedade, são uma exceção <strong>no</strong> cenáriopátrio. Embora as facções crimi<strong>no</strong>sas sejam uma realidade incomoda em <strong>no</strong>ssopaís, surpreendentemente, não há, até os dias atuais <strong>no</strong> Brasil, nem mesmo umadefinição <strong>do</strong> que vem a ser <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>, o que torna ineficiente a legislaçãopertinente ao assunto. Por tais motivos é imprescindível uma análise geral <strong>do</strong> <strong>crime</strong>organiza<strong>do</strong>, para que possamos compreender a sua complexidade, bem como aextensão <strong>do</strong>s seus da<strong>no</strong>s.Palavra-Chave: <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>. coman<strong>do</strong> vermelho. primeiro coman<strong>do</strong> da capital.1 INTRODUÇÃOO <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> Brasil não é um fenôme<strong>no</strong> que possa serconsidera<strong>do</strong> recente. A sua <strong>origem</strong> remonta ao final <strong>do</strong> século XIX e começo <strong>do</strong>século XX, momento em que surgiu <strong>no</strong> <strong>no</strong>rdeste <strong>brasil</strong>eiro, o cangaço (OLIVIERI,∗ Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFORAdvogada, especialista em Direito Difusos e Coletivos pela Escola <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Ceará – ESMP.E_mail: arianemen<strong>do</strong>nca@hotmail.com


1997). É importante salientar que o mesmo constitui apenas um antecedente decriminalidade organizada, pois um e outro movimento são muito diferentes,principalmente <strong>no</strong> tocante ao seu poder lesivo. Seria possível dizer que o cangaço éa raiz histórica <strong>do</strong> <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>, não se confundin<strong>do</strong> com este como hoje oconhecemos.O constante crescimento da violência urbana e a fragilização cada vezmaior da segurança <strong>no</strong> Brasil, <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s, estão diretamente relaciona<strong>do</strong>s como surgimento <strong>do</strong> <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>. Aos poucos as facções organizadas seformaram, fincaram suas bases sólidas e deram início a um <strong>no</strong>vo tipo decriminalidade: o <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>.A atuação das organizações crimi<strong>no</strong>sas é marcada pelo terror, impon<strong>do</strong> ato<strong>do</strong>s os cidadãos, principalmente nas maiores capitais <strong>do</strong> país, uma rotina de me<strong>do</strong>e insegurança. As conseqüências de suas atividades são devasta<strong>do</strong>ras,principalmente pela formação de um esta<strong>do</strong> paralelo ao Esta<strong>do</strong> Democrático, eatingem a todas as camadas da população.O Esta<strong>do</strong>, diante deste <strong>no</strong>vo tipo de criminalidade, encontra-se, de certaforma, impotente, pois não dispõe de mecanismos eficientes para deter a onda deviolência, a começar pela falha política de segurança pública e estenden<strong>do</strong>-se até aausência de um tipo penal específico para o <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>. Geralmente, asfacções crimi<strong>no</strong>sas estão muito melhor municiadas <strong>do</strong> que os policiais, que entramem seus redutos na tentativa de restabelecer a ordem pública com armamentosprecários.A despeito <strong>do</strong> fenôme<strong>no</strong> da criminalidade organizada já ter provoca<strong>do</strong>tanto da<strong>no</strong>s à sociedade <strong>brasil</strong>eira, ainda não gozamos de uma definição legal paraeste tipo de delito, embora já haja legislação pertinente ao assunto. Obviamente, ainexistência de um tipo penal que determine o que se entende por <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>faz com que a Lei 9.034/95 e a Lei 10.217/01 percam uma parte da sua eficácia,pois como poderão combater eficazmente um male que não sabem qual é?Por tais motivos o presente artigo científico é de considerável importância,uma vez que tem como objetivo apresentar os pilares da criminalidade organizada<strong>no</strong> Brasil, expon<strong>do</strong> de maneira breve, porém clara, os fatores sociais e políticos queconvergiram para que surgissem as duas maiores facções crimi<strong>no</strong>sas <strong>do</strong> país:Coman<strong>do</strong> Vermelho e Primeiro Coman<strong>do</strong> da Capital. Tem ainda como objetivo expora problemática em tor<strong>no</strong> da ausência de um <strong>conceito</strong> acerca <strong>do</strong> que se entende por


<strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>, trazen<strong>do</strong> ainda os requisitos mínimos que devem estar presentesquan<strong>do</strong> da futura elaboração deste <strong>conceito</strong>. O tema é de grande relevância tanto <strong>no</strong>campo legal como <strong>no</strong> campo social, uma vez que todas as pessoas, indiretamenteou não, são atingidas por tal <strong>crime</strong>.Para o alcance <strong>do</strong>s objetivos acima elenca<strong>do</strong>s, o presente artigo científicofoi realiza<strong>do</strong> através da utilização, sobretu<strong>do</strong>, de pesquisa bibliográfica, que consistena literatura publicada em tor<strong>no</strong> <strong>do</strong> tema em análise, como livros, revistas,publicações avulsas e imprensa escrita.Com o intuito de facilitar o entendimento e análise <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong> <strong>crime</strong>organiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> Brasil, trataremos apenas das duas principais facções crimi<strong>no</strong>sas<strong>brasil</strong>eiras.2 CONCEITOEmbora as organizações crimi<strong>no</strong>sas já existam desde épocas maisremotas, ainda hoje, elaborar um <strong>conceito</strong> que as defina satisfatoriamente,demonstra-se um trabalho árduo. Isto porque, apesar delas atingirem inúmerasnações e de praticarem <strong>crime</strong>s de proporções internacionais, elas desenvolvem-sede inúmeras maneiras, adquirin<strong>do</strong>, geralmente, particularidades de seu lugar de<strong>origem</strong>.Segun<strong>do</strong> o <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r Araújo Silva (2003, p. 34), <strong>no</strong> campo jurídico, paraque se construa um <strong>conceito</strong> aproxima<strong>do</strong> <strong>do</strong> que vem a ser o <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>,devem ser observa<strong>do</strong>s três requisitos, quais sejam: “estrutural (número mínimo depessoas integrantes), finalístico (rol de <strong>crime</strong>s a ser considera<strong>do</strong> como decriminalidade organizada) e temporal (permanência e reiteração de vínculoassociativo)”.No Brasil, até os dias atuais, apesar de to<strong>do</strong> o caos vivencia<strong>do</strong> pelapopulação e da crise gerada em todas as esferas <strong>do</strong> poder, Legislativo, Executivo eJudiciário, ainda não existe um <strong>conceito</strong> <strong>no</strong>rmativo para <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>, nemlistagem de suas atividades típicas, embora haja legislação de combate a este tipode criminalidade. Desta forma, o preceito penal que mais se aproxima da fórmulasupra citada e que vem sen<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> a este tipo de ação delituosa, é o <strong>crime</strong> de


quadrilha ou ban<strong>do</strong>, art. 288 <strong>do</strong> Código Penal Brasileiro in verbis: “Associarem-semais de três pessoas, em quadrilha ou ban<strong>do</strong>, para o fim de cometer <strong>crime</strong>s: pena –reclusão de 1(um) a 3 (três) a<strong>no</strong>s”.Em análise ao referi<strong>do</strong> artigo, pode-se concluir, facilmente, que o perfildas organizações crimi<strong>no</strong>sas não se enquadra nesta tipificação, sen<strong>do</strong> o <strong>conceito</strong> de<strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong> muito mais complexo e abrangente, até mesmo pela repercussãointernacional que possui, bem como pelos da<strong>no</strong>s irreparáveis causa<strong>do</strong>s na política,eco<strong>no</strong>mia e sociedade. Neste senti<strong>do</strong> é muito interessante o ensinamento de FlávioGomes:O <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong> possui uma textura diversa: tem caráter transnacionalna medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresentacaracterísticas assemelhadas em várias nações; detém um imenso podercom base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhepermite aproveitar as fraquezas estruturais <strong>do</strong> sistema penal; provocada<strong>no</strong>sidade social de alto vulto; tem grande força de expansão,compreen<strong>do</strong> uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou comvítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tec<strong>no</strong>logia;apresenta um intrica<strong>do</strong> esquema de conexões com outros gruposdelinquenciais e uma rede subterrânea de conexões com os quadrosoficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos deextrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urdemil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou fragilizaros Poderes <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>. (GOMES, 1997, p. 75)A legislação <strong>brasil</strong>eira encontra-se defasada, impossibilitan<strong>do</strong> que osdelitos pratica<strong>do</strong>s pelas organizações crimi<strong>no</strong>sas sejam apura<strong>do</strong>s e apena<strong>do</strong>s deacor<strong>do</strong> com seu poder de lesividade. Sem a a<strong>do</strong>ção de um <strong>conceito</strong> delimita<strong>do</strong>torna-se ainda mais difícil a escolha de um méto<strong>do</strong> jurídico-social para o combate ao<strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>.O jornalista Amorim (2004, p. 17), após análise <strong>do</strong> assunto, declarou que“Certamente, as leis <strong>brasil</strong>eiras não estão adequadas a um país onde a televisãomostra que as favelas e bairros pobres são <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s por bandi<strong>do</strong>s arma<strong>do</strong>s atécom metralha<strong>do</strong>ras antiaéreas e foguetes”.Diferentemente <strong>do</strong> Brasil, outras nações, igualmente vítimas dasorganizações crimi<strong>no</strong>sas, já efetuaram modificações em suas legislações, de mo<strong>do</strong>que estas e suas atividades encontram-se tipificadas, permitin<strong>do</strong> uma identificaçãoprecisa e a perfeita aplicação da legislação pertinente. Esta é a situação de paísescomo a Itália, os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América e a Espanha.


É de suma importância a menção, neste estu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> de Palermo-Itália, resultante da Convenção da Organização das Nações Unidas sobre aDelinqüência Organizada Transnacional (2009, online), ocorrida <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> de 12 a15 de <strong>no</strong>vembro de 2000. De acor<strong>do</strong> com referi<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, constitui-se umaorganização crimi<strong>no</strong>sa aquela que reúna mais de três pessoas, de forma estável,visan<strong>do</strong> praticar <strong>crime</strong>s graves, assim considera<strong>do</strong>s aqueles puni<strong>do</strong>s com pena igualou superior a quatro a<strong>no</strong>s, com o intuito de lucro.Importante reparar que a inclusão <strong>do</strong> lucro como finalidade distancia o<strong>conceito</strong> de <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> de terrorismo, o que corresponde à opinião <strong>do</strong><strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r Araújo da Silva (2003, p. 35): “Ao acrescentar a finalidade econômica, talaproximação conceitual busca, [...], diferenciar <strong>no</strong> terre<strong>no</strong> jurídico-penal os <strong>conceito</strong>sde organização crimi<strong>no</strong>sa e terrorismo, ante a prevalência neste último <strong>do</strong> <strong>conceito</strong>ideológico”.3 CV – COMANDO VERMELHOPassaremos agora à análise da formação da principal associaçãocrimi<strong>no</strong>sa <strong>brasil</strong>eira nas dependências <strong>do</strong> Instituto Penal Cândi<strong>do</strong> Mendes, maisconheci<strong>do</strong> como o presídio de Ilha Grande. Por ser o marco histórico da instalação<strong>do</strong> <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> Brasil, antes de falarmos <strong>do</strong> surgimento das associaçõescrimi<strong>no</strong>sas, falaremos um pouco a respeito da história de referida unidade prisional,para que possamos compreender como tu<strong>do</strong> aconteceu.A construção <strong>do</strong> presídio data da época da Primeira República. Todavia, aprincípio, não consistia em um instituto penal, mas sim em um posto de fiscalizaçãosanitária para onde iam os navios com indícios de trazerem consigo a febre tifóideda Europa e as mazelas da África. Somente em 1920 é que vem a ser construída acadeia, com o intuito de abrigar os presos i<strong>do</strong>sos e aqueles que se encontravam emfase de térmi<strong>no</strong> de pena. Na década de 60 o presídio de Ilha Grande é promovi<strong>do</strong> àprisão de segurança máxima e passa a receber os bandi<strong>do</strong>s de maior periculosidade(AMORIM, 2004). Há onze a<strong>no</strong>s o Instituto Penal Cândi<strong>do</strong> Mendes foi implodi<strong>do</strong>.A princípio, as instalações <strong>do</strong> presídio eram precárias, não ofereciamqualquer tipo de conforto, por mínimo que fosse. Os galpões eram de madeira, o


chão de areia e cerca<strong>do</strong> por arame farpa<strong>do</strong>. Somente depois foram substituí<strong>do</strong>s porgalerias de três andares, como nas penitenciárias modernas (AMORIM, 2004). Emrazão das péssimas condições sanitárias os presos eram acometi<strong>do</strong>s por to<strong>do</strong> tipode praga. O escritor Gracilia<strong>no</strong> Ramos, em sua obra intitulada Memórias <strong>do</strong> Cárcere,descreve a respeito da vida <strong>no</strong> interior <strong>do</strong> presídio:[...] A gente mais ou me<strong>no</strong>s válida tinha saí<strong>do</strong> para o trabalho, e <strong>no</strong> curralse desmoronava o rebotalho da prisão, tipos sombrios, lentos, aquecen<strong>do</strong>seao sol, catan<strong>do</strong> bichos miú<strong>do</strong>s. Os males interiores refletiam-se nascaras lívidas, escaveiradas. E os exter<strong>no</strong>s expunham-se claros, feridashorríveis. Homens de calças arregaçadas exibiam as pernas cobertas dealgodão negro, purulento. As mucuranas haviam causa<strong>do</strong> esses destroços,e em vão queriam dar cabo delas. Na imensa porcaria, os infames piolhosentravam nas carnes, as chagas alastravam-se, não havia meio de reduzira praga. Deficiência de tratamento, nenhuma higiene, quatro ou seischuveiros para <strong>no</strong>vecentos indivíduos. Enfim, não <strong>no</strong>s enganávamos.Estávamos ali para morrer. (RAMOS, 1995 apud AMORIM, 2004, p. 52)Às terríveis instalações físicas junte-se o tratamento desuma<strong>no</strong> que erada<strong>do</strong> aos prisioneiros. Gracilia<strong>no</strong> Ramos, mesmo sem nunca ter i<strong>do</strong> a julgamento, foium <strong>do</strong>s presos políticos que passaram pela Colônia Correcional (anteriormente opresídio possuía esta identificação), e registrou o que lhe foi dito ao ser recebi<strong>do</strong>pelo encarrega<strong>do</strong> da segurança <strong>no</strong> presídio:Aqui não há direito. Escutem. Nenhum direito. Quem foi grande esqueça-sedisto. Aqui não há grandes. Os que têm protetores ficam lá fora. Atenção.Vocês não vêm corrigir-se, estão ouvin<strong>do</strong>? Não vêm corrigir-se: vêmmorrer! (RAMOS, 1995 apud AMORIM, 2004, p. 52)Uma outra mazela que sempre acompanhou a unidade prisional foi asuperlotação, não sen<strong>do</strong> esta, como muitos podem pensar, um privilégio das atuaisinstituições carcerárias. Apenas para se ter uma pequena <strong>no</strong>ção da situação, em1979 haviam 1.284 pessoas encarceradas <strong>no</strong> presídio, embora sua estruturacomportasse apenas 540 presos: é mais <strong>do</strong> que o <strong>do</strong>bro da quantidade.A população encarcerada sofria com a falta de alimentação, colchões,uniformes, papel higiênico (nunca foi forneci<strong>do</strong>) e cobertores, haja vista sualocalização próxima ao mar. Os próprios solda<strong>do</strong>s sofriam com o aban<strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>, que não fornecia adequadamente armas e munição, o que os forçava acomprá-los com sua remuneração. Por todas estas características deploráveis, opresídio de Ilha Grande ganhou a de<strong>no</strong>minação de “Caldeirão <strong>do</strong> Diabo”. Como se


vê, a atitude negligente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com a população carcerária e a segurançapública é um problema de priscas eras e independe de ser o Poder Executivoditatorial ou democrático. É neste perío<strong>do</strong>, precisamente em 79, que vai surgir umadas maiores facções crimi<strong>no</strong>sas de to<strong>do</strong>s os tempos: Coman<strong>do</strong> Vermelho.O surgimento <strong>do</strong> <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong> contou com um grande apoio <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> na década de 70. Em referi<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> o país vivenciava, mais uma vez, umperío<strong>do</strong> ditatorial. Como se sabe, a característica principal de to<strong>do</strong> regime que temcomo governante um dita<strong>do</strong>r é a perseguição e o massacre <strong>do</strong>s seus opositores,passan<strong>do</strong> por cima de to<strong>do</strong>s os direitos e garantias fundamentais inerentes aqualquer ser huma<strong>no</strong>.Muitos revolucionários políticos foram presos e encarcera<strong>do</strong>s <strong>no</strong> presídiode Ilha Grande. Os ativistas revolucionários de esquerda agiam movi<strong>do</strong>s por umaideologia política, seguiam o pensamento de “Che” Guevara, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>, os que erammais rebeldes, a luta armada. No intuito de descaracterizar a fundamentação políticaque guiava as ações destes, o gover<strong>no</strong> militar uniu num mesmo lugar presospolíticos e presos comuns. Neste senti<strong>do</strong> escreve Amorim:Sessenta e seis homens condena<strong>do</strong>s por atividades revolucionáriaspassaram pela Galeria B, entre 1969 e 1975, quan<strong>do</strong> os presos políticoscomeçaram a ser transferi<strong>do</strong>s para uma unidade especial <strong>do</strong> Departamento<strong>do</strong> Sistema Penitenciário (Desipe) [...] Ali aguardaram a anistia, quedevolveu to<strong>do</strong>s eles à liberdade. Os presos políticos foram embora, masdeixaram, muitas marcas na vida <strong>do</strong> presídio da Ilha Grande.Naquele mesmo setor <strong>do</strong> Instituto Penal Cândi<strong>do</strong> Mendes – a Galeria B –estavam os presos comuns condena<strong>do</strong>s por <strong>crime</strong>s previstos na LSN,como assaltos a bancos e instituições financeiras. O gover<strong>no</strong> militar tentoudespolitizar as ações da esquerda, tratan<strong>do</strong>-as como “simples banditismocomum”, o que permitia também uma boa argumentação para enfrentar aspressões políticas internacionais em prol da anistia e contra as denúnciasde tortura. Nivelan<strong>do</strong> o militante e o bandi<strong>do</strong>, o sistema cometeu um graveerro. O encontro <strong>do</strong>s integrantes das organizações revolucionárias com ocrimi<strong>no</strong>so comum rendeu um fruto perigoso: o Coman<strong>do</strong> Vermelho.(AMORIM, 2004, p. 58)A convivência permanente entre os presos políticos e os presos comunspossibilitou uma troca de conhecimentos. O preso político fornece informações queaté então nunca haviam si<strong>do</strong> passadas ao preso comum. Juntaram-se pessoas comalto nível intelectual e cultural com outras que não os tinham (em virtude, talvez, dabaixa escolaridade em boa parte <strong>do</strong>s casos), mas que dispunham de conhecimento<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>crime</strong>. Amorim transmite um pouco desta realidade ao relatar <strong>no</strong> livro


CV_PCC: A Irmandade <strong>do</strong> Crime, trechos de diálogos seus com algumas pessoasque estiveram <strong>no</strong> presídio como presos políticos:Ele me disse na ocasião que os presos comuns, quan<strong>do</strong> reuni<strong>do</strong>s aospresos políticos, “viviam uma experiência educa<strong>do</strong>ra”. “Passavam aentender o mun<strong>do</strong> e a luta de classes”, explicou, “compreenden<strong>do</strong> asrazões que produzem o <strong>crime</strong> e a violência”. O mais importante daconversa com o velho comunista se resume num comentário:- A influência <strong>do</strong>s prisioneiros políticos se dava basicamente pela força <strong>do</strong>exemplo, pelo idealismo e altruísmo, pelo fato de que, mesmoencarcera<strong>do</strong>s, continuávamos manten<strong>do</strong> organização e a disciplinarevolucionárias.(AMORIM, 2004, p.64)O intercâmbio cultural proporcio<strong>no</strong>u aos bandi<strong>do</strong>s comuns uma <strong>no</strong>vavisão, uma maior conscientização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que os cercava, absorveram as idéiasdaqueles e as aplicaram em suas atividades crimi<strong>no</strong>sas. Como conseqüência ocorreo surgimento de um tipo de <strong>crime</strong> mais elabora<strong>do</strong>, planeja<strong>do</strong> com mais cuida<strong>do</strong>. Ospresos comuns passaram a ler livros onde aprenderam técnicas sobre guerrilha esobre o marxismo, tais como: A guerrilha vista por dentro, Guerra de guerrilha (CheGuevara), O Manifesto <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Comunista (Karl Marx e Friedrich Engels), AConcepção Materialista da História (Afanassiev), A História da Riqueza <strong>do</strong> Homem(Leo Hubberman) e Conceitos Elementares de Filosofia (Martha Hannecker)(AMORIM, 2004, P. 95). Sobre a herança deste intercâmbio cultural também falouWillian (1991 apud AMORIM, 2004, p. 95), funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho:[...] Quan<strong>do</strong> os presos políticos se beneficiaram da anistia que marcou o fim<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo, deixaram na cadeia presos comuns politiza<strong>do</strong>s,questiona<strong>do</strong>res das causas da delinqüência e conhece<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s ideais <strong>do</strong>socialismo. Essas pessoas, por sua vez, de alguma forma permaneceramestudan<strong>do</strong> e passan<strong>do</strong> suas informações adiantes [...] Repercutiamfortemente na prisão os movimentos de massa contra ditadura, e chegavam<strong>no</strong>tícias da preparação da luta armada. Agora Che Guevara e Régis Debrayeram li<strong>do</strong>s. Não tardaria contato com grupos guerrilheiros em vias decriação. (WILLIAN, 1991 apud AMORIM, 2004, p. 95)No interior <strong>do</strong> presídio de Ilha Grande, em 1979, quan<strong>do</strong> já não haviamais presos políticos, a massa presidiária encontrava-se divida. Pode-se dizer queem cada pavilhão havia um grupamento de presos e seus adeptos e cada“comunidade” possuía uma forma de agir e interagir. Desta forma, chega-sefacilmente à conclusão de que o poder dentro <strong>do</strong> presídio estava fragmenta<strong>do</strong> entre


as muitas organizações. Passa-se a transcrever trechos da obra de Amorim ondeeste apresenta as divisões internas, bem como a atividade de cada grupo:A falange Zona Sul comanda a maior parte da Galeria C. [...] Aespecialidade <strong>do</strong> grupo é o jogo e o tráfico de drogas <strong>no</strong> presídio. [...] Afalange exerce influência sobre cem inter<strong>no</strong>s, especialmente porque seresponsabiliza por uma série de tarefas de interesse comum, colaboran<strong>do</strong>com a administração na manutenção de instalações e serviços da cadeia.A falange da Coréia é a <strong>do</strong>na de um pedaço da Galeria C. [...] Cem presosacatam as ordens <strong>do</strong>s líderes da gangue. A prática de violência sexual e oataque para roubar outros presos são a característica desses ‘falangistas’.[...] Mais tarde, quan<strong>do</strong> estoura a guerra que vai dar a hegemonia <strong>do</strong>presídio ao Coman<strong>do</strong> Vermelho, os <strong>do</strong>is grupos da Galeria C se unem eformam e o Terceiro Coman<strong>do</strong>.Outra falange da Ilha Grande reúne os ‘Independentes’ ou ‘Neutros’. Naverdade uma neutralidade aparente, porque esses homens são uma forçade apoio da Falange Jacaré. [...] Os ‘neutros’ têm atuação reconhecida pormais de duzentos presidiários na Ilha Grande.A Falange Zona Norte ou Jacaré é que determina para onde o vento sopra.[...] As outras falanges mantêm com a jacaré uma prudente relação derespeito e colaboração. Os únicos inimigos <strong>do</strong> grupo estão tranca<strong>do</strong>s <strong>no</strong>‘fundão’, praticamente incomunicáveis, sem contato com o resto <strong>do</strong> presídio.Lá se organiza a falange LSN, embrião <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho, soborientação de alguns presos que tiveram a vida carcerária tremendamenteinfluenciada pelos condena<strong>do</strong>s de <strong>origem</strong> política. [...] A Falange Jacaréadministra o pedágio na Galeria D e <strong>no</strong> próprio coletivo <strong>do</strong> Presídio Cândi<strong>do</strong>Mendes. Tráfico de drogas e armas, só com a participação ou autorização<strong>do</strong> grupo, que recolhe um ‘dízimo’. Ou seja: toda a atividade crimi<strong>no</strong>sa nacadeia só serve para aumentar o poder <strong>do</strong>s ‘jacarés’.(AMORIM, 2004, p. 70-73)Esta fragmentação <strong>do</strong> poder e as péssimas condições de vida <strong>do</strong>sinter<strong>no</strong>s vai ser o estopim para uma luta entre as facções, da qual sairá vence<strong>do</strong>ra afacção que ficará conhecida como Coman<strong>do</strong> Vermelho. Como se observa, asfalanges Jacaré, Coréia, Zona Sul e Independentes comandavam a rotina de terrorque submetia a to<strong>do</strong>s os demais inter<strong>no</strong>s. A reação a estes <strong>crime</strong>s inicia-se demaneira discreta <strong>no</strong> “fundão”, localiza<strong>do</strong> na Galeria B. Os motivos que serviram debase para o conflito entre as falanges e a organização <strong>do</strong>s detentos <strong>do</strong> “fundão” sãorelata<strong>do</strong>s por Amorim com base <strong>no</strong> relato de Willian, o primeiro líder <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong>Vermelho:O ambiente era paranóico, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por desconfianças e me<strong>do</strong>, nãoapenas da violência <strong>do</strong>s guardas, mas também da ação de quadrilhasformadas por presos para roubar, estuprar e matar seus companheiros. [...]Matava-se com freqüência, por rivalidades internas, por diferenças trazidasda rua ou por encomenda da própria polícia, que explorava de formaescravagista o trabalho obrigatório e gratuito. [...] Oito presos da Galeria B,que tiveram contato muito próximo com os militantes das organizaçõesrevolucionárias, formam um grupo coeso. Uma fé cega, uma ‘questão de


princípio”: responder à violência das falanges. Se preciso, com violênciaainda maior.(AMORIM, 2004, p.99)Mais uma vez, apresenta-se claramente a parcela de culpa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>para o surgimento das organizações crimi<strong>no</strong>sas. Policiais são cita<strong>do</strong>s como um <strong>do</strong>sinteressa<strong>do</strong>s, estimula<strong>do</strong>res e beneficia<strong>do</strong>s pela onda de <strong>crime</strong>s que assolava asdependências <strong>do</strong> presídio. A existência de facções com o fim de obter vantagens,patrimoniais ou não, <strong>no</strong> interior <strong>do</strong> presídio já se apresenta como um poder paraleloao estatal. Isto porque, na realidade, quem controla os presos são os líderes dasfalanges, embora seja este controle uma obrigação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o responsável pelaadministração e manutenção das unidades prisionais em to<strong>do</strong> o país.O mais desola<strong>do</strong>r em tu<strong>do</strong> isto é constatar que o Esta<strong>do</strong>, apesar daslições <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, permanece <strong>no</strong> seu erro. Os problemas de outrora são facilmenteconstata<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s dias atuais em <strong>no</strong>ssos presídios. Estes continuam abrigan<strong>do</strong> juntoto<strong>do</strong> e qualquer tipo de preso, independentemente <strong>do</strong>s tipos penais que tenham si<strong>do</strong>pratica<strong>do</strong>s por ele, o que transforma qualquer presídio em uma verdadeirauniversidade <strong>do</strong> <strong>crime</strong>. As instalações precárias ainda se fazem presentes, bemcomo o problema da super lotação. A corrupção de agentes estatais permanece,caso contrário não seriam encontra<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s presídios armas, telefones celular,drogas, entre outros.Onze prisioneiros pertencentes ao Coman<strong>do</strong> Vermelho haviam searticula<strong>do</strong> para executar uma tentativa de fuga <strong>no</strong> dia 18 de agosto de 1979.Todavia, apesar <strong>do</strong> pla<strong>no</strong> ter si<strong>do</strong> muito bem arquiteta<strong>do</strong>, a evasão <strong>do</strong>s prisioneirosnão se concretiza, pois um <strong>do</strong>s presidiários, que possuía passagem livre entre todasas falanges, delata a tentativa de fuga ao capitão. Esta delação vai precipitar aguerra entre as falanges pela hegemonia <strong>do</strong> poder dentro <strong>do</strong> presídio, ocasionan<strong>do</strong>um massacre que ficou conheci<strong>do</strong> como “A Noite de São Bartolomeu” (AMORIM,2004, p. 121).O responsável pela delação assi<strong>no</strong>u sua sentença de morte perante oComan<strong>do</strong> Vermelho, que decidiu que o fato não poderia passar impune. A partir deentão se inicia uma investigação para apurar quem havia alerta<strong>do</strong> o capitão sobre afuga. O resulta<strong>do</strong> da investigação, como é mostra<strong>do</strong> por Amorim, é catastrófico e vaipiorar ainda mais as relações entre as falanges:


A sentença de morte é irrecorrível. Alguém vai mesmo morrer. To<strong>do</strong>s oshomens que aceitam a orientação <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho, dentro e fora daGaleria LSN, procuram a pista que leve ao delator. [...] por uma dessasinfelicidades da vida, as melhores informações apontam na direção dapessoa errada. É um preso que há tempos carrega a suspeita de colaborarcom a administração <strong>do</strong> presídio. Só para piorar: é inter<strong>no</strong> <strong>do</strong> território daFalange Jacaré, na Galeria C. Foi assassina<strong>do</strong> a facadas <strong>no</strong> dia 13 desetembro de 1979. Mas não tinha nada a ver com o peixe. (AMORIM, 2004,p.126)A Falange <strong>do</strong> Jacaré, como já era de se esperar, não deixa passarimpune a morte de um de seus “súditos”, pois o <strong>crime</strong> para eles consistiu em umadeclaração expressa de hostilidade. Grandes inimigos <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho, oschefes de aludida falange começam a estudar uma forma de se vingarem <strong>do</strong> gruporival. O mo<strong>do</strong> encontra<strong>do</strong> é desmoralizar as “leis” <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho dentro <strong>do</strong>seu território. O pla<strong>no</strong> era muito simples: um inter<strong>no</strong> da Galeria B, área <strong>do</strong>minadapela Falange LSN, assalta um companheiro de cela e repassa o dinheiro para um<strong>do</strong>s comandantes da Falange Jacaré (AMORIM, 2004, p. 131). A morte <strong>do</strong>transgressor foi descrita <strong>no</strong> livro de memórias de Silva :[...] um preso <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso coletivo assaltou um companheiro, rompen<strong>do</strong> opacto de não-violência que havíamos estabeleci<strong>do</strong> entre nós. Comoagravante, assumiu uma posição desafia<strong>do</strong>ra quan<strong>do</strong> o assunto foi trazi<strong>do</strong> àluz: estava inspira<strong>do</strong> e apoia<strong>do</strong> pela quadrilha que então <strong>do</strong>minava toda aIlha Grande, cobran<strong>do</strong> pedágios, matan<strong>do</strong> e estupran<strong>do</strong>. O produto <strong>do</strong>roubo, quan<strong>do</strong> investigamos, já fora envia<strong>do</strong> para fora <strong>do</strong> “fundão”. Era umaprovocação. Aceitar sua impunidade seria uma confissão de fraqueza,desunião e pusilanimidade. Nesses momentos críticos é que a vida se põe àprova. Em <strong>no</strong>sso caso, o cadáver <strong>do</strong> preso assaltante, retira<strong>do</strong> aindaensangüenta<strong>do</strong> e quente pelos guardas, ao longo das galerias, anunciou atoda Ilha grande que não estávamos intimida<strong>do</strong>s, nem rendi<strong>do</strong>s, nembrincan<strong>do</strong>. Quem, diante de nós, quisesse manter os velhos hábitos dascadeias – estupran<strong>do</strong>, matan<strong>do</strong> e assaltan<strong>do</strong> – que se preparasse para asconseqüências.(SILVA, 1991 apud AMORIM, 2004, p. 132)Como se pode observar, os <strong>do</strong>is principais grupos que comandavam opresídio de Ilha Grande, Falange Jacaré e Falange LSN, desde a tentativa de fugaem massa frustrada, encontravam-se em uma verdadeira luta pela soberaniaperante os inter<strong>no</strong>s. As duas demonstrações de poder acima relatadas não tinhamsi<strong>do</strong> suficientes para determinar a superioridade de uma sobre a outra.Assim sen<strong>do</strong>, os responsáveis pelo Coman<strong>do</strong> Vermelho, Falange LSN,lançam o ultimato aos líderes da Falange Zona Norte. Estes, dentro <strong>do</strong> prazoimprorrogável de 48 horas, deveriam escolher entre a<strong>do</strong>tar as regras da organizaçãoou serem executa<strong>do</strong>s. Em um momento de introspecção, os presos da Falange Zona


Norte decidem não sair mais de sua galeria, nem mesmo para se alimentarem(AMORIM, 2004, P. 133). Finda as 48 horas, a Falange Jacaré não se submeteu àfacção rival. Vai iniciar-se A Noite de São Bartolomeu, abaixo descrita por Amorim:Durante toda a madrugada os “vermelhos” afiam as armas. [...] O Coman<strong>do</strong>Vermelho invade a galeria ao raiar <strong>do</strong> dia. [...] O grupo anuncia aos berrosque vai poupar a vida de quem quiser se render [...] A galeria é só gritos. [...]A pressão é tão grande que os prisioneiros encurrala<strong>do</strong>s resolvem enfrentaro ultimato frente a frente. [...] A idéia é mostrar que não têm me<strong>do</strong> e quetu<strong>do</strong> não passa de um blefe <strong>do</strong>s “vermelhos”. A batalha é rápida, sangrenta,implacável. Mais de três dezenas de homens <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho caemem cima deles. São mortos a socos e pontapés, pauladas e golpes deestoque. [...] Isso basta para que dez presos se rendam e passem à “cela desegurança’, cuja porta está vigiada pelo Coman<strong>do</strong>. [...] a porta <strong>do</strong> cubículo24 começa a ser arrombada [...] é a vez <strong>do</strong>s líderes mais temi<strong>do</strong>s daFalange Zona Norte [...] Os quatros são despedaça<strong>do</strong>s em minutos, a cela éinvadida e outros dez presos são feri<strong>do</strong>s. [...] o massacre de 17 de setembrode 1979 marca a tomada <strong>do</strong> poder pelo Coman<strong>do</strong> Vermelho na Ilha Grande.Os grupos me<strong>no</strong>res, que viviam à sombra da Falange Zona Norte,estabelecem imediatamente um pacto com os “vermelhos”: a cadeia agoratem uma só liderança. (AMORIM, 2004, p. 134-136)A principal conseqüência <strong>do</strong> massacre é a ascensão inequívoca esurgimento <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho como grupo organiza<strong>do</strong>. Devi<strong>do</strong> à gravidade <strong>do</strong>sfatos, o Comandante <strong>do</strong> Presídio faz um relatório minucioso sobre os fatos e suasprováveis conseqüências e o envia às autoridades estaduais. Mais uma vez oEsta<strong>do</strong> foi omisso e não tomou nenhuma providência, o que possibilitou afortificação <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho, que levou sua experiência para as demaisinstituições penais.A partir de então o Coman<strong>do</strong> Vermelho envere<strong>do</strong>u por um processo decrescimento, atrain<strong>do</strong> cada vez mais adeptos. A facção crimi<strong>no</strong>sa sofreu inúmerasmodificações <strong>no</strong> decorrer de sua história, principalmente <strong>no</strong> tocante ao seurelacionamento com a comunidade carente que o rodeia.Os chefes <strong>do</strong> tráfico, <strong>no</strong> início, mantinham um relacionamento de respeitoe apadrinhamento para com os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> morro, talvez em virtude <strong>do</strong>sensinamentos marxistas adquiri<strong>do</strong>s com os presos políticos. Atualmente impera apolítica <strong>do</strong> terror, imposta não mais apenas às pessoas estranhas ao seu convívio,mas, igualmente, àqueles que residem na comunidade. Funciona como um meio deintimidação, evitan<strong>do</strong> qualquer conflito inter<strong>no</strong> pelo poder e asseguran<strong>do</strong> o apoiodestes, por intermédio <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, às suas causas.


O espaço a ser conquista<strong>do</strong> não está mais circunscrito às dependênciasde um presídio: é chegada a hora de se conquistar os espaços urba<strong>no</strong>s, pontosestratégicos da cidade para a venda de substâncias entorpecentes; as disputas edemonstrações de poder não se resumem mais em lutas entre facções: o Esta<strong>do</strong>, asociedade, é o mais recente e cobiça<strong>do</strong> alvo, instauran<strong>do</strong>-se uma “guerra” nãodeclarada entre o Esta<strong>do</strong> Civil e o Poder Paralelo <strong>do</strong>s traficantes.O maior, e quase lendário, traficante da atualidade e um <strong>do</strong>s mais temi<strong>do</strong>sde to<strong>do</strong>s os tempos é o atual chefe <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho: Luiz Fernan<strong>do</strong> da Costa,vulgo Fernandinho Beira-Mar. Sua periculosidade é tamanha que ganhou o título de“maior traficante da América <strong>do</strong> Sul” e é considera<strong>do</strong> pelo gover<strong>no</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>como uma ameaça à segurança pública. Sua principal área de atuação é o tráfico,nacional e internacional, de drogas, mas é, também, acusa<strong>do</strong> por vários outros tipospenais, entre eles o homicídio. Amorim apresenta as dimensões financeiras <strong>do</strong>s“negócios” de Beira-Mar:Os homens liga<strong>do</strong>s à inteligência da polícia <strong>do</strong> Rio de Janeiro garantem queele movimenta 240 milhões de dólares por a<strong>no</strong>. É, provavelmente, o maiortraficante <strong>brasil</strong>eiro, expoente <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho, com influência <strong>no</strong>Paraguai, na Bolívia e na Colômbia. [...] A operação crimi<strong>no</strong>sa deFernandinho Beira-Mar rende, segun<strong>do</strong> a polícia, quatro milhões de dólaresde lucro líqui<strong>do</strong> por mês, cerca de 44 milhões de dólares pó a<strong>no</strong>. Semimpostos. É uma das mais rentáveis empresas <strong>do</strong> país. (AMORIM, 2004, p.27)Não se pode negar que Beira-Mar seja um empresário, ainda que seja umempresário <strong>do</strong> <strong>crime</strong>. Como tal está sempre em busca de melhorias para seunegócio. O mais <strong>no</strong>vo sonho de Fernandinho é a unificação <strong>do</strong> tráfico de drogas,obviamente sob seu coman<strong>do</strong>. A história <strong>do</strong> <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> Brasil encontra-sea um passo de mais uma grande modificação <strong>no</strong> seu modus operandi.Embora o projeto de Fernandinho Beira-Mar pareça, à primeira vista,utopia, já galgou alguns passos significativos e encaminha-se, caso não haja umamudança drástica nas políticas de segurança pública, para sua concretização. Aprimeira preocupação <strong>do</strong> narcotraficante foi a de eliminar a concorrência, ou seja,seus principais adversários. Para isto conta com o apoio de outras facçõescrimi<strong>no</strong>sas, às quais esta alia<strong>do</strong>. Para uma melhor compreensão <strong>do</strong>s fatos observesemais uma vez os ensinamentos de Amorim:


[...] o maior traficante <strong>brasil</strong>eiro está a um passo de reunir negócio em tor<strong>no</strong>de uma entidade que ele chama de Federação. Os alia<strong>do</strong>s Coman<strong>do</strong>Vermelho, PCC e Coman<strong>do</strong> Vermelho Jovem eliminaram, na rebelião deBangu Um, o principal líder adversário, Ernal<strong>do</strong> Pinto de Medeiros, o Uê. [...]Em seguida, o traficante Celsinho da Vila Vintém, chefe da ADA (Amigos<strong>do</strong>s Amigos, como na Máfia Siciliana Amici dei tutti Amici), se rendeu. [...]De outro la<strong>do</strong>, em São Paulo, o PCC ataca e destrói parte da Seita Satânicae <strong>do</strong> CDL, organizações ativas dentro e fora das cadeias paulistas. Oshomens <strong>do</strong> PCC já eliminaram a maioria <strong>do</strong>s chefes desses grupos,assassina<strong>do</strong>s em revoltas carcerárias. Na rua, o méto<strong>do</strong> é o de chacinar osadversários em bares e pontos-de-venda de drogas na periferia,principalmente na zona sul da capital paulista. [...] A Federação estendesuas garras por quase to<strong>do</strong> o país. (AMORIM, 2004, p.33)Embora existam em território <strong>brasil</strong>eiro várias outras organizaçõescrimi<strong>no</strong>sas, nenhuma destas possui a amplitude e magnitude <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong>Vermelho. Após tantos a<strong>no</strong>s, os “vermelhos” continuam <strong>no</strong> topo <strong>do</strong> poder, são umexemplo a ser segui<strong>do</strong> por tantas outras facções, ten<strong>do</strong> inclusive inspira<strong>do</strong> osurgimento de algumas, como o PCC, que passamos analisar <strong>no</strong> tópico seguinte.4 PCC – PRIMEIRO COMANDO DA CAPITALComo foi dito <strong>no</strong> item anterior, o Coman<strong>do</strong> Vermelho serviu de exemplo ebase para a constituição de outras facções crimi<strong>no</strong>sas. Estas, observan<strong>do</strong> toda atrajetória <strong>do</strong>s “vermelhos”, criam “leis” de conduta e estrutura interna semelhantes àa<strong>do</strong>tada por aqueles. Os elementos em comum entre a formação de uma e outrafacção serão apresenta<strong>do</strong>s <strong>no</strong> decorrer da apresentação <strong>do</strong>s fatos.Um <strong>do</strong>s primeiros pontos em comum que se pode detectar na formaçãodas duas quadrilhas é a inércia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Assim como <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong>Vermelho, pessoas ligadas ao sistema penal paulista elaboraram, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1993,relatórios que informavam sobre a existência e formação <strong>do</strong> PCC.Em 1995, uma repórter da Band alerta para a existência <strong>do</strong> “Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>Crime” em rede nacional. Já em 1996, circulava <strong>no</strong> interior <strong>do</strong>s presídios paulista<strong>no</strong>so “estatuto” <strong>do</strong> Primeiro Coman<strong>do</strong> da Capital. Apesar de to<strong>do</strong>s estes fatos e deprovas inequívocas da existência da organização crimi<strong>no</strong>sa, o gover<strong>no</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> deSão Paulo permanece inerte, o que permitiu o florescimento desta sem maiorescontratempos.


O berço da formação <strong>do</strong> PCC é a Casa de Custódia de Taubaté, <strong>no</strong>interior de São Paulo. A união <strong>do</strong>s primeiros membros da associação crimi<strong>no</strong>saocorre, literalmente, de maneira esportiva. O esporte, como não poderia deixar deser, é o futebol, a grande paixão <strong>do</strong>s <strong>brasil</strong>eiros. A partir da formação <strong>do</strong> time defutebol, os detentos ampliam seus horizontes, estreitam os laços que os uniam ecriam o PCC, o maior grupo organiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo. O jornalista CarlosAmorim apresenta com riqueza de detalhes está transformação:Na cela sempre escura da Casa de Custódia de Taubaté [interior de SãoPaulo], numa quinta-feira, os seis detentos ainda estavam com as camisassuadas. [...] O talento com a bola tinha rendi<strong>do</strong> a eles fama e liderança naprisão. E também um <strong>no</strong>me para o time: “Coman<strong>do</strong> da Capital”. Transferi<strong>do</strong>sde São Paulo para o interior, foram desafia<strong>do</strong>s pelo time local [da cadeia],forma<strong>do</strong> por presos da terra: “Os Caipiras”. Naquela <strong>no</strong>ite, mais uma vitória.Cesinha, franzi<strong>no</strong> de olhos incrivelmente vivos, questiona oscompanheiros de penas:‘- Nossa união e luta vai se resumir à vitória <strong>no</strong> futebol? Porque não aproveitamos esta força para lutar pelos <strong>no</strong>ssos direitos? Atéquan<strong>do</strong> vamos ser trata<strong>do</strong>s assim, sem respeito?’Geléia [José Márcio Felício], amigo de coração e de <strong>crime</strong> deCesinha [César Augusto Roriz], acompanhou o discurso inflama<strong>do</strong> <strong>do</strong> outroe também falou naquela <strong>no</strong>ite:‘- Como vamos chamar esse <strong>no</strong>vo ‘time’?- Primeiro Coman<strong>do</strong> da Capital – batizou Cesinha, usan<strong>do</strong>parte <strong>do</strong> <strong>no</strong>me <strong>do</strong> time que os consagrara na cadeia.’ (AMORIM, 2004, p.374)A partir deste momento foi cria<strong>do</strong> o PCC. O próximo passo foi colocaras idéias em prática. As propostas apresentadas pelos dirigentes <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> àmassa carcerária eram de cunho social, conseqüentemente, <strong>do</strong> interesse de to<strong>do</strong>sos aprisiona<strong>do</strong>s. Desta forma, não foi muito difícil conquistar o apoio e adesãodestes ao movimento, o que permitiu um crescimento impressionante em um curtoespaço de tempo como <strong>no</strong>s mostra Amorim:[...] Subestima<strong>do</strong> pelo gover<strong>no</strong>, que não conhece a realidade das cadeias, oPCC criou raízes em to<strong>do</strong> o sistema carcerário paulista. Nas prisões,diretores ultrapassa<strong>do</strong>s, da época repressão [<strong>no</strong> regime militar], tentavamresolver o problema de maneira que em foram <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>s: porretes,choques, água fria, porrada ... Não foi suficiente. Em me<strong>no</strong>s de três a<strong>no</strong>s, jáeram três mil. Em me<strong>no</strong>s de dez a<strong>no</strong>s, 40 mil. (AMORIM, 2004, p. 375)Eis um outro aspecto em comum entre as organizações CV e PCC:movimentos sociais <strong>do</strong> interesse de to<strong>do</strong>s os detentos. Semelhante ao que fez oComan<strong>do</strong> Vermelho <strong>no</strong> Presídio de Ilha Grande, os líderes <strong>do</strong> Primeiro Coman<strong>do</strong>


conseguem a adesão da massa carcerária contra o sistema presidiário ao expor aquestão da solidariedade entre eles. Estabelecem ainda regras de conduta a seremaceitas por to<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> puni<strong>do</strong>s com morte eventuais desvios de conduta.O momento culminante, em que a sociedade toma conhecimento daexistência da organização paulista, se dá durante a rebelião <strong>do</strong>s presidiários, <strong>no</strong> dia18 de fevereiro de 2001. Todavia, não foi uma rebelião qualquer. Os dirigentes <strong>do</strong>parti<strong>do</strong> conseguiram algo, até então, inimaginável: mobilizaram a massa carcerária<strong>do</strong>s maiores presídios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo.Aludi<strong>do</strong> movimento deixou as autoridades públicas de segurança empânico, pois jamais haviam visto uma articulação de tamanha grandiosidade, umavez que as rebeliões nas unidades presidiárias sempre se concentravam em umúnico presídio. Ainda havia um detalhe aterra<strong>do</strong>r, tanto para as autoridades comopara a sociedade: a rebelião, que se iniciou <strong>no</strong> Carandiru, ocorreu justamente <strong>no</strong> diae <strong>no</strong> momento em que ocorria a visita <strong>do</strong>s familiares aos presos. Muitas vidasestavam em questão, qualquer atitude que o Esta<strong>do</strong> fosse tomar deveria ser muitobem pensada e articulada, pois uma ação desastrosa significaria a perda de muitasvidas, entre elas muitas crianças.A rebelião foi toda organizada de dentro <strong>do</strong>s presídios, através deaparelhos celulares, entre outros artifícios. A entrada desses aparelhos telefônicosdentro das instituições ocorreu, sem sombras de dúvida, com o auxílio de guardas,os responsáveis pela vistoria de to<strong>do</strong>s aqueles que entram e saem <strong>do</strong> presídio.Sobre a organização <strong>do</strong> motim, <strong>no</strong>s esclarece Amorim:Durante a <strong>no</strong>ite de sába<strong>do</strong> e a madrugada de <strong>do</strong>mingo, os líderes <strong>do</strong>Primeiro Coman<strong>do</strong> da Capital (PCC), espalha<strong>do</strong>s por presídios em quaseto<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> de São Paulo, decretam a revolta. A principal arma <strong>do</strong>srevoltosos é o telefone celular, introduzi<strong>do</strong> nas celas com a conivência <strong>do</strong>sguardas. [...] Eles passam oras falan<strong>do</strong> <strong>no</strong>s peque<strong>no</strong>s aparelhos telefônicos.Não foram detecta<strong>do</strong>s. Mas foram atendi<strong>do</strong>s pela metade de to<strong>do</strong>s os 60 milencarcera<strong>do</strong>s. A ordem [...] é muito simples: quan<strong>do</strong> as visitas estiveremdentro <strong>do</strong>s muros, <strong>no</strong> <strong>do</strong>mingo, dia quase sagra<strong>do</strong> de receber os familiares,as crianças, amigos, começa o levante. (AMORIM, 2004, p. 385)A principal motivação para o levante era o retor<strong>no</strong> <strong>do</strong>s chefões <strong>do</strong> PCCque haviam si<strong>do</strong> transferi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is dias antes para presídios localiza<strong>do</strong>s <strong>no</strong> interior.As autoridades passaram, aproximadamente, onze horas negocian<strong>do</strong> as condiçõese o fim para o motim. A transferência <strong>do</strong>s líderes foi a única coisa que não foi


concedida, por ordem expressa <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r Geral<strong>do</strong> Alkimim. Sobre o desenrolar<strong>do</strong>s fatos escreveu Amorim:Guardas penitenciários são cerca<strong>do</strong>s e rendi<strong>do</strong>s. Começa o alvoroço dasvisitas. [...] No interior das galerias, colchões são incendia<strong>do</strong>s. Presos rivaissão mortos por grupos arma<strong>do</strong>s. Vários foram degola<strong>do</strong>s. Em me<strong>no</strong>s deuma hora, mais de dez presídios estão na mesma situação. Duas horasdepois, o número já passa de vinte. [...] A tropa de choque da Polícia Militarconvoca to<strong>do</strong> o seu efetivo, reunin<strong>do</strong> mais de <strong>do</strong>is mil policiais. [...] A forçapública cerca os presídios, em dezenas de cidades paulistas. [...] Os mortossomam 16, muitos <strong>do</strong> quais espanca<strong>do</strong>s e perfura<strong>do</strong>s com dezenas degolpes de estoques. [...] Os <strong>crime</strong>s - <strong>no</strong> entanto - foram cometi<strong>do</strong>s de formabrutal. To<strong>do</strong>s os cadáveres alinha<strong>do</strong>s em 19 de fevereiro de2001,pertenciam a grupos rivais ao PCC,especialmente à Seita Satânica [...]além <strong>do</strong> CDL (Comitê da Liberdade) [...] Com a rebelião, o PCC declaravapublicamente a sua hegemonia sobre os presídios paulistas. Umahegemonia referendada pela própria amplitude da rebelião, que mobilizou27 mil presidiários. (AMORIM, 2004, p. 386)A grande revolta foi idealizada e organizada por José Márcio Felício, vulgo“Geléia” ou “Geleião”. A história pessoal <strong>do</strong> mentor é marcada de fatos lastimáveis,tanto de ordem econômica como de ordem pessoal, familiar. É importante que suahistória seja apresentada porque ela se repete to<strong>do</strong>s os dias, nas ruas das grandescapitais <strong>do</strong> país. Não se pretende defender os atos hedion<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s pelotraficante e homicida Geléia, mas pretende-se chamar a atenção para a história <strong>do</strong>meni<strong>no</strong> José Márcio, para que a sociedade e o Esta<strong>do</strong> se mobilizem para ofertar atantas crianças em situações vulneráveis uma vida mais digna. Veja alguns trechos<strong>do</strong> livro de Amorim:Aos setes a<strong>no</strong>s [...] estava para ser aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pela segunda vez. Quan<strong>do</strong>nasceu, a mãe verdadeira o largou aos cuida<strong>do</strong>s de uma senhora cristã quese prestou a criá-lo. [...] Mesmo com muitas carências, era um ambienteaparentemente seguro, onde o garoto crescia com alguma proteção e afeto.Mas o quadro muda de repente. [...] A madrasta arrumou um mari<strong>do</strong> [...] Naquebra-de-braço com o padrasto [...] o meni<strong>no</strong> perdeu. [...] A mãe agora oestimulava a ficar na casa de amigos <strong>do</strong> bairro [...] queria que o peque<strong>no</strong>deixasse de ser um obstáculo [...] José foi fican<strong>do</strong> longe. Tão longe quecomeçou a não voltar. A turma da vizinhança – onde já havia garotosliga<strong>do</strong>s ao <strong>crime</strong> – pesava decisiva na balança da vida. (AMORIM, 2004, p.371)Ainda <strong>no</strong> livro de Amorim, pode-se encontrar o relato de Willian, funda<strong>do</strong>r<strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho, que declara o que ocorre com muitas crianças que moram<strong>no</strong> morro. É lastimável, mas é a realidade de crianças que crescem sem umaperspectiva de vida:


[...] Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fuman<strong>do</strong> e venden<strong>do</strong>basea<strong>do</strong>. Futuramente, elas serão três milhões de a<strong>do</strong>lescentes quematarão vocês [a polícia] nas esquinas. Já pensou o que serão três milhõesde a<strong>do</strong>lescentes e dez milhões de desemprega<strong>do</strong>s em armas? QuantosBangu Um, Dois, Três, Quatro, Cinco... terão que ser construí<strong>do</strong>s paraencarcerar essa massa?(AMORIM, 2004, p. 348)As palavras de Willian são o retrato fiel da vida miserável e sofrida dascrianças e jovens <strong>do</strong> Brasil. Desta forma, é fácil compreender o aumento dacriminalidade juvenil, sen<strong>do</strong> cada vez me<strong>no</strong>r a faixa etária <strong>do</strong> jovem que entra <strong>no</strong>mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>crime</strong>.5 CONCLUSÃOApós esta breve exposição entor<strong>no</strong> <strong>do</strong> desenvolvimento da criminalidadeorganizada <strong>no</strong> Brasil, é forçoso reconhecer que ainda há muito a ser feito. Aexistência de uma legislação de combate a este tipo de <strong>crime</strong> não é suficiente, por sisó, para solucionar o problema das facções crimi<strong>no</strong>sas, sobretu<strong>do</strong> por ter silencia<strong>do</strong>sobre uma questão vital para a sua mais ampla e perfeita aplicação: não traz em seubojo uma tipificação que defina e delimite o que se entende por <strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>.Ações crimi<strong>no</strong>sas que repercutem com um impacto sem igual dentro da sociedade,atingin<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s indistintamente, merecem um tratamento diferencia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s demaistipos de <strong>crime</strong>s.Além da elaboração de leis, o Esta<strong>do</strong> deve montar estratégias de cunhosocioeconômico, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> demonstra<strong>do</strong> <strong>no</strong> decorrer <strong>do</strong> trabalho que a falta deperspectiva serve de fomento para a entrada de jovens <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>crime</strong>. Destaforma, deve existir um maciço investimento estatal nas áreas sociais, comoemprego, educação, lazer, melhores salários, saúde, entre outros, funcionan<strong>do</strong>como medidas preventivas à medida que proporciona uma melhoria na qualidade devida das pessoas, crian<strong>do</strong> <strong>no</strong>vas perspectivas de vida.A história da formação e <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> Vermelho (CV)e Primeiro Coman<strong>do</strong> da Capital (PCC) <strong>no</strong>s mostra o quanto o poder público foirelapso ao não enfrentar o problema que se desenvolvia <strong>no</strong> interior de suas


instituições prisionais. Não se pode afirmar que o enfrentamento <strong>do</strong> problema, aindaem seu nasce<strong>do</strong>uro, teria impedi<strong>do</strong> o surgimento de facções crimi<strong>no</strong>sas, mas talveztivesse funciona<strong>do</strong> como um freio para o crescimento desenfrea<strong>do</strong> <strong>do</strong> poderiodestas.Recentemente, em 2010, o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro, em atitude louvávelapós uma série de ataques à população, desenvolveu uma operação de combate ao<strong>crime</strong> organiza<strong>do</strong>, in<strong>do</strong> buscar seus principais membros e colabora<strong>do</strong>res dentro <strong>do</strong>sseus redutos, onde até então era impensável a entrada de policiais. Após aocupação destas áreas pelo Esta<strong>do</strong>, vemos uma população local que renasce,poden<strong>do</strong> realizar atividades <strong>no</strong>rmais <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> como qualquer outra pessoa.Operações bem sucedidas como esta, servem para <strong>no</strong>s mostrar que o combate àcriminalidade organizada é muito mais uma questão de postura e boa vontade porparte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> que qualquer outra coisa.No meio de toda esta onda de criminalidade, ainda há lugar parasonhos por parte da população. Apesar <strong>do</strong> poder paralelo inquestionável dasfacções crimi<strong>no</strong>sas, o Esta<strong>do</strong> ainda é sobera<strong>no</strong> e muito maior <strong>do</strong> que as associaçõescrimi<strong>no</strong>sas, pois está legitima<strong>do</strong> pelo povo e conta com o apoio da população civil <strong>no</strong>combate a estas. Faz-se mister, sem sombra de dúvida, uma re<strong>no</strong>vação da políticaestatal, que deverá combater de forma implacável a corrupção de seus agentes,grande aliada da proliferação e manutenção das organizações crimi<strong>no</strong>sas, edesenvolver políticas sociais.THE ORIGIN OF ORGANIZED CRIME IN BRAZIl: CONCEPT AND HISTORICALASPECTSABSTRACTOrganized <strong>crime</strong>, although it comes from ancient times, has never been much inevidence as today. Organized <strong>crime</strong> got frightening proportions, acting in severalareas illegal, infiltrating in the state powers (executive, legislative and judiciary) andterrorizing the population, which is in a state of panic. Faced with the efficientorganization of the <strong>crime</strong>, it is highlighted, as never before seen, the disorganizatio<strong>no</strong>f the state which can <strong>no</strong>t effectively combat criminal gangs for lack of a specific planfor this type of <strong>crime</strong>. Actions of the Government in order to come to grips withorganized <strong>crime</strong>, such as those performed in the Complexo <strong>do</strong> Alemão,


unfortunately, despite bringing a breath so great for society, are an exception in thescenario patriotism. While criminal gangs are a reality in our country uncomfortable,surprisingly, there is, even today in Brazil, <strong>no</strong>t even a definition of what is to beorganized <strong>crime</strong>, which makes inefficient the law concerning this matter. For thesereasons it is essential an overview of organized <strong>crime</strong>, so that we understand theircomplexity and the extent of his injuries.Keyword: organized <strong>crime</strong>. Red Command. first command of the capital.REFERÊNCIASAMORIM, Carlos. CV_PCC : A irmandade <strong>do</strong> <strong>crime</strong>. 4. Ed. Rio de Janeiro: Record,2004.BRASIL. Código Penal. Brasília, DF, Sena<strong>do</strong>, 1941._______. Lei n. 9034, de 3 de maio de 1995. Dispões sobre a utilização de meiosoperacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizaçõescrimi<strong>no</strong>sas. Diário Oficial [da] União, Brasília, 3 de maio de 1995._______. Lei n. 10.217, de 11 de abril de 2001. Altera os artigos 1 e 2 da Lei 9034,de 3 de maio de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para aprevenção e repressão de ações praticadas por organizações crimi<strong>no</strong>sas. DiárioOficial [da] União, Brasília, 11 de abr. 2001.CONVENÇÃO da Organização das Nações Unidas sobre a delinqüência OrganizadaTransnacional. Disponível em: . Acesso em: 02 de set.2009.GOMES, Luís Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organiza<strong>do</strong>. 2. Ed. São Paulo: Revista<strong>do</strong>s Tribunais, 1997.OLIVIERI, Antônio Carlos. O Cangaço. 2 ed. São Paulo: Ática, 1997.SILVA, Eduar<strong>do</strong> Araújo. Crime Organiza<strong>do</strong>: Procedimento Probatório. São Paulo:Atlas, 2003.

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