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nha maturidade para exprimir isto assim, mas é o que estava<br />
no meu espírito. Suponho que fosse uma graça.<br />
Dou um exemplo fora do ambiente da Igreja do Coração<br />
de Jesus.<br />
Se eu visse uma bonbonnière, o mais importante para<br />
mim não era fazer a crítica dela, mas saber como ela<br />
seria se o plano do indivíduo que a fez tivesse chegado<br />
ao auge. Em seguida “decretava” — por pobreza<br />
de expressão, por falta de clareza de espírito,<br />
por uma porção de coisas — ser aquele objeto<br />
“mais bonito”, porque morava ali um plano<br />
mais bonito do que em outro objeto.<br />
Lembro-me de que vovó tinha uma<br />
bonbonnière de Sèvres, daquele tempo<br />
em que se importavam as coisas da<br />
Europa às torrentes, a baixo preço.<br />
Não era um objeto pomposo, mas<br />
eu o achava lindo!<br />
Com a partilha dos bens, isto<br />
ficou para uma tia minha, e lamentei<br />
que a bonbonnière não tivesse<br />
ficado com mamãe. Uns<br />
30, 40 anos depois, numa das<br />
idas à casa dessa minha tia, vi a<br />
bonbonnière ao alcance de minha<br />
mão; e, não sem susto da dona da<br />
casa, peguei-a e comecei manuseá-<br />
-la. Fingi não perceber o susto de<br />
minha tia, que temia que o objeto caísse<br />
no chão. Eu tinha fama na família<br />
de ser “quebrador”. Não era uma fama injusta...<br />
Tive uma decepção ao analisá-la, e percebi que achava<br />
linda a bonbonnière que o artesão quisera fazer, não<br />
a que estava ali. Quando menino, não separava suficientemente<br />
a arquetipia da realidade, e julgava que a<br />
bonbonnière linda estava de algum modo também presente<br />
ali.<br />
O que acabo de descrever é muito menos raro do que<br />
parece. O espírito humano é correntemente propenso a<br />
isto.<br />
As mitras ”preciosas” dos bispos<br />
Historisches Museum Kanton Thurgau (CC 3.0)<br />
Conto algo característico desse processo de arquetipização,<br />
por onde mostro como ele é legítimo.<br />
O velho carnaval paulista possuía aspectos dados ao<br />
suntuoso. Aquelas moças e mocinhas tinham fantasias<br />
de princesas do Oriente e roupas de Ancien Régime. Para<br />
imitar joias, compravam pedras falsas, as quais punham<br />
nos ornatos. E todo o mundo achava bonito, interessante,<br />
sabendo ser pedra falsa. Arquetipizavam aquilo que<br />
estavam vendo.<br />
Mitra de Frauenfelder - Museu<br />
histórico de Turgóvia, Suíça<br />
O que faziam as moças e mocinhas, ninguém achava<br />
ridículo.<br />
Faziam-no também os bispos. Mitras que deveriam ser<br />
de tecidos riquíssimos — porque eram chamadas “mitra<br />
preciosa”, “mitra áurea”, como reminiscência dos tempos<br />
em que eram preciosas mesmo —, no meu tempo<br />
de jovem eram feitas com tecidos comprados na Rua<br />
Santa Ifigênia 1 , nesses especialistas de objetos de alfaiataria<br />
religiosa.<br />
Mais de uma vez, terminada a cerimônia da<br />
Páscoa, vi um bispo chegar à porta da catedral,<br />
os sinos todos tocando, o portal fazendo<br />
moldura para ele; e reluzindo na mitra<br />
todas aquelas pedras falsas que poderiam<br />
ornar as fantasias de carnaval.<br />
Ninguém achava ridículo.<br />
Era uma legítima arquetipização.<br />
Quer dizer, é um processo<br />
legítimo, sem o qual a boa ordem<br />
do pensamento humano é<br />
quase incompreensível.<br />
Comigo, esse processo se dava<br />
desde que me lembro de mim, já<br />
na pré-idade de formação da razão,<br />
dos primeiros princípios.<br />
Bons arquétipos e realidade<br />
Também com relação ao mal. Alguém<br />
diria que nasci com uma vocação maniquéia furibunda,<br />
mas não é verdade. Era o inimicitias ponam 2 , e<br />
outras categorias de espírito que ainda não conhecia, as<br />
quais estavam dentro disso. Reputo que eram graças.<br />
Por exemplo, já tive ocasião de falar do Herr Kinker,<br />
o dono de pensão medonho, que me pôs uma vez na<br />
chuva 3 . Ele se me apresentava como uma personificação<br />
do mal alemão. Mas eu o via como ele não era, porém<br />
certamente de acordo com modelos alemães que o<br />
Herr Kinker procurou imitar. E vinha logo a ideia: “Está<br />
vendo?! Há uma porção de pessoas como o Herr Kinker.<br />
Existe no fundo, algo semelhante a ele, e isto eu detesto!”<br />
Isto se dava arquicarregadamente na Igreja do Sagrado<br />
Coração de Jesus, onde tudo era arquétipo e arquetipizado.<br />
Concebo que um artista faça uma crítica daquilo e encontre<br />
defeitos. Mas esta graça de arquetipização não<br />
gosta da análise científica e artística, porque nega a arquetipização<br />
e desvia a atenção dela.<br />
Devemos tomar cuidado com os bons arquétipos que<br />
formamos na alma, pois mesmo quando não correspon-<br />
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