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Luzes da Civilização Cristã<br />
para ninguém ver. Ela coloca à vista de todo mundo. De<br />
outro lado, ela está aqui, eu quase diria como um professor<br />
numa cátedra, um juiz num tribunal ou, amesquinhando<br />
muito, uma rainha num trono. Há qualquer coisa<br />
de pitoresco teatral italiano dentro disso. Está presente<br />
aí um verniz italiano. Nota-se alma dentro disso a mais<br />
não poder; vivacidade!<br />
O latino e o germânico<br />
nas de casa não usavam esse avental. É<br />
uma criada muito graduada que foi fazer<br />
compras com o menino da casa. O<br />
menino, vestido à século XIX: chapéu<br />
de marinheiro, com uma borlazinha, um<br />
pompom em cima, e uma golazinha.<br />
Nota-se nessa cena que algumas das<br />
pessoas se conhecem, outras até estão<br />
conversando. Mas não há nenhum indício<br />
de que todas se conheçam. Então, em que<br />
sentido se pode dizer que não são desconhecidas,<br />
como por exemplo, a multidão<br />
que passa pelo Viaduto do Chá 1 , onde as<br />
pessoas ignoram umas as outras?<br />
Embora os personagens estampados<br />
nessas figuras sejam desconhecidos, a<br />
cidade é tal que cada pessoa que passa<br />
sabe mais ou menos que categoria tem a<br />
outra, qual sua profissão, quais seus hábitos,<br />
qual seu estilo de vida. Por exemplo,<br />
essa mulher, por sua atitude, dá a entender que se<br />
considera muito superior àqueles outros e leva uma vida<br />
mais ordenada e mais limpa do que eles. E estes, indiretamente,<br />
respondem para ela que, sem negar que ela<br />
seja mais, eles têm um vidão livre, solto e à vontade que<br />
acham bem gostoso. Porque estão todos bem satisfeitos.<br />
Esses homens podem não saber o nome da senhora,<br />
mas sabem como ela é, como ela vive. É uma cidade pequena,<br />
com categorias e estilos de vida definidos, onde<br />
ninguém é inteiramente anônimo para outro. É diferente<br />
da avalanche de anônimos do Viaduto do Chá.<br />
Nessa cena do gueto, há algo de italiano na desordem<br />
com uma forma de pitoresco que o italiano sabe pôr e<br />
que outros não sabem. É um predicado italiano. Essa<br />
mulher cozinhando tem um pitoresco italiano no espalhafato.<br />
Normalmente, uma pessoa que faz isso, esconde<br />
Sem dúvida, há uma grande diferença entre esta desordem<br />
e a ordem do povo alemão, por uma razão muito<br />
simples: isso toca na índole do povo.<br />
O italiano é exuberante, sente, pensa e tem vontade<br />
de dizer tanta coisa, que não<br />
encontra tempo para arrumar<br />
muito as coisas.<br />
Mais ainda, isso tem muita<br />
relação com o modo de ser do<br />
brasileiro, não pela grande imigração<br />
italiana em São Paulo,<br />
porque o Brasil todo é assim,<br />
até no Nordeste, zona muito<br />
pouco italianizada; e o nordestino<br />
é mais ainda do que o brasileiro<br />
do Sul, nesse sentido.<br />
Nós, latinos, pensamos muitas<br />
vezes falando, e, se não temos<br />
ocasião de falar, não chegamos<br />
a completar o nosso pensamento.<br />
A extroversão é um<br />
modo de ser nosso para concluir<br />
o nosso pensamento. Nossos<br />
caros espanhóis falam muito<br />
e também completam muito<br />
o pensamento quando falam.<br />
O alemão é o contrário: para completar o pensamento,<br />
ele precisa recolher-se. E daí resulta que o latino tanto fala<br />
que não tem muito tempo para se arranjar. E o alemão<br />
tanto se recolhe que pensa enquanto arranja as coisas.<br />
Então, ele está pondo em ordem um papel, arranjando<br />
uma cortina, regando o gerânio, etc., e enquanto faz<br />
isso está filosofando, em todos os graus possíveis da Filosofia:<br />
desde a mais alta até a mais popular.<br />
O latino está sempre elucubrando uma coisa para o<br />
conhecimento do mundo. O alemão está elucubrando<br />
para si, depois para seus próximos, posteriormente para<br />
um clã que ele forma e com o qual ele vai pressionar<br />
outros, e depois com a nação com a qual ele pressiona o<br />
mundo. Mas a propagação da influência, para os latinos,<br />
se faz à maneira do azeite; e para os alemães, à maneira<br />
do gládio. São formas diferentes.<br />
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