Configurações
livro_narrativa_policial
livro_narrativa_policial
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Assim, Blue e Black, ao tornarem-se fantasmas um do outro,<br />
desaparecendo um no outro, tendo a fronteira que separa suas<br />
subjetividades borrada sem que possam estabelecer vínculos subjetivos<br />
que lhes devolvam a noção de identidade, subvertem, mais uma vez,<br />
as convenções das novelas de detetives tradicionais. No entanto, como<br />
fantasmas, precisam um da validação conferida pelo olhar do outro para<br />
que possam saber de sua própria existência; precisam, ainda, de algum<br />
tipo de limiar, de fronteira, ainda que tênue. Em um de seus encontros,<br />
Black diz a Blue que é um detetive particular contratado para vigiar um<br />
homem que, sentado em seu quarto, escreve. Quando perguntado se o<br />
homem sabe que está sendo vigiado, responde:<br />
É claro que sabe. Este é o xis da questão, não é? Ele tem de<br />
saber, senão nada faz sentido.<br />
Por quê?<br />
Porque ele precisa de mim, explica Black, ainda olhando<br />
para o lado. Precisa dos meus olhos olhando para ele.<br />
Precisa que eu prove que ele está vivo. (Auster, 2004,<br />
p.199)<br />
Ao final do texto, quando vai ao apartamento de Black, onde<br />
estariam os papéis escritos por este, Blue encontra apenas cópias dos<br />
relatórios semanais que enviou a White, o homem que o contratou.<br />
Refletindo sobre sua situação,<br />
[Blue] sente-se como um homem que foi condenado a ficar<br />
em um quarto lendo um livro pelo resto da vida. Isto é<br />
muito estranho – estar vivo apenas pela metade, na melhor<br />
das hipóteses, ver o mundo apenas através das palavras,<br />
viver apenas por intermédio da vida do outro. Mas se o<br />
livro fosse interessante, talvez a coisa não parecesse tão<br />
má assim. Ele seria colhido pela história, por assim dizer,<br />
e pouco a pouco acabaria esquecendo-se de si mesmo. No<br />
< sumário<br />
34