Aceitar-me como transgênero tem implicado em lidar com forças muito poderosas, dentro e fora de mim página 10 No Hinduísmo, Shiva Ardanarishvara é a manifestação transgênera do deus Shiva, onde ele se apresenta como homem e mulher, ao mesmo tempo. controle, reduziu a uma só. Ou seja, se você é macho tem que ser homem/masculino e tem que ter orientação sexual hetero, ou seja, gostar de transar xclusivamente com mulheres. É claro que isso é apenas um “grosseiro besteirol”, inventado por algum moralista desocupado, pois não tem nada a ver com a Natureza biológica dos seres humanos, todos bissexuais como assinalou Freud. Contrariando uma das crenças mais arraigadas a respeito de transgêneros – a de que todos nós somos homossexuais – eu sou hetero. Aliás, como muito poucos homens, encontrei uma mulher como muito poucas, por quem me apaixonei, com quem me casei, com quem tive filhos e com quem tenho dividido minha vida em todos os seus aspectos há mais de 30 anos. Quando se tornou insuportável continuar vivendo alienado dessa verdade maior a respeito de mim mesmo/a, foi a ela que me dirigi, em primeiro lugar, revelando a minha transgeneridade. Minha primeira idéia – e que me doía muito – era de que, após essa revelação, ela fosse me deixar. Eu jamais lhe pediria para dividir comigo o peso do estigma social que eu ia ter que carregar ao assumir a minha condição de transgênero. Mas, ao contrário de me atirar pedras ou fazer uma cena de terrorismo explícito, me expulsando de casa, cheia de ódio, medo e preconceito (como, infelizmente, costuma ser lugar-comum entre transgêneros casados…), ela me estendeu a mão e me deu seu apoio incondicional, no momento em que eu mais precisei de alguém para me entender e me aceitar. Depois de lhe fazer a “terrível revelação”, ela disse-me apenas “é só isso que você tem pra me dizer? Ainda bem que é só isso! O que me interessa é a pessoa que você é, e não os rótulos que a sociedade possa lhe dar”. Amiga, amante, parceira e cúmplice de todas as horas, muito antes que eu próprio conseguisse vencer minha resistência em admitir e deixar aflorar a minha transgeneridade, foi ela quem primeiro me acolheu e me aceitou, por mais que ela própria jamais consiga compreender exatamente o que se passa comigo, conforme ela própria declara. Acho que ninguém entenderá, nunca. A menos que a pessoa se encontre em condição semelhante, jamais poderá nem ao menos descrever o que é a busca por uma expressão de identidade de gênero que não é nem masculina, nem feminina, mas “transgênera”. Aceitar-me como transgênero tem implicado em lidar com forças muito poderosas, dentro e fora de mim. Um trabalho permanente comigo mesmo/a a fim de manter minha auto-confiança e minha auto-aceitação, ao mesmo tempo em que busco formas mais livres, autênticas e espontâneas com que me expressar de maneira mais integral, confortável e feliz. Para isso, nunca precisei de tanta coragem, firmeza e determinação, qualidades consideradas como masculinas por excelência, por mais paradoxal que possa parecer… Letícia Lanz Curitiba - Paraná http://www.leticialanz.org/
ROMULO GARCIAS Mineiro, é ilustrador e programador visual. Alguns de seus trabalhos podem ser vistos em: http://dapenha.multiply.com página 11