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REBOSTEIO 4

Revista REBOSTEIO DIGITAL número quatro - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

Revista REBOSTEIO DIGITAL número quatro - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

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DIGITAL


Editores<br />

Mercedes Lorenzo<br />

Rubens Guilherme Pesenti<br />

Willian Delarte<br />

Contato<br />

revistarebosteio@gmail.com<br />

Blog para mailing-list:<br />

http://rebosteio-revistadigital.blogspot.com/<br />

Colaboradores deste Nº<br />

Christiana Nóvoa<br />

Henrique Pimenta<br />

Igor K. Marques<br />

Lúcia Santos<br />

Marcantonio Costa<br />

Mariana Botelho<br />

Mauro Brito Combo<br />

Mercedes Lorenzo<br />

Nina Rizzi<br />

Polyana de Almeida<br />

Renato Silva<br />

Roberta Silva Pinto<br />

Rodrigo Machado Freire<br />

Rubens Guilherme Pesenti<br />

Thiago Carvalheiro<br />

Tiago Costa<br />

Walner Danziger<br />

Willian Delarte<br />

<strong>REBOSTEIO</strong><br />

é uma publicação digital<br />

sem fins lucrativos, construída com a<br />

ajuda de colaboradores voluntários,<br />

independente, apartidária e voltada<br />

para a divulgação de arte em geral,<br />

de idéias, provocações neurais e<br />

expansão dos sentidos... não temos<br />

todas as respostas, mas estamos<br />

interessados nas melhores perguntas.<br />

DIGITAL<br />

CAPA:<br />

Tiago Costa<br />

PROJETO GRÁFICO:<br />

Rubens Guilherme Pesenti<br />

http://ru666.blogspot.com<br />

Mercedes Lorenzo<br />

http://olhardelambe-lambe.blogspot.com<br />

índice<br />

04 Ilustração de Tiago Costa<br />

05 Editorial<br />

06 Christiana Nóvoa<br />

10 Henrique Pimenta<br />

14 Igor K. Marques<br />

18 Lúcia Santos<br />

22 Marcantonio Costa<br />

26 Mariana Botelho<br />

30 Mauro Brito<br />

34 Mercedes Lorenzo<br />

38 e 39 Ilustrações Tiago Costa<br />

40 Nina Rizzi<br />

44 Renato Silva<br />

48 Roberta Silva Pinto<br />

52 Rodrigo Machado Freire<br />

58 Rubens Guilherme Pesenti<br />

62 Walner Danziger<br />

68 Willian Delarte<br />

72 Poetas em (Des)Construção<br />

76 Rebosteio In Dica<br />

78 Ilustração Tiago Costa


ilustração<br />

do tiago costa


editorial<br />

Desde que as helênicas Musas cantaram as errâncias de Ulisses, nos ouvidos de um (suposto) Homero, a figura<br />

do Poeta vem cercada de certa aura mística e alumbramento. A redescoberta dos greco-latinos pelo mundo<br />

classicista, que arduamente tentava fugir das “trevas” do Catolicismo, deixou o Poeta praticamente no mesmo<br />

status dos semideuses, ainda cercados de hidras, unicórnios e salamandras... o Romantismo parece ter jogado<br />

nas costas deste “ser” todo o peso político das revoluções nacionalistas e burguesas: o Poeta suicida, recluso,<br />

emotivo, bucólico e contemplativo, embora estivesse mais próximo dos Homens, era uma entidade excêntrica<br />

(agora “escritor”), que assumia o posto de sobre-humano para suportar o peso que a história lhe punha ou que<br />

ele próprio agarrava para si.<br />

Os simbolistas e surrealistas foram mágicos sublimizantes: notas musicais que se misturavam aos códigos<br />

secretos da natureza e dos sonhos (precisamos falar mais?).<br />

Pois vamos falar mais: esta edição é literal e visualmente uma colcha de retalhos.<br />

Retalhos de que são feitas as pessoas que ousaram participar, os chamados poetas.<br />

Retalhos de ideias sobre o que é poesia.<br />

Retalhos diagramados propositadamente para formar a grande colcha de 'patchwork', que também poderá ser<br />

descosturada pelo leitor a qualquer momento, lendo de trás para frente inclusive.<br />

A linha da costura é tênue, requereu desprendimento de todos. Alguns simplesmente sucumbiram ao desafio.<br />

Outros, mesmo em condições pessoais desfavoráveis, ainda assim “peitaram” o nosso pedido de demolição<br />

interna.<br />

Pedimos também suas fotos que de alguma forma exprimissem essa disposição de despir a figura do poeta,<br />

aproximando-o do leitor.<br />

E claro: poemas. Muitos deles.<br />

Embora esta edição aparentemente não tenha uma unidade gráfica ou um fio condutor visual no qual o leitor<br />

possa se ancorar, ela segue a lógica dos poetas convidados e seu colorido particular de expressão. E também<br />

segue uma ordem alfabética de apresentação, para não privilegiar um ou outro.<br />

Navegamos juntos neste nosso tempo, em que o poeta se dissolve no universo das redes virtuais e, se antes<br />

eram deuses, gnomos, heterônimos e afins, não é difícil imaginar que hoje não passam de fakes e personagens<br />

cibernéticos. Será? Onde está o Poeta para além dos blogs, Facebook e livros editados com todo o talento do<br />

seu bolso?<br />

Dizem que é possível encontrá-los, aos montes, em saraus aqui em São Paulo e em muitos que se espalham nas<br />

periferias deste Brasil... mas serão mesmo de carne e osso, com RG e tudo? São todos graduados? Torcem pro<br />

Timão ou não passam de um bando de doutos?<br />

Não conseguimos colocar todos, absolutamente todos os poetas que gostaríamos... o tamanho da revista nos<br />

impede. Em compensação, ficamos com essas pérolas na manga para futuras edições.<br />

Esta edição tem para nós um significado especial, pois traz a poesia como ícone de resistência ao banal,<br />

confrontando tudo o que lhe é atribuído normalmente.<br />

Nossa homenagem a Augusto de Campos na última capa não é à toa: ele nos inspira com sua poesia da recusa<br />

a inverter e a subverter conceitos arraigados na mente das pessoas.<br />

Também homenageamos nas duas contracapas a 40 outros poetas que viraram o nosso imaginário do avesso e<br />

para sempre. Ficam ali também como sugestões para que você os conheça melhor, caso não tenha lido alguns<br />

deles.<br />

Há também 4 ilustrações especialmente produzidas para esta edição, além da própria capa, feitas pelo<br />

caríssimo Tiago Costa, que empresta seu talento generosamente e com ele embeleza e ironiza na medida certa.<br />

O webdesigner Thiago Carvalheiro também estreia neste número com duas incursões criativas para as fotos dos<br />

poetas, e da mesma forma a contribuição de revisão de textos editoriais pela escritora Polyana de Almeida<br />

Ramos, o que vai deixando nosso time cada vez mais rebosteantemente múltiplo e aprimorado.<br />

A Rebosteio joga a partir de agora os poetas no ventilador: com diferentes estilos, idades e linhagens, e dá ao<br />

leitor a chance única de construir uma visão particular, participando de sua intimidade criativa, demolindo-os,<br />

desconstruindo-os para encontrá-los.<br />

Dizem que bruxas e poetas não existem... enfim, aqui é (não) pagar para ver!<br />

Boa leitura!


Sou poeta? Sei lá, como nem nunca soube ao<br />

certo ser eu mesma. Sei que fui largando versos<br />

por aí em cadernos, guardanapos, depois na<br />

rede... a poesia que faço não é um projeto<br />

literário, é o meu modo próprio de pensar, um<br />

movimento contínuo e sempre novo de criar e<br />

me perder e recriar um mundo habitável a partir<br />

do caos denso e dinâmico que teima em<br />

atender pelo meu nome.<br />

A vida social me dá muito tédio, sou bicho-domato<br />

confesso e tenho cada vez mais preguiça<br />

para as coveniências. Versejo por fuga, vício e<br />

distração, e tenho fé nas palavras de Leminski:<br />

"distraídos venceremos".<br />

Não que minha verve seja espontânea, ao<br />

contrário: faço mil correções, rearrumo, diria até<br />

que sou um tantinho obsessiva, do tipo que<br />

acorda no meio da noite por causa de uma<br />

vírgula mal-colocada, uma imagem pobre ou um<br />

verso de pé-quebrado, e não sossega até<br />

consertar. Chego a sofrer, mas é um sofrimento<br />

bom, como num jogo, uma brincadeira<br />

interminável de resignificação do universo, onde<br />

a palavra é que me leva. Eu sigo atrás, tentando<br />

pescar o belo nas coisas simples, o essencial<br />

numa forma breve. Penso que só com leveza se<br />

pode tocar o profundo, e se tenho alguma fé, é<br />

a de que Deus é Humor. Rio muito escrevendo,<br />

e choro um bocado também.<br />

Faço poemas quase todos os dias - todo dia não,<br />

que já seria disciplina, e isso não tenho. No<br />

entanto, se esse meu pensar estranho é poesia, a<br />

verdade é que faço isso o tempo todo. Eu tenho<br />

é o bom-senso de não publicar tudo o que me<br />

vem à mente, em respeito à paciência alheia (e<br />

à minha vergonha-na-cara). Para cada poema<br />

que considero "mostrável", jogo bem uns 3 na<br />

lixeira, fora os que nem escrevo. Corto muito<br />

texto também, aliás é o que mais faço. Para<br />

mim, o bom texto é curto; se for longo, tem que<br />

ser de excelente para cima. Raramente me<br />

atrevo a tentar algo assim.<br />

Tenho um blog há 7 anos e adoro compartilhar<br />

meus poemas via internet com as pessoas mais<br />

diversas, de qualquer lugar do Brasil e do<br />

mundo. Ser lida é uma experiência libertadora,<br />

de transcendência do ego, que se poderia dizer<br />

mesmo erótica - no sentido amoroso de estar<br />

dentro do outro, por um instante ou até por um<br />

tempo longo, reverberando como um eco.<br />

Ainda não publiquei um livro, mas não pretendo<br />

recusar, no dia em que receber uma proposta<br />

decente de uma boa editora. Até lá,<br />

continuamos atendendo no<br />

http://www.novoaemfolha.com .<br />

verde verdade<br />

em última análise<br />

eu sempre prefiro<br />

uma fotossíntese<br />

locomotiva<br />

estar morto ou vivo<br />

tem motor<br />

não tem motivo<br />

a cinza<br />

catar os restos<br />

de um verso triste<br />

exumar o adeus<br />

,<br />

deus<br />

se existe<br />

é nos pequenos gestos<br />

eloqüência<br />

a sua ausência<br />

fala por si<br />

lêncio


eco a narciso<br />

(inspirado no soneto "Mortal Loucura"<br />

de Gregório de Matos)<br />

da teimosia de que eu peco … eco<br />

do pensamento que me aturde … urde<br />

como que por encanto surge … urge<br />

a sua imagem que disseco … seco<br />

se essa voz débil que re-clama … lama<br />

fosse punhal que a vida amola … mola<br />

veria no amor que descola … escola<br />

portal da luz que a minha chama … ama<br />

e se ouso erguer um edifício … difícil<br />

sem ter pilar que me confirme … firme<br />

que diga então meu frontispício … hospício<br />

deixo ao espelho a contraparte … aparte<br />

que agora preciso partir-me … ir-me<br />

e espalharei por toda parte … arte<br />

a poça<br />

à sombra do lustre rosa<br />

a moça posa pro moço<br />

qual nem lhe fizesse mossa<br />

o assombro<br />

do observador atento<br />

sentado ali do outro lado<br />

rabiscando em alvoroço<br />

intenso<br />

seu repasto um guardanapo<br />

o lápis rasgando o lenço<br />

mil traços por cada canto<br />

da mesa<br />

como quem desse de ombros<br />

a moça finge que almoça<br />

lenta acaricia a louça<br />

inglesa<br />

disfarça faz vista grossa<br />

assopra a colher de sopa<br />

no prato intacta a poça<br />

espessa<br />

kundalini<br />

não sou santa<br />

tenho buda<br />

só descanso<br />

em kama sutra<br />

via dutra<br />

quando alinha<br />

minha espinha<br />

aos chakras teus<br />

é um deus<br />

nos sacuda<br />

brinca com a coxa de frango<br />

de sobremesa morango<br />

o tempo suspenso em pausa<br />

pro almoço<br />

penso que essa noite enquanto<br />

o olhar do moço repousa<br />

(pálpebras em movimento)<br />

...<br />

na penumbra do seu quarto<br />

uma mariposa pousa<br />

no esboço<br />

ao ver-se ali num espanto<br />

de asas o olhar se apossa<br />

esvoaça e roça o pescoço<br />

da moça


conjuntiva<br />

a mandrágora<br />

o exato<br />

momento<br />

do encontro<br />

:<br />

a madrugada<br />

é escura uma aurora<br />

prematura<br />

seu auto retrato<br />

em preto dentro<br />

do branco do olho<br />

do outro<br />

.<br />

uma noite que dura além<br />

da hora<br />

é uma draga uma agrura<br />

a boca<br />

mais busco o silêncio<br />

que se desprenda<br />

como um furo estreito<br />

da renda<br />

como o final brusco<br />

da música<br />

é uma ruga que chora<br />

uma maga obscura<br />

uma drogada<br />

é a mágoa rogada<br />

é a jura é a água pura da mulher<br />

amada<br />

a falta de ar súbita<br />

.<br />

o vazio perfeito<br />

diante do imenso<br />

no oceano deserto<br />

uma única ilha<br />

essa falta filha<br />

da puta<br />

.


oeta escrevendo acerca de sua obra e de seu processo criativo? Considero um<br />

disparate. Acho quase impossível que se dê ao cabo o propósito, até porque boa parte dos<br />

textos poéticos, de acordo com sua natureza genética, possui um conjunto quase<br />

ilimitado de referências. Já no campo do processo criativo, se me perguntassem com<br />

insistência, eu apenas diria que penso e escrevo, que não sou adepto dessas coisas de<br />

musa, inspiração, emoções à flor da pele, ou aditivos químicos. É isso e nada mais.<br />

Entretanto, como tenho tendências que muitas vezes se desviam da sanidade, resolvi<br />

escrever um pouco sobre um soneto que fiz recém e de como ele foi se processando<br />

(criativamente?) em meus miolos superiores até que eu o considerasse trabalho findo.<br />

Enfim... Acordei de madrugada. Percebi que fora despertado pelo vento, bastante forte,<br />

que assobiava um horror sem pauta. Meu Deus, que é isso?! Ele, o vento, respondeu lá na<br />

língua dele que era um excelente mote para que eu compusesse um soneto. Pensei, era, de<br />

novo, o momento em que a química cerebral se alvoroça toda e me exige um poema. Eu<br />

disse para mim, morrendo de sono, cara, faz logo esse texto, porque eu ainda quero<br />

dormir! Caneta e uma folha de papel, rapidinho. Foi aí que redigi a primeira ideia, já a<br />

direcionando para o tipo de verso que conheço tão bem, o decassílabo: “O vento que<br />

assobia pelo fim.” Mas esse de modo nenhum seria o primeiro verso, porque sou adepto<br />

da “Filosofia da composição”, de Edgar Allan Poe, etc. etc. etc. Aproveitei, então, o<br />

primogênito para ser o verso final e, a partir daí, do fim para o começo fui compondo o<br />

texto. (Não vou nem dizer que, no meio do trabalho, escutei barulho de ferragens na<br />

avenida, fui à sacada e vi um cara se estrebuchando e gritando de dor. Havia caído de<br />

moto. Liguei para a polícia pedindo pelo cara. Esperei na sacada até o resgate chegar e<br />

prestar o socorro. Cumpri a boa ação e voltei ao trabalho.) Finalizei o texto e ainda dormi<br />

um pouco depois. Na manhã seguinte dei umas mexidinhas, inclusive alterando o verso<br />

primogênito, e pronto. Abaixo, o soneto e em seguida algumas ideias que foram<br />

trabalhadas, conscientemente ou inconscientemente, durante a execução do meu crime a<br />

favor da literatura.<br />

Cidinha<br />

O vento assoviava sedutor,<br />

ouvia seduzida da janela<br />

Maria Aparecida. Seu tutor,<br />

“Menina, sai daí!”, e nada dela<br />

sair, como encantada, com calor,<br />

em pêndulo ciprestes à capela,<br />

as folhas, a poeira, seu palor<br />

de pobre doentinha se revela.<br />

Nascera para a dor e, nesse instante,<br />

distante de si mesma, “Que é de mim?”,<br />

a moça possuída, delirante,<br />

dervixe em rodopio dá-se assim<br />

ao chão, estertorando de rompante,<br />

e o vento de repente teve fim.<br />

O vento assoviava sedutor, / - O vento aqui é personificado, como a chamar pela


mocinha, que aparece nos versos seguintes, de modo a seduzi-la, por meio do conhecido<br />

código que remete tanto ao amor quanto ao terror: silvo, sibilo, assovio.<br />

ouvia seduzida da janela / Maria Aparecida. - A menina sente-se seduzida pelo vento e<br />

para aproximar a imagem da realidade ainda existente no imaginário brasileiro, a moça<br />

se posta à janela para flertar. Seu nome não é à toa, homônimo da padroeira do Brasil,<br />

pois continua sendo comum batizarem com esse nome por devoção da família e para um<br />

“reforço” na proteção da criança.<br />

Seu tutor, / “Menina, sai daí!”, - Ao inserir o tutor, entende-se de pronto que a mocinha<br />

não possui pais, visto que tutor é um conselheiro e no caso adverte para que ela saia da<br />

janela, por medo de perigos naquele momento, que advenham de fora, do mundo não<br />

doméstico.<br />

e nada dela // sair, como encantada, com calor, / - Mas a menina não aceita o conselho e de<br />

algum modo prefere permanecer lá, junto à janela, como se a sedução, o encanto do vento<br />

tivesse lhe prendido. O calor pode se referir ao clima, ou a um mal-estar da protagonista.<br />

em pêndulo ciprestes à capela, / as folhas, a poeira, - Cipreste por si já é uma metonímia,<br />

ainda que bastante limitada, porque é árvore que se planta em cemitérios e por isso<br />

simboliza tristeza, dor, luto, morte, daí que os ciprestes balançando à vista da menina<br />

denotam que algo de triste está próximo; acrescentam-se ainda dois detalhes<br />

importantes, balançam de modo pendular, remetendo à sucessão do tempo, e o valor<br />

dúbio do termo “à capela” – ou as árvores estão próximas a uma capela, o que aumenta a<br />

carga de religiosidade/espiritualidade da cena, ou estariam “cantando” sem<br />

acompanhamento musical, ou seja, fazendo o barulho típico de folhagens sendo<br />

movimentadas pelo vento. No mais, temos também a movimentação de folhas secas,<br />

mortas, outras arrancadas pela força do vento, e, principalmente, a mesma<br />

movimentação ocorrendo com a poeira ou o pó, mais um elemento que sugere<br />

espiritualidade: “Do pó vieste, ao pó voltarás.”<br />

seu palor / de pobre doentinha se revela. // Nascera para a dor - Eis a revelação de que se<br />

trata de uma doente, o adjetivo “palor” reforça o ideário mal do século, em que a mulher<br />

seria bela ao se apresentar frágil, doente, aproximando-se da hora extrema, pálida tal<br />

qual a “imago mortis”. Um ser que nasceu e vive para a dor, é algo que parece desumano<br />

mas que humaniza sobremaneira a personagem.<br />

e, nesse instante, / distante de si mesma, - Quebra abrupta da linha de pensamento, a<br />

menina inicia um processo de estranhamento da realidade e de si mesma.<br />

“Que é de mim?”, / - Aqui o dito e/ou pensado é dúvida no sentido de espaço - “Onde<br />

estou?” - e de ação - “O que está sendo feito de mim?”<br />

a moça possuída, delirante, // dervixe em rodopio - Algo se apossa dela, levando-a ao<br />

delírio como a um transe promovido pelo ritual sufi, em que o dervixe roda em torno de si<br />

mesmo.<br />

dá-se assim / ao chão, estertorando de rompante, / - Interessante nessa passagem a queda<br />

não ser um ato violento, é como se a moça se entregasse, se desse ao chão, feito o<br />

momento de ela se unir a ele, mas a agonia também está presente, figurada pelo tipo de<br />

respiração, como um clímax da atuação do ar.<br />

e o vento de repente teve fim. - Então, o ar cessa sua movimentação, o vento é<br />

interrompido de forma precipitada, talvez inexplicável. Parece ter cumprido o seu papel,<br />

e poeticamente seu papel parece ter sido recolher o hálito de vida da jovem doente que,<br />

em seguida, morre.<br />

Cidinha - O título também é dúbio. Tanto é a redução do nome da protagonista, que ainda<br />

é uma criança, quanto o diminutivo de “-cida”, sufixo de origem latina, que dá noção de<br />

agente que provoca a morte. O título pretende, portanto, sintetizar a história, a morte de<br />

Maria Aparecida.


ínsula periculosa<br />

eu traçava garatujas, e eram desenhos<br />

aquilo que o desejo... ilhas e ilhas<br />

em vermelho, um vulcão acastanhado<br />

numa delas.<br />

coqueiros, nem sabia ao certo,<br />

padrão películas de naufrágio.<br />

tocamos a areia com os pés, quentinha.<br />

estávamos em ínsula periculosa,<br />

naquele pedacico de areia e mineraloides,<br />

muito, muito verde,<br />

pássaros multicores,<br />

aí tu me deste a mão.<br />

eu desenhei com o maior capricho<br />

alguns alimentos deliciosos, água doce (em azul),<br />

paisagens como se diz de sonho,<br />

um gigantesco clichê de sol amarelo lá no altão.<br />

coloquei uma vastidão de sombras.<br />

escolheste a mais rotunda para nos sentarmos.<br />

olhaste para mim. ruborizei.<br />

eu nunca ficara a sós com alguém, julgo, que me amasse tanto.<br />

foi assim, um esboço.<br />

valongo<br />

o tempo<br />

este inexorável<br />

esplende<br />

inox das almas<br />

em seu nicho de azuis<br />

a noite vem descendo<br />

subjugando umbrais<br />

densa a noite<br />

anja<br />

despiu-me de tudo<br />

fustigou-me à decussata<br />

anja demoníaca nigérrima de exus<br />

acalenta<br />

tem dó de mim<br />

esmaga pimenta malagueta<br />

e aplica sobre as chagas da consciência branca / que purulam


"Fotografia é verdade. Cinema é verdade vinte quatro vezes por segundo."<br />

(Jean-Luc Godard)<br />

Mallarmé: “não é com ideias [...] que se fazem versos. É com palavras”<br />

Paul Valéry: “A Literatura é, e não pode ser outra coisa, senão uma espécie de extensão e de<br />

aplicação de certas propriedades da linguagem” e “literatura como experimentação dos<br />

'possíveis da linguagem'”.<br />

“Já foi dito que a poesia moderna é poema da poesia. Talvez isso tenha sido verdade na<br />

primeira metade do século XIX;<br />

a partir de "Une saison en enfer" nossos grandes poetas fizeram da negação da poesia a<br />

forma mais alta da poesia:<br />

seus poemas são crítica da experiência poética, crítica da linguagem e do significado, crítica<br />

do próprio poema. A palavra poética se sustenta na negação da palavra”<br />

(OCTAVIO PAZ. “O arco e a lira”, p. 314.)<br />

é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito, o não dito<br />

é indizível,<br />

torres, terraços devastados, babilônias, um mar de sal negro, um<br />

reino cego,<br />

Não,<br />

deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de minhas pálpebras<br />

uma espiga, um repuxo de sóis,<br />

e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e a maré suba<br />

em onda e a onda rompa o dique,<br />

esperar até que o papel se cubra de astros e seja o poema um<br />

bosque de palavras enlaçadas,<br />

Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem<br />

ninguém exceto o sangue,<br />

nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito<br />

e repetir a mesma palavra na metade do poema,<br />

sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem<br />

e não diz nada e me leva consigo.<br />

[“O RIO” (Fragmento) Octavio Paz - Trad. Haroldo de Campos]<br />

arte poética (em reconstrução)<br />

enunciado (I)<br />

toda imagem é um pré-texto - pretexto para sua afirmação ou questionamento por meio do<br />

discurso poético<br />

enunciado (II)<br />

todo texto é uma pré-imagem - pretexto para sua representação ou questionamento da<br />

ordem do poético<br />

igor k marques<br />

"A palavra é verdade. Poesia é verdade vinte quatro vezes por segundo." ikm


igor k. marques


OLVÍDALOS<br />

DELÉTALOS<br />

DESPÉTALOS<br />

DECÉPALOS<br />

ESCÁLPELOS<br />

ENTIÉRRALOS<br />

EN CUEVA HONDA<br />

A TODOS<br />

Y A TUS RECUERDOS<br />

EXCRÉTALOS<br />

PARA DEJAR BROTAR<br />

EL POEMA<br />

(2006)<br />

e digo + & +<br />

again & again<br />

say something<br />

don't give up<br />

play your thing<br />

suzano's tambourine<br />

write your black & white<br />

poetic statements<br />

rítmico padrão<br />

out of the black<br />

and into the blue<br />

(02.08.06)<br />

VENHA<br />

COMO ESTIVER<br />

ACERCATE DE MI<br />

VENHA & SEJA<br />

COMO FOR<br />

MAS VENHA<br />

NA POLPA DA PALAVRA<br />

NO OSSO DA POESIA<br />

VENHA COMIGO PERDER-SE<br />

NUM SOLO DE MILES<br />

EN EL CUERO<br />

DE LOS TIMBALES<br />

AHORA SE QUE TE VI<br />

COME WITH ME<br />

BUT NOT SO FAST<br />

SUAVE NO MÁS<br />

AHORA QUE APARENTAS<br />

ESTAR AQUI<br />

ALAMBRE DULCE<br />

COME AROUND<br />

IN A CENSORED<br />

PRINCE SONG<br />

NAMED COME<br />

I'LL GET THE LYRICS<br />

FOR YOU TO SING ALONG<br />

ON & ON<br />

COME AS YOU ARE<br />

DESPIDA DE TUDO<br />

NUMA INCONTIDA RISADA<br />

PORTAS E FENDAS<br />

ESCANCARADAS<br />

I'VE HEARD RUMOURS<br />

YOU'VE BEEN HUSTLING<br />

IN HONG KONG<br />

NO MATTER HOW PURE<br />

DON'T MIND IF YOU LIE<br />

I DON'T BOTHER WITH WHOM<br />

YOU FAKE A SIGH<br />

BUT COME<br />

WITH ME<br />

BEFORE I DIE<br />

COME ON<br />

I BEG YOU<br />

COME<br />

OVER ME<br />

POETRY<br />

(mar & abr/2011)<br />

a letra em amarelo vivo<br />

projeta a sombra<br />

matérica<br />

pictórica<br />

sedimentada sobre o suporte<br />

o flanco putrefato<br />

de um cadáver de cão<br />

escancarado sob o sol a pino<br />

(morrer é um assunto de foro íntimo)<br />

o ritual de pintar<br />

um S, um O, um M,<br />

um B, um R & um A<br />

o artista<br />

(ou sacerdote?)<br />

mergulha seis vezes<br />

o pincel na tinta<br />

para depositá-la<br />

letra por letra<br />

lama sobre a pele<br />

a sombra sublima o grotesco<br />

de um corpo em decomposição<br />

o couro duplamente marcado<br />

exibe sua explícita morte gris<br />

quase obscena & quase sagrada<br />

(12.05.11)<br />

do negro ao branco<br />

& ao negro<br />

desde que surja música<br />

no roçar do grafite<br />

(busco o timbre exato da imagem)<br />

retesando as fibras do papel<br />

desde que emerja<br />

& submerja o poema<br />

numa placa de argila<br />

implodindo-se<br />

rearticulando-se<br />

exaurindo-se<br />

desde que seja tenso<br />

o toque na epiderme da imagem<br />

desde que se faça vibrar a fenda<br />

por onde aflora o não dito<br />

(28.01.11)


até secar<br />

pinta<br />

do quase lodo<br />

à plena canção<br />

êxtase de asceta<br />

orgasmo<br />

espasmo de prostituta<br />

até me exaurir<br />

na última gota<br />

preparo o leito da imagem<br />

irrompendo astuta<br />

na superfície do papel<br />

(2006)<br />

cigarras em nyc<br />

cigars & guitars<br />

lou reed in rags<br />

declares out loud<br />

it's not time for<br />

ragtime<br />

it's not time for<br />

jive talk<br />

it's not time for<br />

foxtrot<br />

it's time to fight for<br />

this new sound<br />

it's time to fight for<br />

this next image<br />

that comes out<br />

of saunder's fretless bass<br />

it's time to fight for<br />

the coming poem<br />

that bursts out<br />

that erupts<br />

of the pregnant surface<br />

of a plain sheet of paper<br />

(04.05.09)<br />

HONRA DE MICA<br />

SANGUE DE BARATA<br />

EUFORIA DE ESTANHO<br />

TAPA NA CARA<br />

FEELING DE ALPACA<br />

INSIGHT DE MAHATMA<br />

SAUDADE DE BASALTO<br />

DOENÇA RARA<br />

MÁGOA QUE MATA<br />

SUSSURRO DE BAUXITA<br />

BEIJO NO ASFALTO<br />

OURO DE BANHO<br />

PRATA VIRA LATA<br />

PRAGA DE XIITA<br />

METÁFORA DE XIPÓFAGO<br />

OU RETÓRICA DE PROFETA?<br />

PALAVRA DE ANTROPÓFAGO<br />

OU JIVE DE POETA?<br />

(mar/2006 - nov/2011)<br />

a carga de azul casual<br />

irrompe anil no branco<br />

fluorescente do monitor<br />

no corte transverso<br />

de um fragmento de texto<br />

na percussão dos dedos<br />

impondo o ritmo de criação<br />

na busca da cadência<br />

precisa da escrita<br />

ainda sem nexo<br />

divagando no caos inicial<br />

entrelinha e entrelaços<br />

entranha de cabeleira<br />

de tranças em transe<br />

no devaneio vagabundo<br />

no ócio perturbador<br />

descompasso preciso<br />

nem côncavo<br />

nem convexo<br />

berço da criação<br />

de uma ciência inexata<br />

da poesia<br />

(2006)<br />

eu vivo dentro . eu morro fora<br />

como gente . como parto<br />

eu naço<br />

e vivo<br />

parte dentro dela . parte dentro d'água<br />

eu gozo . deliro<br />

parte dentro dela . parte fora d'água<br />

exausto . inerte<br />

parte fora d'água . parte fora dela<br />

eu morro<br />

como peixe fora d'água<br />

1986/maio/2011


A droga que embriaga mas não cura. A secura, a falta, a noite escura sem ribalta.<br />

Vida & Morte, Dor & Êxtase, extremos de uma loucura recorrente. Inquietação nata,<br />

tempo todo à espreita. Angústia que aperta. Porta que abre pra dentro. Uma fresta<br />

por onde sai um fiapo de sol.<br />

Poesia - carne exposta que se faz verbo. E arde.<br />

A despeito dos estigmas, o poeta segue sua vida prosaica. Trabalha, pensa, sua, sofre<br />

para achar a palavra certa, a rima interna, o ritmo, a melodia discreta.<br />

Escreve com o cuidado de quem planta, com a exatidão de quem arquiteta, com o<br />

capricho de quem constrói. E desconstrói, com a paixão cega de quem tudo vê.<br />

Escreve para si, para nós, para eles, para todo aquele que é capaz de sentir, sem<br />

pros/elitismo.<br />

Arte que não é democrática não é. Pensa ser.<br />

Os intelectuais de plantão<br />

vão comer meu coração<br />

não posso entrar em qualquer balada<br />

sem antes ler a folha ilustrada<br />

ela é que vai me dizer<br />

o que fazer da minha ignorância<br />

os intelectuais de lapela<br />

enfiam o dedo na goela<br />

pra vomitar arrogância<br />

os intelectuais de plantão<br />

vão comer meu coração<br />

quantas estrelas deve ter um filme<br />

pra me comover?<br />

como é que se arquiteta<br />

uma poesia concreta?<br />

quem me ajuda na desconstrução<br />

de uma instalação<br />

sem pé nem cabeça?<br />

haja erudição pra juntar as peças<br />

não posso gostar sem pensar<br />

mas posso gozar sem trepar<br />

divagar teorizar ludibriar<br />

os intelectuais de luneta<br />

só sabem tocar punheta


TARJA PRETA<br />

quem nunca tomou<br />

que atire a primeira bolinha<br />

CRENDICE<br />

eu não tenho papas na língua<br />

hóstias bentas não me calam<br />

amor é o que me apascenta<br />

crendices vãs nada trazem<br />

eu não travo meu prazer<br />

como pão como você<br />

bebo vinho só por gozo<br />

rezo quando deus me chama<br />

axé aleluia namastê<br />

quem disse que não tenho fé?<br />

buda jesus meishu sama<br />

lutero kardec maomé<br />

tanigushi umbanda candomblé<br />

santo daime dalai lama<br />

nada quero que me salve<br />

só o beijo que você me deve<br />

desdenho da razão pura<br />

sentimento ando à cata<br />

o que ata e não desata<br />

o que não mata e cura<br />

na desmedida exata<br />

filosofia? more na sua<br />

vá tomar naquela reta<br />

ajoelhar perante meca<br />

que me perdoem os ascetas<br />

setenta vezes sete eu peco<br />

eu não tenho sangue de barata<br />

PRÉ-CONCEITUAL<br />

diferença de sotaque só me toca<br />

do bumba-boi de matraca<br />

do bumba-boi de orquestra<br />

de resto<br />

é peleja que me provoca<br />

se eu nascesse paulista<br />

faria poesia concreta<br />

pós-moderna futurista<br />

mas como sou nortista<br />

ponho a alma no papel<br />

e entrego na bandeja<br />

se você fosse neonazista<br />

nessa torre de babel<br />

onde ninguém é igual<br />

não seria o artista<br />

principal do meu cordel<br />

se a razão não responde<br />

como quando porque onde<br />

alguém entra ou não sai<br />

sábio<br />

o coração se intromete<br />

entre um conceito e outro<br />

e bate


A FINA DOR<br />

adormecer a deprê<br />

que insone mina<br />

deixar-se entreter<br />

en dor fina<br />

PUNK<br />

fuck it<br />

a vida não é um fake book<br />

comercial de margarina<br />

pose e look<br />

mesmo fina<br />

a dita dura da felicidade<br />

só entra com vaselina<br />

TERREMOTO<br />

EXTREMA-UNÇÃO<br />

tem gente que espera<br />

pra tirar retrato sair bem na foto<br />

tem gente esperando uma retratação<br />

tem gente que espera na fila do leite<br />

tem gente esperando atendimento médico<br />

tem gente que espera uma revolução<br />

tem gente esperando ônibus metrô avião<br />

tem gente que espera sair do coma<br />

tem gente esperando extrema-unção<br />

tem gente que espera sentada<br />

tem gente esperando calada<br />

gente que não se abala<br />

tem bala que a gente perde<br />

tem nerd que nunca erra<br />

tem gente que engole sapo<br />

gente que engole porra<br />

tem cabrito que não berra<br />

tem gente que espera a morte<br />

inteira<br />

por uma vida rasteira<br />

é muita vela pra pouco defunto<br />

é muita boca pra pouco assunto<br />

é pouca chuva pra tanto deserto<br />

é pouca luva para tanto frio<br />

é muito cio para pouco falo<br />

é pouco abalo pro meu terremoto<br />

é muita veia para pouco sangue<br />

é pouco caso pra tanto tesão<br />

é muita areia pro teu caminhão<br />

(musicado por Zeca Baleiro)<br />

VISCERAL<br />

te devo um nu frontal<br />

com tarja:<br />

proibido para menores<br />

já as maiores dores<br />

cortadas do meu umbigo<br />

exibo<br />

amoral<br />

tome meus versos<br />

minhas vísceras<br />

devore-os<br />

com toda libido


Sou daqueles que vez ou outra fala mal da<br />

poesia para sacudir um pouco o jugo dela<br />

sobre mim, sua arrogante exigência de<br />

atenção e devotamento, sua demanda<br />

incessante de hecatombes e oferendas. Digo a<br />

ela: não estou entre os seus sacerdotes<br />

incondicionais, os seus feiticeiros e possessos<br />

prepostos. Até porque sou agnóstico,<br />

descuido-me de preocupações com deuses,<br />

mesmo os pagãos, sempre ressuscitados<br />

simbolicamente como deuses modernos.<br />

Inquieta-me que a poesia seja importuna e<br />

inconveniente como uma visita que não<br />

telefona antes para avisar, ou como aquele<br />

maluco que abordou o maratonista brasileiro<br />

em não sei qual das olimpíadas. Não é piada<br />

não! Não me refiro a esse tranco apenas como<br />

analogia para a inspiração - essa ardilosa<br />

sugestão de um mote ou imagem soprada ao<br />

pé do ouvido - mas também para o dever de<br />

assumir um comprometimento inabdicável de<br />

esforço e trabalho que tomará tempo, movido<br />

pelas roldanas da obsessão. Ou seja, a poesia<br />

aborda o poeta como se fosse ele um alto<br />

executivo com direito a ter acesso às<br />

informações privilegiadas e depois o põe para<br />

trabalhar como operário obrigado a lhe<br />

dedicar horas extras. Inescapável: o poeta<br />

também é explorado através da mais valia!<br />

Mas, afinal, qual o contrato, hipoteca ou<br />

promissória que me submete a ser poeta? Aí<br />

está o mais angustiante! Tudo se passa como<br />

diabólico voluntariado: o poeta é seduzido<br />

para um serviço escravizante sob o argumento<br />

de se tornar um nobre cavaleiro libertador das<br />

palavras encerradas na torre do cotidiano sem<br />

estética; sim, as pobres palavras perseguidas<br />

pelo nosso preconceito de que elas não<br />

querem significar apenas o que exatamente<br />

significam; de que, além de terem de velar<br />

caninamente por um único objeto, podem (e<br />

devem) subverter essa conformação, se<br />

libertando de sua função através da beleza;<br />

podem se irmanar para vagabundear na<br />

metáfora, podem se sindicalizar para abalar o<br />

regime da semântica, ou ainda se associar para<br />

forçar as fronteiras com a música.<br />

Por ter essa relativa indisposição com a poesia,<br />

sinto pudores de ficar repetindo conceitos<br />

românticos, tolero, mas não saio por aí<br />

dizendo que poeta é antena da raça (opa,<br />

digo, espécie), que poeta é um possesso<br />

divino, que é isso e aquilo... Faço uma<br />

exceção para afirmar condicionalmente que<br />

poeta é aquele que tem um tipo especial de<br />

fascínio pela língua, sobretudo ao se dar conta<br />

que essa língua com a qual ele inventa ou faz<br />

inventários lúdico-simbólicos é o mesmo<br />

material usado por todos ao longo da vida, um<br />

manancial vivo e comunitário que nunca se<br />

esgotará. Que outro artista dispõe de um<br />

suporte ou meio tão extensamente<br />

compartilhado? Só se for um escultor que<br />

esculpe em miolo de pão... E que curioso é<br />

você utilizar algo comum para expressar uma<br />

idéia ou sentimento raro ou incomum! Não é<br />

quase uma operação de reciclagem ou<br />

reinvenção?<br />

É claro que ao começar falando sobre o tempo<br />

que a poesia toma à vida eu tinha em mente o<br />

fato de que a vida cotidiana também tem<br />

desses sentimentos e idéias raras como uma<br />

poeticidade que nem sempre ganha forma na<br />

linguagem. Não é outra a base da<br />

comunicação poética, o que permite que<br />

alguém leia e ame poesia sem jamais ter feito<br />

um verso sequer. Eu me referia, na verdade, à<br />

relação entre artifício e experiência. O que se<br />

escreve é um artifício expressivo de natureza<br />

especular que não pode prescindir da<br />

experiência vital, mas é justamente porque a<br />

experiência vital tem natureza bruta e<br />

incomunicável que ela precisa se reduzir ao<br />

artifício, ou ao engenho, para ser parcialmente<br />

conhecida. Não se trata de arte ou vida, ou<br />

arte a despeito da existência, mas de arte-evida.<br />

Mas se fosse para escolher, antes a vida que o<br />

artifício! Claro, até porque tenho minhas<br />

dúvidas sobre a possibilidade da psicografia. E<br />

por falar nela, evocando Fernando Pessoa,<br />

apesar de admirá-lo imensamente, eu jamais<br />

afirmaria, mesmo de forma simbólica, que<br />

navegar é preciso e viver não. A minha<br />

tendência seria dizer o contrário. Melhor<br />

ainda seria recomendar a navegação em favor<br />

da vida.


DISPONÍVEL<br />

Palavra:<br />

a única lâmpada mágica<br />

que está em toda parte,<br />

Com ou sem gênios<br />

incompreendidos...<br />

E atendimento a muito,<br />

muito mais que três desejos<br />

ou pedidos.<br />

COMETAS<br />

Em ciclos cometo erros.<br />

Eu os imagino enormes.<br />

Mas você me diz<br />

que eles passam pequenos<br />

contra o azul profundo.<br />

Você me perdoa a olho nu.<br />

FILOSOFIA EM QUADRINHOS<br />

Perguntado pelo Super-Homem<br />

se seria possível<br />

voltar a ser apenas o Clark Kent,<br />

Nietzsche respondeu: - Nie!!!<br />

PACTO<br />

Contigo levito, Eva,<br />

acima do pecado,<br />

da gravidade da maçã,<br />

do dilúvio<br />

e da treva.<br />

NESTE MOMENTO<br />

Um pássaro pousa na janela:<br />

trouxe o horizonte<br />

ao parapeito.<br />

Um pássaro pousa na janela:<br />

e mais aerada<br />

a refaz.<br />

Um pássaro pousara na janela<br />

que janela<br />

não é mais.<br />

CONSCIÊNCIA<br />

REPETÊNCIA<br />

Jamais me diplomarei<br />

estudando-me.<br />

HIDRÁULICA<br />

O dia<br />

e sua capilaridade<br />

em rede:<br />

vazamentos em pontos<br />

distintos, distantes,<br />

dicotômicos:<br />

razões da sede.<br />

Não posso me ver<br />

figura contra fundo.<br />

Não tenho lugar formal.<br />

Sou adjacente,<br />

vizinhança sem residência,<br />

ponto errante sem fechar<br />

o parágrafo existencial.<br />

SINESTESIA<br />

Vi três maçãs numa fotografia<br />

do século XIX.<br />

Aqueles cinzas<br />

ainda tinham aroma carmim.


RICTO<br />

O espelho se racha.<br />

Um corte na prata<br />

cicatriza-se sombra<br />

na minha face de luz.<br />

CUIDADO<br />

Foi para a minha própria proteção<br />

que deixei de afiar as lâminas da razão.<br />

Estão perdendo o gume.<br />

Agora os sentimentos assomam ao rosto<br />

sem que eu o marque com cicatrizes.<br />

E meus olhos não se blindam mais<br />

com o medo de serem vazados pelo raciocínio.<br />

SOLICITUDE<br />

Outrossim<br />

nenhum não<br />

amiúde.<br />

ÁCIDO EM DEMASIA<br />

Tomar muito juízo me irrita<br />

a mucosa do estômago,<br />

e, aflito,<br />

vomito!<br />

AH!<br />

Marginando o rio,<br />

olho a outra margem<br />

mais ensolarada,<br />

muito embora,<br />

sob o mesmo céu.<br />

RUMINAÇÃO<br />

Meu epigrama<br />

é de estreito pasto<br />

CARCEREIRO<br />

O pesadelo<br />

vigilante<br />

adormeceu.<br />

Ele tem sono leve.<br />

Tente com cuidado<br />

retirar-lhe dos bolsos<br />

a chave da realidade.<br />

ASSOCIAÇÕES<br />

Crátilo é um diálogo de Platão.<br />

A MEA CULPA DA RAPOSA<br />

É preciso ter antes a coisa<br />

para então dizer<br />

que não precisamos dela?<br />

O saber, por exemplo.<br />

A felicidade, outro exemplo.<br />

As certezas, novo exemplo.<br />

O juízo, antigo exemplo.<br />

Essas uvas.<br />

Cactus parece uma planta defensiva.<br />

Crápula é um tipo de ser humano.<br />

Cápsula era um comprimido espacial.<br />

Ínsula, ínsula é uma ilha<br />

e não tem nenhuma associação.<br />

OCULARES<br />

Olhos sem pressa<br />

e infusos<br />

num único horário:<br />

dois globos<br />

sem meridianos.


Nasci e vivi até os 27 anos numa cidade pequenina do Vale do Jequitinhonha. No início a<br />

interlocução para a poesia era praticamente zero, mas foi-se criando ao longo do tempo,<br />

dentro de um grupo de amigos de uma associação cultural da cidade. Nunca falamos de<br />

teoria da literatura, nem fizemos crítica literária. Mas os livros, a palavra, estava presente<br />

onde quer que fôssemos: numa conversa informal ou no trabalho.<br />

A poesia, entre nós, sempre existiu em um contexto político, às vezes quase romântico,<br />

que nos levava a crer que ela nos salvaria. Eram saraus, recitais, leituras infinitas em torno<br />

de causas sociais, tentando entender, tentando enternecer a luta. E era mais que isso, no<br />

meu caso. Eu cultivava a crença de que aquilo tudo ia me resgatar da realidade opressora<br />

de ser mulher num universo de unanimidade machista.<br />

Além disso, havia uma tentativa de compreender o entorno, ser aceita pela paisagem,<br />

pertencer. Inventar um sentido. E ainda não sei lidar com nada disso, nem mesmo com a<br />

beleza, de outra maneira.


não sei verbalizar<br />

o abismo<br />

sei cair<br />

dentro dele<br />

como dois olhos que eu avisto e temo<br />

e o chão se demora -<br />

amor -<br />

a tocar meus pés<br />

de novo<br />

dia<br />

alma de hortelã<br />

e névoa<br />

a manhã nos obriga<br />

a chorar<br />

sempre<br />

esquecer<br />

a tosse noturna do filho<br />

a urgência<br />

do amor<br />

o silêncio perdoa<br />

meu corpo<br />

magro<br />

perdoa o homem<br />

que se foi<br />

é setembro<br />

basta uma oração<br />

e é manhã de novo<br />

o verbo<br />

nosso pai<br />

o silencio<br />

nosso filho<br />

nosso rito diário<br />

de esquecer


NASCENTE<br />

córrego<br />

cachoeira<br />

ribeirão<br />

eu choro<br />

pra pertencer à paisagem<br />

estou farta<br />

de pessoas<br />

que não vêm<br />

esperar os filhos à mesa<br />

esperar que tudo dê certo<br />

esta casa está em desordem<br />

e não há sequer um canto<br />

para abrigar a paz<br />

escrevo com muito medo<br />

de que os homens saibam<br />

que a mesa não está posta<br />

e eu não limpei<br />

o leite derramado<br />

CESARIANA<br />

para Pedro<br />

seus pequenos olhos<br />

cor de aurora represada<br />

ainda que um dia se afastem<br />

ficarão<br />

nessa pequena cicatriz


concepção gráfica: Thiago Carvalheiro


Todo ser vivente tem a sua dor, seja ela de que<br />

grau for, ela representa nesse ser que a<br />

transporta a presença de sensibilidade física<br />

ou espiritual onde estão incluídas pessoas,<br />

objectos, animais, seres não vivos, etc. Assumo<br />

que o poeta (escritor) não se desvia desta<br />

norma natural, o poeta a sente como o<br />

professor quando o aluno não assimila a<br />

matéria, o pai quando o filho se desvia ou não<br />

acata as ordens, o médico quando os seus<br />

doentes se lhe escapa, e tantos outros; o poeta<br />

não é um deus fantasmagórico, de soluções e<br />

pós mágicos, mas é um arquitecto da palavra,<br />

o marceneiro que talha e molda a madeira<br />

consoante o seu agrado e o seu dispor e as<br />

ferramentas que tiver à disposição. O poeta<br />

(gente) sente-a quando fica de boca selada<br />

(calado) e consente, se não for transmitir,<br />

mesmo que seja para os seus botões, é uma<br />

dor enorme, que carrega nos restantes dos<br />

seus dias; criar poesia é criar interrogações nas<br />

próprias crenças, descolorir o colorido, fazer<br />

barulho aos silenciosos, é uma visita ao uns e<br />

outros que não sou, uma visita a si mesmo, à<br />

um aquele EU que sempre ajeitamos directa<br />

ou indirectamente, infiltrar-se sem de nada<br />

saber. Sábio não é o poeta, eu como poeta<br />

aprendiz, procuro não a verdade, tampouco o<br />

real, procuro o irreal, apenas memórias que<br />

podem ou não me invadir e preencher, pois<br />

antes de percebermos o real, devemos<br />

compreender o irreal e o incompreensível. Eu<br />

escrevo quando não posso mais comigo<br />

mesmo, quando a água na boca já não se vai<br />

pela goela abaixo, atravessando as 24 horas de<br />

um dia, acordando até aos silêncios dentro de<br />

mim e dentro dos outros, desde os mais<br />

medonhos e profundos que podem existir,<br />

dentro de um cidadão tão comum e tão<br />

maluco e tolo como os políticos o são.<br />

Um poeta o defino, um amigo, um<br />

esfarrapudo, um amigo inimigo, uma voz que<br />

nunca fala em público ou as televisões, em<br />

capas de revista ou ainda forbes e magazines.<br />

Um poeta não é um deus fantasmagórico, é<br />

uma luz, que inventa a sua própria sombra,<br />

uma figura desconhecida mesmo no corpo em<br />

que habita, estranho a tudo e todos, desde a<br />

sua própria poesia; por favor, não pode ser a<br />

poesia mais ou menos importante que o<br />

poeta, corre-se o risco de pôr em o perigo os<br />

dois, o objecto e o sujeito criador; estes<br />

completam-se, a poesia não existe sem o<br />

poeta, nem o poeta existe sem a poesia, tal<br />

como a escrita não existiria sem o escritor,<br />

ambos são a mesma coisa, provém da mesma<br />

árvore. Poesia, luz, silêncio, estrada deserta,<br />

parede nua e crua, uma vida todas vidas. Se<br />

rompemos com esse cordão umbilical,<br />

rompemos também com os que estão ligados.<br />

Por vezes me meto na cama e depois de<br />

escassos minutos me vejo invadido e<br />

perturbado por vozes e escritas, sem saber a<br />

proveniência nem o destino, como se já<br />

estivesse prescrita uma missão de realizar a<br />

escrita, como se o ser poeta fosse uma missão<br />

assumida a partir do momento que se começa<br />

nas fainas literárias, rompo com a hora, a<br />

praxe e rabisco se esvai, seja onde for, agora<br />

me habituei a dormir com pedaços de papel<br />

por baixo da cama, das almofadas<br />

(travesseiro). Sendo poeta, não sou somente<br />

na escrita, mas na maneira de falar, de ouvir,<br />

escutar, estar com amigos e pessoas, não sou<br />

poeta maduro, nem imaturo, tampouco se<br />

pode amadurecer nas lides literárias; disse-me<br />

o amigo Willian Delarte, “és uma semente de<br />

uma árvore frondosa”, o Poeta Patraquim disse<br />

uma vez na sua entrevista que não existem<br />

poetas bons nem maus, apenas existem<br />

poetas. E eu como cidadão de Moçambique,<br />

sou mais um de poucos que cá existem, sou<br />

apenas um adolescente que a cada dia<br />

aprende a construir seus mundos interiores,<br />

porque o de cá fora anda muito conturbado,<br />

sou jovem escritor, aprendiz, e amador da<br />

escrita, mais um poeta, só poeta.


TRAVESSIA A NADO<br />

Atravessarei esta ponte, com mil mãos<br />

Brancas tradutoras do escuro<br />

Onde o gato miau-miau, é-me confidente ilusionista<br />

Onde as ondas agora adultas como nunca<br />

Competem passos de espuma<br />

Batelão metida com gente de lá e cá<br />

Balda-se no nkanhi fermentado, de punhos cerrados<br />

A baía gigante<br />

Arrumando insípido chão dos peixes<br />

De lés a lés gente<br />

Daqui um navio inteiro<br />

Rasga a estrutura funda<br />

Tudo isto, e coisa mais alguma<br />

Que não seja nada<br />

Esperanças e um pouco mais em lume brando<br />

SONHO DA TERRA<br />

Germina a saudade e tanto<br />

Fugazes as tranças dos dedos<br />

Em linha recta o paú preto reluz<br />

Acenam dois corações duma<br />

Só amizade<br />

Sonho ontem breve o sino<br />

Gente que transpõe os umbigos<br />

Mangas amarelecidas o calor<br />

Sorve-se o que presta para respirar<br />

Sumo de cajú<br />

Tudo dormiu já sem companhia<br />

E corpos debaixo da sombra menina<br />

Sonhos<br />

Mil e um abraços sem ambição


INSÓNIA DO POETA KANGACEIRO<br />

Dormi acordado<br />

Sino vivo<br />

O comboio que me persegue<br />

Os olhos de lebre, meus<br />

Viram<br />

2 Homens<br />

2 Braços<br />

Dois olhos<br />

2 Pernas<br />

E bocas em consequência<br />

Sono vivo<br />

Viu o fogo nos olhos do morcego falante<br />

E 64 dentes<br />

Viram<br />

Viram por uma janela<br />

Eles, virarem socos e mais socos<br />

Por 1 pão<br />

Eu aqui a aguentar a minha fome que me transgride<br />

JARDIM DO ÉDEN<br />

A alma das flores<br />

Tocam o profundo silêncio<br />

E quando se lhes toca o pólen<br />

Um inaugural ensaio do cheiro<br />

Suave pelo chão, todo<br />

A fé das flores . correr a clorofila<br />

De verdes campos do thunduro ou jardins<br />

Gorongosando<br />

Os serviços de se fazerem sentir<br />

A geometria das cores<br />

Ferve na fotossíntese em carne e osso<br />

Páginas das folhas encardidas<br />

São limites e explodem lúcidas<br />

Como nas bancas da Malanga ou matadouro<br />

Ninguém comeu fruto<br />

Ninguém pediu clemência


[Há mais ou menos 4 anos, incentivada por<br />

amigos, cometi o primeiro poema.<br />

A sensação foi estranha.<br />

A construção exigiu que da idéia inicial eu<br />

fosse retirando tudo o que era supérfluo, não<br />

essencial, até chegar numa estrutura ritmica,<br />

elegante, e ainda contendo o germe desse<br />

algo que eu tinha a dizer. E sempre fui muito<br />

prolixa...<br />

A dificuldade me encantou. A reflexão<br />

necessária me encantou.<br />

Fiquei fascinada com o processo todo, pois<br />

havia algo de muito racional naquilo que antes<br />

eu via como pura inspiração ou enlevo dos<br />

poetas.<br />

Havia mão de obra bruta, havia trabalho<br />

artesanal e algumas vezes frustrante.<br />

Claro que a “inspiração” inicial ainda estava<br />

lá, mas não era só isso.<br />

Redigir este texto para a presente edição da<br />

Rebosteio é um desafio na medida em que,<br />

não sendo poeta, devo de alguma forma<br />

encontrar em mim as razões da poesia.<br />

É simples: não há razões. Pelo menos não há<br />

razões conscientes que me direcionem no<br />

sentido de escrever visando algum objetivo ou<br />

satisfação de uma necessidade íntima.<br />

Mas as mais íntimas necessidades não são<br />

conscientes - rio de mim.<br />

É verdade que ao longo destes poucos anos fui<br />

aprimorando meus rabiscos iniciais de modo<br />

que hoje pude promovê-los ao que chamo em<br />

meu blog de ‘poemas descartáveis para<br />

superfícies ordinárias’.<br />

De qualquer forma, a poesia é um meio de<br />

expressão que permite tantas leituras quantos<br />

são os leitores: ela é maravilhosa porque não<br />

entrega tudo, pois “tudo” é mais do que<br />

qualquer um pode suportar.<br />

Talvez isto seja uma boa razão enfim: a<br />

liberdade de se desprender do “criador”<br />

(entre aspas sim, pois autoria é algo discutível,<br />

ainda mais em tempos cibernéticos... as idéias<br />

estão no ar comum a todos, prontas para<br />

serem laçadas).<br />

Há uma outra coisa que descobri durante esse<br />

tempo, e que não necessariamente ocorre<br />

com outras pessoas, mas que se resume no<br />

fato de que um poema só é concebido no<br />

holocausto de si mesmo, legitimado pelo<br />

vácuo que a racionalização da palavra deixa<br />

como rastro atrás de si. Morto para o poeta,<br />

passa a viver no leitor. E uma vez dito –<br />

bendito – morreu.<br />

Depreenda-se daí que meu maior insight em<br />

relação à poesia é de que ela nasce morta, no<br />

sentido de que durante a sua feitura, sua<br />

elaboração, ela esgota qualquer tipo de<br />

sensação que a possa ter originado<br />

primariamente.<br />

Esse efeito colateral não deixa de ser<br />

terapêutico, mas poesia não tem que servir<br />

para nada. Não tem nem mesmo que ser<br />

respeitável, posto que quanto menos respeito<br />

à norma culta, mais criativa ela se torna, a<br />

meu ver.<br />

Fascina-me a idéia da irreverência dos grandes<br />

“inventores” citados por Ezra Pound, que<br />

subverteram o status quo da linguagem<br />

literária de seu tempo.<br />

O poder encantatório da palavra sempre<br />

estará no que ficou por dizer, ou no que ficou<br />

mal dito... vivas aos poetas malditos!<br />

É surfar em signos.<br />

É o quanto poderei desalojar a poesia do seu<br />

pedestal virtuoso e lançá-la nas mãos e nos<br />

olhos de quem só tem compromisso com o<br />

lúdico pensar. Asas a ele, e pé na tábua.<br />

E mãos à obra, que tudo é barro: quanto a<br />

você, leitor, aproprie-se, faça do poema um<br />

móbile em sua cabeça. Esqueça o que dele<br />

pensa. Consinta a germinação por dentro.<br />

Exprima, esprema, enxugue a rima. Possibilite<br />

apenas a livre expansão pelo soma. Coma o<br />

poema: e regurgite, agite, revolva, empreste a<br />

saliva e a seiva. Sue sua prerrogativa - abrace,<br />

trema, dance o poema. Transe o ritmo e a<br />

palavra. Goze até perder a pose. E por fim<br />

repouse, tragando um fonema.


uma parede translúcida<br />

derrete sob a chuva fina<br />

afoga<br />

montes de polpa escrevendo<br />

nossos papéis<br />

da janela, solto um pássaro<br />

origami<br />

e me dobro sob as tuas evidências<br />

PAPEL DE ARROZ<br />

SHLEPT<br />

a língua bifurcada da serpente<br />

prova dois gostos?<br />

o que acontece<br />

se eu lamber teu gesto?<br />

gosto do susto<br />

de pensar palavras salivas<br />

incisivas insurgentes<br />

carnívoras<br />

isso vai me inflorescendo<br />

o resto<br />

dorme<br />

meu<br />

homem<br />

teu sono leve<br />

teu sonho justo<br />

gasto<br />

nos trilhos<br />

dor<br />

mentes<br />

repousa o susto<br />

dissolve a<br />

dor<br />

me<br />

u homem<br />

no afago lento<br />

de<br />

senhos<br />

na epiderme<br />

no epicentro<br />

que eu<br />

sismo<br />

que eu<br />

tremo<br />

e<br />

traço<br />

geograficamente<br />

em teu cansaço<br />

que é<br />

meu<br />

amém<br />

my<br />

man.<br />

MORPH<br />

EU<br />

ALÉM-GINSBERG<br />

seis beat-níqueis<br />

contados<br />

em sampa city<br />

ou nova iorque<br />

mal dão<br />

baião-de-dois<br />

mal dão<br />

indie gestão<br />

mas tem depois<br />

poema enxuto<br />

mutilação<br />

& poda<br />

instinto bruto<br />

nascendo exíguo<br />

fruto da foda<br />

com meu íntimo<br />

farto das horas<br />

mesquinhas<br />

e que só faz sentido<br />

porque me acho<br />

extinta<br />

e sitiada<br />

nas entrelinhas


O desfibrilador portátil na ponta do lápis ressucita um papel às brancas bordas da morte por despoesia.<br />

Catéteres de caracteres oblíquos, insuflam-lhe alento.<br />

Um boca-a-boca que jamais se cala, saliva uma salva de falas.<br />

E nem assim. E nem assado. É tudo em Fado. É tudo enfado.<br />

U.T.I.<br />

MINI CONTO SORVEDOURO<br />

nem era dia, nada luz ia.<br />

na penumbra alumbravam bocagens de piracema.<br />

trêmulas e mordazes, nossas voragens, anêmonas.<br />

LEITURA LABIAL<br />

alheia aos quesitos<br />

desfilo cara lavada<br />

nua<br />

minha verdade<br />

em cada um dos poros<br />

sua<br />

sacio<br />

poemas<br />

in éditos<br />

em noites<br />

impublicáveis<br />

CARNA(VA)L<br />

LITTERAE<br />

EC DEDENTR QUES PRAEACABANAB CAÉALENT<br />

JUGULAR<br />

essa veia galega ao pescoço<br />

forjada no mar impossível<br />

irredutível impostora<br />

barbárie até o osso<br />

triturado nas mil tribos<br />

de uma só progenitora<br />

ela vê: não sou poeta<br />

escrevo torto<br />

por linhas Celtas<br />

RITO & AIS<br />

abrandarei as penas<br />

o tráfego intenso<br />

a chuva de enxurrada<br />

e minha fúria banal<br />

sorvendo de colher<br />

in sufi<br />

ciência<br />

dançarei sob um cone<br />

sucumbirei ao transe<br />

bicho volatilizado<br />

na circu<br />

(i)nferência<br />

ou profanarei<br />

as linhas<br />

chorando ao telefone<br />

tão hereticamente urbana<br />

quanto mulher.


[“Para escrever, basta escrever” – J. Saramago]<br />

Lembro-me dos versos de Jean Cocteau: “A poesia<br />

é indispensável. Se eu ao menos soubesse para<br />

quê…”. A verdade é que a poesia não tem<br />

utilidade nenhuma, se, buscamos nela um<br />

substituto da vida… e dessa epígrafe reencontro<br />

Fischer (A necessidade da arte, 1959): “No<br />

entanto, será a arte apenas um substituto? Não<br />

expressará ela também uma relação mais profunda<br />

entre o homem e o mundo? E, naturalmente,<br />

poderá a função da arte ser resumida em uma<br />

única fórmula? Não satisfará ela diversas e variadas<br />

necessidades? E se, observando as origens da arte,<br />

chegarmos a conhecer a sua função inicial, não<br />

verificaremos também que essa função inicial se<br />

modificou e que novas funções passaram a existir?<br />

[...] A arte é necessária para que o homem se torne<br />

capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte<br />

também é necessária em virtude da magia que lhe<br />

é inerente.”<br />

Assunto mais batido e chato, não? Qual é ou não a<br />

(des)utilidade. Como se a arte precisasse se afirmar<br />

para além de ser virtude em si mesma.<br />

Numa visita a exposição de Vik Muniz, no espaço<br />

Cultural da Universidade de Fortaleza/ UNIFOR,<br />

eu percorria as grandes galerias do segundo ou<br />

terceiro andar, de pé-direito bastante alto e<br />

paredes de concreto. Uma profusão delirante de<br />

recriações de, entre outros, Monet, que mais me<br />

instigou por explorar em minúsculos pedacinhos<br />

de papel em mosaico, as qualidades óticas da luz e<br />

da cor, e despertavam intensas emoções. As telas<br />

pareciam exalar os perfumes das paisagens que<br />

retratavam. Um pequeno descuido já nos deixava<br />

ouvir o cantar das cigarras nos campos de sol<br />

escaldante, ou o ruído silencioso dos rios<br />

margeados por arbustos em variados tons de verde<br />

e leves pinceladas de violeta e aquela ponte<br />

multicolorida.<br />

A visitação seguia pelas muitas galerias fechadas,<br />

quando, no meio de uma das salas surge,<br />

surpreendente, uma janela que nos deixava ver, lá<br />

fora, o entardecer da cidade, tendo como fundo<br />

um céu azul cravejado por nuvens esparsas,<br />

recortado pelos pequenos prédios da Universidade<br />

e suas árvores. Postei-me diante da janela durante<br />

longo tempo e percebi que não estava só. Vários<br />

dos visitantes permaneciam estáticos diante dela,<br />

olhando para aquela paisagem como se<br />

observassem uma pintura, uma obra de arte.<br />

Afastei-me da janela, sentei-me em um dos bancos<br />

próximos e me ative à reação das pessoas, à<br />

relação que estabeleciam com a paisagem que<br />

surgia pela vidraça, enquanto pensava na<br />

faculdade da arte de nos sensibilizar, em como a<br />

contemplação daquela sequência de quadros<br />

havia provavelmente estimulado os visitantes a<br />

lançar um olhar estetizado para o mundo lá fora,<br />

em como a relação com as obras propiciava, ainda<br />

que por instantes, que os contempladores fruíssem<br />

a existência como uma experiência artística. Os<br />

visitantes entravam e saíam daquela galeria; o<br />

movimento em direção à janela e a relação com a<br />

paisagem fortalezense repetiu-se por longo<br />

período, até que me retirei da sala e do museu,<br />

não sem guardar cuidadosamente na memória<br />

aqueles que para mim foram intensos e raros<br />

momentos. O principal aspecto, que gostaria de<br />

ressaltar, da relação dos visitantes com as obras de<br />

arte e com a paisagem vista pela janela, que me<br />

chamou a atenção foi, sem dúvida, a capacidade<br />

da arte de provocar e, porque não, tocar os<br />

contempladores, sensibilizando-os para lançar um<br />

olhar renovado para a vida lá fora.<br />

Aí que, na tentativa de compreender a atitude do<br />

interlocutor, do leitor de poesia enquanto<br />

experiência educacional ou puramente estética,<br />

podemos recorrer ao enfoque sutil presente na<br />

alegoria benjaminiana, que sugere que o ouvinte<br />

de uma história – ao ouvi-la, ou ler, compreendêla<br />

em seus detalhes e empreender uma atitude<br />

interpretativa – choca os ovos da própria<br />

experiência, fazendo nascer deles o pensamento<br />

crítico. A imagem de chocar os ovos da própria<br />

experiência está relacionada com a ideia de que o<br />

ouvinte/ leitor, para efetivar uma compreensão da<br />

história que lhe está sendo apresentada, recorre ao<br />

seu patrimônio vivencial, interpretando-a,<br />

necessariamente, a partir de sua experiência e<br />

visão de mundo. Ao confrontar-se com a própria<br />

vida, neste exercício de compreensão da obra, o


espectador revê e reflete sobre aspectos de sua<br />

história e os confronta com a narrativa com a qual<br />

se depara, chocando os ovos da experiência e<br />

fazendo deles nascer o pensamento crítico;<br />

pensando reflexivamente acerca da narrativa,<br />

interpretando-a, e também acerca de sua história,<br />

do seu passado, revendo atitudes e<br />

comportamentos, estando em condições favoráveis<br />

para, quem sabe, efetivar transformações em seu<br />

presente, e – levando-se em conta a perspectiva<br />

de um processo continuado de exercício de sua<br />

autonomia crítica e criativa – assumindo-se<br />

enquanto sujeito da própria história, tornando-se<br />

capaz de (re)desenhar um projeto para o seu<br />

futuro.<br />

Então, eu e os demais fruidores, chocamos a arte<br />

com nossa existência: comovente, animadora? Se<br />

não o for o é de qualquer maneira, ainda que seja<br />

pra saber o que não me atiça e presta. Lembrando<br />

novamente e ainda que, a arte, sobretudo a<br />

poesia, vai desenhando imagens em nossa cabeça<br />

história pessoal e de mundo particular,<br />

interpretamos segundo a matéria de que somos<br />

feitos, e se meu repertório é vasto, maravilha: não<br />

me contento com o que me é oferecido e busco<br />

redesenhar meus roteiros e eu fazer melhor,<br />

transcender.<br />

Toda obra que não se manifesta é inútil e, por isso<br />

mesmo, má. O que em mim é poeta é aquele que<br />

contempla. O quê? O paraíso e o inferno. No<br />

contemplar, me debruço sobre os símbolos e em<br />

silêncio desço profundamente ao âmago das<br />

coisas. O narciso se contempla, se beija e se<br />

destrói para então ir além das aparências e<br />

recompor o seu mundo; porque o presente não<br />

me basta, é preciso reordená-lo e a arte é que,<br />

antes de qualquer coisa, produz sentido ao<br />

mundo.<br />

Os poemas a seguir integram o livro “O mar das<br />

mulheres finais ou o segundo fragmento da flor” ,<br />

a sair no próximo ano.<br />

ceciliana<br />

escorre o óleo do mundo - lima<br />

de rícino, refino<br />

mínima grama ou toda<br />

canteiro, fecundo<br />

a poesia é de quem<br />

precisa, disse o carteiro<br />

lhe ria. além a lama<br />

ternas de exílio e poda<br />

te revisito, o mundo - olha<br />

entre as pernas.<br />

concerto matinal pós-soviético<br />

aurora<br />

nenhum julgamento em maio<br />

toca a pianola boilesen<br />

eles são os outros, ó henning<br />

executa no silêncio das línguas seu concerto<br />

de bom dia - ó, gases! anima-te, ama-te ao meio!<br />

toda a verdade tingida num só corpo nevá-realista<br />

cruzador, proletariusze!<br />

anacrônica, atraente, a liberdade é uma agonística<br />

a sibéria nunca existiu, novokuznetsk não existe<br />

corre em tuas veias a pátria-colônia de pestes<br />

sangre vermelho é o canal do mar branco<br />

ó, yezhov! nunca ouviram a gulag song.


ZONA PROIBIDA DO SER<br />

“Esse est percipi” - Berkeley<br />

Um punhado de extratos pra se comer das mãos<br />

- Olha, minha vida bela como coisa acumulada!<br />

- Olha, minhas palavras forjadas por bem menos que a carpintaria!<br />

... Eu existo.<br />

Mas basta um espelho para escarnecer o mundo-dentro.<br />

Pequeno-mundo, a verdade se deita ao monstro do nada.<br />

Debaixo do nome<br />

A jaula e o silêncio.<br />

canção às proletárias de guerra<br />

caem línguas e ouvidos mortos<br />

sob o céu vazio e cinzento<br />

devia dizer uma velha cantiga<br />

judaico-germânica<br />

marina c., aqui vai tudo na mesma<br />

nas esquinas, porões, grades<br />

dentro da concha, o mar<br />

na semente, uma floresta<br />

as asas dos insetos se debatem<br />

em palmas ao sem-fim<br />

suite à palefrenier<br />

malgré disant:<br />

"reste encore"<br />

reste à mes cotês"<br />

ce n'est que poésie<br />

- vos démarches je me promène par nuit.<br />

cantata al novio<br />

no enlace su idea a mi<br />

desabite el nombre y la furia<br />

susanne déchevaux-dumesnil<br />

de una sola etapa de los árboles maduros<br />

hacia arriba con las manos<br />

la noche es tan frío y el silencio pesa<br />

FRAGMENTO PISADO DE UMA URNA GREGA<br />

[Para Fernando Monteiro]<br />

viene, pega tu mano sobre mi<br />

hasta que sea invisible al mundo<br />

como por las tardes nouvelle vague<br />

Este pedaço de pedra em minhas mãos já foi a Acrópole<br />

e já foi uma ideia de viagem, um mistério do velho Elêusis, um nome<br />

de poeta e de outro poeta, careca – como nunca grego -<br />

[e grego, primo do primeiro poeta.<br />

Ouvi da pedra: é penteliana, mas já não digo<br />

das brincadeiras que se faz com nomes, entre o<br />

Agora, o Beijo e o Pentélico.<br />

ofrece ahí fuera su ausencia<br />

en lugar de mi - ínsula<br />

y su doble - epistolarís<br />

y nos quedamos lo más abollados<br />

y olvidados - en nuestra sta. maría<br />

tranquilos, como si gimotea<br />

Este pedaço de pedra assassinou muitas gentes em suas passadas<br />

e o faz agora, mas muito doce, com os meus olhos<br />

cascalhos que despedaçam ou um lobo convertido em pedra.


Acontecera pré-pré o meu primeiro contato com a leitura. Tal como um<br />

milagre (ou maldição), aos cinco anos aprendi, sozinho, a ler. À época pedia<br />

à minha falecida avó que me levasse, vez por outra, a um certo bar (são meus<br />

escritórios, os botecos), onde lucrava algumas guloseimas, de um certo<br />

japonês, em troca da leitura de alguns letreiros – foram as únicas vezes que<br />

lucrei algo material em troca de uma leitura – natural, em um país onde a<br />

cultura é colocado em segundo plano. Retifico. A cultura é colocada em<br />

plano algum – o que é um plano maquiavélico.<br />

Na adolescência eu e meus convivas de rua formamos a banda “Baratas<br />

Pálidas”, que morrera de overdose antes mesmo do primeiro ensaio. Segui<br />

carreira solo, fazendo mais letras de música (e isso é poesia) e lendo<br />

praticamente nada de Literatura. A esse déficit, a esse vácuo, atribuo (apesar<br />

de ser algo imensurável) uma originalidade: tive de ser, quase sem querer,<br />

meu próprio parâmetro. Se adentrasse ao mágico mundo das palavras pelos<br />

olhos antes das mãos, creio que acabaria por “me afetar”.<br />

Um estalo. Sei que a poesia está pronta a partir dele: que vem de HQ,<br />

Cinema, Foto; conversas banais; às vezes uma frase deefeito basta para eu<br />

saber que a poesia está pronta ainda que precariamente conjecturada. Até<br />

chegar ao estalo é angustiante, catarse total. Por vezes fico horas a procura<br />

dele. Ando de lá para cá, reescrevo, amasso uma miríade de folhas – apesar<br />

de escrever mais no computador (a letra na tela torna a poesia mais<br />

contundente) – muitas vezes tomo banho, só para acalmar... quase entro em<br />

colapso com o lapso do lápis. Mas quando a poesia está pronta... ah! É das<br />

melhores sensações que se podem experimentar nesta vida. Se ler algo bom<br />

fascina, quando lemos algo nosso a transcendência vem em dobro. A forma<br />

dela cobrar esse excesso é jogar na sua cara que você usou a razão, muito<br />

mais que a emoção, e isso é uma espécie de fraude. Como é bom poder<br />

tocar um instrumento... caneta, teclado, borracha...<br />

Com o advento da internet, passei a ler mais (fundamental) e a publicar em<br />

grupos virtuais. Passei a assinar com o pseudônimo “Cidadão das Nuvens”,<br />

que era uma forma de tirar a distração do ostracismo e colocá-la na<br />

apoteose. Sou tão nefelibata que ao nascer esqueci de chorar. Uma forma de<br />

provocar e ser anti convencional? Também, mas o mais importante era<br />

mostrar para a enfermeira que eu era forte.<br />

Hoje prego contra minha atenção. Essa me faz perder os momentos<br />

pequenos e as imagens desnecessárias: e isso é tudo. Perdemos uma pessoa<br />

querida, em qualquer contexto, e nos lembramos dos momentos de menor<br />

glamour: um sorriso à toa, uma boa patuscada, um brinco, uma briga besta,<br />

um prato, etc. E estar atento é perder poesias (Escrever é respirar); mas isso<br />

tem lá seu lado positivo, como retrato em um poema: “o que não foi escrito /<br />

ainda assim afeta/-retoca sem cessar, lapida-/a obra do poeta”.<br />

Me insatisfazer com meu estilo é o que me deixa satisfeito. Artista bom é<br />

aquele que se trai constantemente. Sair do lugar comum ao passo que, o<br />

outro, fique comum de me mandar para outro lugar. Por isso gosto de<br />

escrever poesias longas e tercetos; visuais, caligramas, etc. Na temática<br />

também gosto de escrever sobre tudo que é possível. Agradar uma criança<br />

aqui e um marginal acolá. Desagradá-los à mesma proporção. Assim e<br />

Assado. Gosto que leiam meu livro e entendam metade. Uma metade por<br />

completo.<br />

Tenho o sonho de um dia pegar um imenso dicionário “de papel” (nada,<br />

jamais, substituirá o livro “físico”) e, palavra por palavra, saber que todas, de<br />

alguma forma, estão na totalidade da minha obra. Isso é procurar agulha no<br />

Palheiro. É propagar fagulha no palheiro. É uma ambição e tanto. Há trevas:<br />

atreva-se.


Durante a chuva de bolhas puges<br />

com uma resposta dentro<br />

Puge :<br />

Cor do inseto de mesmo nome.<br />

Dotada de raro poder<br />

hipnótico arrepia a quem<br />

avistar-lhe seja na pele<br />

da terceira lua, nos olhos da<br />

mulher-coruja ou no<br />

mágico líquido - pai<br />

da eterna guerra entre<br />

Tríplice Serena : elfas, gnomos e<br />

magos ; e Tríplice Encantada : fadas,<br />

duendes e unicórnios -<br />

cujo odor encontra<br />

metáforas na expressão absurda<br />

de quem o descobre mas nunca<br />

na finitude das palavras que<br />

inocentemente<br />

afirmam :<br />

o doce daquela poção<br />

feito sonho de bebê.<br />

E<br />

se depois<br />

enquanto flutuares com as<br />

árvores pelo céu chimpute (outra cor<br />

inimaginável) durante a chuva de<br />

bolhas puges com uma resposta dentro e<br />

margaridas sabor chocolate sua<br />

curiosidade - que atravessara o portal e<br />

bebera daquela fonte - se perguntar mas<br />

quem é esse alquimista fabuloso que<br />

deixou a água a ver navios saiba<br />

de antemão :<br />

Deus é Deus por ter<br />

feito a água<br />

incolor - insípida - inodora quando<br />

poderia mais, muito mais, tudo e mais<br />

um pouco, muito mais que<br />

essa<br />

poçãozinha<br />

dos diabos.<br />

Giz de construção<br />

Entre o céu e o inferno<br />

brincam as crianças<br />

O mesmo João<br />

de amarelinha.<br />

Andar nas nuvens<br />

perder o chão.<br />

Trocar a vaca magra<br />

por um pé-de-feijão.<br />

Tem ouro dando canja,<br />

um castelo acima.<br />

O gigante acorda<br />

sob o som da rima.<br />

Sou como todos<br />

o mesmo João,<br />

o tópico utópico<br />

de toda noção.<br />

Sou como todos<br />

o mesmo João,<br />

hipotético e patético,<br />

luz de imaginação.<br />

Mal te vi lá de cima,<br />

tudo ficou pequeno.<br />

Ontem peguei<br />

uma gripe, um sereno,<br />

uma galinha gorda<br />

de ovo amarelo.<br />

Orvalho<br />

Se o orvalho, simplório orvalho, nasce assim:<br />

da noite pr'o dia ...<br />

Porque o nosso amor, minha flor, não ousaria?


O abacate<br />

O abacate projeto.<br />

O abacate conceito.<br />

Ainda sem cor e forma.<br />

O abacate rascunho.<br />

Ainda sem sabor.<br />

Antes do primeiro abacateiro desse mundo.<br />

O abacate na cabeça de Deus :<br />

uma idéia a concretizar- se.<br />

Não há guarda chuva<br />

contra o tédio<br />

a substância que<br />

torna seus dentes, querida Sheila,<br />

cada vez mais brancos,<br />

enche seus primos evangélicos<br />

de alegria alegria alegria<br />

e faz a mãe morena<br />

que jamais conhecera<br />

entregar-se a qualquer um<br />

desde que sejam dois três.<br />

Ao sair de cena<br />

Aceite de bom grado<br />

honrosa menção<br />

mesmo vencido:<br />

impublicável poema.<br />

Rascunho inacabado<br />

leve consigo a sensação<br />

de dever cumprido<br />

ao sair de cena.<br />

O que não foi escrito<br />

ainda assim afeta<br />

- retoca sem cessar, lapida -<br />

a obra do poeta.<br />

a substância que<br />

torna seus dentes, querida Sheila,<br />

cada vez mais brancos,<br />

fez seu irmão viciado acordar<br />

triste do sonho bom,<br />

o sonho dos presentes de Deus :<br />

um fígado intacto, uma virgem de quinze<br />

e um rosto sem olheiras<br />

a substância que<br />

torna seus dentes, querida Sheila,<br />

cada vez mais brancos,<br />

atirou-me do bilonésimo andar,<br />

condenando-me ao suicídio lento,<br />

cuja queda não se concretizou<br />

ainda há tempo de mais um<br />

brinde com o amigo<br />

que o cair apresentou-me :<br />

um garoto de cabelos longos<br />

que se veste como Kurt Cobain,<br />

quebra instrumentos como Kurt Cobain,<br />

usa drogas como Kurt Cobain,<br />

mostra o pênis no palco como Kurt Cobain,<br />

mas não escreve como Kurt Cobain,<br />

não toca guitarra como Kurt Cobain,<br />

não toca os outros e nem se toca.<br />

Quiçá, se toque antes que o chão .


Tem esta inquietação que ocorre vez por<br />

outra. Vem não sei de onde e apenas escrevo. Nunca<br />

fui boa em verbalizar emoções, gosto do concreto,<br />

geometria era meu forte. Penso no dia em que<br />

alguém vai perceber que não escrevo, nunca escrevi.<br />

Conto histórias como se assistisse a um filme. Até os<br />

poemas, eles dançam na minha frente, fazem<br />

mesuras e eu apenas descrevo a cena. Espero o dia<br />

em que vão me dizer que eu não faço sentido.<br />

Houve um tempo em que falar me sangrava<br />

a garganta. Se eu cantasse uma música inteira o gosto<br />

do sangue me vinha na língua e logo em seguida o<br />

cheiro ferroso às narinas. Apaixonava, discutia,<br />

odiava, tudo em silêncio. Se fosse um escultor eu<br />

saberia exatamente como seria a forma do que<br />

sentia, podia talhar o sentimento até mesmo em<br />

uma dura aroeira, mas falar sobre isto era impossível.<br />

Tinha infecções na garganta, voz de pato,<br />

placas fétidas soltavam de minhas amígdalas. Foi na<br />

virada do século, depois de quase trinta anos de<br />

mudez que descobri a cura para minha faringite<br />

eterna. Escrever.<br />

Compreendi que não era culpa de minha<br />

boca ou de minha língua que eu não pudesse falar<br />

sem chorar, expor um argumento contrário sem<br />

gritar. As ideias me vinham em bolos, tinham três<br />

dimensões, se emparelhavam, entravam umas<br />

debaixo das saias das outras.<br />

1<br />

Ismália vez por outra me aparecia e eu era<br />

do tipo que preferia acreditar que ela não era louca,<br />

que não tinha se espatifado nas pedras lá embaixo,<br />

que podia e alcançou a lua. Ismália era um chamado<br />

à escrita, fugi dela por pensar que me chamava para<br />

2<br />

o abismo. Leminski , ao contrário, veio como viria se<br />

fosse vivo e me encontrou por acaso.<br />

Despretensioso no meio de uma coletânea de versos<br />

igualmente provocadores e cheios de revolução e<br />

amor.<br />

Quando li o primeiro Leminski disse em voz<br />

alta: - Filho de uma puta! Ele via, sabia que as<br />

palavras tinham personalidade, que podiam se<br />

fantasiar e assumir identidades que não eram as suas<br />

e ainda assim se fazer entender. Ele tinha decifrado a<br />

dança das palavras, suas artimanhas. Sabia que elas,<br />

ao interpretarem pensamentos subversivos, também<br />

se rebelavam. Era o que me faltava.<br />

A partir daí eu comecei a escrever.<br />

Reticências, rimas mendigas, gerúndios, amor e dor,<br />

comecei de gatinhas, quase rastejando. Escrevi<br />

copiosamente e era tão intensa esta descoberta para<br />

mim que pensei ser uma enviada divina, alguém que<br />

iria descobrir a pólvora, inventar a roda da literatura.<br />

Tive um ou dois amigos honestos que disseram que<br />

havia algum conteúdo no meio daquele rio de erres<br />

das minhas rimas de verbos no infinitivo. Não<br />

escreva para ninguém. Foi o melhor conselho que<br />

recebi em toda a minha vida.<br />

Larguei as rimas, deixei as reticências, pus<br />

para fora e desenhei com palavras aqueles sapos<br />

engolidos que por tanto tempo arranharam minha<br />

goela, os argumentos deixados para trás, minhas<br />

justificativas, as coisas belas que eu era capaz. Esta<br />

coisa que dita o que tenho de escrever, minha<br />

consciência ou inconsciência, sei lá, não está nem aí<br />

com minha reputação de escritora, de filha, de mãe<br />

de família, ela simplesmente não liga. Se eu tento<br />

não escrever ou dar uma versão mais comportada do<br />

que estou vendo ela ri da minha cara. Faz com que<br />

eu me core e me sinta uma fraude.<br />

Uma vez sonhei com um poema. Enorme,<br />

em quadras perfeitas, algo medieval como uma<br />

canção de amor shakeasperiana. No sonho eu sentia<br />

orgulho por ser um poema clássico, belíssimo, lindas<br />

rimas, linda história e eu o declamava, uma dezena e<br />

pouco de estrofes que tentava decorar para anotar<br />

quando acordasse. Quando acordei não lembrei<br />

nenhuma palavra, o mote, nada que me fizesse<br />

lembrar daquele que seria o poema pelo qual seria<br />

lembrada pelo resto da minha vida e morte. Acredito<br />

que foi para me botar no meu devido lugar. Foi como<br />

se me dissesse, sim, eu sei escrever, mas você não<br />

está aqui para isto.<br />

Manter minha submissão, deixar com que<br />

apenas o necessário seja escrito, não deixar com que<br />

eu seja clara o suficiente, que eu não tenha um estilo<br />

único é a maneira de cumprir este papel. Creio que<br />

não seja assim para todos, que uns escrevam para<br />

dar sentido à história de outros, alguns para que sua<br />

história não seja esquecida, outros para que os<br />

comuns sonhem. Não sei se o que escrevo é bom,<br />

mas tenho absoluta certeza de que é verdadeiro.


Meus olhos chorou.<br />

Neles lágrimas para um só.<br />

Alma plural, verbo singular.<br />

O outro jaz.<br />

Perdão, foi o melhor que pude.<br />

Ausente<br />

A poesia dorme.<br />

Nem pesadelo nem doce sonho.<br />

Bateu um vento<br />

bem no meio de um porque.<br />

Petrifiquei bem aí.<br />

Não houve um fator paralisante.<br />

Só um não ter para onde ir.<br />

Ninguém me acalma<br />

ou preocupa nesse instante.<br />

Nem é o nada quem me abraça,<br />

ele não faria tanto por mim.<br />

É só um não sentir.<br />

Guardei tudo que não consigo lidar em caixas e estoquei.<br />

Estou bem no meio de um grande armazém.<br />

O motivo pediu conta e foi surfar no Havaí.<br />

Ingredientes, lenha , fogão,<br />

está tudo aqui.<br />

Inconcordante<br />

Só não há fome.<br />

A dor cavou<br />

mas não encheu o açude.<br />

Geada<br />

Partida, irremediavelmente, a pétala do lábio<br />

ao toque mecânico da língua a pouco desperta<br />

pressentiu o estrago, até então desconhecido,<br />

dos anos de exílio solar.<br />

Permaneceu imóvel.<br />

Paralisava-o o impacto da surpresa<br />

mais que o fino gelo que eriçava-lhe os pêlos.<br />

Não sabia ao certo a extensão da perda<br />

e apalpava com pejo a inocência queimada.<br />

Ideogramas desfiguravam-se revelando<br />

molhados segredos ancestrais.<br />

Restava-lhe a certeza do degelo.


Marginal<br />

Meu poema é soneto quando bem quer.<br />

A tônica o sufoca na sexta sílaba.<br />

O verso dá minha cara à tapa,<br />

dobra meus joelhos, põe tudo a perder.<br />

Conta-me a vida em tortas linhas<br />

impondo a meu olhar agudo, desejo mudo,<br />

o ângulo reto.<br />

Vespertina<br />

Ela disse: Eternidade.<br />

Numa língua serpentina<br />

Enroscou-se em meu nome,<br />

cheiro e albumina.<br />

Faz-me descer quadrado,<br />

Arremessa-me de frente contra o muro.<br />

Aponta-me sempre a porta dos fundos.<br />

Exposto ao ridículo, sou maltrapilho,<br />

seu aprendiz, seu filho.<br />

Caminho trôpego entre versos cultos.<br />

Mata-me de prazer<br />

Deu voltas em meu pescoço<br />

falou descalço em meu ouvido:<br />

-Vem comigo! Vem comigo!<br />

Lotou meus dias de feitos vazios.<br />

Lagarto cruzou a estrada<br />

a engravidou de uma montanha russa.<br />

Parto sem dor,<br />

algo de puro nesse despudor,<br />

algo de muro nesse corredor.<br />

Acorde tímido, gemido rouco.<br />

-Fica mais um pouco!<br />

-Fica mais um pouco!<br />

-Eu te preciso, preciso.<br />

Em minhas mãos dez coordenadas.<br />

Metáfora do alcance.<br />

Em minhas mãos descoordenadas.<br />

Meta fora do alcance.<br />

Um lance que já estava dentro<br />

bem antes do antes do antes.<br />

Dois canudos no mesmo refrigerante.<br />

De tão claro<br />

chega a ser abismo.<br />

De tão inevitável<br />

chega a ser sentença.<br />

De tão verdade<br />

chega a ser tristeza.<br />

De tão suave<br />

chega a ser carícia.<br />

Malícia.<br />

Delícia que envolve.<br />

A maré revolta<br />

da língua se solta.<br />

O insano escolta<br />

à tua prisão perpétua.<br />

Emissário da morte<br />

que a queda atiça.<br />

Preguiça.<br />

Cobiça<br />

o que teu pecado capita.<br />

Por meus pêlos velejam teus dedos<br />

decifrando-me a pele em trêmulo solfejo.<br />

Como último apelo<br />

termino<br />

em<br />

teu<br />

beijo.


PROCESSO CRIATIVO<br />

O lugar da minha poesia é sozinha,<br />

abandonada, despercebida, porque ela só tem<br />

valor quando descoberta, o seu valor é isto, estar<br />

lá, soterrada nos escombros desesperando<br />

resgate... Poesia é doença, tal como vida é doença<br />

que deu no que era morto. A maior causa da<br />

morte é a vida e, talvez, a maior causa da<br />

imortalidade seja a poesia.<br />

ESCRITOR COMPULSIVO<br />

meu amor, hoje não te convido.<br />

quero ficar escrevendo sobre tua falta.<br />

Preciso escrever porque sou impotente. Sou<br />

impotente e ponto, o mundo não se alcança, há várias<br />

coisas que não alcanço com o corpo, inclusive eu<br />

mesmo. Meu pensamento tenta ir à frente do que sou<br />

em corpo lento.<br />

Acredito que toda palavra mente. Não saberia<br />

explicar ou seria cansativo e prolixo. Toda a palavra<br />

mente, falta muito nelas, e poetar é tentar compensar<br />

isto de alguma forma, é lutar contra a escassez<br />

semântica da palavra usando palavras também novas e<br />

muito possivelmente indispostas com relação à<br />

verdade.<br />

Na minha poesia há uma intenção de<br />

mensagem precipuamente, de sinceridade maior,<br />

acredito. Contudo, falta algo como uma<br />

coesão minuciosa de redação, delimitadora das<br />

interpretações. Não quero contar os detalhes de uma<br />

vasta realidade quando escrevo poesia, mas posso<br />

escrever apenas um detalhe numa poesia amplificando<br />

as células dos acontecimentos. Sou incapaz de poetar<br />

sem filosofar.<br />

Não há para mim nenhum glamour em poetar.<br />

Iniciei poesia de mesmo modo que acendi um cigarro à<br />

primeira vez: acendi um cigarro porque "era adiantar a<br />

maturidade" para o moleque vítima da linguagem<br />

poética publicitária e, no caso da poesia, talvez eu<br />

forçasse mais a versificação no começo, quis ser poeta<br />

porque me era admirável ser poeta, soava<br />

sensibilidade, parecia-me sedutor.<br />

O que não me agrada está muito bem descrito<br />

no seguinte segmento, e é artimanha dos artistas em<br />

geral:<br />

“O que é perfeito não teria vindo a ser - Diante<br />

de tudo que é perfeito, estamos acostumados a omitir a<br />

questão do vir a ser e desfrutar sua presença como se<br />

aquilo tivesse brotado magicamente do chão. É<br />

provável que nisso ainda estejamos sob o efeito de um<br />

sentimento mitológico arcaico. Quase sentimos ainda<br />

(num templo Grego como o de Paestum, por exemplo)<br />

que certa manhã, um deus, por brincadeira, construiu<br />

sua morada com aqueles blocos imensos ou que<br />

subitamente uma alma entrou por encanto numa<br />

pedra, e agora deseja falar por meio dela. O artista sabe<br />

que sua obra só tem efeito pleno quando suscita crença<br />

numa miraculosa instantaneidade da gênese; e assim<br />

ele ajuda essa ilusão e introduz na arte, no começo da


criação, os elementos de inquietação<br />

entusiástica, de desordem que tateia às cegas, de<br />

sonho atento, como artifícios enganosos para dispor a<br />

alma do espectador ou ouvinte de forma que ela creia<br />

no brotar repentino do perfeito. Está fora de dúvida<br />

que a ciência da arte deve se opor firmemente a essa<br />

ilusão e apontar as falsas conclusões e maus costumes<br />

do intelecto, que o fazem cair nas malhas do artista.”<br />

(Humano, demasiado humano Aforismo 145)<br />

A meu ver, não há nada de glorioso em ser<br />

poeta, e não gosto de tentar forjar um milagre, um<br />

dom, como apresentado no aforismo citado. Porque se<br />

fosse assim, não haveria uma evolução que posso notar<br />

no meu fazer poético. É devagar quando passa pelo<br />

juízo, outras vezes necessita ser imediata, coisa filha de<br />

dores, amores, prazeres pouco intelectuais.<br />

Para meus bojos sentimentais, às minhas<br />

concepções juvenis, a poesia era um generoso espelho,<br />

terei certamente incorrido nisto meramente: vaidade!<br />

Depois veio a dúvida, a racionalidade artística, fui<br />

hospitaleiro com a poesia em mim, deixei que ela<br />

permanecesse mesmo quando ciente da precariedade<br />

em que ela se fazia a cada altura anterior e suspeitando<br />

que o hoje sempre será digno de reparos amanhã.<br />

Amanhã sempre sou criança hoje. Continuei ou deixei<br />

a versificação continuar sofrendo aqui dentro deste<br />

recipiente as mudanças, vivendo com isto de escrever.<br />

Diversas coisas é o poetar enquanto intento,<br />

mas principalmente desejo de seduzir. Também desejo<br />

de me guardar (grafia) para depois.<br />

Na verdade, eu não sei. Não quero inverter as<br />

coisas e dizer que a poesia é minha dona. "Temos um<br />

caso" parece mais prudente. Ela só pôde vir a acontecer<br />

através de uma sensibilidade anterior e,<br />

posteriormente, a poesia tenha majorado esta<br />

sensibilidade. Para isto, precisei aceitá-la, não pude,<br />

não deu para desistir ainda.<br />

POESIA NÃO SE APRENDE?<br />

não se aprende a ser poeta.<br />

ou não de outro jeito:<br />

o poeta nos tenta morar,<br />

às vezes e um pouco.<br />

falcuta-nos somente<br />

lhe sermos<br />

hospitaleiros ou não.<br />

Como vejo a poesia? Não só a poesia, mas toda<br />

expressão literária, independente do gênero, é uma<br />

leitura. Só há leituras! Escrever é simplesmente relatar<br />

uma leitura feita do mundo e conforme as julgo<br />

inovadoras e/ou imprevistas é que me disponho a<br />

trabalhá-las.<br />

O que inicia meu processo de criação é o acaso<br />

de realizar uma leitura de maneira que eu mesmo<br />

julgue interessante, o que independe dos níveis de<br />

abstração que ela compreenda.<br />

Há - claro! - interferências atuando sobre o<br />

propósito inicial da expressão, destarte, ocorre com<br />

alguma frequência uma mudança deste propósito, pois<br />

também componho com o acaso do branco, das folhas<br />

brancas (fictícias ou não), com o erro; por exemplo,<br />

com uma palavra apagada descuidosamente que<br />

permite a união de duas outras numa relação sintática<br />

nova, inusitada etc.<br />

HOJE FEZ SOL<br />

Hoje fez sol.<br />

Eu não sei fazer.<br />

O ponto de partida de toda minha expressão<br />

literária é a provocação: pode ser uma vontade de fuga<br />

da realidade, pode ser uma vontade de retratá-la; pode<br />

ser vontade de dar à palavra braços mais longos que os<br />

físicos; permitir que me acompanhem num


pensamento dando-lhe curvas sensuais ou<br />

meramente sensórias etc. Uma vontade não obsta<br />

outra, aliás, a versificação vai se adornando e<br />

lapidando pela interação de vontades: de sinceridade,<br />

de lógica, de filosofia, de beleza, enfim, de poder<br />

condizer com uma dada verificação e mesmo superála,<br />

acentuá-la.<br />

Não gosto da palavra “inspiração”, por que há<br />

nela o sema "místico". Dizem aí: "Ah, a inspiração que<br />

tenho!". Digo: "Não tenho nada!". Estou metido no<br />

meio inevitavelmente. Prefiro falar de “provocação”, e<br />

não tenho controle sobre quando e onde a provocação<br />

vai acontecer na vida e como isto será estruturado no<br />

branco. Trata de uma negociação com a nudez das<br />

"folhas", uma troca entra as minhas experiências e a<br />

inocência inanimada. É facílimo nos mexermos: eu, o<br />

branco e o mundo. Isto acontece como uma<br />

necessidade. Agora, se será artigo de apreciação, fica<br />

por conta da beleza alcançada, beleza esta que atua<br />

não só na disposição inusitada dos vocábulos, do ritmo,<br />

mas na mensagem evocada por esta disposição, na<br />

capacidade de tornar sensacional o discurso. Quem<br />

quer seduzir precisa tentar saber o outro o máximo<br />

possível.<br />

Adverto-os que estou inteiramente a par de<br />

meu egocentrismo, que isto se não esqueça em tudo<br />

que faço com ares de artigo! Isto posto, vamos lá!<br />

Encarar mais uma vez a poesia, encarar mais<br />

uma vez o poeta... Dizer alguma coisa sobre isto é<br />

completamente arriscado. Talvez, partindo de um juízo<br />

muito rigoroso, uma loucura. Para se ter uma ideia:<br />

dizê-los “isto” já é muito atrevimento de minha parte.<br />

A autoria me assusta. Tão alinhados poetas!<br />

Tão arranjados como poetas! Tão donos do que<br />

emanam. Respeitáveis, talvez. Sagrados, jamais!<br />

Entendemos, ainda que não conscientemente, que a<br />

poesia deriva de certo estilo do autor, digo melhor:<br />

verifico que há para o poeta uma postura adequada, já<br />

que nada pode ser independente nesta vida, entre<br />

poeta e poesia deve haver ou ser arquitetada alguma<br />

consonância.<br />

O poeta que penso desconstruir é o que tenta<br />

necessariamente condizer com os seus versos, faz<br />

pose de poeta para fotos de orelha, enfim, tenta rimar<br />

com o que escreve. Não só poesia, mas a literatura de<br />

um modo geral está associada a costumes adequados,<br />

consumos ou não consumos próprios do "ser poeta",<br />

que é “não ser razoável”.<br />

CHAFARIZ DE LETRAS<br />

hoje, assim, de repente e sem norte,<br />

tem um livro querendo pular<br />

dentro de um instante<br />

para fora de mim.<br />

DESCONSTRUÇÃO DO POETA<br />

Egocentrismo mais próximas ou mais<br />

distantes como Mercúrio ou Plutão, e talvez mais<br />

quentes ou frias, as palavras giram em torno do ego.<br />

"É tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem<br />

poetas, quanto os poetas se tornarem razoáveis." (Pablo<br />

Neruda). Daí, o vestir-se de poeta é possível.<br />

Ostentações que clamam respeito, decência<br />

planejada; digo, tenho a impressão de que há muita<br />

arquitetura para além do fazer a poesia propriamente,<br />

e esta é tentar dignificar, se relacionar com a poesia<br />

através de uma imagem consciente de sua publicidade<br />

e nessas instantâneas capturas soar um viver poético.<br />

Desconfio que há algo de sofismo difícil de apontar, e<br />

talvez o sofismo seja um primeiro passo no rumo de ser<br />

ou de nunca ser verdadeiramente. Contudo, quem<br />

busca ser poeta, não é poeta.<br />

Cogitando esta arquitetura é que penso em


desconstrução do poeta.<br />

Aliás, gostaria de ressaltar que há algo de<br />

“mais” na poesia: se pode notar na seguinte distinção<br />

realizada quando alguém escreve poesias e outros<br />

gêneros literários: “poeta e escritor”. Existe esta<br />

separação, claramente; e enxergo nisto uma áurea com<br />

qual não quero contribuir, ao contrário, gostaria de<br />

desconstruir, de dizer: “não necessariamente”; ou<br />

“não necessariamente poeta fuma cachimbo, toma<br />

café, usa boina, põe a mão no queixo, possui em mãos<br />

um livro aberto, ao redor uma estante farta de<br />

consagrados...”.<br />

Quando uma pessoa é reconhecida poeta, ela<br />

é alguma coisa. Poderia ser apenas diagnosticada como<br />

louca, mas é poeta, está sacramentado, lavrado: “Po-eta”.<br />

Salvou-se, terá sido por pouco? E quem para além<br />

dos alheios pode reconhecer tal posto? É um posto?<br />

Sobre mim ainda tenho dúvidas, não sei se “gozo” de<br />

lucidez ou se, lucidez excessiva embriaguês - sou é<br />

doido.<br />

Subjetividade imensa, terreno livre. Façamos o<br />

que bem der na telha, ponham fora e dentro a<br />

normalidade, tudo junto.<br />

a leitura aconteça diante do branco, um tanto<br />

forçada, intencional.<br />

A questão de arranjar ao poeta virtudes ou<br />

vícios é passível de advocacia, de alegações, de ângulos<br />

sugeridos ou mesmo impostos por quem tem mídia.<br />

Prefiro a expressão poeta como substantivo que<br />

adjetivo.<br />

Vital para mim em poesia é achar um chão<br />

comum, uma base, para poder acompanhá-la,<br />

caminharmos juntos, e para isto ela precisa ter<br />

mensagem, preferencialmente, coerente entre os<br />

versos. Pode decolar, mas tenho que achar o solo para<br />

compreender (seja afetivamente ou racionalmente) o<br />

voo. Sem o chão não há passeio, não há mãos dadas,<br />

não é agradável.<br />

Quase sempre, sobretudo quando leio velhos<br />

clássicos, sou levado a crer que me ocorre falta de<br />

bagagem para acompanhar a obra; às vezes, ela parece<br />

caríssima em face do que tenho para abordá-la. Em<br />

outros casos, atrevo-me a dizer que ela se me sugere<br />

apenas pretensiosa. “Falta vida” é uma impressão que<br />

tenho, um critério que me faz largar de mão não só a<br />

poesia como qualquer outro gênero literário.<br />

UM FINGIDOR É POETA?<br />

Não desejo racionalizar críticas, até porque a<br />

“liberdade poética” é utilizada como argumento para<br />

qualquer crítica que se dirija às obras; direi apenas que<br />

simplesmente, em algumas leituras, não acontece<br />

poesia comigo.<br />

É possível se vestir de poeta, como é possível<br />

vestir “boa noite” de poesia, assim como é possível se<br />

vestir de homem-aranha sem saber subir pelas paredes.<br />

O poeta mesmo, só sabe o leitor. Se não há<br />

adulação, mas identificação, entusiasmo etc.<br />

aconteceu poesia.<br />

Quem é o poeta? O poeta é o quem fez uma<br />

leitura diferente, inusitada, surpreendente em algum<br />

grau, e vai recorrer à estética poética para apresentar<br />

tal leitura, para fazê-la tão ou mais interessante que a<br />

original, para despertar para tal discurso, não oponente<br />

“Melhor escrever para você mesmo e não ter<br />

público, do que para o público e não ter você<br />

mesmo.” Cyril Connoly<br />

A desconstrução é acabar com a fantasia de<br />

poeta. O poeta mesmo é indestrutível. Mas, e se o<br />

poeta é um fingidor?<br />

EM VÃO<br />

o agir a que falta corpo<br />

é um gesto natimorto<br />

sou a favor do aborto<br />

Agora, tudo começa na leitura! Eu leio uma<br />

poesia na rua, em casa, em mim, seja onde for, num<br />

acontecimento, e depois escrevo, consequentemente


sempre vai ter alguém que não vai achar poesia<br />

nos meus versos. Não há absoluto! Não é ciência e nem<br />

exata; aliás, atualmente a poesia está bem mais<br />

democratizada e os olhares que se encantam ou não<br />

são muito mais diversos.<br />

Posso estar dando margem a entenderem, mas<br />

não sou a favor da explicação da poesia, porém já<br />

observei que é importantíssimo o contexto, que<br />

quando não é dado pela circunstância social<br />

partilhada, será dado pelo título, pelos versos ou como<br />

aqui apoiado pela inserção no artigo num ponto<br />

preciso. Fora disto é flutuação sem chão! Gosto daquilo<br />

que posso e pode me abraçar. Nem sempre eu sou um<br />

destino ideal para o que é dito.<br />

A restrição aos usos exagerados da estética,<br />

apelando mesmo para a sonoridade, semântica e<br />

vocábulos rebuscados, desfalca a poesia: nomes de<br />

flores; nomes de peixes etc. estes usos sugerem um<br />

caráter peculiar ao que está escrito, atribui, ao que<br />

quer que a poesia narre ou descreva, uma<br />

singularidade. Bacana, mas não me basta! Tais usos são<br />

um condimento literário interessantíssimo, no entanto,<br />

é passível de fria técnica. Destarte, é que muitas vezes a<br />

sinceridade da poesia como instrumento de expressão<br />

dos sentimentos fica comprometida.<br />

Há também, parafraseando o Nietzsche,<br />

aqueles que turvam a água para que pareça profunda.<br />

Comigo não tem essa do poeta se isentar! O<br />

autor (homem e acaso) vai se sugerir através da poesia.<br />

A criação do “eu-lírico” não impede a relação ainda<br />

que esta seja antagônica, quero dizer, o "eu-lírico" não<br />

surge com uma ninfa cantando aos ouvidos do poeta,<br />

há entre autor e obra uma ligação que vai ajudar ou não<br />

a promover a poesia.<br />

Instintivamente, o poeta trabalha a poesia<br />

dentro de uma conjecturação lógica. Já verifiquei<br />

muito pudor na poesia no tocante a destrinchar o seu<br />

“vir a ser”, seu "devir", mas o faço porque detesto a<br />

ideia de sacralização da poesia.<br />

A explicação está arraigada ao ser, o<br />

entendimento de algo lhe causa tranquilidade e isto vai<br />

parar na poesia, uma poesia explica as coisas, sim!,<br />

descreve... Sejam sentimentos, sejam<br />

situações... Há um caráter compreensivo na poesia que<br />

a torna muito mais apreciável, palatável, palpável e,<br />

como dito, não precisamos explicar, mas<br />

contextualizar.<br />

Este verso seria de palavras que se comeram:<br />

uma dentro d'outra desistindo dentro de mim.<br />

Às vezes, não recebo bem uma poesia porque<br />

não estou no mesmo “lugar” que ela e não tenho pistas<br />

do que seja este “lugar”; por outro lado, isto pode dar<br />

num grande barato, pois posso trazer a poesia para<br />

meu aposento, meu ângulo, daí a importância de,<br />

quando se faz uma poesia não contextualizada<br />

firmemente, deixá-la de vez o mais livre possível de<br />

uma circunstância restrita para que ela caiba em vários<br />

outros contextos. Até porque é fazer poético dar ao<br />

leitor possibilidades de interpretação e com estas<br />

alguma responsabilidade por uma concepção mais<br />

restrita da poesia. Carlos Drummond já dizia que “a<br />

poesia é metade de quem escreve, metade de quem<br />

lê”.<br />

A desconstrução da poesia acontece, também,<br />

por causa do clichê que hoje se produz mais<br />

rapidamente com advento das redes sociais, rápido se<br />

nota uma falta de solidão nas “poesias”, de<br />

individualidade, uma emanação de assuntos<br />

repetitivos quando não o “eu te amo” parafraseado.<br />

Com a desconstrução do poeta quero permitir<br />

ao leitor não a me separar de minha obra, mas saber lêla<br />

o mais independente possível de minha imagem.<br />

Não quero necessitar do distanciamento do homem<br />

razoável através de indumentárias, de supostos e<br />

escondidos costumes comuns, ou mesmo da morte,<br />

para obter respeito para minha obra. O único poeta<br />

que posso desconstruir é o falso que me tenham<br />

entendido, que é aquele que se tenha erigido por<br />

minhas imagens exclusivamente. Bom, aí está a foto!<br />

Finalizando, se a obra não for algo por si mesma, eu é<br />

que não vou contribuir com meus óculos.


INVERSO: POETA AVERSO<br />

ou de como poemas de nada e para ninguém recusam poemas de fácil leitura<br />

para meninas de boa família<br />

- não, não faço poesia, respondi de pronto. faço, quando muito, poemas. poemas<br />

que alguém pode entender como poesia, outros não. essa é a questão: poesia<br />

não se faz!<br />

esse é um texto que não se pretende pedante ou pedinte. é apenas uma página<br />

a ser preenchida por palavras numa construção que nos impomos para essa<br />

edição. é apenas a falta de clareza ao nosso entendimento comum em<br />

desconstruir algo que nem chega a ser uma construção... ou se pretende. aqui em<br />

verdade construo um simulacro a ser destruído. destituído.<br />

meus versos não são construídos para atender qualquer expectativa por parte de<br />

quem pretende se encontrar dentro deles. meus versos são uma recusa constante<br />

às facilidades confortáveis de grandes sentimentos, belos quadros na parede da<br />

memória ou panfletos discursivos no indigesto prato das indignações ocasionais.<br />

assim como meus versos, sou uma recusa constante em ser o poeta habilmente<br />

talhado para ser mais interessante que seus poemas. não tenho a solidão chorosa<br />

e tuberculosa de românticos falastrões. não tenho o mistério de quem não tem<br />

nada a mostrar. não sou quem abraça todas as causas nobres do planeta para<br />

salvá-lo... quiçá, inclusive, de seus próprios versos. não, não vivo a realidade<br />

alterada dos dos delirantes e sonhadores.<br />

meus poemas tem como fundamento e alimento principal a palavra. ainda que<br />

não a contenha. e com a matéria palavra ele é construído, feito, fabricado. ali,<br />

cada palavra é pensada, calculada friamente para que o poema se baste em si.<br />

palavra e espaço. espaço-palavra. o branco, o vazio e o silêncio protagonizando<br />

com a palavra a invenção do poema.<br />

experimentar sempre. calcular e contar com a coincidência. torná-lo objeto,<br />

palpável. dar-lhe ritmo, movimento, cores, cheiros e sons. ainda que no papel.<br />

desmistificar os sentimentalóides revestidos de moderno que mal engoliram<br />

oswald de andrade e seu humor/amor antropofágico contra os verde-amarelismos<br />

conservadores de regada inspiração deística e musas imbecís.<br />

não, não faço poemas visuais. não, não faço poemas concretos. utilizo-me, vez<br />

ou outra dos recursos oferecidos. o concretismo me é muito caro. é ali que<br />

sempre recorro. sem ser necessariamente um poeta concreto é dali que vem toda<br />

minha estrutura no construir poético. é na figura de augusto de campos que<br />

encontro meu norte no versejar.<br />

assim posto, meus poemas são para nada e para ninguém. neles não há espaço<br />

para a amargura da indiferença que lhes recai, nem para a dor do esquecimento<br />

que lhes espera. entendo, como já foi tantas vezes dito, que o poema tem por<br />

objetivo e finalidade ele mesmo. o poema se basta!


seria um<br />

poeta russo<br />

cheio de vodka<br />

até os ossos?<br />

um francês<br />

tuberculoso<br />

ébrio de vinho<br />

louco de ópio?<br />

seria um<br />

poeta ianque<br />

de pó e heroína<br />

ativista do ócio?<br />

sem identidade<br />

à mingua<br />

me mostro:<br />

qual brasileiro?<br />

nem de pinga<br />

eu gosto!<br />

ECCE HOMO<br />

eu que matei deus<br />

e descredenciei credos,<br />

oro entre pernas,<br />

num gozo profundo<br />

onde o mais profundo<br />

dos infernos<br />

ousaria chegar.<br />

religo-me ao que tenho<br />

de mais animal e primitivo:<br />

dentes, carnes, gemidos<br />

e não me detenho<br />

ante as cruzadas...<br />

sejam pernas, sejam armas.<br />

meu amor,<br />

frente ao que é meu<br />

frente ao que é seu<br />

o bem e mal<br />

são os preconceitos<br />

de deus.<br />

nós somos imortais.<br />

CÚTIS<br />

Essa pele<br />

Que me cobre,<br />

Rasgada<br />

a pregos,<br />

Cercas,<br />

Pecados<br />

E chicotes.<br />

Essa pele<br />

Que me cobre<br />

Purificada<br />

Em fogueiras,<br />

Castidade,<br />

Inconfessa<br />

Em eletrochoques.<br />

Essa pele<br />

Que me cobre<br />

Pobre, preta,<br />

puta, vadia,<br />

Malhada<br />

Em postes.<br />

Essa pele<br />

Que me cobre<br />

Envenena, se renova.<br />

Serpente, é a pele<br />

Que me cobra.


RE FORMA<br />

não falarei do silêncio<br />

pois o que me cala<br />

é a ausência.<br />

a essência que não aflora<br />

na boca que deflora<br />

e ora só palavra.<br />

palavro o silêncio<br />

no cio da palavra:<br />

a essência que me devora<br />

em língua, sons & forma<br />

EM VOCÊ<br />

Por vezes<br />

Tão vil<br />

Que não<br />

Me mereço<br />

Por vezes<br />

Tão bom<br />

Que não<br />

Me conheço<br />

Só em você<br />

Crepúsculo<br />

Só em você<br />

Amanheço<br />

VERTIGEM<br />

Desde<br />

O princípio<br />

Era<br />

O precipício<br />

Que ora<br />

No ócio<br />

Despenco<br />

Que ora<br />

No cio<br />

Me<br />

Equilibro<br />

Desde<br />

O início<br />

Na verve<br />

Do ócio<br />

No verbo<br />

Do cio<br />

Que in<br />

Provável<br />

Me findo<br />

ASSIM!<br />

tudo<br />

o que eu<br />

esperava<br />

e não veio<br />

tornou-se<br />

velho<br />

o que<br />

eu não<br />

esperava<br />

e agora<br />

tenho<br />

tornou-se<br />

veio


Escrevo pra Dona Maria. Sempre. Dona Maria que está por aí nos coletivos, nos pontos de ônibus<br />

com suas mãos cheirando a água sanitária. É pra ela que escrevo. É ela que preciso atingir. Com<br />

uma porrada ou um cheiro no cangote. No papo reto. Na simplicidade.<br />

Sou escritor de cozinha. De metrô. Meu verbo precisa dos temperos, da gordura que engrossa os<br />

vidros. Carece de feijão na panela, cerveja no copo. Preciso do movimento do povo das ruas. Do<br />

cotidiano.<br />

Escrevo as gírias da minha gente. Canto o povo da minha aldeia. O povo das periferias. Da Vila<br />

Campestre. Do Jabaquara. Tudo o que faço, é Jabaquara. As ruas do meu Jabaquara.<br />

Sempre no encalço do ritmo, da sedução. Taí. Como bom batuqueiro de escola de samba que sou.<br />

O samba que não atravessa nem ralenta, os tambores que chacoalham. Verbo que bota pra frente.<br />

Que instiga. Cutuca. Chama pra rua. Pro movimento. Assim é a letra porque poesia, prosa, o que<br />

for, literatura pode ser tudo: menos, chatice. A vida já é dura demais. Teatro não pode ser chato.<br />

Cinema não pode ser chato. Se não estou aqui pra agradar o freguês, muito menos pra aborrecer o<br />

povo, propagar chatice aos quatro ventos.<br />

Textos como samba. O mais rico dos sambas é simples. Só conferir. Por mais sofisticadas que sejam<br />

letras, melodia, arranjos, o discurso é sempre direto.<br />

Intuição é mestra e me guia. Sou autodidata. Escrevo porque li muito na infância. Escrevo porque<br />

minhas composições se destacavam na sala de aula no primário e isso aplacava um pouco minha<br />

timidez de filho único enclausurado no subúrbio. Os livros sempre foram companheiros de fé,<br />

malandragem. Não parei mais. De ler e escrever.<br />

Autodidata porque nenhum dos caras pra quem eu pagava um pau vinham das universidades. Meus<br />

amigos não eram universitários. Nenhum deles. Meus ídolos eram esportistas. Era um outro tempo.<br />

Não existia essa quase ditadura do nível superior dos dias de hoje. Malandro de verdade pra mim<br />

era o cara do notório saber. Diplomado pelo corre do dia a dia. Estudo, informação, leitura são<br />

fundamentais, mas sempre fui cabreiro, desconfiado com universitários. Preconceito mesmo. O que<br />

posso fazer? Não achava graça no ambiente, nas conversas. Ainda não acho. As meninas eram<br />

chatinhas, pretensiosas, cheias de medinhos e teorias. Vou repetir: Preconceito.<br />

Uma parte da sociedade acha minha gente sem graça, desinteressante, pra não dizer coisas piores.<br />

Como já disse, é esse povo, o meu, que ponho no papel. Com encantos e mazelas.<br />

É esse o meu jeito de trabalhar. De compor. A coisa toda funcionando assim: eclosão, repouso e<br />

lapidação.<br />

Na poesia são as frases. Tudo que escrevo de poemas/poesia, começam por uma frase. A frase vem<br />

por imagens, sonho, emoções, futebol, sexo. E a frase gruda em mim. Ou não. Não tomo nota. Se<br />

grudar é porque tá pedindo pra ganhar vida. Se não grudar, desapareça! E tá tudo certo. Não me<br />

apego, nem sofro se esquecer. E a frase que decide ficar, puxa. Outras vão surgindo, sugerindo.<br />

Musicalidade. Uma palavra que pede outra, aparece um sabor, um lugar, uma cor, uma rima, uma<br />

intensidade. Vou cozinhando isso tudo. Penso o dia inteiro. No banho, na condução, falando<br />

sozinho em voz alta, até que um dia sento e descarrego no papel. Numa golfada só. Nem leio.<br />

Mesmo quando escrevo a mão, só passo pro computador sem prestar atenção nas palavras.<br />

Descarrego, salvo e deixo lá. Dormindo. Hibernando. Depois volto e, se gostar do que li, começo a<br />

mexer, lapidar e aí sim: sou capaz de mexer a vida toda. Escritor vivo tem mais é que mexer mesmo<br />

no que escreve. Quando acho que tá bom, levo pra compartilhar nos saraus e aí é termômetro<br />

certeiro. Retorno imediato.<br />

Não me sinto poeta. Sou prosador. Se vêem algum tipo de interesse nos meus versos, ótimo. A<br />

leitura de poesias transforma, qualifica minha escrita e só escrevo poemas pra frequentar os saraus,<br />

esses maravilhosos quilombos desmistificadores da literatura. Fundamentais. Me inspiro nos grandes<br />

poetas que passam por lá, mas sou mesmo prosador.<br />

É este o tamanho que poesia/poema ocupa na minha vida. É meu passaporte pra comungar com<br />

meus irmãos de quebrada. A relação direta dos escritores com seus leitores. A informalidade.<br />

Literatura sem gravata. A formação de um novo público leitor. O corpo a corpo com seu escritor<br />

pelas redes sociais e blogs. Assim que é. Essa mitificação charmosa dos homens misteriosos e<br />

inatingíveis não tá com nada, nego. Pode combinar com primadonas da literatura, mas vivemos dias<br />

urgentes e difíceis. Estamos no Brasil. Não há tempo nem paciência pra esse tipo de frescura. Vamos<br />

juntos amassar esse barro?<br />

Então tira logo esse salto alto, porra!


eles não usam<br />

Ladeiras ásperas, esquinas em carne viva, coração-tambor onde os caras-pálidas<br />

não ousam pisar.<br />

Poças acumulando ácidos serenos alaranjados e trombetas apocalípticas do<br />

fun(k)anhão anunciam ninhadas fiéis emergindo em cânticos evangélicos,<br />

belezas televisivas e nigerianos de aço.<br />

SP<br />

(S)elva de (P)edras (preciosas)<br />

E não se engane não, moço que por aqui é tudo assim mesmo: essa zona, esse alvoroço.<br />

Na virada tem corrida pedestre, uma tal de São Silvestre com largada no ano novo<br />

e é desse jeitinho, velozes e furiosos, que a gente corre o ano todo.<br />

Lira paulistana endiabrada esquentando a chapa.<br />

Paulicéia Desvairada, Piratininga, punga, uma pinga e a letra fugindo do salão<br />

elitista, nua correndo pra rua.<br />

Baticum. É reza, gíria.<br />

Capoeira chamando no rodo poético, ateando fogo nas cortinas de veludo<br />

vermelho.<br />

Vigília.<br />

Manos e minas assim de diamantes e pepitas.<br />

Sarau é samba. Rap é sarau.<br />

grafiteiros, desenhos e escritas.<br />

São Paulo<br />

Sampa<br />

São Pã<br />

Bang, Babilônia pagã.<br />

Terra da garoa (que nada) tromba d´água lascada de poesia da boa, oxente.<br />

Enchente de versos, rimas e batidas magistrais. Saturnais... Sérgio Vaz...<br />

Sarau, saruê, maculelê, break dance.<br />

Dance e beba do verso e quem não bebeu: Binho e Ademar.<br />

Frio ou quente, tome Elo da Corrente.<br />

Mário, Oswald de Andrade e o sonho modernista<br />

Nos “peito”, século 21, Poesia Maloqueirista.<br />

Às margens plácidas ouviram do Ipiranga


lack power<br />

reescrevendo história, firmando identidade<br />

quem tá ligado não se engana<br />

Nus corre, evoé, Perifatividade.<br />

Suburbanos, todos convictos, um Buzão pro Bixiga<br />

Que não é só arranha céu, poetas versam o verbo,<br />

menina, lua e estrelas deslizam pro papel.<br />

Rasga o black tie da letra,<br />

Quebra a cristaleira,<br />

Salva o poema de morrer de asfixia na prateleira.<br />

Muito borogodó, ziriguidum e balacochê pra você, pode crê.<br />

Tuchê. Golpes certeiros,<br />

Um por todos e todos por todos<br />

No Sarau dos Mesquiteiros.<br />

Corre e me socorre tambor<br />

que pra essa roda, pra esse calor, ninguém se atrasa<br />

Taca fogo na minha prosa, Sarau Na Brasa.<br />

Hei, você da academia: que não gira nem ajeita o cabelo com o garfo,<br />

pega meu humor,<br />

minha autoestima suburbana, meu erro ortográfico, lambuze com vaselina<br />

ou areia e introduza com jeitinho no olho estrábico do seu gráfico.<br />

Acende o Pavio da Cultura. Ocupa.<br />

Vai, espia a periferia.<br />

Levante e espia, Marginaliaria.<br />

São Paulo<br />

Sampa<br />

São Pã<br />

Clareia os poetas!<br />

Olhai por nós, Yansã!<br />

Ilumina nossos terreiros. Artistas das quebradas, pioneiros, ogunhê<br />

meu São Jorge Guerreiro.<br />

Garoa, lava teus filhos da pobreza espiritual, do caos, firma nosso ritual,<br />

encandeia por hoje e pro eterno sempre os nossos saraus.


IVETE<br />

Ivete viu a Virada.<br />

Viu.<br />

Vestiu fantasia.<br />

Banhada de lua, viu a festa, viu as luzes, viu o povo todo na rua.<br />

Ivete viu a Virada, a zuada, a pequena pisar no chiclete.<br />

Viu o circo, algodão doce na mão do pivete, viu o palhaço, a trapezista, a banda, o confete.<br />

Ivete viu a Virada, viu fogos, alumbramento, assombração.<br />

Viu o mágico, a bailarina, a mulher barbada, o borrachinha e o anão.<br />

Viu o apagar das luzes, o silêncio, a lona recolhida.<br />

Viu a viúva colorida voltar pra casa e abraçar solidão.<br />

Ivete viu a Virada.<br />

Viu você e viu aqui, esse bufão, lendo verso capenga com o papel na mão.<br />

Ivete viu a Virada e o vovô viu a uva, só não viu Ivete vendo a Virada.<br />

Ivete do centro, das beiradas, dos encostos, das quebradas.<br />

Ivete jogada, Ivete invisível ninguém viu plantada ali na calçada.<br />

A Virada, virou as costas pra Ivete.<br />

Ivete fedida, sem sobrenome.<br />

Ivete varada de fome.<br />

Ivete cega. Ivete seca. Ivete galega.<br />

Seus trastes, seu papelão, seu bagulho pingente.<br />

Ivete que o dono do circo não vê, não viu, nunca verá.<br />

Ivete que viu a Virada e por uma noite sorriu e se sentiu gente.<br />

Ivete fantasma, paulistana.<br />

Ivete molamba, mendiga, indigente.<br />

DAMAS E VAGABUNDOS<br />

Pecadora, és e sempre serás, a favorita.<br />

Não tem pra gazela, não tem pra magricela de passarela, não.<br />

Apenas tu, traidora: Roliça e buliçosa.<br />

Cada recorte de teu corpo, coração, retalhos de minha história.<br />

Em tua pele, marcas de meus defeitos, gomos de minha paixão.<br />

Corre em ti tempos imemoriais e toda tragédia cotidiana de nossa vida mambembe. Selvagem.<br />

Então vamo lá, minha linda, coragem: Que passa contigo?<br />

Trocaste homens de verdade por perfumados valetes?<br />

Corja afrescalhada, uns de franja, uns de topete.<br />

Mancebos frozôs em pisantes high tech ou mocorongos de cintura dura,<br />

esquecidos do tempo que atrás de ti corriam pela rua.<br />

Do desassossego, do desalinho, do sabão.<br />

Ruas que mandavam ladrilhar e várzeas enlameadas dos domingos de inverno.<br />

Não mais te cortejam como bailarinos ou capoeiras.<br />

Apressado, orgasmo precoce, taras vulgares, rasteiras.<br />

Naquele banco, um cafetão de olhos azuis e ares de sábio controla em teu movimento a féria do dia.<br />

Onde então amor, o feitiço? Os heróis mestiços de outrora tratando de nossas chagas de vira-latas?<br />

Nega, trocaste virilidade por penduricalhos, balangandãs e penachos coloridos.<br />

Carapinha tosquiada, melecada.<br />

Que vaidade, menina: dispensar guerreiros por essa molecada.<br />

Ladinos sem compromisso nem alma,<br />

Corsários sem destino, sem pátria.<br />

E.Ts alienados apagando vestígios de excelência com toadas sertanejas, pagodeiras.<br />

Tu que foi estrela reverenciada pelos melhores<br />

assim, maltratada pelos piores do que chamam seleção.<br />

Nada mais que abstração pálida, amarelada, nem é mais brasileira.<br />

Milionária, infantil e deslumbrada,<br />

atende agora por Legião Estrangeira.


OCUP(A)ÇÃO<br />

Muita coisa acontece no meu coração.<br />

Muita coisa nesse 13, nesse Santo Antônio.<br />

Muita coisa acontece e ocupa meu coração entre a Ipiranga e a São João.<br />

Muita coisa nessa encruzilhada danada, acontece.<br />

Aconteceu João.<br />

Homem de fé e devoção. João que tanto pediu uma dama, um par, uma inspiração.<br />

Aconteceu Maria, aconteceu do santo presentear Maria a João.<br />

Que pagou vela, promessa, penitência pesada, abstinência de ano inteiro pro<br />

santo casamenteiro.<br />

Maria vestiu branco. João pagou a festa.<br />

Teve carne, champanhe, ciranda e cadê cozinha? Varanda? É tanto dengo e ardor<br />

e cadê quarto, leito gostoso pro amor?<br />

João deu comida. Maria, roupa lavada. E cadê casa, prefeito? Cadê, governador?<br />

João é homem trabalhador e tem direito.<br />

Ocupa o campo de batalha, ocupa teu lugar na história, João.<br />

Ocupa e faz valer teu nome, tua cara e nacionalidade nessa desgrama<br />

de carteira de identidade.<br />

Ocupa, brasileiro. Teu canto, teu terreiro.<br />

Ocupa, João. Ocupa assento.<br />

Ocupa e prepara o pão pro teu rebento, Maria.<br />

O vão. Ocupa esse chão.<br />

Ocupa as ruas, os quilombos, as aldeias.<br />

Ocupa aranha, tua teia.<br />

Olha o céu, o sol. Ocupa teu lugar nessa faixa de areia.<br />

Ocupa a geral.<br />

Ocupa de novo as arquibancadas nos dias de carnaval.<br />

Ocupa Moinho, Pinheirinho,<br />

Ocupa Binho, teu bar e teu sarau.<br />

Ocupa o quintal, a cidade.<br />

Nota? Cota? Ocupa a universidade.<br />

A praça, povo! Ação! Ocupa. Abraça e Ocupa Mauá, São João.<br />

João quer teto, pouso, seu porto. Pão e circo. Vinho e verso. Calor e conforto.<br />

Maria, tudo e mais um pouco porque quem não luta...<br />

Braço forte, sangue, valentia, arte. Articula. Ação. Ocupação.<br />

Sabedoria na lida do dia a dia.<br />

Ói ,João. Espia, Maria:<br />

No mundo, só morto não luta e aceita cova rasa como moradia.


concepção gráfica: Thiago Carvalheiro


Travessia... pensei. pensei demais.<br />

Pensei muito em como começar este<br />

texto. sabia da necessidade de começar.<br />

qualquer texto é um parafuso carente<br />

do primeiro aperto. começar é tudo. no<br />

começo está contido o fim, e o texto é<br />

este ato de atravessar e as reticências<br />

que sobram, onde pára. Poema é ritmo<br />

fotografado. O Poema nada contra a<br />

brutalidade do tempo e atravessa<br />

verticalmente a Angústia, suspendendoa.<br />

mas começar este texto com a<br />

palavra que guimarães termina suas<br />

Veredas, não foi um ato consciente, e o<br />

foi. precisava começar. comecei.<br />

palavra pescada. foi uma jogada de<br />

puro oportunismo e brincadeira, mas,<br />

neste exato instante, a Travessia é todo<br />

o sentido. pesquei-me, fui pescado. a<br />

Pescaria é uma via de mão dupla, uma<br />

hora se é o pescador, noutra, o próprio<br />

peixe. brincadeira de água. o Poeta tem<br />

a linhada, mas não tem a isca. o Poema<br />

é uma criança que ri de nós o tempo<br />

todo: é o bullying que engenhamos<br />

para nos caçoarmos eternamente e<br />

lembrarmos que esta brincadeira de<br />

lágrimas é só uma brincadeira.<br />

os poemas estão prontos. nós não<br />

estamos prontos. há os fisgados por<br />

completo: um peixe com cabeça,<br />

guelra e mil camadas escamadas. há os<br />

que pego pelo rabo, quase por acaso.<br />

toda pescaria é Acaso. há, ainda, os que<br />

vem em pedaços, estes costumam<br />

nadar ou morrer em blocos de notas<br />

espalhados no celular, no pc, perdidos<br />

na carteira. não sou de bajular o<br />

poema. às vezes, pela preciosidade da<br />

cauda, imagina-se o tamanho da pesca.<br />

mas não bajulo o poema. o pior<br />

pescador é aquele que lança o anzol no<br />

meio do cardume: o peixe, como você,<br />

respira melhor se desafiado.<br />

muito tem se falado do Poema. palavras<br />

soltas. Poema é o que sobra da Poesia.<br />

Poesia é tudo o que se move, tudo o<br />

que nos move, e nada do que se tenha<br />

encontrado. Poesia é o que nos resta, e<br />

até diria que é somente o fruto de um<br />

mecanismo mental, racional, que ela é<br />

o resultado do trabalho e da técnica<br />

apurada, mas não: este é o poema, não<br />

a Poesia. livros e livros eu poderia<br />

escrever para tentar defini-la, e ainda<br />

não dizer nada. posso falar do Poeta,<br />

deste inquilino que me aluga, de graça,<br />

e me tem por usucapião. mas deste, eu<br />

deixo que o poema que lá se vai, fale<br />

mais.<br />

posso falar, então, da relação que<br />

estabeleço com tudo isso. talvez seja o<br />

justo. talvez seja mesmo o que leitor<br />

espera e o melhor a se extrair desta<br />

desconstrução anunciada. cada Poeta<br />

tem seu código de barras, como todo<br />

Ser o seu código genético. eis aqui uma<br />

palavra que me fisga: Código.<br />

decodificar a Poesia é pescar seu<br />

mecanismo e transformá-la em mais um<br />

código, o linguístico: esta apertada e<br />

flexível camisa-de-vênus do poema.<br />

não sei, sinceramente, se a Poesia serve<br />

para a humanidade. sei que a<br />

humaniza, como toda obra de arte. ser<br />

Humano é nossa maior utopia, e a<br />

Poesia me serve como armadura,<br />

potência, máscara, e realização deste<br />

Humano que persigo. Ademais, tem a<br />

função social e política que também me<br />

dou a ela, sendo ela tão somente meu<br />

instrumento de crítica e denúncia. ela é<br />

minha. ela é de todos. basta nascer<br />

para ser Poeta. não sei das plantas nem<br />

dos bichos. as pedras carregam em si o<br />

silêncio poético. a Poesia é solidária e<br />

serve para qualquer coisa que queira<br />

usá-la: engodo de amor, panfleto<br />

ideológico, palavra cruzada.<br />

há, por fim, o Encantamento: aquilo<br />

que atribuo a ela e que só me diz<br />

respeito. ela é o Discurso,<br />

existencialmente elaborado, que<br />

construo contra todas as intempéries do<br />

mundo de fora. neste sentido restrito,<br />

ela cumpre uma função que, ora<br />

amuleto, ora armadura, me protege da<br />

solidão de mim mesmo, aumentando a<br />

libido e meu campo de ação: é minha<br />

zona de desconforto, o espelho<br />

refletido no vazio do meu vazio e, por<br />

significar-me, tudo o que tenho<br />

abraçado com unhas e dentes para<br />

tocar toda essa Merda em frente e, mais<br />

que viver, para além de viver, sentir que<br />

estou vivo.


se saio pela manhã,<br />

conveniente é apertar a gravata,<br />

alinhar a gola, o cinto,<br />

e aprisionar o Poeta na gaveta.<br />

conveniente é passar a chave,<br />

uma, duas, três voltas,<br />

e sair de través.<br />

nem sempre isso é possível,<br />

verdade mesmo é que está<br />

cada vez mais<br />

impossível.<br />

ele fica a se debater<br />

como Cará na tarrafa,<br />

Pintado no anzol,<br />

não, uma Traíra de enormes dentes afiados<br />

a roer os papéis ali guardados,<br />

os sonhos programados,<br />

tudo o que comporta uma gaveta.<br />

se foge e fica a cutucar a retina por dentro,<br />

se retorcendo em meu peito,<br />

desfiando o lodo no verniz espesso do Real<br />

como quem ceva os cantos do lago<br />

(aqueles mais assombrados,<br />

resguardados pela sombra das folhagens,<br />

protegidos por Cascudos e rãs,<br />

Bagres, Enguias e sapos),<br />

repletos de todo Enrosco;<br />

se deixo-o mesmo vazar da gaveta,<br />

acender o dia torna-se muito arriscado.<br />

este Poeta insurgente<br />

não parece ser mesmo um ente domável,<br />

uma entidade que aceita a ordem de subida,<br />

um encosto qualquer que se retira com banhos,<br />

rezas e oferendas.<br />

desconfiado de tudo, grave por excelência,<br />

não sei como tratá-lo nas conversas de bar,<br />

no brincar por brincar,<br />

naquele chute furado na cara do gol.<br />

sei que ele deseja minha mulher,<br />

que vive sondando suas curvas,<br />

seus abismos<br />

sei que ele quer queimar minhas contas,<br />

mandar meu patrão pro espaço<br />

ou para qualquer puta que o tenha parido.<br />

sei que ele gosta de tocar um instrumento<br />

e meter o bedelho em tudo o que faço.<br />

por isso, conveniente mesmo<br />

é trancafiá-lo na gaveta<br />

até que seu grito fique insuportável<br />

e do seu silêncio<br />

eu rabisque um garrancho engraçado,<br />

um sol, um livro, um pássaro...<br />

mas eis que ele entra num cio incurável!<br />

levo-o para pescar na rua,<br />

jogo a linhada em qualquer palco.<br />

se é para fingir Poesia,<br />

deixo-o de Corpo-e-alma em mim,<br />

e até gosto mesmo de receber<br />

os louros lançados a ele,<br />

assinar os livros dele,<br />

e fingir seriedade.<br />

disso ele não gosta,<br />

vive a me repreender...<br />

mas quando chega o fim do poema<br />

ele volta ao seu estado de ausência,<br />

um balão a espera do sopro,<br />

e toda a vida se constitui nesta Falta.<br />

porém, fiel a própria lei do Desejo,<br />

que retorna momentos depois do Orgasmo,<br />

o balão volta a inchar,<br />

inchar,<br />

e a cada Sopro ele me pede uma pena,<br />

uma tecla, um giz,<br />

um tijolinho-baiano;<br />

só que não posso acelerar a fila do banco,<br />

interromper meu sono,<br />

engolir o bife rapidamente.<br />

não, não posso,<br />

mas acabo cedendo...<br />

acabo cedendo porque vem a Noite.<br />

à noite, liberto, ele voa alto,<br />

vai à forra, bebe todos os goles,<br />

chuta todas as bolas;


mete uma boina na cabeça,<br />

um riso cínico e feliz,<br />

dá fim nos meus óculos<br />

e se põe a perambular por aí.<br />

entrego-o meus sapatos,<br />

minha mulher<br />

e meu cartão de crédito;<br />

entrego-o minha agenda;<br />

entrego-o meu Medo,<br />

minha Azia,<br />

meu Soluço entravado,<br />

minha Ânsia de morte;<br />

dou voz ao seu Canto inútil<br />

e lhe ofereço a madrugada...<br />

se tudo funcionar,<br />

- como o sempre tratado às pressas -<br />

no outro dia a gaveta ficará aberta<br />

e, da escrivaninha,<br />

ele há de incensar toda a casa,<br />

esparramar no sabonete sua Volúpia,<br />

seu Desprezo,<br />

sua Potência de Vida em meu lençol -<br />

para quando, exausto, retornar,<br />

eu possa ali me banhar,<br />

me deitar,<br />

me es-t---i----c-----a------r...<br />

e, no travesseiro,<br />

(antes de apagar o dia)<br />

cegar dois Olhos-de-peixe,<br />

tossir a última Espinha,<br />

voltar a Respirar.<br />

(poema inédito do projeto<br />

“PEQUENO Peixe grande”)


poetas em<br />

com alguns dos sonetos que compõem o seu<br />

pocket pornô “99 sonetos sacanas e 1 canção de<br />

amor”.<br />

Christiana Helena Nóvoa Soares Carneiro<br />

Nasceu em 28 de dezembro de 1968 no Rio de<br />

Janeiro.<br />

Formou-se em Artes Cênicas (Faculdade da<br />

Cidade/RJ) e em Psicologia (PUC-Rio), com<br />

especializações em Arte-Educação e Arte-Terapia.<br />

Fez teatro, teve loja esotérica, deu aula de artes,<br />

teve consultório, deu consultoria, teve filho (não<br />

necessariamente nessa ordem)… e, nesse meio<br />

tempo, foi escrevendo.<br />

Em 2004 começou a publicar seus textos na<br />

internet e, desde 2005, mantém o blog Nóvoa em<br />

Folha.<br />

Ganhou a Bolsa para Autores com Obras em Fase<br />

de Conclusão da Fundação Biblioteca Nacional em<br />

2007, pelo poema (inédito) Pirilampo Rastaqüera.<br />

Atualmente trabalha como redatora e webwriter.<br />

Desde 2009, organiza Saraus e Oficinas de<br />

Poesia.<br />

Em 2012 foram publicados 2 poemas seus no<br />

romance novo do escritor angolano José Eduardo<br />

Agualusa (como se tivessem sido escritos pela<br />

personagem, que vive isolada na própria casa e<br />

escreve poemas, a carvão, pelas paredes). O livro<br />

vai ser lançado no Brasil em Novembro, mas já<br />

está à venda em Portugal:<br />

http://www.fnac.pt/Teoria-Geral-do-Esquecimento-Jose-Eduardo-Agualusa/a570490<br />

email: christiana.novoa@gmail.com<br />

site: http://novoaemfolha.com<br />

Henrique Pimenta<br />

é poeta, professor de Português e Literatura,<br />

mantém o blog Bar do Bardo com seus textos mais<br />

recentes e escreve todos os sábados na Revista<br />

Semana On-Line sobre arte e cultura. Participou<br />

do número zero da Rebosteio - Revista Digital,<br />

blog: http://dobardo.blogspot.com.br/<br />

Revista da Semana:<br />

http://www.semanaonline.com.br<br />

Revista Rebosteio:<br />

http://issuu.com/rebosteiodigital/docs/montagem_rebosteio_n_0<br />

Livro:<br />

http://www.lifeeditora.com.br/crbst_100.html<br />

Igor K. Marques<br />

Natural do Rio de Janeiro, é artisa plástico e poeta.<br />

Escreve e expõe seus trabalhos no blog<br />

Desenhospoemas:<br />

http://desenhospoemas.blogspot.com/<br />

Lúcia Santos<br />

Maranhense, nasceu em Arari, em 1964. Aos dez<br />

anos mudou-se para São Luís. Começou a escrever<br />

ainda criança, mas só se assumiu poeta aos 20<br />

anos, quando cursava Serviço Social na UFMA.<br />

Depois vieram os cursos de Letras e Filosofia, mas<br />

não concluiu nenhum deles.<br />

Em 1992 publicou seu primeiro livro, Quase Azul<br />

Quanto Blue. Entre algumas premiações, levou o<br />

primeiro lugar na XXIII edição do concurso Literário<br />

e Artístico "Cidade de São Luís", com o livro Batom<br />

Vermelho, lançado em 1998. Sua publicação mais<br />

recente foi Uma Gueixa pra Bashô (2006), terceiro<br />

livro de poemas, primeiro de haicais.


(des)construção<br />

Participou de várias coletâneas, como Mulheres<br />

Emergentes (MG), Circuito de Poesia Maranhense,<br />

Afluência e Ekos (RS) e Poesia Sempre (RJ). Ano<br />

passado teve um poema seu na exposição<br />

TrezeAtravésTreze, reunindo poesia e artes plásticas.<br />

Seu nome também consta no Dicionário Crítico de<br />

Escritoras Brasileiras, organizado por Nelly Novaes<br />

Coelho.<br />

Ao lado de atores, músicos e/ou poetas, roteirizou e<br />

apresentou vários recitais performáticos: Batom<br />

Vermelho, Cordel Technicolor, Eros&Escrachos,<br />

Dentro da Palavra, Cochichos de Bruxas, Ménage à<br />

Trois, Papas na Língua, Companhia Ausente e Versos<br />

sem Tarja.<br />

O trabalho com poesia falada veio após cursar teatro<br />

em São Luís, em 1990.<br />

Como letrista, coleciona diversas parcerias,<br />

algumas gravadas, como: Afins, Farsa, Febre, Ela é<br />

a Tal e Último Post - com Zeca Baleiro; Asas de<br />

Corvo - Daffé; Esperanto - Cássio Gava; Transversa<br />

- Tutuca; Noite Seca - Rubens Kurin; Aposta -<br />

Pedro Moreno.<br />

Em 2009 a poeta foi tema de duas monografias do<br />

curso de Letras da Faculdade Atenas Maranhense:<br />

"A Imagem e a Palavra na Poética de Lúcia Santos"<br />

e "Erotismo na obra Batom Vermelho de Lúcia<br />

Santos".<br />

Morou dois anos em Belo Horizonte e oito em São<br />

Paulo. Atualmente vivendo em São Luís, busca<br />

patrocínio para realizar oficinas de Poesia Falada.<br />

Tem inéditos vários livros, de poesias, crônicas e<br />

histórias infantis.<br />

Seus poemas podem ser lidos também no blog:<br />

http://nufrontalcomtarja.blogspot.com/<br />

Diário Extrovertido:<br />

http://diarioextrovertido.blogspot.com<br />

e O Azul Temporário:<br />

http://azultemporario.blogspot.com<br />

Seus trabalhos em artes plásticas podem ser vistos<br />

no blog-portfólio Cadernosde Arte:<br />

http://cadernosdearte.wordpress.com<br />

Mariana Botelho<br />

Nascida em Padre Paraíso, Vale do Jequitinhonha,<br />

no ano de 1983, Mariana Botelho é poeta.<br />

Publicou em 2010, pela Ateliê Editorial, seu livro<br />

de estréia, «O silêncio tange o sino». Tem poemas<br />

publicados na revista Ciência e Cultura, da SBPC<br />

(2009 e 2010), no Suplemento Literário de Minas<br />

Gerais (2010) e em diversos sites literários na<br />

internet. Participou de eventos como Festival<br />

Internacional de Leitura de Campinas (2009) e<br />

ZIP/Zona de Invenção Poesia & (abril de 2010 no<br />

Centro Cultural da UFMG e maio de 2010 na Casa<br />

UNA). Participou como convidada do poeta<br />

Ricardo Aleixo do projeto Sentimentos do Mundo,<br />

promovido pela UFMG. Em maio de 2011 foi ao<br />

ar, na Rede Minas, o programa Imagem da Palavra,<br />

dedicado à sua poesia.<br />

Escreve no blog Suave Coisa:<br />

www.quelevequenada.blogspot.com<br />

Marcantonio Costa<br />

Natural do estado do Rio de Janeiro, é artista<br />

plástico e poeta (ainda não editado).<br />

Escreve nos blogs:<br />

Mauro Brito Combo<br />

Nascido a 17/02/1990 em Nampula, residente em<br />

Maputo. Estudante e membro do Movimento


poetas em<br />

Literário Kuphaluxa desde a sua fundação.<br />

Foi um dos classificados do “Premio Poetize 2012<br />

do Brasil”, com o poema intitulado “Remendos”.<br />

Sem livro publicado, as suas crônicas, poemas e<br />

ensaios são publicadas em revistas literárias, a<br />

destacar, revista Tarja Preta da Academia Onírica<br />

de Piauí, revista Blecaute do Brasil e Revista de<br />

Literatura Moçambicana e Lusófona – Literatas.<br />

Sempre leu tudo o que lhe caísse nas mãos, mas<br />

sua relação mais estreita com a linguagem antes de<br />

embarcar de cabeça na poesia foi a formação em<br />

Neurolinguística, nos anos 90.<br />

Pode ser lida/vista nos seguintes links:<br />

blog: http://cosmunicando.blogspot.com<br />

site fotográfico: http://mercedeslorenzo.com<br />

Para contato:<br />

manducho1@hotmail.com<br />

Blog: pontosdosiiis.blogspot.com<br />

Endereço do grupo:<br />

Centro Cultural Brasil - Moçambique<br />

Av. 25 de Setembro, N°1728,<br />

C. Postal: 1167, Maputo<br />

Blog do grupo Kuphaluxa:<br />

kuphaluxa.blogspot.com<br />

Site da revista Literatas: literatas.blogs.sapo.mz<br />

E-mail do grupo:<br />

kuphaluxa@gmail.com ou kuphaluxa@sapo.mz<br />

Nina Rizzi<br />

(SP, 1983), escritora, historiadora e educadora, vive<br />

atualmente em Fortaleza/ CE. Participa em diversas<br />

antologias, suplementos e revistas literárias, lançou<br />

em 2012 tambores pra n’zinga, pelo selo Orpheu/<br />

Ed. Multifoco. Edita a revista eletrônica Ellenismos<br />

– Diálogos com a Arte e a Literatura<br />

[www.ellenismos.com], e escreve seus textos<br />

literários no quandos<br />

[http://ninaarizzi.blogspot.com].<br />

Mercedes Lorenzo<br />

Paulistana, fotógrafa de profissão, comete poemas<br />

em seu blog Cosmunicando, além de ser coeditora<br />

e co-responsável pela parte gráfica da<br />

revista Rebosteio. Não tem livro publicado até o<br />

presente momento. Alguns de seus poemas e fotopoemas<br />

já foram divulgados em portais culturais da<br />

internet, como o Germina Literatura e o Diversos<br />

Afins.<br />

Também teve seu trabalho fotográfico «Poesia<br />

Onde Não Há Via» exposto no Centro Cultural<br />

Quilombaque, onde o cotidiano da cidade é<br />

mostrado em dípticos, fazendo uma analogia com<br />

pequenos poemas de apenas dois versos.<br />

Renato Silva<br />

Autor do livro “Uma cidade nas nuvens”, pela<br />

Editora Patuá, é aquariano peixe fora d´água.<br />

Nefelibata, paulistano, dislexo e agnóstico, escreve<br />

para respirar: Dois pulmões? Muito pouco. Para<br />

tudo um pouco depois da metade, como se isso<br />

fosse meta. Publicou no site Terra, em alguns<br />

jornais e diversos blogs de Literatura. Não crê no<br />

homem, mas acredita na humanidade.<br />

e-mail: dasnuvens@yahoo.com.br<br />

facebook: http://www.facebook.com/renato.silva.3551380<br />

blog: www.umacidadenasnuvens.blogspot.com/


(des)construção<br />

Roberta Silva Pinto<br />

(Belo Horizonte/MG, 1971). Escritora, edita o<br />

blogue Ragi Moana e escreve no Putas Resolutas.<br />

Tem poemas publicados na internet, entre outros<br />

sites, na revista Germina. Faz parte de Dedo de<br />

moça — uma antologia das escritoras suicidas (São<br />

Paulo: Terracota Editora, 2009). Vive em Belo<br />

Horizonte.<br />

Rubens Guilherme Pesenti<br />

vivendo em um futuro inconcebível, ainda tenho<br />

um passado por construir.<br />

ah, também co-editor da revista Rebosteio.<br />

blog: http://ru666.blogspot.com<br />

Ragi Moana:<br />

http://www.ragimoana.blogspot.com.br/<br />

Putas Resolutas:<br />

http://www.putasresolutas.blogspot.com.br/<br />

Escritoras Suicidas:<br />

http://www.escritorassuicidas.com.br/roberta_silva.htm<br />

Germina Literatura:<br />

http://www.germinaliteratura.com.br/rsilva.htm<br />

Walner Danziger<br />

Escritor, dramaturgo e diretor de teatro. Autor dos<br />

livros “Entre a Fome e a Fúria” (contos, crônicas e<br />

poemas), “Giletenamãodomacaco” (contos e outras<br />

narrativas) e “Teatro Vol.1 – 3 Peças”. Fundador e<br />

diretor artístico do Grupo de Arte Pixaim,<br />

desenvolve os projetos literários “Crônicas de 2ª” e<br />

“Na Cidade, Na Perifa, Na Função” para a web.<br />

Escreve diariamente no blog:<br />

www.nasubidadomorro.wordpress.com<br />

Rodrigo Machado Freire<br />

eu não<br />

e a que me nego pouco importa!<br />

digo de minha áspera inconstância: eu não<br />

antes de tudo digo "eu não"<br />

nisto vou agarrado<br />

porque antes de tudo já não me perdoam "não<br />

ser»<br />

e me inventam "imperdoável»<br />

"eu não" é como eu sou<br />

não principalmente.<br />

link do blog: http://entimesmado.blogspot.com<br />

Willian Delarte<br />

Autor do livro de poesia “Sentimento do Fim do<br />

Mundo” (Editora Patuá, 2011), foi um dos<br />

vencedores do II e III Festival de Literatura da<br />

Faculdade de Letras da USP na categoria “Conto”.<br />

Graduado pela mesma faculdade, foi também<br />

finalista da 15ª edição do “Projeto Nascente”<br />

(USP). É co-editor da Revista Rebosteio e escreve<br />

periodicamente no jornal “Conteúdo<br />

Independente” e em seu blog:<br />

http://williandelarte.blogspot.com/


A Editora Patuá - Livros são amuletos - é uma alternativa no mercado editorial: com<br />

o objetivo principal de publicar bons autores que ainda não encontraram espaço nas<br />

grandes editoras, mas que também não desejam pagar pela edição da própria obra,<br />

pretendemos apresentar ao público livros com excelente qualidade gráfica e,<br />

sobretudo, literária. O foco editorial é a Literatura Brasileira Contemporânea, nos<br />

gêneros poesia, conto, crônica e romance. São realizados gratuitamente, após a<br />

seleção da obra, todo o trabalho de edição do livro: registro, revisão, projeto gráfico,<br />

diagramação, ilustração, impressão e venda.<br />

Acompanhe as novidades da Editora no site: www.editorapatuá.com.br.<br />

Ou entrando em contato com os editores (Aline Rocha e Eduardo Lacerda),<br />

pelo e-mail: editorapatua@editorapatua.com.br<br />

“99 sonetos sacanas e 1 canção de amor”<br />

livro de Henrique Pimenta<br />

Livros de Lúcia Santos:<br />

- Quase Azul Quanto Blue<br />

- Batom Vermelho (esgotado)<br />

- Uma Gueixa para Bashô<br />

* Compras diretamente com a autora no email:<br />

luciamcsantos@gmail.com<br />

O livro é um conjunto de poemas<br />

que podem ser classificados como eróticos<br />

e pornôs, isso porque se diz comumente que<br />

o erotismo tem o caráter nobre e que a<br />

pornografia possui um caráter vulgar. Mas<br />

Henrique Pimenta parece desafiar<br />

características estanques, mesclando num<br />

mesmo soneto libertinagens ao mais cândido lirismo,<br />

cruzando tentativas de sublimação amorosa ao mais grosseiro<br />

improviso licencioso. Senhor de seu fazer poético, Pimenta<br />

constrói com suas misturas a medida certa para um soneto<br />

com fôlego e fogo contemporâneos.<br />

O livro pode ser adquirido no site da editora Life:<br />

http://www.lifeeditora.com.br/crbst_100.html<br />

livro de Mariana Botelho<br />

"o silêncio tange o sino"<br />

Vendas no site da Ateliê Editorial: http://www.atelie.com.br/shop/detalhe.php?id=537<br />

e em algumas livrarias, como a Cultura:<br />

http://www.atelie.com.br/shop/detalhe.php?id=537&fb_source=message<br />

livro de Nina Rizzi<br />

Tambores pra N’Zinga<br />

Nos links há duas resenhas do livro, uma de Claudio Daniel e outra de Hercília Fernandes,<br />

que prefaciou.<br />

http://cantarapeledelontra.blogspot.com.br/2012/05/agora-e-quandos.html<br />

http://novidadesevelharias-fernandeshercilia.blogspot.com.br/2012/03/nina-rizzi-e-os-tambores-pra-nzinga.html<br />

Ou compras diretamente com a autora: http://ninaarizzi.blogspot.com<br />

PARA OUVIR:<br />

Audio Book "Play na Poesia": http://playnapoesia.com.br/multimidia<br />

Buteco no Divã<br />

http://obuteconodiva.blogspot.com.br/2012/07/divacast-4-poesia-contemporanea.html#comment-form


Livro de Renato Silva:<br />

Uma Cidade nas Nuvens<br />

compras pelos sites:<br />

www.editorapatua.com.br<br />

www.livrariacultura.com.br<br />

ou com o autor pelo e-mail:<br />

dasnuvens@yahoo.com.br<br />

Livros de Walner Danziger:<br />

- GILETENAMÃODOMACACO<br />

- ENTRE A FOME E A FÚRIA<br />

- TEATRO VOL.1 - 3 PEÇAS<br />

- VÊNUS DE ALUGUEL<br />

PaRA COMPRAR:<br />

BLOG: nasubidadomorro.wordpress.com<br />

e livraria "SUBURBANO CONVICTO" (BIXIGA/SP)<br />

antologia com Roberta Silva Pinto<br />

e outros poetas:<br />

«Dedo de Moça»<br />

vendas no site:<br />

http://terracotaeditora.com.br/catalogo/?p=427<br />

Sites e Blogs de Literatura :<br />

Portal Cronópios: http://www.cronopios.com.br/<br />

Musa Rara: http://www.musarara.com.br/<br />

O Buteco no Divã: http://obuteconodiva.blogspot.com.br/<br />

Garganta da Serpente: http://www.gargantadaserpente.com/<br />

Revistas de Literatura:<br />

Revista Celuzlose: http://celuzlose.blogspot.com.br/<br />

Revista Opniães: http://revistaopiniaes.wordpress.com/<br />

livro de Willian Delarte<br />

«Sentimento do Fim do Mundo»<br />

Compra pelos sites:<br />

www.editorapatua.com.br<br />

www.livrariacultura.com.br<br />

ou diretamente com o autor:<br />

wdelarte@hotmail.com<br />

Alguns Saraus Periféricos:<br />

Sarau Poesia na Brasa: http://brasasarau.blogspot.com/<br />

Sarau Coperifa: http://cooperifa.blogspot.com/<br />

Sarau do Binho: http://saraudobinho.blogspot.com/<br />

Sarau da Ademar: http://www.sarau-da-ademar.blogspot.com/<br />

Sarau Elo da Corrente: http://elo-da-corrente.blogspot.com/<br />

Sarau D´Quilo: http://comunidadequilombaque.blogspot.com.br<br />

Sarau da Cesta: http://sarau-da-cesta.blogspot.com/


ilustra do tiago

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