REBOSTEIO 4
Revista REBOSTEIO DIGITAL número quatro - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.
Revista REBOSTEIO DIGITAL número quatro - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.
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DIGITAL
Editores<br />
Mercedes Lorenzo<br />
Rubens Guilherme Pesenti<br />
Willian Delarte<br />
Contato<br />
revistarebosteio@gmail.com<br />
Blog para mailing-list:<br />
http://rebosteio-revistadigital.blogspot.com/<br />
Colaboradores deste Nº<br />
Christiana Nóvoa<br />
Henrique Pimenta<br />
Igor K. Marques<br />
Lúcia Santos<br />
Marcantonio Costa<br />
Mariana Botelho<br />
Mauro Brito Combo<br />
Mercedes Lorenzo<br />
Nina Rizzi<br />
Polyana de Almeida<br />
Renato Silva<br />
Roberta Silva Pinto<br />
Rodrigo Machado Freire<br />
Rubens Guilherme Pesenti<br />
Thiago Carvalheiro<br />
Tiago Costa<br />
Walner Danziger<br />
Willian Delarte<br />
<strong>REBOSTEIO</strong><br />
é uma publicação digital<br />
sem fins lucrativos, construída com a<br />
ajuda de colaboradores voluntários,<br />
independente, apartidária e voltada<br />
para a divulgação de arte em geral,<br />
de idéias, provocações neurais e<br />
expansão dos sentidos... não temos<br />
todas as respostas, mas estamos<br />
interessados nas melhores perguntas.<br />
DIGITAL<br />
CAPA:<br />
Tiago Costa<br />
PROJETO GRÁFICO:<br />
Rubens Guilherme Pesenti<br />
http://ru666.blogspot.com<br />
Mercedes Lorenzo<br />
http://olhardelambe-lambe.blogspot.com<br />
índice<br />
04 Ilustração de Tiago Costa<br />
05 Editorial<br />
06 Christiana Nóvoa<br />
10 Henrique Pimenta<br />
14 Igor K. Marques<br />
18 Lúcia Santos<br />
22 Marcantonio Costa<br />
26 Mariana Botelho<br />
30 Mauro Brito<br />
34 Mercedes Lorenzo<br />
38 e 39 Ilustrações Tiago Costa<br />
40 Nina Rizzi<br />
44 Renato Silva<br />
48 Roberta Silva Pinto<br />
52 Rodrigo Machado Freire<br />
58 Rubens Guilherme Pesenti<br />
62 Walner Danziger<br />
68 Willian Delarte<br />
72 Poetas em (Des)Construção<br />
76 Rebosteio In Dica<br />
78 Ilustração Tiago Costa
ilustração<br />
do tiago costa
editorial<br />
Desde que as helênicas Musas cantaram as errâncias de Ulisses, nos ouvidos de um (suposto) Homero, a figura<br />
do Poeta vem cercada de certa aura mística e alumbramento. A redescoberta dos greco-latinos pelo mundo<br />
classicista, que arduamente tentava fugir das “trevas” do Catolicismo, deixou o Poeta praticamente no mesmo<br />
status dos semideuses, ainda cercados de hidras, unicórnios e salamandras... o Romantismo parece ter jogado<br />
nas costas deste “ser” todo o peso político das revoluções nacionalistas e burguesas: o Poeta suicida, recluso,<br />
emotivo, bucólico e contemplativo, embora estivesse mais próximo dos Homens, era uma entidade excêntrica<br />
(agora “escritor”), que assumia o posto de sobre-humano para suportar o peso que a história lhe punha ou que<br />
ele próprio agarrava para si.<br />
Os simbolistas e surrealistas foram mágicos sublimizantes: notas musicais que se misturavam aos códigos<br />
secretos da natureza e dos sonhos (precisamos falar mais?).<br />
Pois vamos falar mais: esta edição é literal e visualmente uma colcha de retalhos.<br />
Retalhos de que são feitas as pessoas que ousaram participar, os chamados poetas.<br />
Retalhos de ideias sobre o que é poesia.<br />
Retalhos diagramados propositadamente para formar a grande colcha de 'patchwork', que também poderá ser<br />
descosturada pelo leitor a qualquer momento, lendo de trás para frente inclusive.<br />
A linha da costura é tênue, requereu desprendimento de todos. Alguns simplesmente sucumbiram ao desafio.<br />
Outros, mesmo em condições pessoais desfavoráveis, ainda assim “peitaram” o nosso pedido de demolição<br />
interna.<br />
Pedimos também suas fotos que de alguma forma exprimissem essa disposição de despir a figura do poeta,<br />
aproximando-o do leitor.<br />
E claro: poemas. Muitos deles.<br />
Embora esta edição aparentemente não tenha uma unidade gráfica ou um fio condutor visual no qual o leitor<br />
possa se ancorar, ela segue a lógica dos poetas convidados e seu colorido particular de expressão. E também<br />
segue uma ordem alfabética de apresentação, para não privilegiar um ou outro.<br />
Navegamos juntos neste nosso tempo, em que o poeta se dissolve no universo das redes virtuais e, se antes<br />
eram deuses, gnomos, heterônimos e afins, não é difícil imaginar que hoje não passam de fakes e personagens<br />
cibernéticos. Será? Onde está o Poeta para além dos blogs, Facebook e livros editados com todo o talento do<br />
seu bolso?<br />
Dizem que é possível encontrá-los, aos montes, em saraus aqui em São Paulo e em muitos que se espalham nas<br />
periferias deste Brasil... mas serão mesmo de carne e osso, com RG e tudo? São todos graduados? Torcem pro<br />
Timão ou não passam de um bando de doutos?<br />
Não conseguimos colocar todos, absolutamente todos os poetas que gostaríamos... o tamanho da revista nos<br />
impede. Em compensação, ficamos com essas pérolas na manga para futuras edições.<br />
Esta edição tem para nós um significado especial, pois traz a poesia como ícone de resistência ao banal,<br />
confrontando tudo o que lhe é atribuído normalmente.<br />
Nossa homenagem a Augusto de Campos na última capa não é à toa: ele nos inspira com sua poesia da recusa<br />
a inverter e a subverter conceitos arraigados na mente das pessoas.<br />
Também homenageamos nas duas contracapas a 40 outros poetas que viraram o nosso imaginário do avesso e<br />
para sempre. Ficam ali também como sugestões para que você os conheça melhor, caso não tenha lido alguns<br />
deles.<br />
Há também 4 ilustrações especialmente produzidas para esta edição, além da própria capa, feitas pelo<br />
caríssimo Tiago Costa, que empresta seu talento generosamente e com ele embeleza e ironiza na medida certa.<br />
O webdesigner Thiago Carvalheiro também estreia neste número com duas incursões criativas para as fotos dos<br />
poetas, e da mesma forma a contribuição de revisão de textos editoriais pela escritora Polyana de Almeida<br />
Ramos, o que vai deixando nosso time cada vez mais rebosteantemente múltiplo e aprimorado.<br />
A Rebosteio joga a partir de agora os poetas no ventilador: com diferentes estilos, idades e linhagens, e dá ao<br />
leitor a chance única de construir uma visão particular, participando de sua intimidade criativa, demolindo-os,<br />
desconstruindo-os para encontrá-los.<br />
Dizem que bruxas e poetas não existem... enfim, aqui é (não) pagar para ver!<br />
Boa leitura!
Sou poeta? Sei lá, como nem nunca soube ao<br />
certo ser eu mesma. Sei que fui largando versos<br />
por aí em cadernos, guardanapos, depois na<br />
rede... a poesia que faço não é um projeto<br />
literário, é o meu modo próprio de pensar, um<br />
movimento contínuo e sempre novo de criar e<br />
me perder e recriar um mundo habitável a partir<br />
do caos denso e dinâmico que teima em<br />
atender pelo meu nome.<br />
A vida social me dá muito tédio, sou bicho-domato<br />
confesso e tenho cada vez mais preguiça<br />
para as coveniências. Versejo por fuga, vício e<br />
distração, e tenho fé nas palavras de Leminski:<br />
"distraídos venceremos".<br />
Não que minha verve seja espontânea, ao<br />
contrário: faço mil correções, rearrumo, diria até<br />
que sou um tantinho obsessiva, do tipo que<br />
acorda no meio da noite por causa de uma<br />
vírgula mal-colocada, uma imagem pobre ou um<br />
verso de pé-quebrado, e não sossega até<br />
consertar. Chego a sofrer, mas é um sofrimento<br />
bom, como num jogo, uma brincadeira<br />
interminável de resignificação do universo, onde<br />
a palavra é que me leva. Eu sigo atrás, tentando<br />
pescar o belo nas coisas simples, o essencial<br />
numa forma breve. Penso que só com leveza se<br />
pode tocar o profundo, e se tenho alguma fé, é<br />
a de que Deus é Humor. Rio muito escrevendo,<br />
e choro um bocado também.<br />
Faço poemas quase todos os dias - todo dia não,<br />
que já seria disciplina, e isso não tenho. No<br />
entanto, se esse meu pensar estranho é poesia, a<br />
verdade é que faço isso o tempo todo. Eu tenho<br />
é o bom-senso de não publicar tudo o que me<br />
vem à mente, em respeito à paciência alheia (e<br />
à minha vergonha-na-cara). Para cada poema<br />
que considero "mostrável", jogo bem uns 3 na<br />
lixeira, fora os que nem escrevo. Corto muito<br />
texto também, aliás é o que mais faço. Para<br />
mim, o bom texto é curto; se for longo, tem que<br />
ser de excelente para cima. Raramente me<br />
atrevo a tentar algo assim.<br />
Tenho um blog há 7 anos e adoro compartilhar<br />
meus poemas via internet com as pessoas mais<br />
diversas, de qualquer lugar do Brasil e do<br />
mundo. Ser lida é uma experiência libertadora,<br />
de transcendência do ego, que se poderia dizer<br />
mesmo erótica - no sentido amoroso de estar<br />
dentro do outro, por um instante ou até por um<br />
tempo longo, reverberando como um eco.<br />
Ainda não publiquei um livro, mas não pretendo<br />
recusar, no dia em que receber uma proposta<br />
decente de uma boa editora. Até lá,<br />
continuamos atendendo no<br />
http://www.novoaemfolha.com .<br />
verde verdade<br />
em última análise<br />
eu sempre prefiro<br />
uma fotossíntese<br />
locomotiva<br />
estar morto ou vivo<br />
tem motor<br />
não tem motivo<br />
a cinza<br />
catar os restos<br />
de um verso triste<br />
exumar o adeus<br />
,<br />
deus<br />
se existe<br />
é nos pequenos gestos<br />
eloqüência<br />
a sua ausência<br />
fala por si<br />
lêncio
eco a narciso<br />
(inspirado no soneto "Mortal Loucura"<br />
de Gregório de Matos)<br />
da teimosia de que eu peco … eco<br />
do pensamento que me aturde … urde<br />
como que por encanto surge … urge<br />
a sua imagem que disseco … seco<br />
se essa voz débil que re-clama … lama<br />
fosse punhal que a vida amola … mola<br />
veria no amor que descola … escola<br />
portal da luz que a minha chama … ama<br />
e se ouso erguer um edifício … difícil<br />
sem ter pilar que me confirme … firme<br />
que diga então meu frontispício … hospício<br />
deixo ao espelho a contraparte … aparte<br />
que agora preciso partir-me … ir-me<br />
e espalharei por toda parte … arte<br />
a poça<br />
à sombra do lustre rosa<br />
a moça posa pro moço<br />
qual nem lhe fizesse mossa<br />
o assombro<br />
do observador atento<br />
sentado ali do outro lado<br />
rabiscando em alvoroço<br />
intenso<br />
seu repasto um guardanapo<br />
o lápis rasgando o lenço<br />
mil traços por cada canto<br />
da mesa<br />
como quem desse de ombros<br />
a moça finge que almoça<br />
lenta acaricia a louça<br />
inglesa<br />
disfarça faz vista grossa<br />
assopra a colher de sopa<br />
no prato intacta a poça<br />
espessa<br />
kundalini<br />
não sou santa<br />
tenho buda<br />
só descanso<br />
em kama sutra<br />
via dutra<br />
quando alinha<br />
minha espinha<br />
aos chakras teus<br />
é um deus<br />
nos sacuda<br />
brinca com a coxa de frango<br />
de sobremesa morango<br />
o tempo suspenso em pausa<br />
pro almoço<br />
penso que essa noite enquanto<br />
o olhar do moço repousa<br />
(pálpebras em movimento)<br />
...<br />
na penumbra do seu quarto<br />
uma mariposa pousa<br />
no esboço<br />
ao ver-se ali num espanto<br />
de asas o olhar se apossa<br />
esvoaça e roça o pescoço<br />
da moça
conjuntiva<br />
a mandrágora<br />
o exato<br />
momento<br />
do encontro<br />
:<br />
a madrugada<br />
é escura uma aurora<br />
prematura<br />
seu auto retrato<br />
em preto dentro<br />
do branco do olho<br />
do outro<br />
.<br />
uma noite que dura além<br />
da hora<br />
é uma draga uma agrura<br />
a boca<br />
mais busco o silêncio<br />
que se desprenda<br />
como um furo estreito<br />
da renda<br />
como o final brusco<br />
da música<br />
é uma ruga que chora<br />
uma maga obscura<br />
uma drogada<br />
é a mágoa rogada<br />
é a jura é a água pura da mulher<br />
amada<br />
a falta de ar súbita<br />
.<br />
o vazio perfeito<br />
diante do imenso<br />
no oceano deserto<br />
uma única ilha<br />
essa falta filha<br />
da puta<br />
.
oeta escrevendo acerca de sua obra e de seu processo criativo? Considero um<br />
disparate. Acho quase impossível que se dê ao cabo o propósito, até porque boa parte dos<br />
textos poéticos, de acordo com sua natureza genética, possui um conjunto quase<br />
ilimitado de referências. Já no campo do processo criativo, se me perguntassem com<br />
insistência, eu apenas diria que penso e escrevo, que não sou adepto dessas coisas de<br />
musa, inspiração, emoções à flor da pele, ou aditivos químicos. É isso e nada mais.<br />
Entretanto, como tenho tendências que muitas vezes se desviam da sanidade, resolvi<br />
escrever um pouco sobre um soneto que fiz recém e de como ele foi se processando<br />
(criativamente?) em meus miolos superiores até que eu o considerasse trabalho findo.<br />
Enfim... Acordei de madrugada. Percebi que fora despertado pelo vento, bastante forte,<br />
que assobiava um horror sem pauta. Meu Deus, que é isso?! Ele, o vento, respondeu lá na<br />
língua dele que era um excelente mote para que eu compusesse um soneto. Pensei, era, de<br />
novo, o momento em que a química cerebral se alvoroça toda e me exige um poema. Eu<br />
disse para mim, morrendo de sono, cara, faz logo esse texto, porque eu ainda quero<br />
dormir! Caneta e uma folha de papel, rapidinho. Foi aí que redigi a primeira ideia, já a<br />
direcionando para o tipo de verso que conheço tão bem, o decassílabo: “O vento que<br />
assobia pelo fim.” Mas esse de modo nenhum seria o primeiro verso, porque sou adepto<br />
da “Filosofia da composição”, de Edgar Allan Poe, etc. etc. etc. Aproveitei, então, o<br />
primogênito para ser o verso final e, a partir daí, do fim para o começo fui compondo o<br />
texto. (Não vou nem dizer que, no meio do trabalho, escutei barulho de ferragens na<br />
avenida, fui à sacada e vi um cara se estrebuchando e gritando de dor. Havia caído de<br />
moto. Liguei para a polícia pedindo pelo cara. Esperei na sacada até o resgate chegar e<br />
prestar o socorro. Cumpri a boa ação e voltei ao trabalho.) Finalizei o texto e ainda dormi<br />
um pouco depois. Na manhã seguinte dei umas mexidinhas, inclusive alterando o verso<br />
primogênito, e pronto. Abaixo, o soneto e em seguida algumas ideias que foram<br />
trabalhadas, conscientemente ou inconscientemente, durante a execução do meu crime a<br />
favor da literatura.<br />
Cidinha<br />
O vento assoviava sedutor,<br />
ouvia seduzida da janela<br />
Maria Aparecida. Seu tutor,<br />
“Menina, sai daí!”, e nada dela<br />
sair, como encantada, com calor,<br />
em pêndulo ciprestes à capela,<br />
as folhas, a poeira, seu palor<br />
de pobre doentinha se revela.<br />
Nascera para a dor e, nesse instante,<br />
distante de si mesma, “Que é de mim?”,<br />
a moça possuída, delirante,<br />
dervixe em rodopio dá-se assim<br />
ao chão, estertorando de rompante,<br />
e o vento de repente teve fim.<br />
O vento assoviava sedutor, / - O vento aqui é personificado, como a chamar pela
mocinha, que aparece nos versos seguintes, de modo a seduzi-la, por meio do conhecido<br />
código que remete tanto ao amor quanto ao terror: silvo, sibilo, assovio.<br />
ouvia seduzida da janela / Maria Aparecida. - A menina sente-se seduzida pelo vento e<br />
para aproximar a imagem da realidade ainda existente no imaginário brasileiro, a moça<br />
se posta à janela para flertar. Seu nome não é à toa, homônimo da padroeira do Brasil,<br />
pois continua sendo comum batizarem com esse nome por devoção da família e para um<br />
“reforço” na proteção da criança.<br />
Seu tutor, / “Menina, sai daí!”, - Ao inserir o tutor, entende-se de pronto que a mocinha<br />
não possui pais, visto que tutor é um conselheiro e no caso adverte para que ela saia da<br />
janela, por medo de perigos naquele momento, que advenham de fora, do mundo não<br />
doméstico.<br />
e nada dela // sair, como encantada, com calor, / - Mas a menina não aceita o conselho e de<br />
algum modo prefere permanecer lá, junto à janela, como se a sedução, o encanto do vento<br />
tivesse lhe prendido. O calor pode se referir ao clima, ou a um mal-estar da protagonista.<br />
em pêndulo ciprestes à capela, / as folhas, a poeira, - Cipreste por si já é uma metonímia,<br />
ainda que bastante limitada, porque é árvore que se planta em cemitérios e por isso<br />
simboliza tristeza, dor, luto, morte, daí que os ciprestes balançando à vista da menina<br />
denotam que algo de triste está próximo; acrescentam-se ainda dois detalhes<br />
importantes, balançam de modo pendular, remetendo à sucessão do tempo, e o valor<br />
dúbio do termo “à capela” – ou as árvores estão próximas a uma capela, o que aumenta a<br />
carga de religiosidade/espiritualidade da cena, ou estariam “cantando” sem<br />
acompanhamento musical, ou seja, fazendo o barulho típico de folhagens sendo<br />
movimentadas pelo vento. No mais, temos também a movimentação de folhas secas,<br />
mortas, outras arrancadas pela força do vento, e, principalmente, a mesma<br />
movimentação ocorrendo com a poeira ou o pó, mais um elemento que sugere<br />
espiritualidade: “Do pó vieste, ao pó voltarás.”<br />
seu palor / de pobre doentinha se revela. // Nascera para a dor - Eis a revelação de que se<br />
trata de uma doente, o adjetivo “palor” reforça o ideário mal do século, em que a mulher<br />
seria bela ao se apresentar frágil, doente, aproximando-se da hora extrema, pálida tal<br />
qual a “imago mortis”. Um ser que nasceu e vive para a dor, é algo que parece desumano<br />
mas que humaniza sobremaneira a personagem.<br />
e, nesse instante, / distante de si mesma, - Quebra abrupta da linha de pensamento, a<br />
menina inicia um processo de estranhamento da realidade e de si mesma.<br />
“Que é de mim?”, / - Aqui o dito e/ou pensado é dúvida no sentido de espaço - “Onde<br />
estou?” - e de ação - “O que está sendo feito de mim?”<br />
a moça possuída, delirante, // dervixe em rodopio - Algo se apossa dela, levando-a ao<br />
delírio como a um transe promovido pelo ritual sufi, em que o dervixe roda em torno de si<br />
mesmo.<br />
dá-se assim / ao chão, estertorando de rompante, / - Interessante nessa passagem a queda<br />
não ser um ato violento, é como se a moça se entregasse, se desse ao chão, feito o<br />
momento de ela se unir a ele, mas a agonia também está presente, figurada pelo tipo de<br />
respiração, como um clímax da atuação do ar.<br />
e o vento de repente teve fim. - Então, o ar cessa sua movimentação, o vento é<br />
interrompido de forma precipitada, talvez inexplicável. Parece ter cumprido o seu papel,<br />
e poeticamente seu papel parece ter sido recolher o hálito de vida da jovem doente que,<br />
em seguida, morre.<br />
Cidinha - O título também é dúbio. Tanto é a redução do nome da protagonista, que ainda<br />
é uma criança, quanto o diminutivo de “-cida”, sufixo de origem latina, que dá noção de<br />
agente que provoca a morte. O título pretende, portanto, sintetizar a história, a morte de<br />
Maria Aparecida.
ínsula periculosa<br />
eu traçava garatujas, e eram desenhos<br />
aquilo que o desejo... ilhas e ilhas<br />
em vermelho, um vulcão acastanhado<br />
numa delas.<br />
coqueiros, nem sabia ao certo,<br />
padrão películas de naufrágio.<br />
tocamos a areia com os pés, quentinha.<br />
estávamos em ínsula periculosa,<br />
naquele pedacico de areia e mineraloides,<br />
muito, muito verde,<br />
pássaros multicores,<br />
aí tu me deste a mão.<br />
eu desenhei com o maior capricho<br />
alguns alimentos deliciosos, água doce (em azul),<br />
paisagens como se diz de sonho,<br />
um gigantesco clichê de sol amarelo lá no altão.<br />
coloquei uma vastidão de sombras.<br />
escolheste a mais rotunda para nos sentarmos.<br />
olhaste para mim. ruborizei.<br />
eu nunca ficara a sós com alguém, julgo, que me amasse tanto.<br />
foi assim, um esboço.<br />
valongo<br />
o tempo<br />
este inexorável<br />
esplende<br />
inox das almas<br />
em seu nicho de azuis<br />
a noite vem descendo<br />
subjugando umbrais<br />
densa a noite<br />
anja<br />
despiu-me de tudo<br />
fustigou-me à decussata<br />
anja demoníaca nigérrima de exus<br />
acalenta<br />
tem dó de mim<br />
esmaga pimenta malagueta<br />
e aplica sobre as chagas da consciência branca / que purulam
"Fotografia é verdade. Cinema é verdade vinte quatro vezes por segundo."<br />
(Jean-Luc Godard)<br />
Mallarmé: “não é com ideias [...] que se fazem versos. É com palavras”<br />
Paul Valéry: “A Literatura é, e não pode ser outra coisa, senão uma espécie de extensão e de<br />
aplicação de certas propriedades da linguagem” e “literatura como experimentação dos<br />
'possíveis da linguagem'”.<br />
“Já foi dito que a poesia moderna é poema da poesia. Talvez isso tenha sido verdade na<br />
primeira metade do século XIX;<br />
a partir de "Une saison en enfer" nossos grandes poetas fizeram da negação da poesia a<br />
forma mais alta da poesia:<br />
seus poemas são crítica da experiência poética, crítica da linguagem e do significado, crítica<br />
do próprio poema. A palavra poética se sustenta na negação da palavra”<br />
(OCTAVIO PAZ. “O arco e a lira”, p. 314.)<br />
é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito, o não dito<br />
é indizível,<br />
torres, terraços devastados, babilônias, um mar de sal negro, um<br />
reino cego,<br />
Não,<br />
deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de minhas pálpebras<br />
uma espiga, um repuxo de sóis,<br />
e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e a maré suba<br />
em onda e a onda rompa o dique,<br />
esperar até que o papel se cubra de astros e seja o poema um<br />
bosque de palavras enlaçadas,<br />
Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem<br />
ninguém exceto o sangue,<br />
nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito<br />
e repetir a mesma palavra na metade do poema,<br />
sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem<br />
e não diz nada e me leva consigo.<br />
[“O RIO” (Fragmento) Octavio Paz - Trad. Haroldo de Campos]<br />
arte poética (em reconstrução)<br />
enunciado (I)<br />
toda imagem é um pré-texto - pretexto para sua afirmação ou questionamento por meio do<br />
discurso poético<br />
enunciado (II)<br />
todo texto é uma pré-imagem - pretexto para sua representação ou questionamento da<br />
ordem do poético<br />
igor k marques<br />
"A palavra é verdade. Poesia é verdade vinte quatro vezes por segundo." ikm
igor k. marques
OLVÍDALOS<br />
DELÉTALOS<br />
DESPÉTALOS<br />
DECÉPALOS<br />
ESCÁLPELOS<br />
ENTIÉRRALOS<br />
EN CUEVA HONDA<br />
A TODOS<br />
Y A TUS RECUERDOS<br />
EXCRÉTALOS<br />
PARA DEJAR BROTAR<br />
EL POEMA<br />
(2006)<br />
e digo + & +<br />
again & again<br />
say something<br />
don't give up<br />
play your thing<br />
suzano's tambourine<br />
write your black & white<br />
poetic statements<br />
rítmico padrão<br />
out of the black<br />
and into the blue<br />
(02.08.06)<br />
VENHA<br />
COMO ESTIVER<br />
ACERCATE DE MI<br />
VENHA & SEJA<br />
COMO FOR<br />
MAS VENHA<br />
NA POLPA DA PALAVRA<br />
NO OSSO DA POESIA<br />
VENHA COMIGO PERDER-SE<br />
NUM SOLO DE MILES<br />
EN EL CUERO<br />
DE LOS TIMBALES<br />
AHORA SE QUE TE VI<br />
COME WITH ME<br />
BUT NOT SO FAST<br />
SUAVE NO MÁS<br />
AHORA QUE APARENTAS<br />
ESTAR AQUI<br />
ALAMBRE DULCE<br />
COME AROUND<br />
IN A CENSORED<br />
PRINCE SONG<br />
NAMED COME<br />
I'LL GET THE LYRICS<br />
FOR YOU TO SING ALONG<br />
ON & ON<br />
COME AS YOU ARE<br />
DESPIDA DE TUDO<br />
NUMA INCONTIDA RISADA<br />
PORTAS E FENDAS<br />
ESCANCARADAS<br />
I'VE HEARD RUMOURS<br />
YOU'VE BEEN HUSTLING<br />
IN HONG KONG<br />
NO MATTER HOW PURE<br />
DON'T MIND IF YOU LIE<br />
I DON'T BOTHER WITH WHOM<br />
YOU FAKE A SIGH<br />
BUT COME<br />
WITH ME<br />
BEFORE I DIE<br />
COME ON<br />
I BEG YOU<br />
COME<br />
OVER ME<br />
POETRY<br />
(mar & abr/2011)<br />
a letra em amarelo vivo<br />
projeta a sombra<br />
matérica<br />
pictórica<br />
sedimentada sobre o suporte<br />
o flanco putrefato<br />
de um cadáver de cão<br />
escancarado sob o sol a pino<br />
(morrer é um assunto de foro íntimo)<br />
o ritual de pintar<br />
um S, um O, um M,<br />
um B, um R & um A<br />
o artista<br />
(ou sacerdote?)<br />
mergulha seis vezes<br />
o pincel na tinta<br />
para depositá-la<br />
letra por letra<br />
lama sobre a pele<br />
a sombra sublima o grotesco<br />
de um corpo em decomposição<br />
o couro duplamente marcado<br />
exibe sua explícita morte gris<br />
quase obscena & quase sagrada<br />
(12.05.11)<br />
do negro ao branco<br />
& ao negro<br />
desde que surja música<br />
no roçar do grafite<br />
(busco o timbre exato da imagem)<br />
retesando as fibras do papel<br />
desde que emerja<br />
& submerja o poema<br />
numa placa de argila<br />
implodindo-se<br />
rearticulando-se<br />
exaurindo-se<br />
desde que seja tenso<br />
o toque na epiderme da imagem<br />
desde que se faça vibrar a fenda<br />
por onde aflora o não dito<br />
(28.01.11)
até secar<br />
pinta<br />
do quase lodo<br />
à plena canção<br />
êxtase de asceta<br />
orgasmo<br />
espasmo de prostituta<br />
até me exaurir<br />
na última gota<br />
preparo o leito da imagem<br />
irrompendo astuta<br />
na superfície do papel<br />
(2006)<br />
cigarras em nyc<br />
cigars & guitars<br />
lou reed in rags<br />
declares out loud<br />
it's not time for<br />
ragtime<br />
it's not time for<br />
jive talk<br />
it's not time for<br />
foxtrot<br />
it's time to fight for<br />
this new sound<br />
it's time to fight for<br />
this next image<br />
that comes out<br />
of saunder's fretless bass<br />
it's time to fight for<br />
the coming poem<br />
that bursts out<br />
that erupts<br />
of the pregnant surface<br />
of a plain sheet of paper<br />
(04.05.09)<br />
HONRA DE MICA<br />
SANGUE DE BARATA<br />
EUFORIA DE ESTANHO<br />
TAPA NA CARA<br />
FEELING DE ALPACA<br />
INSIGHT DE MAHATMA<br />
SAUDADE DE BASALTO<br />
DOENÇA RARA<br />
MÁGOA QUE MATA<br />
SUSSURRO DE BAUXITA<br />
BEIJO NO ASFALTO<br />
OURO DE BANHO<br />
PRATA VIRA LATA<br />
PRAGA DE XIITA<br />
METÁFORA DE XIPÓFAGO<br />
OU RETÓRICA DE PROFETA?<br />
PALAVRA DE ANTROPÓFAGO<br />
OU JIVE DE POETA?<br />
(mar/2006 - nov/2011)<br />
a carga de azul casual<br />
irrompe anil no branco<br />
fluorescente do monitor<br />
no corte transverso<br />
de um fragmento de texto<br />
na percussão dos dedos<br />
impondo o ritmo de criação<br />
na busca da cadência<br />
precisa da escrita<br />
ainda sem nexo<br />
divagando no caos inicial<br />
entrelinha e entrelaços<br />
entranha de cabeleira<br />
de tranças em transe<br />
no devaneio vagabundo<br />
no ócio perturbador<br />
descompasso preciso<br />
nem côncavo<br />
nem convexo<br />
berço da criação<br />
de uma ciência inexata<br />
da poesia<br />
(2006)<br />
eu vivo dentro . eu morro fora<br />
como gente . como parto<br />
eu naço<br />
e vivo<br />
parte dentro dela . parte dentro d'água<br />
eu gozo . deliro<br />
parte dentro dela . parte fora d'água<br />
exausto . inerte<br />
parte fora d'água . parte fora dela<br />
eu morro<br />
como peixe fora d'água<br />
1986/maio/2011
A droga que embriaga mas não cura. A secura, a falta, a noite escura sem ribalta.<br />
Vida & Morte, Dor & Êxtase, extremos de uma loucura recorrente. Inquietação nata,<br />
tempo todo à espreita. Angústia que aperta. Porta que abre pra dentro. Uma fresta<br />
por onde sai um fiapo de sol.<br />
Poesia - carne exposta que se faz verbo. E arde.<br />
A despeito dos estigmas, o poeta segue sua vida prosaica. Trabalha, pensa, sua, sofre<br />
para achar a palavra certa, a rima interna, o ritmo, a melodia discreta.<br />
Escreve com o cuidado de quem planta, com a exatidão de quem arquiteta, com o<br />
capricho de quem constrói. E desconstrói, com a paixão cega de quem tudo vê.<br />
Escreve para si, para nós, para eles, para todo aquele que é capaz de sentir, sem<br />
pros/elitismo.<br />
Arte que não é democrática não é. Pensa ser.<br />
Os intelectuais de plantão<br />
vão comer meu coração<br />
não posso entrar em qualquer balada<br />
sem antes ler a folha ilustrada<br />
ela é que vai me dizer<br />
o que fazer da minha ignorância<br />
os intelectuais de lapela<br />
enfiam o dedo na goela<br />
pra vomitar arrogância<br />
os intelectuais de plantão<br />
vão comer meu coração<br />
quantas estrelas deve ter um filme<br />
pra me comover?<br />
como é que se arquiteta<br />
uma poesia concreta?<br />
quem me ajuda na desconstrução<br />
de uma instalação<br />
sem pé nem cabeça?<br />
haja erudição pra juntar as peças<br />
não posso gostar sem pensar<br />
mas posso gozar sem trepar<br />
divagar teorizar ludibriar<br />
os intelectuais de luneta<br />
só sabem tocar punheta
TARJA PRETA<br />
quem nunca tomou<br />
que atire a primeira bolinha<br />
CRENDICE<br />
eu não tenho papas na língua<br />
hóstias bentas não me calam<br />
amor é o que me apascenta<br />
crendices vãs nada trazem<br />
eu não travo meu prazer<br />
como pão como você<br />
bebo vinho só por gozo<br />
rezo quando deus me chama<br />
axé aleluia namastê<br />
quem disse que não tenho fé?<br />
buda jesus meishu sama<br />
lutero kardec maomé<br />
tanigushi umbanda candomblé<br />
santo daime dalai lama<br />
nada quero que me salve<br />
só o beijo que você me deve<br />
desdenho da razão pura<br />
sentimento ando à cata<br />
o que ata e não desata<br />
o que não mata e cura<br />
na desmedida exata<br />
filosofia? more na sua<br />
vá tomar naquela reta<br />
ajoelhar perante meca<br />
que me perdoem os ascetas<br />
setenta vezes sete eu peco<br />
eu não tenho sangue de barata<br />
PRÉ-CONCEITUAL<br />
diferença de sotaque só me toca<br />
do bumba-boi de matraca<br />
do bumba-boi de orquestra<br />
de resto<br />
é peleja que me provoca<br />
se eu nascesse paulista<br />
faria poesia concreta<br />
pós-moderna futurista<br />
mas como sou nortista<br />
ponho a alma no papel<br />
e entrego na bandeja<br />
se você fosse neonazista<br />
nessa torre de babel<br />
onde ninguém é igual<br />
não seria o artista<br />
principal do meu cordel<br />
se a razão não responde<br />
como quando porque onde<br />
alguém entra ou não sai<br />
sábio<br />
o coração se intromete<br />
entre um conceito e outro<br />
e bate
A FINA DOR<br />
adormecer a deprê<br />
que insone mina<br />
deixar-se entreter<br />
en dor fina<br />
PUNK<br />
fuck it<br />
a vida não é um fake book<br />
comercial de margarina<br />
pose e look<br />
mesmo fina<br />
a dita dura da felicidade<br />
só entra com vaselina<br />
TERREMOTO<br />
EXTREMA-UNÇÃO<br />
tem gente que espera<br />
pra tirar retrato sair bem na foto<br />
tem gente esperando uma retratação<br />
tem gente que espera na fila do leite<br />
tem gente esperando atendimento médico<br />
tem gente que espera uma revolução<br />
tem gente esperando ônibus metrô avião<br />
tem gente que espera sair do coma<br />
tem gente esperando extrema-unção<br />
tem gente que espera sentada<br />
tem gente esperando calada<br />
gente que não se abala<br />
tem bala que a gente perde<br />
tem nerd que nunca erra<br />
tem gente que engole sapo<br />
gente que engole porra<br />
tem cabrito que não berra<br />
tem gente que espera a morte<br />
inteira<br />
por uma vida rasteira<br />
é muita vela pra pouco defunto<br />
é muita boca pra pouco assunto<br />
é pouca chuva pra tanto deserto<br />
é pouca luva para tanto frio<br />
é muito cio para pouco falo<br />
é pouco abalo pro meu terremoto<br />
é muita veia para pouco sangue<br />
é pouco caso pra tanto tesão<br />
é muita areia pro teu caminhão<br />
(musicado por Zeca Baleiro)<br />
VISCERAL<br />
te devo um nu frontal<br />
com tarja:<br />
proibido para menores<br />
já as maiores dores<br />
cortadas do meu umbigo<br />
exibo<br />
amoral<br />
tome meus versos<br />
minhas vísceras<br />
devore-os<br />
com toda libido
Sou daqueles que vez ou outra fala mal da<br />
poesia para sacudir um pouco o jugo dela<br />
sobre mim, sua arrogante exigência de<br />
atenção e devotamento, sua demanda<br />
incessante de hecatombes e oferendas. Digo a<br />
ela: não estou entre os seus sacerdotes<br />
incondicionais, os seus feiticeiros e possessos<br />
prepostos. Até porque sou agnóstico,<br />
descuido-me de preocupações com deuses,<br />
mesmo os pagãos, sempre ressuscitados<br />
simbolicamente como deuses modernos.<br />
Inquieta-me que a poesia seja importuna e<br />
inconveniente como uma visita que não<br />
telefona antes para avisar, ou como aquele<br />
maluco que abordou o maratonista brasileiro<br />
em não sei qual das olimpíadas. Não é piada<br />
não! Não me refiro a esse tranco apenas como<br />
analogia para a inspiração - essa ardilosa<br />
sugestão de um mote ou imagem soprada ao<br />
pé do ouvido - mas também para o dever de<br />
assumir um comprometimento inabdicável de<br />
esforço e trabalho que tomará tempo, movido<br />
pelas roldanas da obsessão. Ou seja, a poesia<br />
aborda o poeta como se fosse ele um alto<br />
executivo com direito a ter acesso às<br />
informações privilegiadas e depois o põe para<br />
trabalhar como operário obrigado a lhe<br />
dedicar horas extras. Inescapável: o poeta<br />
também é explorado através da mais valia!<br />
Mas, afinal, qual o contrato, hipoteca ou<br />
promissória que me submete a ser poeta? Aí<br />
está o mais angustiante! Tudo se passa como<br />
diabólico voluntariado: o poeta é seduzido<br />
para um serviço escravizante sob o argumento<br />
de se tornar um nobre cavaleiro libertador das<br />
palavras encerradas na torre do cotidiano sem<br />
estética; sim, as pobres palavras perseguidas<br />
pelo nosso preconceito de que elas não<br />
querem significar apenas o que exatamente<br />
significam; de que, além de terem de velar<br />
caninamente por um único objeto, podem (e<br />
devem) subverter essa conformação, se<br />
libertando de sua função através da beleza;<br />
podem se irmanar para vagabundear na<br />
metáfora, podem se sindicalizar para abalar o<br />
regime da semântica, ou ainda se associar para<br />
forçar as fronteiras com a música.<br />
Por ter essa relativa indisposição com a poesia,<br />
sinto pudores de ficar repetindo conceitos<br />
românticos, tolero, mas não saio por aí<br />
dizendo que poeta é antena da raça (opa,<br />
digo, espécie), que poeta é um possesso<br />
divino, que é isso e aquilo... Faço uma<br />
exceção para afirmar condicionalmente que<br />
poeta é aquele que tem um tipo especial de<br />
fascínio pela língua, sobretudo ao se dar conta<br />
que essa língua com a qual ele inventa ou faz<br />
inventários lúdico-simbólicos é o mesmo<br />
material usado por todos ao longo da vida, um<br />
manancial vivo e comunitário que nunca se<br />
esgotará. Que outro artista dispõe de um<br />
suporte ou meio tão extensamente<br />
compartilhado? Só se for um escultor que<br />
esculpe em miolo de pão... E que curioso é<br />
você utilizar algo comum para expressar uma<br />
idéia ou sentimento raro ou incomum! Não é<br />
quase uma operação de reciclagem ou<br />
reinvenção?<br />
É claro que ao começar falando sobre o tempo<br />
que a poesia toma à vida eu tinha em mente o<br />
fato de que a vida cotidiana também tem<br />
desses sentimentos e idéias raras como uma<br />
poeticidade que nem sempre ganha forma na<br />
linguagem. Não é outra a base da<br />
comunicação poética, o que permite que<br />
alguém leia e ame poesia sem jamais ter feito<br />
um verso sequer. Eu me referia, na verdade, à<br />
relação entre artifício e experiência. O que se<br />
escreve é um artifício expressivo de natureza<br />
especular que não pode prescindir da<br />
experiência vital, mas é justamente porque a<br />
experiência vital tem natureza bruta e<br />
incomunicável que ela precisa se reduzir ao<br />
artifício, ou ao engenho, para ser parcialmente<br />
conhecida. Não se trata de arte ou vida, ou<br />
arte a despeito da existência, mas de arte-evida.<br />
Mas se fosse para escolher, antes a vida que o<br />
artifício! Claro, até porque tenho minhas<br />
dúvidas sobre a possibilidade da psicografia. E<br />
por falar nela, evocando Fernando Pessoa,<br />
apesar de admirá-lo imensamente, eu jamais<br />
afirmaria, mesmo de forma simbólica, que<br />
navegar é preciso e viver não. A minha<br />
tendência seria dizer o contrário. Melhor<br />
ainda seria recomendar a navegação em favor<br />
da vida.
DISPONÍVEL<br />
Palavra:<br />
a única lâmpada mágica<br />
que está em toda parte,<br />
Com ou sem gênios<br />
incompreendidos...<br />
E atendimento a muito,<br />
muito mais que três desejos<br />
ou pedidos.<br />
COMETAS<br />
Em ciclos cometo erros.<br />
Eu os imagino enormes.<br />
Mas você me diz<br />
que eles passam pequenos<br />
contra o azul profundo.<br />
Você me perdoa a olho nu.<br />
FILOSOFIA EM QUADRINHOS<br />
Perguntado pelo Super-Homem<br />
se seria possível<br />
voltar a ser apenas o Clark Kent,<br />
Nietzsche respondeu: - Nie!!!<br />
PACTO<br />
Contigo levito, Eva,<br />
acima do pecado,<br />
da gravidade da maçã,<br />
do dilúvio<br />
e da treva.<br />
NESTE MOMENTO<br />
Um pássaro pousa na janela:<br />
trouxe o horizonte<br />
ao parapeito.<br />
Um pássaro pousa na janela:<br />
e mais aerada<br />
a refaz.<br />
Um pássaro pousara na janela<br />
que janela<br />
não é mais.<br />
CONSCIÊNCIA<br />
REPETÊNCIA<br />
Jamais me diplomarei<br />
estudando-me.<br />
HIDRÁULICA<br />
O dia<br />
e sua capilaridade<br />
em rede:<br />
vazamentos em pontos<br />
distintos, distantes,<br />
dicotômicos:<br />
razões da sede.<br />
Não posso me ver<br />
figura contra fundo.<br />
Não tenho lugar formal.<br />
Sou adjacente,<br />
vizinhança sem residência,<br />
ponto errante sem fechar<br />
o parágrafo existencial.<br />
SINESTESIA<br />
Vi três maçãs numa fotografia<br />
do século XIX.<br />
Aqueles cinzas<br />
ainda tinham aroma carmim.
RICTO<br />
O espelho se racha.<br />
Um corte na prata<br />
cicatriza-se sombra<br />
na minha face de luz.<br />
CUIDADO<br />
Foi para a minha própria proteção<br />
que deixei de afiar as lâminas da razão.<br />
Estão perdendo o gume.<br />
Agora os sentimentos assomam ao rosto<br />
sem que eu o marque com cicatrizes.<br />
E meus olhos não se blindam mais<br />
com o medo de serem vazados pelo raciocínio.<br />
SOLICITUDE<br />
Outrossim<br />
nenhum não<br />
amiúde.<br />
ÁCIDO EM DEMASIA<br />
Tomar muito juízo me irrita<br />
a mucosa do estômago,<br />
e, aflito,<br />
vomito!<br />
AH!<br />
Marginando o rio,<br />
olho a outra margem<br />
mais ensolarada,<br />
muito embora,<br />
sob o mesmo céu.<br />
RUMINAÇÃO<br />
Meu epigrama<br />
é de estreito pasto<br />
CARCEREIRO<br />
O pesadelo<br />
vigilante<br />
adormeceu.<br />
Ele tem sono leve.<br />
Tente com cuidado<br />
retirar-lhe dos bolsos<br />
a chave da realidade.<br />
ASSOCIAÇÕES<br />
Crátilo é um diálogo de Platão.<br />
A MEA CULPA DA RAPOSA<br />
É preciso ter antes a coisa<br />
para então dizer<br />
que não precisamos dela?<br />
O saber, por exemplo.<br />
A felicidade, outro exemplo.<br />
As certezas, novo exemplo.<br />
O juízo, antigo exemplo.<br />
Essas uvas.<br />
Cactus parece uma planta defensiva.<br />
Crápula é um tipo de ser humano.<br />
Cápsula era um comprimido espacial.<br />
Ínsula, ínsula é uma ilha<br />
e não tem nenhuma associação.<br />
OCULARES<br />
Olhos sem pressa<br />
e infusos<br />
num único horário:<br />
dois globos<br />
sem meridianos.
Nasci e vivi até os 27 anos numa cidade pequenina do Vale do Jequitinhonha. No início a<br />
interlocução para a poesia era praticamente zero, mas foi-se criando ao longo do tempo,<br />
dentro de um grupo de amigos de uma associação cultural da cidade. Nunca falamos de<br />
teoria da literatura, nem fizemos crítica literária. Mas os livros, a palavra, estava presente<br />
onde quer que fôssemos: numa conversa informal ou no trabalho.<br />
A poesia, entre nós, sempre existiu em um contexto político, às vezes quase romântico,<br />
que nos levava a crer que ela nos salvaria. Eram saraus, recitais, leituras infinitas em torno<br />
de causas sociais, tentando entender, tentando enternecer a luta. E era mais que isso, no<br />
meu caso. Eu cultivava a crença de que aquilo tudo ia me resgatar da realidade opressora<br />
de ser mulher num universo de unanimidade machista.<br />
Além disso, havia uma tentativa de compreender o entorno, ser aceita pela paisagem,<br />
pertencer. Inventar um sentido. E ainda não sei lidar com nada disso, nem mesmo com a<br />
beleza, de outra maneira.
não sei verbalizar<br />
o abismo<br />
sei cair<br />
dentro dele<br />
como dois olhos que eu avisto e temo<br />
e o chão se demora -<br />
amor -<br />
a tocar meus pés<br />
de novo<br />
dia<br />
alma de hortelã<br />
e névoa<br />
a manhã nos obriga<br />
a chorar<br />
sempre<br />
esquecer<br />
a tosse noturna do filho<br />
a urgência<br />
do amor<br />
o silêncio perdoa<br />
meu corpo<br />
magro<br />
perdoa o homem<br />
que se foi<br />
é setembro<br />
basta uma oração<br />
e é manhã de novo<br />
o verbo<br />
nosso pai<br />
o silencio<br />
nosso filho<br />
nosso rito diário<br />
de esquecer
NASCENTE<br />
córrego<br />
cachoeira<br />
ribeirão<br />
eu choro<br />
pra pertencer à paisagem<br />
estou farta<br />
de pessoas<br />
que não vêm<br />
esperar os filhos à mesa<br />
esperar que tudo dê certo<br />
esta casa está em desordem<br />
e não há sequer um canto<br />
para abrigar a paz<br />
escrevo com muito medo<br />
de que os homens saibam<br />
que a mesa não está posta<br />
e eu não limpei<br />
o leite derramado<br />
CESARIANA<br />
para Pedro<br />
seus pequenos olhos<br />
cor de aurora represada<br />
ainda que um dia se afastem<br />
ficarão<br />
nessa pequena cicatriz
concepção gráfica: Thiago Carvalheiro
Todo ser vivente tem a sua dor, seja ela de que<br />
grau for, ela representa nesse ser que a<br />
transporta a presença de sensibilidade física<br />
ou espiritual onde estão incluídas pessoas,<br />
objectos, animais, seres não vivos, etc. Assumo<br />
que o poeta (escritor) não se desvia desta<br />
norma natural, o poeta a sente como o<br />
professor quando o aluno não assimila a<br />
matéria, o pai quando o filho se desvia ou não<br />
acata as ordens, o médico quando os seus<br />
doentes se lhe escapa, e tantos outros; o poeta<br />
não é um deus fantasmagórico, de soluções e<br />
pós mágicos, mas é um arquitecto da palavra,<br />
o marceneiro que talha e molda a madeira<br />
consoante o seu agrado e o seu dispor e as<br />
ferramentas que tiver à disposição. O poeta<br />
(gente) sente-a quando fica de boca selada<br />
(calado) e consente, se não for transmitir,<br />
mesmo que seja para os seus botões, é uma<br />
dor enorme, que carrega nos restantes dos<br />
seus dias; criar poesia é criar interrogações nas<br />
próprias crenças, descolorir o colorido, fazer<br />
barulho aos silenciosos, é uma visita ao uns e<br />
outros que não sou, uma visita a si mesmo, à<br />
um aquele EU que sempre ajeitamos directa<br />
ou indirectamente, infiltrar-se sem de nada<br />
saber. Sábio não é o poeta, eu como poeta<br />
aprendiz, procuro não a verdade, tampouco o<br />
real, procuro o irreal, apenas memórias que<br />
podem ou não me invadir e preencher, pois<br />
antes de percebermos o real, devemos<br />
compreender o irreal e o incompreensível. Eu<br />
escrevo quando não posso mais comigo<br />
mesmo, quando a água na boca já não se vai<br />
pela goela abaixo, atravessando as 24 horas de<br />
um dia, acordando até aos silêncios dentro de<br />
mim e dentro dos outros, desde os mais<br />
medonhos e profundos que podem existir,<br />
dentro de um cidadão tão comum e tão<br />
maluco e tolo como os políticos o são.<br />
Um poeta o defino, um amigo, um<br />
esfarrapudo, um amigo inimigo, uma voz que<br />
nunca fala em público ou as televisões, em<br />
capas de revista ou ainda forbes e magazines.<br />
Um poeta não é um deus fantasmagórico, é<br />
uma luz, que inventa a sua própria sombra,<br />
uma figura desconhecida mesmo no corpo em<br />
que habita, estranho a tudo e todos, desde a<br />
sua própria poesia; por favor, não pode ser a<br />
poesia mais ou menos importante que o<br />
poeta, corre-se o risco de pôr em o perigo os<br />
dois, o objecto e o sujeito criador; estes<br />
completam-se, a poesia não existe sem o<br />
poeta, nem o poeta existe sem a poesia, tal<br />
como a escrita não existiria sem o escritor,<br />
ambos são a mesma coisa, provém da mesma<br />
árvore. Poesia, luz, silêncio, estrada deserta,<br />
parede nua e crua, uma vida todas vidas. Se<br />
rompemos com esse cordão umbilical,<br />
rompemos também com os que estão ligados.<br />
Por vezes me meto na cama e depois de<br />
escassos minutos me vejo invadido e<br />
perturbado por vozes e escritas, sem saber a<br />
proveniência nem o destino, como se já<br />
estivesse prescrita uma missão de realizar a<br />
escrita, como se o ser poeta fosse uma missão<br />
assumida a partir do momento que se começa<br />
nas fainas literárias, rompo com a hora, a<br />
praxe e rabisco se esvai, seja onde for, agora<br />
me habituei a dormir com pedaços de papel<br />
por baixo da cama, das almofadas<br />
(travesseiro). Sendo poeta, não sou somente<br />
na escrita, mas na maneira de falar, de ouvir,<br />
escutar, estar com amigos e pessoas, não sou<br />
poeta maduro, nem imaturo, tampouco se<br />
pode amadurecer nas lides literárias; disse-me<br />
o amigo Willian Delarte, “és uma semente de<br />
uma árvore frondosa”, o Poeta Patraquim disse<br />
uma vez na sua entrevista que não existem<br />
poetas bons nem maus, apenas existem<br />
poetas. E eu como cidadão de Moçambique,<br />
sou mais um de poucos que cá existem, sou<br />
apenas um adolescente que a cada dia<br />
aprende a construir seus mundos interiores,<br />
porque o de cá fora anda muito conturbado,<br />
sou jovem escritor, aprendiz, e amador da<br />
escrita, mais um poeta, só poeta.
TRAVESSIA A NADO<br />
Atravessarei esta ponte, com mil mãos<br />
Brancas tradutoras do escuro<br />
Onde o gato miau-miau, é-me confidente ilusionista<br />
Onde as ondas agora adultas como nunca<br />
Competem passos de espuma<br />
Batelão metida com gente de lá e cá<br />
Balda-se no nkanhi fermentado, de punhos cerrados<br />
A baía gigante<br />
Arrumando insípido chão dos peixes<br />
De lés a lés gente<br />
Daqui um navio inteiro<br />
Rasga a estrutura funda<br />
Tudo isto, e coisa mais alguma<br />
Que não seja nada<br />
Esperanças e um pouco mais em lume brando<br />
SONHO DA TERRA<br />
Germina a saudade e tanto<br />
Fugazes as tranças dos dedos<br />
Em linha recta o paú preto reluz<br />
Acenam dois corações duma<br />
Só amizade<br />
Sonho ontem breve o sino<br />
Gente que transpõe os umbigos<br />
Mangas amarelecidas o calor<br />
Sorve-se o que presta para respirar<br />
Sumo de cajú<br />
Tudo dormiu já sem companhia<br />
E corpos debaixo da sombra menina<br />
Sonhos<br />
Mil e um abraços sem ambição
INSÓNIA DO POETA KANGACEIRO<br />
Dormi acordado<br />
Sino vivo<br />
O comboio que me persegue<br />
Os olhos de lebre, meus<br />
Viram<br />
2 Homens<br />
2 Braços<br />
Dois olhos<br />
2 Pernas<br />
E bocas em consequência<br />
Sono vivo<br />
Viu o fogo nos olhos do morcego falante<br />
E 64 dentes<br />
Viram<br />
Viram por uma janela<br />
Eles, virarem socos e mais socos<br />
Por 1 pão<br />
Eu aqui a aguentar a minha fome que me transgride<br />
JARDIM DO ÉDEN<br />
A alma das flores<br />
Tocam o profundo silêncio<br />
E quando se lhes toca o pólen<br />
Um inaugural ensaio do cheiro<br />
Suave pelo chão, todo<br />
A fé das flores . correr a clorofila<br />
De verdes campos do thunduro ou jardins<br />
Gorongosando<br />
Os serviços de se fazerem sentir<br />
A geometria das cores<br />
Ferve na fotossíntese em carne e osso<br />
Páginas das folhas encardidas<br />
São limites e explodem lúcidas<br />
Como nas bancas da Malanga ou matadouro<br />
Ninguém comeu fruto<br />
Ninguém pediu clemência
[Há mais ou menos 4 anos, incentivada por<br />
amigos, cometi o primeiro poema.<br />
A sensação foi estranha.<br />
A construção exigiu que da idéia inicial eu<br />
fosse retirando tudo o que era supérfluo, não<br />
essencial, até chegar numa estrutura ritmica,<br />
elegante, e ainda contendo o germe desse<br />
algo que eu tinha a dizer. E sempre fui muito<br />
prolixa...<br />
A dificuldade me encantou. A reflexão<br />
necessária me encantou.<br />
Fiquei fascinada com o processo todo, pois<br />
havia algo de muito racional naquilo que antes<br />
eu via como pura inspiração ou enlevo dos<br />
poetas.<br />
Havia mão de obra bruta, havia trabalho<br />
artesanal e algumas vezes frustrante.<br />
Claro que a “inspiração” inicial ainda estava<br />
lá, mas não era só isso.<br />
Redigir este texto para a presente edição da<br />
Rebosteio é um desafio na medida em que,<br />
não sendo poeta, devo de alguma forma<br />
encontrar em mim as razões da poesia.<br />
É simples: não há razões. Pelo menos não há<br />
razões conscientes que me direcionem no<br />
sentido de escrever visando algum objetivo ou<br />
satisfação de uma necessidade íntima.<br />
Mas as mais íntimas necessidades não são<br />
conscientes - rio de mim.<br />
É verdade que ao longo destes poucos anos fui<br />
aprimorando meus rabiscos iniciais de modo<br />
que hoje pude promovê-los ao que chamo em<br />
meu blog de ‘poemas descartáveis para<br />
superfícies ordinárias’.<br />
De qualquer forma, a poesia é um meio de<br />
expressão que permite tantas leituras quantos<br />
são os leitores: ela é maravilhosa porque não<br />
entrega tudo, pois “tudo” é mais do que<br />
qualquer um pode suportar.<br />
Talvez isto seja uma boa razão enfim: a<br />
liberdade de se desprender do “criador”<br />
(entre aspas sim, pois autoria é algo discutível,<br />
ainda mais em tempos cibernéticos... as idéias<br />
estão no ar comum a todos, prontas para<br />
serem laçadas).<br />
Há uma outra coisa que descobri durante esse<br />
tempo, e que não necessariamente ocorre<br />
com outras pessoas, mas que se resume no<br />
fato de que um poema só é concebido no<br />
holocausto de si mesmo, legitimado pelo<br />
vácuo que a racionalização da palavra deixa<br />
como rastro atrás de si. Morto para o poeta,<br />
passa a viver no leitor. E uma vez dito –<br />
bendito – morreu.<br />
Depreenda-se daí que meu maior insight em<br />
relação à poesia é de que ela nasce morta, no<br />
sentido de que durante a sua feitura, sua<br />
elaboração, ela esgota qualquer tipo de<br />
sensação que a possa ter originado<br />
primariamente.<br />
Esse efeito colateral não deixa de ser<br />
terapêutico, mas poesia não tem que servir<br />
para nada. Não tem nem mesmo que ser<br />
respeitável, posto que quanto menos respeito<br />
à norma culta, mais criativa ela se torna, a<br />
meu ver.<br />
Fascina-me a idéia da irreverência dos grandes<br />
“inventores” citados por Ezra Pound, que<br />
subverteram o status quo da linguagem<br />
literária de seu tempo.<br />
O poder encantatório da palavra sempre<br />
estará no que ficou por dizer, ou no que ficou<br />
mal dito... vivas aos poetas malditos!<br />
É surfar em signos.<br />
É o quanto poderei desalojar a poesia do seu<br />
pedestal virtuoso e lançá-la nas mãos e nos<br />
olhos de quem só tem compromisso com o<br />
lúdico pensar. Asas a ele, e pé na tábua.<br />
E mãos à obra, que tudo é barro: quanto a<br />
você, leitor, aproprie-se, faça do poema um<br />
móbile em sua cabeça. Esqueça o que dele<br />
pensa. Consinta a germinação por dentro.<br />
Exprima, esprema, enxugue a rima. Possibilite<br />
apenas a livre expansão pelo soma. Coma o<br />
poema: e regurgite, agite, revolva, empreste a<br />
saliva e a seiva. Sue sua prerrogativa - abrace,<br />
trema, dance o poema. Transe o ritmo e a<br />
palavra. Goze até perder a pose. E por fim<br />
repouse, tragando um fonema.
uma parede translúcida<br />
derrete sob a chuva fina<br />
afoga<br />
montes de polpa escrevendo<br />
nossos papéis<br />
da janela, solto um pássaro<br />
origami<br />
e me dobro sob as tuas evidências<br />
PAPEL DE ARROZ<br />
SHLEPT<br />
a língua bifurcada da serpente<br />
prova dois gostos?<br />
o que acontece<br />
se eu lamber teu gesto?<br />
gosto do susto<br />
de pensar palavras salivas<br />
incisivas insurgentes<br />
carnívoras<br />
isso vai me inflorescendo<br />
o resto<br />
dorme<br />
meu<br />
homem<br />
teu sono leve<br />
teu sonho justo<br />
gasto<br />
nos trilhos<br />
dor<br />
mentes<br />
repousa o susto<br />
dissolve a<br />
dor<br />
me<br />
u homem<br />
no afago lento<br />
de<br />
senhos<br />
na epiderme<br />
no epicentro<br />
que eu<br />
sismo<br />
que eu<br />
tremo<br />
e<br />
traço<br />
geograficamente<br />
em teu cansaço<br />
que é<br />
meu<br />
amém<br />
my<br />
man.<br />
MORPH<br />
EU<br />
ALÉM-GINSBERG<br />
seis beat-níqueis<br />
contados<br />
em sampa city<br />
ou nova iorque<br />
mal dão<br />
baião-de-dois<br />
mal dão<br />
indie gestão<br />
mas tem depois<br />
poema enxuto<br />
mutilação<br />
& poda<br />
instinto bruto<br />
nascendo exíguo<br />
fruto da foda<br />
com meu íntimo<br />
farto das horas<br />
mesquinhas<br />
e que só faz sentido<br />
porque me acho<br />
extinta<br />
e sitiada<br />
nas entrelinhas
O desfibrilador portátil na ponta do lápis ressucita um papel às brancas bordas da morte por despoesia.<br />
Catéteres de caracteres oblíquos, insuflam-lhe alento.<br />
Um boca-a-boca que jamais se cala, saliva uma salva de falas.<br />
E nem assim. E nem assado. É tudo em Fado. É tudo enfado.<br />
U.T.I.<br />
MINI CONTO SORVEDOURO<br />
nem era dia, nada luz ia.<br />
na penumbra alumbravam bocagens de piracema.<br />
trêmulas e mordazes, nossas voragens, anêmonas.<br />
LEITURA LABIAL<br />
alheia aos quesitos<br />
desfilo cara lavada<br />
nua<br />
minha verdade<br />
em cada um dos poros<br />
sua<br />
sacio<br />
poemas<br />
in éditos<br />
em noites<br />
impublicáveis<br />
CARNA(VA)L<br />
LITTERAE<br />
EC DEDENTR QUES PRAEACABANAB CAÉALENT<br />
JUGULAR<br />
essa veia galega ao pescoço<br />
forjada no mar impossível<br />
irredutível impostora<br />
barbárie até o osso<br />
triturado nas mil tribos<br />
de uma só progenitora<br />
ela vê: não sou poeta<br />
escrevo torto<br />
por linhas Celtas<br />
RITO & AIS<br />
abrandarei as penas<br />
o tráfego intenso<br />
a chuva de enxurrada<br />
e minha fúria banal<br />
sorvendo de colher<br />
in sufi<br />
ciência<br />
dançarei sob um cone<br />
sucumbirei ao transe<br />
bicho volatilizado<br />
na circu<br />
(i)nferência<br />
ou profanarei<br />
as linhas<br />
chorando ao telefone<br />
tão hereticamente urbana<br />
quanto mulher.
[“Para escrever, basta escrever” – J. Saramago]<br />
Lembro-me dos versos de Jean Cocteau: “A poesia<br />
é indispensável. Se eu ao menos soubesse para<br />
quê…”. A verdade é que a poesia não tem<br />
utilidade nenhuma, se, buscamos nela um<br />
substituto da vida… e dessa epígrafe reencontro<br />
Fischer (A necessidade da arte, 1959): “No<br />
entanto, será a arte apenas um substituto? Não<br />
expressará ela também uma relação mais profunda<br />
entre o homem e o mundo? E, naturalmente,<br />
poderá a função da arte ser resumida em uma<br />
única fórmula? Não satisfará ela diversas e variadas<br />
necessidades? E se, observando as origens da arte,<br />
chegarmos a conhecer a sua função inicial, não<br />
verificaremos também que essa função inicial se<br />
modificou e que novas funções passaram a existir?<br />
[...] A arte é necessária para que o homem se torne<br />
capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte<br />
também é necessária em virtude da magia que lhe<br />
é inerente.”<br />
Assunto mais batido e chato, não? Qual é ou não a<br />
(des)utilidade. Como se a arte precisasse se afirmar<br />
para além de ser virtude em si mesma.<br />
Numa visita a exposição de Vik Muniz, no espaço<br />
Cultural da Universidade de Fortaleza/ UNIFOR,<br />
eu percorria as grandes galerias do segundo ou<br />
terceiro andar, de pé-direito bastante alto e<br />
paredes de concreto. Uma profusão delirante de<br />
recriações de, entre outros, Monet, que mais me<br />
instigou por explorar em minúsculos pedacinhos<br />
de papel em mosaico, as qualidades óticas da luz e<br />
da cor, e despertavam intensas emoções. As telas<br />
pareciam exalar os perfumes das paisagens que<br />
retratavam. Um pequeno descuido já nos deixava<br />
ouvir o cantar das cigarras nos campos de sol<br />
escaldante, ou o ruído silencioso dos rios<br />
margeados por arbustos em variados tons de verde<br />
e leves pinceladas de violeta e aquela ponte<br />
multicolorida.<br />
A visitação seguia pelas muitas galerias fechadas,<br />
quando, no meio de uma das salas surge,<br />
surpreendente, uma janela que nos deixava ver, lá<br />
fora, o entardecer da cidade, tendo como fundo<br />
um céu azul cravejado por nuvens esparsas,<br />
recortado pelos pequenos prédios da Universidade<br />
e suas árvores. Postei-me diante da janela durante<br />
longo tempo e percebi que não estava só. Vários<br />
dos visitantes permaneciam estáticos diante dela,<br />
olhando para aquela paisagem como se<br />
observassem uma pintura, uma obra de arte.<br />
Afastei-me da janela, sentei-me em um dos bancos<br />
próximos e me ative à reação das pessoas, à<br />
relação que estabeleciam com a paisagem que<br />
surgia pela vidraça, enquanto pensava na<br />
faculdade da arte de nos sensibilizar, em como a<br />
contemplação daquela sequência de quadros<br />
havia provavelmente estimulado os visitantes a<br />
lançar um olhar estetizado para o mundo lá fora,<br />
em como a relação com as obras propiciava, ainda<br />
que por instantes, que os contempladores fruíssem<br />
a existência como uma experiência artística. Os<br />
visitantes entravam e saíam daquela galeria; o<br />
movimento em direção à janela e a relação com a<br />
paisagem fortalezense repetiu-se por longo<br />
período, até que me retirei da sala e do museu,<br />
não sem guardar cuidadosamente na memória<br />
aqueles que para mim foram intensos e raros<br />
momentos. O principal aspecto, que gostaria de<br />
ressaltar, da relação dos visitantes com as obras de<br />
arte e com a paisagem vista pela janela, que me<br />
chamou a atenção foi, sem dúvida, a capacidade<br />
da arte de provocar e, porque não, tocar os<br />
contempladores, sensibilizando-os para lançar um<br />
olhar renovado para a vida lá fora.<br />
Aí que, na tentativa de compreender a atitude do<br />
interlocutor, do leitor de poesia enquanto<br />
experiência educacional ou puramente estética,<br />
podemos recorrer ao enfoque sutil presente na<br />
alegoria benjaminiana, que sugere que o ouvinte<br />
de uma história – ao ouvi-la, ou ler, compreendêla<br />
em seus detalhes e empreender uma atitude<br />
interpretativa – choca os ovos da própria<br />
experiência, fazendo nascer deles o pensamento<br />
crítico. A imagem de chocar os ovos da própria<br />
experiência está relacionada com a ideia de que o<br />
ouvinte/ leitor, para efetivar uma compreensão da<br />
história que lhe está sendo apresentada, recorre ao<br />
seu patrimônio vivencial, interpretando-a,<br />
necessariamente, a partir de sua experiência e<br />
visão de mundo. Ao confrontar-se com a própria<br />
vida, neste exercício de compreensão da obra, o
espectador revê e reflete sobre aspectos de sua<br />
história e os confronta com a narrativa com a qual<br />
se depara, chocando os ovos da experiência e<br />
fazendo deles nascer o pensamento crítico;<br />
pensando reflexivamente acerca da narrativa,<br />
interpretando-a, e também acerca de sua história,<br />
do seu passado, revendo atitudes e<br />
comportamentos, estando em condições favoráveis<br />
para, quem sabe, efetivar transformações em seu<br />
presente, e – levando-se em conta a perspectiva<br />
de um processo continuado de exercício de sua<br />
autonomia crítica e criativa – assumindo-se<br />
enquanto sujeito da própria história, tornando-se<br />
capaz de (re)desenhar um projeto para o seu<br />
futuro.<br />
Então, eu e os demais fruidores, chocamos a arte<br />
com nossa existência: comovente, animadora? Se<br />
não o for o é de qualquer maneira, ainda que seja<br />
pra saber o que não me atiça e presta. Lembrando<br />
novamente e ainda que, a arte, sobretudo a<br />
poesia, vai desenhando imagens em nossa cabeça<br />
história pessoal e de mundo particular,<br />
interpretamos segundo a matéria de que somos<br />
feitos, e se meu repertório é vasto, maravilha: não<br />
me contento com o que me é oferecido e busco<br />
redesenhar meus roteiros e eu fazer melhor,<br />
transcender.<br />
Toda obra que não se manifesta é inútil e, por isso<br />
mesmo, má. O que em mim é poeta é aquele que<br />
contempla. O quê? O paraíso e o inferno. No<br />
contemplar, me debruço sobre os símbolos e em<br />
silêncio desço profundamente ao âmago das<br />
coisas. O narciso se contempla, se beija e se<br />
destrói para então ir além das aparências e<br />
recompor o seu mundo; porque o presente não<br />
me basta, é preciso reordená-lo e a arte é que,<br />
antes de qualquer coisa, produz sentido ao<br />
mundo.<br />
Os poemas a seguir integram o livro “O mar das<br />
mulheres finais ou o segundo fragmento da flor” ,<br />
a sair no próximo ano.<br />
ceciliana<br />
escorre o óleo do mundo - lima<br />
de rícino, refino<br />
mínima grama ou toda<br />
canteiro, fecundo<br />
a poesia é de quem<br />
precisa, disse o carteiro<br />
lhe ria. além a lama<br />
ternas de exílio e poda<br />
te revisito, o mundo - olha<br />
entre as pernas.<br />
concerto matinal pós-soviético<br />
aurora<br />
nenhum julgamento em maio<br />
toca a pianola boilesen<br />
eles são os outros, ó henning<br />
executa no silêncio das línguas seu concerto<br />
de bom dia - ó, gases! anima-te, ama-te ao meio!<br />
toda a verdade tingida num só corpo nevá-realista<br />
cruzador, proletariusze!<br />
anacrônica, atraente, a liberdade é uma agonística<br />
a sibéria nunca existiu, novokuznetsk não existe<br />
corre em tuas veias a pátria-colônia de pestes<br />
sangre vermelho é o canal do mar branco<br />
ó, yezhov! nunca ouviram a gulag song.
ZONA PROIBIDA DO SER<br />
“Esse est percipi” - Berkeley<br />
Um punhado de extratos pra se comer das mãos<br />
- Olha, minha vida bela como coisa acumulada!<br />
- Olha, minhas palavras forjadas por bem menos que a carpintaria!<br />
... Eu existo.<br />
Mas basta um espelho para escarnecer o mundo-dentro.<br />
Pequeno-mundo, a verdade se deita ao monstro do nada.<br />
Debaixo do nome<br />
A jaula e o silêncio.<br />
canção às proletárias de guerra<br />
caem línguas e ouvidos mortos<br />
sob o céu vazio e cinzento<br />
devia dizer uma velha cantiga<br />
judaico-germânica<br />
marina c., aqui vai tudo na mesma<br />
nas esquinas, porões, grades<br />
dentro da concha, o mar<br />
na semente, uma floresta<br />
as asas dos insetos se debatem<br />
em palmas ao sem-fim<br />
suite à palefrenier<br />
malgré disant:<br />
"reste encore"<br />
reste à mes cotês"<br />
ce n'est que poésie<br />
- vos démarches je me promène par nuit.<br />
cantata al novio<br />
no enlace su idea a mi<br />
desabite el nombre y la furia<br />
susanne déchevaux-dumesnil<br />
de una sola etapa de los árboles maduros<br />
hacia arriba con las manos<br />
la noche es tan frío y el silencio pesa<br />
FRAGMENTO PISADO DE UMA URNA GREGA<br />
[Para Fernando Monteiro]<br />
viene, pega tu mano sobre mi<br />
hasta que sea invisible al mundo<br />
como por las tardes nouvelle vague<br />
Este pedaço de pedra em minhas mãos já foi a Acrópole<br />
e já foi uma ideia de viagem, um mistério do velho Elêusis, um nome<br />
de poeta e de outro poeta, careca – como nunca grego -<br />
[e grego, primo do primeiro poeta.<br />
Ouvi da pedra: é penteliana, mas já não digo<br />
das brincadeiras que se faz com nomes, entre o<br />
Agora, o Beijo e o Pentélico.<br />
ofrece ahí fuera su ausencia<br />
en lugar de mi - ínsula<br />
y su doble - epistolarís<br />
y nos quedamos lo más abollados<br />
y olvidados - en nuestra sta. maría<br />
tranquilos, como si gimotea<br />
Este pedaço de pedra assassinou muitas gentes em suas passadas<br />
e o faz agora, mas muito doce, com os meus olhos<br />
cascalhos que despedaçam ou um lobo convertido em pedra.
Acontecera pré-pré o meu primeiro contato com a leitura. Tal como um<br />
milagre (ou maldição), aos cinco anos aprendi, sozinho, a ler. À época pedia<br />
à minha falecida avó que me levasse, vez por outra, a um certo bar (são meus<br />
escritórios, os botecos), onde lucrava algumas guloseimas, de um certo<br />
japonês, em troca da leitura de alguns letreiros – foram as únicas vezes que<br />
lucrei algo material em troca de uma leitura – natural, em um país onde a<br />
cultura é colocado em segundo plano. Retifico. A cultura é colocada em<br />
plano algum – o que é um plano maquiavélico.<br />
Na adolescência eu e meus convivas de rua formamos a banda “Baratas<br />
Pálidas”, que morrera de overdose antes mesmo do primeiro ensaio. Segui<br />
carreira solo, fazendo mais letras de música (e isso é poesia) e lendo<br />
praticamente nada de Literatura. A esse déficit, a esse vácuo, atribuo (apesar<br />
de ser algo imensurável) uma originalidade: tive de ser, quase sem querer,<br />
meu próprio parâmetro. Se adentrasse ao mágico mundo das palavras pelos<br />
olhos antes das mãos, creio que acabaria por “me afetar”.<br />
Um estalo. Sei que a poesia está pronta a partir dele: que vem de HQ,<br />
Cinema, Foto; conversas banais; às vezes uma frase deefeito basta para eu<br />
saber que a poesia está pronta ainda que precariamente conjecturada. Até<br />
chegar ao estalo é angustiante, catarse total. Por vezes fico horas a procura<br />
dele. Ando de lá para cá, reescrevo, amasso uma miríade de folhas – apesar<br />
de escrever mais no computador (a letra na tela torna a poesia mais<br />
contundente) – muitas vezes tomo banho, só para acalmar... quase entro em<br />
colapso com o lapso do lápis. Mas quando a poesia está pronta... ah! É das<br />
melhores sensações que se podem experimentar nesta vida. Se ler algo bom<br />
fascina, quando lemos algo nosso a transcendência vem em dobro. A forma<br />
dela cobrar esse excesso é jogar na sua cara que você usou a razão, muito<br />
mais que a emoção, e isso é uma espécie de fraude. Como é bom poder<br />
tocar um instrumento... caneta, teclado, borracha...<br />
Com o advento da internet, passei a ler mais (fundamental) e a publicar em<br />
grupos virtuais. Passei a assinar com o pseudônimo “Cidadão das Nuvens”,<br />
que era uma forma de tirar a distração do ostracismo e colocá-la na<br />
apoteose. Sou tão nefelibata que ao nascer esqueci de chorar. Uma forma de<br />
provocar e ser anti convencional? Também, mas o mais importante era<br />
mostrar para a enfermeira que eu era forte.<br />
Hoje prego contra minha atenção. Essa me faz perder os momentos<br />
pequenos e as imagens desnecessárias: e isso é tudo. Perdemos uma pessoa<br />
querida, em qualquer contexto, e nos lembramos dos momentos de menor<br />
glamour: um sorriso à toa, uma boa patuscada, um brinco, uma briga besta,<br />
um prato, etc. E estar atento é perder poesias (Escrever é respirar); mas isso<br />
tem lá seu lado positivo, como retrato em um poema: “o que não foi escrito /<br />
ainda assim afeta/-retoca sem cessar, lapida-/a obra do poeta”.<br />
Me insatisfazer com meu estilo é o que me deixa satisfeito. Artista bom é<br />
aquele que se trai constantemente. Sair do lugar comum ao passo que, o<br />
outro, fique comum de me mandar para outro lugar. Por isso gosto de<br />
escrever poesias longas e tercetos; visuais, caligramas, etc. Na temática<br />
também gosto de escrever sobre tudo que é possível. Agradar uma criança<br />
aqui e um marginal acolá. Desagradá-los à mesma proporção. Assim e<br />
Assado. Gosto que leiam meu livro e entendam metade. Uma metade por<br />
completo.<br />
Tenho o sonho de um dia pegar um imenso dicionário “de papel” (nada,<br />
jamais, substituirá o livro “físico”) e, palavra por palavra, saber que todas, de<br />
alguma forma, estão na totalidade da minha obra. Isso é procurar agulha no<br />
Palheiro. É propagar fagulha no palheiro. É uma ambição e tanto. Há trevas:<br />
atreva-se.
Durante a chuva de bolhas puges<br />
com uma resposta dentro<br />
Puge :<br />
Cor do inseto de mesmo nome.<br />
Dotada de raro poder<br />
hipnótico arrepia a quem<br />
avistar-lhe seja na pele<br />
da terceira lua, nos olhos da<br />
mulher-coruja ou no<br />
mágico líquido - pai<br />
da eterna guerra entre<br />
Tríplice Serena : elfas, gnomos e<br />
magos ; e Tríplice Encantada : fadas,<br />
duendes e unicórnios -<br />
cujo odor encontra<br />
metáforas na expressão absurda<br />
de quem o descobre mas nunca<br />
na finitude das palavras que<br />
inocentemente<br />
afirmam :<br />
o doce daquela poção<br />
feito sonho de bebê.<br />
E<br />
se depois<br />
enquanto flutuares com as<br />
árvores pelo céu chimpute (outra cor<br />
inimaginável) durante a chuva de<br />
bolhas puges com uma resposta dentro e<br />
margaridas sabor chocolate sua<br />
curiosidade - que atravessara o portal e<br />
bebera daquela fonte - se perguntar mas<br />
quem é esse alquimista fabuloso que<br />
deixou a água a ver navios saiba<br />
de antemão :<br />
Deus é Deus por ter<br />
feito a água<br />
incolor - insípida - inodora quando<br />
poderia mais, muito mais, tudo e mais<br />
um pouco, muito mais que<br />
essa<br />
poçãozinha<br />
dos diabos.<br />
Giz de construção<br />
Entre o céu e o inferno<br />
brincam as crianças<br />
O mesmo João<br />
de amarelinha.<br />
Andar nas nuvens<br />
perder o chão.<br />
Trocar a vaca magra<br />
por um pé-de-feijão.<br />
Tem ouro dando canja,<br />
um castelo acima.<br />
O gigante acorda<br />
sob o som da rima.<br />
Sou como todos<br />
o mesmo João,<br />
o tópico utópico<br />
de toda noção.<br />
Sou como todos<br />
o mesmo João,<br />
hipotético e patético,<br />
luz de imaginação.<br />
Mal te vi lá de cima,<br />
tudo ficou pequeno.<br />
Ontem peguei<br />
uma gripe, um sereno,<br />
uma galinha gorda<br />
de ovo amarelo.<br />
Orvalho<br />
Se o orvalho, simplório orvalho, nasce assim:<br />
da noite pr'o dia ...<br />
Porque o nosso amor, minha flor, não ousaria?
O abacate<br />
O abacate projeto.<br />
O abacate conceito.<br />
Ainda sem cor e forma.<br />
O abacate rascunho.<br />
Ainda sem sabor.<br />
Antes do primeiro abacateiro desse mundo.<br />
O abacate na cabeça de Deus :<br />
uma idéia a concretizar- se.<br />
Não há guarda chuva<br />
contra o tédio<br />
a substância que<br />
torna seus dentes, querida Sheila,<br />
cada vez mais brancos,<br />
enche seus primos evangélicos<br />
de alegria alegria alegria<br />
e faz a mãe morena<br />
que jamais conhecera<br />
entregar-se a qualquer um<br />
desde que sejam dois três.<br />
Ao sair de cena<br />
Aceite de bom grado<br />
honrosa menção<br />
mesmo vencido:<br />
impublicável poema.<br />
Rascunho inacabado<br />
leve consigo a sensação<br />
de dever cumprido<br />
ao sair de cena.<br />
O que não foi escrito<br />
ainda assim afeta<br />
- retoca sem cessar, lapida -<br />
a obra do poeta.<br />
a substância que<br />
torna seus dentes, querida Sheila,<br />
cada vez mais brancos,<br />
fez seu irmão viciado acordar<br />
triste do sonho bom,<br />
o sonho dos presentes de Deus :<br />
um fígado intacto, uma virgem de quinze<br />
e um rosto sem olheiras<br />
a substância que<br />
torna seus dentes, querida Sheila,<br />
cada vez mais brancos,<br />
atirou-me do bilonésimo andar,<br />
condenando-me ao suicídio lento,<br />
cuja queda não se concretizou<br />
ainda há tempo de mais um<br />
brinde com o amigo<br />
que o cair apresentou-me :<br />
um garoto de cabelos longos<br />
que se veste como Kurt Cobain,<br />
quebra instrumentos como Kurt Cobain,<br />
usa drogas como Kurt Cobain,<br />
mostra o pênis no palco como Kurt Cobain,<br />
mas não escreve como Kurt Cobain,<br />
não toca guitarra como Kurt Cobain,<br />
não toca os outros e nem se toca.<br />
Quiçá, se toque antes que o chão .
Tem esta inquietação que ocorre vez por<br />
outra. Vem não sei de onde e apenas escrevo. Nunca<br />
fui boa em verbalizar emoções, gosto do concreto,<br />
geometria era meu forte. Penso no dia em que<br />
alguém vai perceber que não escrevo, nunca escrevi.<br />
Conto histórias como se assistisse a um filme. Até os<br />
poemas, eles dançam na minha frente, fazem<br />
mesuras e eu apenas descrevo a cena. Espero o dia<br />
em que vão me dizer que eu não faço sentido.<br />
Houve um tempo em que falar me sangrava<br />
a garganta. Se eu cantasse uma música inteira o gosto<br />
do sangue me vinha na língua e logo em seguida o<br />
cheiro ferroso às narinas. Apaixonava, discutia,<br />
odiava, tudo em silêncio. Se fosse um escultor eu<br />
saberia exatamente como seria a forma do que<br />
sentia, podia talhar o sentimento até mesmo em<br />
uma dura aroeira, mas falar sobre isto era impossível.<br />
Tinha infecções na garganta, voz de pato,<br />
placas fétidas soltavam de minhas amígdalas. Foi na<br />
virada do século, depois de quase trinta anos de<br />
mudez que descobri a cura para minha faringite<br />
eterna. Escrever.<br />
Compreendi que não era culpa de minha<br />
boca ou de minha língua que eu não pudesse falar<br />
sem chorar, expor um argumento contrário sem<br />
gritar. As ideias me vinham em bolos, tinham três<br />
dimensões, se emparelhavam, entravam umas<br />
debaixo das saias das outras.<br />
1<br />
Ismália vez por outra me aparecia e eu era<br />
do tipo que preferia acreditar que ela não era louca,<br />
que não tinha se espatifado nas pedras lá embaixo,<br />
que podia e alcançou a lua. Ismália era um chamado<br />
à escrita, fugi dela por pensar que me chamava para<br />
2<br />
o abismo. Leminski , ao contrário, veio como viria se<br />
fosse vivo e me encontrou por acaso.<br />
Despretensioso no meio de uma coletânea de versos<br />
igualmente provocadores e cheios de revolução e<br />
amor.<br />
Quando li o primeiro Leminski disse em voz<br />
alta: - Filho de uma puta! Ele via, sabia que as<br />
palavras tinham personalidade, que podiam se<br />
fantasiar e assumir identidades que não eram as suas<br />
e ainda assim se fazer entender. Ele tinha decifrado a<br />
dança das palavras, suas artimanhas. Sabia que elas,<br />
ao interpretarem pensamentos subversivos, também<br />
se rebelavam. Era o que me faltava.<br />
A partir daí eu comecei a escrever.<br />
Reticências, rimas mendigas, gerúndios, amor e dor,<br />
comecei de gatinhas, quase rastejando. Escrevi<br />
copiosamente e era tão intensa esta descoberta para<br />
mim que pensei ser uma enviada divina, alguém que<br />
iria descobrir a pólvora, inventar a roda da literatura.<br />
Tive um ou dois amigos honestos que disseram que<br />
havia algum conteúdo no meio daquele rio de erres<br />
das minhas rimas de verbos no infinitivo. Não<br />
escreva para ninguém. Foi o melhor conselho que<br />
recebi em toda a minha vida.<br />
Larguei as rimas, deixei as reticências, pus<br />
para fora e desenhei com palavras aqueles sapos<br />
engolidos que por tanto tempo arranharam minha<br />
goela, os argumentos deixados para trás, minhas<br />
justificativas, as coisas belas que eu era capaz. Esta<br />
coisa que dita o que tenho de escrever, minha<br />
consciência ou inconsciência, sei lá, não está nem aí<br />
com minha reputação de escritora, de filha, de mãe<br />
de família, ela simplesmente não liga. Se eu tento<br />
não escrever ou dar uma versão mais comportada do<br />
que estou vendo ela ri da minha cara. Faz com que<br />
eu me core e me sinta uma fraude.<br />
Uma vez sonhei com um poema. Enorme,<br />
em quadras perfeitas, algo medieval como uma<br />
canção de amor shakeasperiana. No sonho eu sentia<br />
orgulho por ser um poema clássico, belíssimo, lindas<br />
rimas, linda história e eu o declamava, uma dezena e<br />
pouco de estrofes que tentava decorar para anotar<br />
quando acordasse. Quando acordei não lembrei<br />
nenhuma palavra, o mote, nada que me fizesse<br />
lembrar daquele que seria o poema pelo qual seria<br />
lembrada pelo resto da minha vida e morte. Acredito<br />
que foi para me botar no meu devido lugar. Foi como<br />
se me dissesse, sim, eu sei escrever, mas você não<br />
está aqui para isto.<br />
Manter minha submissão, deixar com que<br />
apenas o necessário seja escrito, não deixar com que<br />
eu seja clara o suficiente, que eu não tenha um estilo<br />
único é a maneira de cumprir este papel. Creio que<br />
não seja assim para todos, que uns escrevam para<br />
dar sentido à história de outros, alguns para que sua<br />
história não seja esquecida, outros para que os<br />
comuns sonhem. Não sei se o que escrevo é bom,<br />
mas tenho absoluta certeza de que é verdadeiro.
Meus olhos chorou.<br />
Neles lágrimas para um só.<br />
Alma plural, verbo singular.<br />
O outro jaz.<br />
Perdão, foi o melhor que pude.<br />
Ausente<br />
A poesia dorme.<br />
Nem pesadelo nem doce sonho.<br />
Bateu um vento<br />
bem no meio de um porque.<br />
Petrifiquei bem aí.<br />
Não houve um fator paralisante.<br />
Só um não ter para onde ir.<br />
Ninguém me acalma<br />
ou preocupa nesse instante.<br />
Nem é o nada quem me abraça,<br />
ele não faria tanto por mim.<br />
É só um não sentir.<br />
Guardei tudo que não consigo lidar em caixas e estoquei.<br />
Estou bem no meio de um grande armazém.<br />
O motivo pediu conta e foi surfar no Havaí.<br />
Ingredientes, lenha , fogão,<br />
está tudo aqui.<br />
Inconcordante<br />
Só não há fome.<br />
A dor cavou<br />
mas não encheu o açude.<br />
Geada<br />
Partida, irremediavelmente, a pétala do lábio<br />
ao toque mecânico da língua a pouco desperta<br />
pressentiu o estrago, até então desconhecido,<br />
dos anos de exílio solar.<br />
Permaneceu imóvel.<br />
Paralisava-o o impacto da surpresa<br />
mais que o fino gelo que eriçava-lhe os pêlos.<br />
Não sabia ao certo a extensão da perda<br />
e apalpava com pejo a inocência queimada.<br />
Ideogramas desfiguravam-se revelando<br />
molhados segredos ancestrais.<br />
Restava-lhe a certeza do degelo.
Marginal<br />
Meu poema é soneto quando bem quer.<br />
A tônica o sufoca na sexta sílaba.<br />
O verso dá minha cara à tapa,<br />
dobra meus joelhos, põe tudo a perder.<br />
Conta-me a vida em tortas linhas<br />
impondo a meu olhar agudo, desejo mudo,<br />
o ângulo reto.<br />
Vespertina<br />
Ela disse: Eternidade.<br />
Numa língua serpentina<br />
Enroscou-se em meu nome,<br />
cheiro e albumina.<br />
Faz-me descer quadrado,<br />
Arremessa-me de frente contra o muro.<br />
Aponta-me sempre a porta dos fundos.<br />
Exposto ao ridículo, sou maltrapilho,<br />
seu aprendiz, seu filho.<br />
Caminho trôpego entre versos cultos.<br />
Mata-me de prazer<br />
Deu voltas em meu pescoço<br />
falou descalço em meu ouvido:<br />
-Vem comigo! Vem comigo!<br />
Lotou meus dias de feitos vazios.<br />
Lagarto cruzou a estrada<br />
a engravidou de uma montanha russa.<br />
Parto sem dor,<br />
algo de puro nesse despudor,<br />
algo de muro nesse corredor.<br />
Acorde tímido, gemido rouco.<br />
-Fica mais um pouco!<br />
-Fica mais um pouco!<br />
-Eu te preciso, preciso.<br />
Em minhas mãos dez coordenadas.<br />
Metáfora do alcance.<br />
Em minhas mãos descoordenadas.<br />
Meta fora do alcance.<br />
Um lance que já estava dentro<br />
bem antes do antes do antes.<br />
Dois canudos no mesmo refrigerante.<br />
De tão claro<br />
chega a ser abismo.<br />
De tão inevitável<br />
chega a ser sentença.<br />
De tão verdade<br />
chega a ser tristeza.<br />
De tão suave<br />
chega a ser carícia.<br />
Malícia.<br />
Delícia que envolve.<br />
A maré revolta<br />
da língua se solta.<br />
O insano escolta<br />
à tua prisão perpétua.<br />
Emissário da morte<br />
que a queda atiça.<br />
Preguiça.<br />
Cobiça<br />
o que teu pecado capita.<br />
Por meus pêlos velejam teus dedos<br />
decifrando-me a pele em trêmulo solfejo.<br />
Como último apelo<br />
termino<br />
em<br />
teu<br />
beijo.
PROCESSO CRIATIVO<br />
O lugar da minha poesia é sozinha,<br />
abandonada, despercebida, porque ela só tem<br />
valor quando descoberta, o seu valor é isto, estar<br />
lá, soterrada nos escombros desesperando<br />
resgate... Poesia é doença, tal como vida é doença<br />
que deu no que era morto. A maior causa da<br />
morte é a vida e, talvez, a maior causa da<br />
imortalidade seja a poesia.<br />
ESCRITOR COMPULSIVO<br />
meu amor, hoje não te convido.<br />
quero ficar escrevendo sobre tua falta.<br />
Preciso escrever porque sou impotente. Sou<br />
impotente e ponto, o mundo não se alcança, há várias<br />
coisas que não alcanço com o corpo, inclusive eu<br />
mesmo. Meu pensamento tenta ir à frente do que sou<br />
em corpo lento.<br />
Acredito que toda palavra mente. Não saberia<br />
explicar ou seria cansativo e prolixo. Toda a palavra<br />
mente, falta muito nelas, e poetar é tentar compensar<br />
isto de alguma forma, é lutar contra a escassez<br />
semântica da palavra usando palavras também novas e<br />
muito possivelmente indispostas com relação à<br />
verdade.<br />
Na minha poesia há uma intenção de<br />
mensagem precipuamente, de sinceridade maior,<br />
acredito. Contudo, falta algo como uma<br />
coesão minuciosa de redação, delimitadora das<br />
interpretações. Não quero contar os detalhes de uma<br />
vasta realidade quando escrevo poesia, mas posso<br />
escrever apenas um detalhe numa poesia amplificando<br />
as células dos acontecimentos. Sou incapaz de poetar<br />
sem filosofar.<br />
Não há para mim nenhum glamour em poetar.<br />
Iniciei poesia de mesmo modo que acendi um cigarro à<br />
primeira vez: acendi um cigarro porque "era adiantar a<br />
maturidade" para o moleque vítima da linguagem<br />
poética publicitária e, no caso da poesia, talvez eu<br />
forçasse mais a versificação no começo, quis ser poeta<br />
porque me era admirável ser poeta, soava<br />
sensibilidade, parecia-me sedutor.<br />
O que não me agrada está muito bem descrito<br />
no seguinte segmento, e é artimanha dos artistas em<br />
geral:<br />
“O que é perfeito não teria vindo a ser - Diante<br />
de tudo que é perfeito, estamos acostumados a omitir a<br />
questão do vir a ser e desfrutar sua presença como se<br />
aquilo tivesse brotado magicamente do chão. É<br />
provável que nisso ainda estejamos sob o efeito de um<br />
sentimento mitológico arcaico. Quase sentimos ainda<br />
(num templo Grego como o de Paestum, por exemplo)<br />
que certa manhã, um deus, por brincadeira, construiu<br />
sua morada com aqueles blocos imensos ou que<br />
subitamente uma alma entrou por encanto numa<br />
pedra, e agora deseja falar por meio dela. O artista sabe<br />
que sua obra só tem efeito pleno quando suscita crença<br />
numa miraculosa instantaneidade da gênese; e assim<br />
ele ajuda essa ilusão e introduz na arte, no começo da
criação, os elementos de inquietação<br />
entusiástica, de desordem que tateia às cegas, de<br />
sonho atento, como artifícios enganosos para dispor a<br />
alma do espectador ou ouvinte de forma que ela creia<br />
no brotar repentino do perfeito. Está fora de dúvida<br />
que a ciência da arte deve se opor firmemente a essa<br />
ilusão e apontar as falsas conclusões e maus costumes<br />
do intelecto, que o fazem cair nas malhas do artista.”<br />
(Humano, demasiado humano Aforismo 145)<br />
A meu ver, não há nada de glorioso em ser<br />
poeta, e não gosto de tentar forjar um milagre, um<br />
dom, como apresentado no aforismo citado. Porque se<br />
fosse assim, não haveria uma evolução que posso notar<br />
no meu fazer poético. É devagar quando passa pelo<br />
juízo, outras vezes necessita ser imediata, coisa filha de<br />
dores, amores, prazeres pouco intelectuais.<br />
Para meus bojos sentimentais, às minhas<br />
concepções juvenis, a poesia era um generoso espelho,<br />
terei certamente incorrido nisto meramente: vaidade!<br />
Depois veio a dúvida, a racionalidade artística, fui<br />
hospitaleiro com a poesia em mim, deixei que ela<br />
permanecesse mesmo quando ciente da precariedade<br />
em que ela se fazia a cada altura anterior e suspeitando<br />
que o hoje sempre será digno de reparos amanhã.<br />
Amanhã sempre sou criança hoje. Continuei ou deixei<br />
a versificação continuar sofrendo aqui dentro deste<br />
recipiente as mudanças, vivendo com isto de escrever.<br />
Diversas coisas é o poetar enquanto intento,<br />
mas principalmente desejo de seduzir. Também desejo<br />
de me guardar (grafia) para depois.<br />
Na verdade, eu não sei. Não quero inverter as<br />
coisas e dizer que a poesia é minha dona. "Temos um<br />
caso" parece mais prudente. Ela só pôde vir a acontecer<br />
através de uma sensibilidade anterior e,<br />
posteriormente, a poesia tenha majorado esta<br />
sensibilidade. Para isto, precisei aceitá-la, não pude,<br />
não deu para desistir ainda.<br />
POESIA NÃO SE APRENDE?<br />
não se aprende a ser poeta.<br />
ou não de outro jeito:<br />
o poeta nos tenta morar,<br />
às vezes e um pouco.<br />
falcuta-nos somente<br />
lhe sermos<br />
hospitaleiros ou não.<br />
Como vejo a poesia? Não só a poesia, mas toda<br />
expressão literária, independente do gênero, é uma<br />
leitura. Só há leituras! Escrever é simplesmente relatar<br />
uma leitura feita do mundo e conforme as julgo<br />
inovadoras e/ou imprevistas é que me disponho a<br />
trabalhá-las.<br />
O que inicia meu processo de criação é o acaso<br />
de realizar uma leitura de maneira que eu mesmo<br />
julgue interessante, o que independe dos níveis de<br />
abstração que ela compreenda.<br />
Há - claro! - interferências atuando sobre o<br />
propósito inicial da expressão, destarte, ocorre com<br />
alguma frequência uma mudança deste propósito, pois<br />
também componho com o acaso do branco, das folhas<br />
brancas (fictícias ou não), com o erro; por exemplo,<br />
com uma palavra apagada descuidosamente que<br />
permite a união de duas outras numa relação sintática<br />
nova, inusitada etc.<br />
HOJE FEZ SOL<br />
Hoje fez sol.<br />
Eu não sei fazer.<br />
O ponto de partida de toda minha expressão<br />
literária é a provocação: pode ser uma vontade de fuga<br />
da realidade, pode ser uma vontade de retratá-la; pode<br />
ser vontade de dar à palavra braços mais longos que os<br />
físicos; permitir que me acompanhem num
pensamento dando-lhe curvas sensuais ou<br />
meramente sensórias etc. Uma vontade não obsta<br />
outra, aliás, a versificação vai se adornando e<br />
lapidando pela interação de vontades: de sinceridade,<br />
de lógica, de filosofia, de beleza, enfim, de poder<br />
condizer com uma dada verificação e mesmo superála,<br />
acentuá-la.<br />
Não gosto da palavra “inspiração”, por que há<br />
nela o sema "místico". Dizem aí: "Ah, a inspiração que<br />
tenho!". Digo: "Não tenho nada!". Estou metido no<br />
meio inevitavelmente. Prefiro falar de “provocação”, e<br />
não tenho controle sobre quando e onde a provocação<br />
vai acontecer na vida e como isto será estruturado no<br />
branco. Trata de uma negociação com a nudez das<br />
"folhas", uma troca entra as minhas experiências e a<br />
inocência inanimada. É facílimo nos mexermos: eu, o<br />
branco e o mundo. Isto acontece como uma<br />
necessidade. Agora, se será artigo de apreciação, fica<br />
por conta da beleza alcançada, beleza esta que atua<br />
não só na disposição inusitada dos vocábulos, do ritmo,<br />
mas na mensagem evocada por esta disposição, na<br />
capacidade de tornar sensacional o discurso. Quem<br />
quer seduzir precisa tentar saber o outro o máximo<br />
possível.<br />
Adverto-os que estou inteiramente a par de<br />
meu egocentrismo, que isto se não esqueça em tudo<br />
que faço com ares de artigo! Isto posto, vamos lá!<br />
Encarar mais uma vez a poesia, encarar mais<br />
uma vez o poeta... Dizer alguma coisa sobre isto é<br />
completamente arriscado. Talvez, partindo de um juízo<br />
muito rigoroso, uma loucura. Para se ter uma ideia:<br />
dizê-los “isto” já é muito atrevimento de minha parte.<br />
A autoria me assusta. Tão alinhados poetas!<br />
Tão arranjados como poetas! Tão donos do que<br />
emanam. Respeitáveis, talvez. Sagrados, jamais!<br />
Entendemos, ainda que não conscientemente, que a<br />
poesia deriva de certo estilo do autor, digo melhor:<br />
verifico que há para o poeta uma postura adequada, já<br />
que nada pode ser independente nesta vida, entre<br />
poeta e poesia deve haver ou ser arquitetada alguma<br />
consonância.<br />
O poeta que penso desconstruir é o que tenta<br />
necessariamente condizer com os seus versos, faz<br />
pose de poeta para fotos de orelha, enfim, tenta rimar<br />
com o que escreve. Não só poesia, mas a literatura de<br />
um modo geral está associada a costumes adequados,<br />
consumos ou não consumos próprios do "ser poeta",<br />
que é “não ser razoável”.<br />
CHAFARIZ DE LETRAS<br />
hoje, assim, de repente e sem norte,<br />
tem um livro querendo pular<br />
dentro de um instante<br />
para fora de mim.<br />
DESCONSTRUÇÃO DO POETA<br />
Egocentrismo mais próximas ou mais<br />
distantes como Mercúrio ou Plutão, e talvez mais<br />
quentes ou frias, as palavras giram em torno do ego.<br />
"É tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem<br />
poetas, quanto os poetas se tornarem razoáveis." (Pablo<br />
Neruda). Daí, o vestir-se de poeta é possível.<br />
Ostentações que clamam respeito, decência<br />
planejada; digo, tenho a impressão de que há muita<br />
arquitetura para além do fazer a poesia propriamente,<br />
e esta é tentar dignificar, se relacionar com a poesia<br />
através de uma imagem consciente de sua publicidade<br />
e nessas instantâneas capturas soar um viver poético.<br />
Desconfio que há algo de sofismo difícil de apontar, e<br />
talvez o sofismo seja um primeiro passo no rumo de ser<br />
ou de nunca ser verdadeiramente. Contudo, quem<br />
busca ser poeta, não é poeta.<br />
Cogitando esta arquitetura é que penso em
desconstrução do poeta.<br />
Aliás, gostaria de ressaltar que há algo de<br />
“mais” na poesia: se pode notar na seguinte distinção<br />
realizada quando alguém escreve poesias e outros<br />
gêneros literários: “poeta e escritor”. Existe esta<br />
separação, claramente; e enxergo nisto uma áurea com<br />
qual não quero contribuir, ao contrário, gostaria de<br />
desconstruir, de dizer: “não necessariamente”; ou<br />
“não necessariamente poeta fuma cachimbo, toma<br />
café, usa boina, põe a mão no queixo, possui em mãos<br />
um livro aberto, ao redor uma estante farta de<br />
consagrados...”.<br />
Quando uma pessoa é reconhecida poeta, ela<br />
é alguma coisa. Poderia ser apenas diagnosticada como<br />
louca, mas é poeta, está sacramentado, lavrado: “Po-eta”.<br />
Salvou-se, terá sido por pouco? E quem para além<br />
dos alheios pode reconhecer tal posto? É um posto?<br />
Sobre mim ainda tenho dúvidas, não sei se “gozo” de<br />
lucidez ou se, lucidez excessiva embriaguês - sou é<br />
doido.<br />
Subjetividade imensa, terreno livre. Façamos o<br />
que bem der na telha, ponham fora e dentro a<br />
normalidade, tudo junto.<br />
a leitura aconteça diante do branco, um tanto<br />
forçada, intencional.<br />
A questão de arranjar ao poeta virtudes ou<br />
vícios é passível de advocacia, de alegações, de ângulos<br />
sugeridos ou mesmo impostos por quem tem mídia.<br />
Prefiro a expressão poeta como substantivo que<br />
adjetivo.<br />
Vital para mim em poesia é achar um chão<br />
comum, uma base, para poder acompanhá-la,<br />
caminharmos juntos, e para isto ela precisa ter<br />
mensagem, preferencialmente, coerente entre os<br />
versos. Pode decolar, mas tenho que achar o solo para<br />
compreender (seja afetivamente ou racionalmente) o<br />
voo. Sem o chão não há passeio, não há mãos dadas,<br />
não é agradável.<br />
Quase sempre, sobretudo quando leio velhos<br />
clássicos, sou levado a crer que me ocorre falta de<br />
bagagem para acompanhar a obra; às vezes, ela parece<br />
caríssima em face do que tenho para abordá-la. Em<br />
outros casos, atrevo-me a dizer que ela se me sugere<br />
apenas pretensiosa. “Falta vida” é uma impressão que<br />
tenho, um critério que me faz largar de mão não só a<br />
poesia como qualquer outro gênero literário.<br />
UM FINGIDOR É POETA?<br />
Não desejo racionalizar críticas, até porque a<br />
“liberdade poética” é utilizada como argumento para<br />
qualquer crítica que se dirija às obras; direi apenas que<br />
simplesmente, em algumas leituras, não acontece<br />
poesia comigo.<br />
É possível se vestir de poeta, como é possível<br />
vestir “boa noite” de poesia, assim como é possível se<br />
vestir de homem-aranha sem saber subir pelas paredes.<br />
O poeta mesmo, só sabe o leitor. Se não há<br />
adulação, mas identificação, entusiasmo etc.<br />
aconteceu poesia.<br />
Quem é o poeta? O poeta é o quem fez uma<br />
leitura diferente, inusitada, surpreendente em algum<br />
grau, e vai recorrer à estética poética para apresentar<br />
tal leitura, para fazê-la tão ou mais interessante que a<br />
original, para despertar para tal discurso, não oponente<br />
“Melhor escrever para você mesmo e não ter<br />
público, do que para o público e não ter você<br />
mesmo.” Cyril Connoly<br />
A desconstrução é acabar com a fantasia de<br />
poeta. O poeta mesmo é indestrutível. Mas, e se o<br />
poeta é um fingidor?<br />
EM VÃO<br />
o agir a que falta corpo<br />
é um gesto natimorto<br />
sou a favor do aborto<br />
Agora, tudo começa na leitura! Eu leio uma<br />
poesia na rua, em casa, em mim, seja onde for, num<br />
acontecimento, e depois escrevo, consequentemente
sempre vai ter alguém que não vai achar poesia<br />
nos meus versos. Não há absoluto! Não é ciência e nem<br />
exata; aliás, atualmente a poesia está bem mais<br />
democratizada e os olhares que se encantam ou não<br />
são muito mais diversos.<br />
Posso estar dando margem a entenderem, mas<br />
não sou a favor da explicação da poesia, porém já<br />
observei que é importantíssimo o contexto, que<br />
quando não é dado pela circunstância social<br />
partilhada, será dado pelo título, pelos versos ou como<br />
aqui apoiado pela inserção no artigo num ponto<br />
preciso. Fora disto é flutuação sem chão! Gosto daquilo<br />
que posso e pode me abraçar. Nem sempre eu sou um<br />
destino ideal para o que é dito.<br />
A restrição aos usos exagerados da estética,<br />
apelando mesmo para a sonoridade, semântica e<br />
vocábulos rebuscados, desfalca a poesia: nomes de<br />
flores; nomes de peixes etc. estes usos sugerem um<br />
caráter peculiar ao que está escrito, atribui, ao que<br />
quer que a poesia narre ou descreva, uma<br />
singularidade. Bacana, mas não me basta! Tais usos são<br />
um condimento literário interessantíssimo, no entanto,<br />
é passível de fria técnica. Destarte, é que muitas vezes a<br />
sinceridade da poesia como instrumento de expressão<br />
dos sentimentos fica comprometida.<br />
Há também, parafraseando o Nietzsche,<br />
aqueles que turvam a água para que pareça profunda.<br />
Comigo não tem essa do poeta se isentar! O<br />
autor (homem e acaso) vai se sugerir através da poesia.<br />
A criação do “eu-lírico” não impede a relação ainda<br />
que esta seja antagônica, quero dizer, o "eu-lírico" não<br />
surge com uma ninfa cantando aos ouvidos do poeta,<br />
há entre autor e obra uma ligação que vai ajudar ou não<br />
a promover a poesia.<br />
Instintivamente, o poeta trabalha a poesia<br />
dentro de uma conjecturação lógica. Já verifiquei<br />
muito pudor na poesia no tocante a destrinchar o seu<br />
“vir a ser”, seu "devir", mas o faço porque detesto a<br />
ideia de sacralização da poesia.<br />
A explicação está arraigada ao ser, o<br />
entendimento de algo lhe causa tranquilidade e isto vai<br />
parar na poesia, uma poesia explica as coisas, sim!,<br />
descreve... Sejam sentimentos, sejam<br />
situações... Há um caráter compreensivo na poesia que<br />
a torna muito mais apreciável, palatável, palpável e,<br />
como dito, não precisamos explicar, mas<br />
contextualizar.<br />
Este verso seria de palavras que se comeram:<br />
uma dentro d'outra desistindo dentro de mim.<br />
Às vezes, não recebo bem uma poesia porque<br />
não estou no mesmo “lugar” que ela e não tenho pistas<br />
do que seja este “lugar”; por outro lado, isto pode dar<br />
num grande barato, pois posso trazer a poesia para<br />
meu aposento, meu ângulo, daí a importância de,<br />
quando se faz uma poesia não contextualizada<br />
firmemente, deixá-la de vez o mais livre possível de<br />
uma circunstância restrita para que ela caiba em vários<br />
outros contextos. Até porque é fazer poético dar ao<br />
leitor possibilidades de interpretação e com estas<br />
alguma responsabilidade por uma concepção mais<br />
restrita da poesia. Carlos Drummond já dizia que “a<br />
poesia é metade de quem escreve, metade de quem<br />
lê”.<br />
A desconstrução da poesia acontece, também,<br />
por causa do clichê que hoje se produz mais<br />
rapidamente com advento das redes sociais, rápido se<br />
nota uma falta de solidão nas “poesias”, de<br />
individualidade, uma emanação de assuntos<br />
repetitivos quando não o “eu te amo” parafraseado.<br />
Com a desconstrução do poeta quero permitir<br />
ao leitor não a me separar de minha obra, mas saber lêla<br />
o mais independente possível de minha imagem.<br />
Não quero necessitar do distanciamento do homem<br />
razoável através de indumentárias, de supostos e<br />
escondidos costumes comuns, ou mesmo da morte,<br />
para obter respeito para minha obra. O único poeta<br />
que posso desconstruir é o falso que me tenham<br />
entendido, que é aquele que se tenha erigido por<br />
minhas imagens exclusivamente. Bom, aí está a foto!<br />
Finalizando, se a obra não for algo por si mesma, eu é<br />
que não vou contribuir com meus óculos.
INVERSO: POETA AVERSO<br />
ou de como poemas de nada e para ninguém recusam poemas de fácil leitura<br />
para meninas de boa família<br />
- não, não faço poesia, respondi de pronto. faço, quando muito, poemas. poemas<br />
que alguém pode entender como poesia, outros não. essa é a questão: poesia<br />
não se faz!<br />
esse é um texto que não se pretende pedante ou pedinte. é apenas uma página<br />
a ser preenchida por palavras numa construção que nos impomos para essa<br />
edição. é apenas a falta de clareza ao nosso entendimento comum em<br />
desconstruir algo que nem chega a ser uma construção... ou se pretende. aqui em<br />
verdade construo um simulacro a ser destruído. destituído.<br />
meus versos não são construídos para atender qualquer expectativa por parte de<br />
quem pretende se encontrar dentro deles. meus versos são uma recusa constante<br />
às facilidades confortáveis de grandes sentimentos, belos quadros na parede da<br />
memória ou panfletos discursivos no indigesto prato das indignações ocasionais.<br />
assim como meus versos, sou uma recusa constante em ser o poeta habilmente<br />
talhado para ser mais interessante que seus poemas. não tenho a solidão chorosa<br />
e tuberculosa de românticos falastrões. não tenho o mistério de quem não tem<br />
nada a mostrar. não sou quem abraça todas as causas nobres do planeta para<br />
salvá-lo... quiçá, inclusive, de seus próprios versos. não, não vivo a realidade<br />
alterada dos dos delirantes e sonhadores.<br />
meus poemas tem como fundamento e alimento principal a palavra. ainda que<br />
não a contenha. e com a matéria palavra ele é construído, feito, fabricado. ali,<br />
cada palavra é pensada, calculada friamente para que o poema se baste em si.<br />
palavra e espaço. espaço-palavra. o branco, o vazio e o silêncio protagonizando<br />
com a palavra a invenção do poema.<br />
experimentar sempre. calcular e contar com a coincidência. torná-lo objeto,<br />
palpável. dar-lhe ritmo, movimento, cores, cheiros e sons. ainda que no papel.<br />
desmistificar os sentimentalóides revestidos de moderno que mal engoliram<br />
oswald de andrade e seu humor/amor antropofágico contra os verde-amarelismos<br />
conservadores de regada inspiração deística e musas imbecís.<br />
não, não faço poemas visuais. não, não faço poemas concretos. utilizo-me, vez<br />
ou outra dos recursos oferecidos. o concretismo me é muito caro. é ali que<br />
sempre recorro. sem ser necessariamente um poeta concreto é dali que vem toda<br />
minha estrutura no construir poético. é na figura de augusto de campos que<br />
encontro meu norte no versejar.<br />
assim posto, meus poemas são para nada e para ninguém. neles não há espaço<br />
para a amargura da indiferença que lhes recai, nem para a dor do esquecimento<br />
que lhes espera. entendo, como já foi tantas vezes dito, que o poema tem por<br />
objetivo e finalidade ele mesmo. o poema se basta!
seria um<br />
poeta russo<br />
cheio de vodka<br />
até os ossos?<br />
um francês<br />
tuberculoso<br />
ébrio de vinho<br />
louco de ópio?<br />
seria um<br />
poeta ianque<br />
de pó e heroína<br />
ativista do ócio?<br />
sem identidade<br />
à mingua<br />
me mostro:<br />
qual brasileiro?<br />
nem de pinga<br />
eu gosto!<br />
ECCE HOMO<br />
eu que matei deus<br />
e descredenciei credos,<br />
oro entre pernas,<br />
num gozo profundo<br />
onde o mais profundo<br />
dos infernos<br />
ousaria chegar.<br />
religo-me ao que tenho<br />
de mais animal e primitivo:<br />
dentes, carnes, gemidos<br />
e não me detenho<br />
ante as cruzadas...<br />
sejam pernas, sejam armas.<br />
meu amor,<br />
frente ao que é meu<br />
frente ao que é seu<br />
o bem e mal<br />
são os preconceitos<br />
de deus.<br />
nós somos imortais.<br />
CÚTIS<br />
Essa pele<br />
Que me cobre,<br />
Rasgada<br />
a pregos,<br />
Cercas,<br />
Pecados<br />
E chicotes.<br />
Essa pele<br />
Que me cobre<br />
Purificada<br />
Em fogueiras,<br />
Castidade,<br />
Inconfessa<br />
Em eletrochoques.<br />
Essa pele<br />
Que me cobre<br />
Pobre, preta,<br />
puta, vadia,<br />
Malhada<br />
Em postes.<br />
Essa pele<br />
Que me cobre<br />
Envenena, se renova.<br />
Serpente, é a pele<br />
Que me cobra.
RE FORMA<br />
não falarei do silêncio<br />
pois o que me cala<br />
é a ausência.<br />
a essência que não aflora<br />
na boca que deflora<br />
e ora só palavra.<br />
palavro o silêncio<br />
no cio da palavra:<br />
a essência que me devora<br />
em língua, sons & forma<br />
EM VOCÊ<br />
Por vezes<br />
Tão vil<br />
Que não<br />
Me mereço<br />
Por vezes<br />
Tão bom<br />
Que não<br />
Me conheço<br />
Só em você<br />
Crepúsculo<br />
Só em você<br />
Amanheço<br />
VERTIGEM<br />
Desde<br />
O princípio<br />
Era<br />
O precipício<br />
Que ora<br />
No ócio<br />
Despenco<br />
Que ora<br />
No cio<br />
Me<br />
Equilibro<br />
Desde<br />
O início<br />
Na verve<br />
Do ócio<br />
No verbo<br />
Do cio<br />
Que in<br />
Provável<br />
Me findo<br />
ASSIM!<br />
tudo<br />
o que eu<br />
esperava<br />
e não veio<br />
tornou-se<br />
velho<br />
o que<br />
eu não<br />
esperava<br />
e agora<br />
tenho<br />
tornou-se<br />
veio
Escrevo pra Dona Maria. Sempre. Dona Maria que está por aí nos coletivos, nos pontos de ônibus<br />
com suas mãos cheirando a água sanitária. É pra ela que escrevo. É ela que preciso atingir. Com<br />
uma porrada ou um cheiro no cangote. No papo reto. Na simplicidade.<br />
Sou escritor de cozinha. De metrô. Meu verbo precisa dos temperos, da gordura que engrossa os<br />
vidros. Carece de feijão na panela, cerveja no copo. Preciso do movimento do povo das ruas. Do<br />
cotidiano.<br />
Escrevo as gírias da minha gente. Canto o povo da minha aldeia. O povo das periferias. Da Vila<br />
Campestre. Do Jabaquara. Tudo o que faço, é Jabaquara. As ruas do meu Jabaquara.<br />
Sempre no encalço do ritmo, da sedução. Taí. Como bom batuqueiro de escola de samba que sou.<br />
O samba que não atravessa nem ralenta, os tambores que chacoalham. Verbo que bota pra frente.<br />
Que instiga. Cutuca. Chama pra rua. Pro movimento. Assim é a letra porque poesia, prosa, o que<br />
for, literatura pode ser tudo: menos, chatice. A vida já é dura demais. Teatro não pode ser chato.<br />
Cinema não pode ser chato. Se não estou aqui pra agradar o freguês, muito menos pra aborrecer o<br />
povo, propagar chatice aos quatro ventos.<br />
Textos como samba. O mais rico dos sambas é simples. Só conferir. Por mais sofisticadas que sejam<br />
letras, melodia, arranjos, o discurso é sempre direto.<br />
Intuição é mestra e me guia. Sou autodidata. Escrevo porque li muito na infância. Escrevo porque<br />
minhas composições se destacavam na sala de aula no primário e isso aplacava um pouco minha<br />
timidez de filho único enclausurado no subúrbio. Os livros sempre foram companheiros de fé,<br />
malandragem. Não parei mais. De ler e escrever.<br />
Autodidata porque nenhum dos caras pra quem eu pagava um pau vinham das universidades. Meus<br />
amigos não eram universitários. Nenhum deles. Meus ídolos eram esportistas. Era um outro tempo.<br />
Não existia essa quase ditadura do nível superior dos dias de hoje. Malandro de verdade pra mim<br />
era o cara do notório saber. Diplomado pelo corre do dia a dia. Estudo, informação, leitura são<br />
fundamentais, mas sempre fui cabreiro, desconfiado com universitários. Preconceito mesmo. O que<br />
posso fazer? Não achava graça no ambiente, nas conversas. Ainda não acho. As meninas eram<br />
chatinhas, pretensiosas, cheias de medinhos e teorias. Vou repetir: Preconceito.<br />
Uma parte da sociedade acha minha gente sem graça, desinteressante, pra não dizer coisas piores.<br />
Como já disse, é esse povo, o meu, que ponho no papel. Com encantos e mazelas.<br />
É esse o meu jeito de trabalhar. De compor. A coisa toda funcionando assim: eclosão, repouso e<br />
lapidação.<br />
Na poesia são as frases. Tudo que escrevo de poemas/poesia, começam por uma frase. A frase vem<br />
por imagens, sonho, emoções, futebol, sexo. E a frase gruda em mim. Ou não. Não tomo nota. Se<br />
grudar é porque tá pedindo pra ganhar vida. Se não grudar, desapareça! E tá tudo certo. Não me<br />
apego, nem sofro se esquecer. E a frase que decide ficar, puxa. Outras vão surgindo, sugerindo.<br />
Musicalidade. Uma palavra que pede outra, aparece um sabor, um lugar, uma cor, uma rima, uma<br />
intensidade. Vou cozinhando isso tudo. Penso o dia inteiro. No banho, na condução, falando<br />
sozinho em voz alta, até que um dia sento e descarrego no papel. Numa golfada só. Nem leio.<br />
Mesmo quando escrevo a mão, só passo pro computador sem prestar atenção nas palavras.<br />
Descarrego, salvo e deixo lá. Dormindo. Hibernando. Depois volto e, se gostar do que li, começo a<br />
mexer, lapidar e aí sim: sou capaz de mexer a vida toda. Escritor vivo tem mais é que mexer mesmo<br />
no que escreve. Quando acho que tá bom, levo pra compartilhar nos saraus e aí é termômetro<br />
certeiro. Retorno imediato.<br />
Não me sinto poeta. Sou prosador. Se vêem algum tipo de interesse nos meus versos, ótimo. A<br />
leitura de poesias transforma, qualifica minha escrita e só escrevo poemas pra frequentar os saraus,<br />
esses maravilhosos quilombos desmistificadores da literatura. Fundamentais. Me inspiro nos grandes<br />
poetas que passam por lá, mas sou mesmo prosador.<br />
É este o tamanho que poesia/poema ocupa na minha vida. É meu passaporte pra comungar com<br />
meus irmãos de quebrada. A relação direta dos escritores com seus leitores. A informalidade.<br />
Literatura sem gravata. A formação de um novo público leitor. O corpo a corpo com seu escritor<br />
pelas redes sociais e blogs. Assim que é. Essa mitificação charmosa dos homens misteriosos e<br />
inatingíveis não tá com nada, nego. Pode combinar com primadonas da literatura, mas vivemos dias<br />
urgentes e difíceis. Estamos no Brasil. Não há tempo nem paciência pra esse tipo de frescura. Vamos<br />
juntos amassar esse barro?<br />
Então tira logo esse salto alto, porra!
eles não usam<br />
Ladeiras ásperas, esquinas em carne viva, coração-tambor onde os caras-pálidas<br />
não ousam pisar.<br />
Poças acumulando ácidos serenos alaranjados e trombetas apocalípticas do<br />
fun(k)anhão anunciam ninhadas fiéis emergindo em cânticos evangélicos,<br />
belezas televisivas e nigerianos de aço.<br />
SP<br />
(S)elva de (P)edras (preciosas)<br />
E não se engane não, moço que por aqui é tudo assim mesmo: essa zona, esse alvoroço.<br />
Na virada tem corrida pedestre, uma tal de São Silvestre com largada no ano novo<br />
e é desse jeitinho, velozes e furiosos, que a gente corre o ano todo.<br />
Lira paulistana endiabrada esquentando a chapa.<br />
Paulicéia Desvairada, Piratininga, punga, uma pinga e a letra fugindo do salão<br />
elitista, nua correndo pra rua.<br />
Baticum. É reza, gíria.<br />
Capoeira chamando no rodo poético, ateando fogo nas cortinas de veludo<br />
vermelho.<br />
Vigília.<br />
Manos e minas assim de diamantes e pepitas.<br />
Sarau é samba. Rap é sarau.<br />
grafiteiros, desenhos e escritas.<br />
São Paulo<br />
Sampa<br />
São Pã<br />
Bang, Babilônia pagã.<br />
Terra da garoa (que nada) tromba d´água lascada de poesia da boa, oxente.<br />
Enchente de versos, rimas e batidas magistrais. Saturnais... Sérgio Vaz...<br />
Sarau, saruê, maculelê, break dance.<br />
Dance e beba do verso e quem não bebeu: Binho e Ademar.<br />
Frio ou quente, tome Elo da Corrente.<br />
Mário, Oswald de Andrade e o sonho modernista<br />
Nos “peito”, século 21, Poesia Maloqueirista.<br />
Às margens plácidas ouviram do Ipiranga
lack power<br />
reescrevendo história, firmando identidade<br />
quem tá ligado não se engana<br />
Nus corre, evoé, Perifatividade.<br />
Suburbanos, todos convictos, um Buzão pro Bixiga<br />
Que não é só arranha céu, poetas versam o verbo,<br />
menina, lua e estrelas deslizam pro papel.<br />
Rasga o black tie da letra,<br />
Quebra a cristaleira,<br />
Salva o poema de morrer de asfixia na prateleira.<br />
Muito borogodó, ziriguidum e balacochê pra você, pode crê.<br />
Tuchê. Golpes certeiros,<br />
Um por todos e todos por todos<br />
No Sarau dos Mesquiteiros.<br />
Corre e me socorre tambor<br />
que pra essa roda, pra esse calor, ninguém se atrasa<br />
Taca fogo na minha prosa, Sarau Na Brasa.<br />
Hei, você da academia: que não gira nem ajeita o cabelo com o garfo,<br />
pega meu humor,<br />
minha autoestima suburbana, meu erro ortográfico, lambuze com vaselina<br />
ou areia e introduza com jeitinho no olho estrábico do seu gráfico.<br />
Acende o Pavio da Cultura. Ocupa.<br />
Vai, espia a periferia.<br />
Levante e espia, Marginaliaria.<br />
São Paulo<br />
Sampa<br />
São Pã<br />
Clareia os poetas!<br />
Olhai por nós, Yansã!<br />
Ilumina nossos terreiros. Artistas das quebradas, pioneiros, ogunhê<br />
meu São Jorge Guerreiro.<br />
Garoa, lava teus filhos da pobreza espiritual, do caos, firma nosso ritual,<br />
encandeia por hoje e pro eterno sempre os nossos saraus.
IVETE<br />
Ivete viu a Virada.<br />
Viu.<br />
Vestiu fantasia.<br />
Banhada de lua, viu a festa, viu as luzes, viu o povo todo na rua.<br />
Ivete viu a Virada, a zuada, a pequena pisar no chiclete.<br />
Viu o circo, algodão doce na mão do pivete, viu o palhaço, a trapezista, a banda, o confete.<br />
Ivete viu a Virada, viu fogos, alumbramento, assombração.<br />
Viu o mágico, a bailarina, a mulher barbada, o borrachinha e o anão.<br />
Viu o apagar das luzes, o silêncio, a lona recolhida.<br />
Viu a viúva colorida voltar pra casa e abraçar solidão.<br />
Ivete viu a Virada.<br />
Viu você e viu aqui, esse bufão, lendo verso capenga com o papel na mão.<br />
Ivete viu a Virada e o vovô viu a uva, só não viu Ivete vendo a Virada.<br />
Ivete do centro, das beiradas, dos encostos, das quebradas.<br />
Ivete jogada, Ivete invisível ninguém viu plantada ali na calçada.<br />
A Virada, virou as costas pra Ivete.<br />
Ivete fedida, sem sobrenome.<br />
Ivete varada de fome.<br />
Ivete cega. Ivete seca. Ivete galega.<br />
Seus trastes, seu papelão, seu bagulho pingente.<br />
Ivete que o dono do circo não vê, não viu, nunca verá.<br />
Ivete que viu a Virada e por uma noite sorriu e se sentiu gente.<br />
Ivete fantasma, paulistana.<br />
Ivete molamba, mendiga, indigente.<br />
DAMAS E VAGABUNDOS<br />
Pecadora, és e sempre serás, a favorita.<br />
Não tem pra gazela, não tem pra magricela de passarela, não.<br />
Apenas tu, traidora: Roliça e buliçosa.<br />
Cada recorte de teu corpo, coração, retalhos de minha história.<br />
Em tua pele, marcas de meus defeitos, gomos de minha paixão.<br />
Corre em ti tempos imemoriais e toda tragédia cotidiana de nossa vida mambembe. Selvagem.<br />
Então vamo lá, minha linda, coragem: Que passa contigo?<br />
Trocaste homens de verdade por perfumados valetes?<br />
Corja afrescalhada, uns de franja, uns de topete.<br />
Mancebos frozôs em pisantes high tech ou mocorongos de cintura dura,<br />
esquecidos do tempo que atrás de ti corriam pela rua.<br />
Do desassossego, do desalinho, do sabão.<br />
Ruas que mandavam ladrilhar e várzeas enlameadas dos domingos de inverno.<br />
Não mais te cortejam como bailarinos ou capoeiras.<br />
Apressado, orgasmo precoce, taras vulgares, rasteiras.<br />
Naquele banco, um cafetão de olhos azuis e ares de sábio controla em teu movimento a féria do dia.<br />
Onde então amor, o feitiço? Os heróis mestiços de outrora tratando de nossas chagas de vira-latas?<br />
Nega, trocaste virilidade por penduricalhos, balangandãs e penachos coloridos.<br />
Carapinha tosquiada, melecada.<br />
Que vaidade, menina: dispensar guerreiros por essa molecada.<br />
Ladinos sem compromisso nem alma,<br />
Corsários sem destino, sem pátria.<br />
E.Ts alienados apagando vestígios de excelência com toadas sertanejas, pagodeiras.<br />
Tu que foi estrela reverenciada pelos melhores<br />
assim, maltratada pelos piores do que chamam seleção.<br />
Nada mais que abstração pálida, amarelada, nem é mais brasileira.<br />
Milionária, infantil e deslumbrada,<br />
atende agora por Legião Estrangeira.
OCUP(A)ÇÃO<br />
Muita coisa acontece no meu coração.<br />
Muita coisa nesse 13, nesse Santo Antônio.<br />
Muita coisa acontece e ocupa meu coração entre a Ipiranga e a São João.<br />
Muita coisa nessa encruzilhada danada, acontece.<br />
Aconteceu João.<br />
Homem de fé e devoção. João que tanto pediu uma dama, um par, uma inspiração.<br />
Aconteceu Maria, aconteceu do santo presentear Maria a João.<br />
Que pagou vela, promessa, penitência pesada, abstinência de ano inteiro pro<br />
santo casamenteiro.<br />
Maria vestiu branco. João pagou a festa.<br />
Teve carne, champanhe, ciranda e cadê cozinha? Varanda? É tanto dengo e ardor<br />
e cadê quarto, leito gostoso pro amor?<br />
João deu comida. Maria, roupa lavada. E cadê casa, prefeito? Cadê, governador?<br />
João é homem trabalhador e tem direito.<br />
Ocupa o campo de batalha, ocupa teu lugar na história, João.<br />
Ocupa e faz valer teu nome, tua cara e nacionalidade nessa desgrama<br />
de carteira de identidade.<br />
Ocupa, brasileiro. Teu canto, teu terreiro.<br />
Ocupa, João. Ocupa assento.<br />
Ocupa e prepara o pão pro teu rebento, Maria.<br />
O vão. Ocupa esse chão.<br />
Ocupa as ruas, os quilombos, as aldeias.<br />
Ocupa aranha, tua teia.<br />
Olha o céu, o sol. Ocupa teu lugar nessa faixa de areia.<br />
Ocupa a geral.<br />
Ocupa de novo as arquibancadas nos dias de carnaval.<br />
Ocupa Moinho, Pinheirinho,<br />
Ocupa Binho, teu bar e teu sarau.<br />
Ocupa o quintal, a cidade.<br />
Nota? Cota? Ocupa a universidade.<br />
A praça, povo! Ação! Ocupa. Abraça e Ocupa Mauá, São João.<br />
João quer teto, pouso, seu porto. Pão e circo. Vinho e verso. Calor e conforto.<br />
Maria, tudo e mais um pouco porque quem não luta...<br />
Braço forte, sangue, valentia, arte. Articula. Ação. Ocupação.<br />
Sabedoria na lida do dia a dia.<br />
Ói ,João. Espia, Maria:<br />
No mundo, só morto não luta e aceita cova rasa como moradia.
concepção gráfica: Thiago Carvalheiro
Travessia... pensei. pensei demais.<br />
Pensei muito em como começar este<br />
texto. sabia da necessidade de começar.<br />
qualquer texto é um parafuso carente<br />
do primeiro aperto. começar é tudo. no<br />
começo está contido o fim, e o texto é<br />
este ato de atravessar e as reticências<br />
que sobram, onde pára. Poema é ritmo<br />
fotografado. O Poema nada contra a<br />
brutalidade do tempo e atravessa<br />
verticalmente a Angústia, suspendendoa.<br />
mas começar este texto com a<br />
palavra que guimarães termina suas<br />
Veredas, não foi um ato consciente, e o<br />
foi. precisava começar. comecei.<br />
palavra pescada. foi uma jogada de<br />
puro oportunismo e brincadeira, mas,<br />
neste exato instante, a Travessia é todo<br />
o sentido. pesquei-me, fui pescado. a<br />
Pescaria é uma via de mão dupla, uma<br />
hora se é o pescador, noutra, o próprio<br />
peixe. brincadeira de água. o Poeta tem<br />
a linhada, mas não tem a isca. o Poema<br />
é uma criança que ri de nós o tempo<br />
todo: é o bullying que engenhamos<br />
para nos caçoarmos eternamente e<br />
lembrarmos que esta brincadeira de<br />
lágrimas é só uma brincadeira.<br />
os poemas estão prontos. nós não<br />
estamos prontos. há os fisgados por<br />
completo: um peixe com cabeça,<br />
guelra e mil camadas escamadas. há os<br />
que pego pelo rabo, quase por acaso.<br />
toda pescaria é Acaso. há, ainda, os que<br />
vem em pedaços, estes costumam<br />
nadar ou morrer em blocos de notas<br />
espalhados no celular, no pc, perdidos<br />
na carteira. não sou de bajular o<br />
poema. às vezes, pela preciosidade da<br />
cauda, imagina-se o tamanho da pesca.<br />
mas não bajulo o poema. o pior<br />
pescador é aquele que lança o anzol no<br />
meio do cardume: o peixe, como você,<br />
respira melhor se desafiado.<br />
muito tem se falado do Poema. palavras<br />
soltas. Poema é o que sobra da Poesia.<br />
Poesia é tudo o que se move, tudo o<br />
que nos move, e nada do que se tenha<br />
encontrado. Poesia é o que nos resta, e<br />
até diria que é somente o fruto de um<br />
mecanismo mental, racional, que ela é<br />
o resultado do trabalho e da técnica<br />
apurada, mas não: este é o poema, não<br />
a Poesia. livros e livros eu poderia<br />
escrever para tentar defini-la, e ainda<br />
não dizer nada. posso falar do Poeta,<br />
deste inquilino que me aluga, de graça,<br />
e me tem por usucapião. mas deste, eu<br />
deixo que o poema que lá se vai, fale<br />
mais.<br />
posso falar, então, da relação que<br />
estabeleço com tudo isso. talvez seja o<br />
justo. talvez seja mesmo o que leitor<br />
espera e o melhor a se extrair desta<br />
desconstrução anunciada. cada Poeta<br />
tem seu código de barras, como todo<br />
Ser o seu código genético. eis aqui uma<br />
palavra que me fisga: Código.<br />
decodificar a Poesia é pescar seu<br />
mecanismo e transformá-la em mais um<br />
código, o linguístico: esta apertada e<br />
flexível camisa-de-vênus do poema.<br />
não sei, sinceramente, se a Poesia serve<br />
para a humanidade. sei que a<br />
humaniza, como toda obra de arte. ser<br />
Humano é nossa maior utopia, e a<br />
Poesia me serve como armadura,<br />
potência, máscara, e realização deste<br />
Humano que persigo. Ademais, tem a<br />
função social e política que também me<br />
dou a ela, sendo ela tão somente meu<br />
instrumento de crítica e denúncia. ela é<br />
minha. ela é de todos. basta nascer<br />
para ser Poeta. não sei das plantas nem<br />
dos bichos. as pedras carregam em si o<br />
silêncio poético. a Poesia é solidária e<br />
serve para qualquer coisa que queira<br />
usá-la: engodo de amor, panfleto<br />
ideológico, palavra cruzada.<br />
há, por fim, o Encantamento: aquilo<br />
que atribuo a ela e que só me diz<br />
respeito. ela é o Discurso,<br />
existencialmente elaborado, que<br />
construo contra todas as intempéries do<br />
mundo de fora. neste sentido restrito,<br />
ela cumpre uma função que, ora<br />
amuleto, ora armadura, me protege da<br />
solidão de mim mesmo, aumentando a<br />
libido e meu campo de ação: é minha<br />
zona de desconforto, o espelho<br />
refletido no vazio do meu vazio e, por<br />
significar-me, tudo o que tenho<br />
abraçado com unhas e dentes para<br />
tocar toda essa Merda em frente e, mais<br />
que viver, para além de viver, sentir que<br />
estou vivo.
se saio pela manhã,<br />
conveniente é apertar a gravata,<br />
alinhar a gola, o cinto,<br />
e aprisionar o Poeta na gaveta.<br />
conveniente é passar a chave,<br />
uma, duas, três voltas,<br />
e sair de través.<br />
nem sempre isso é possível,<br />
verdade mesmo é que está<br />
cada vez mais<br />
impossível.<br />
ele fica a se debater<br />
como Cará na tarrafa,<br />
Pintado no anzol,<br />
não, uma Traíra de enormes dentes afiados<br />
a roer os papéis ali guardados,<br />
os sonhos programados,<br />
tudo o que comporta uma gaveta.<br />
se foge e fica a cutucar a retina por dentro,<br />
se retorcendo em meu peito,<br />
desfiando o lodo no verniz espesso do Real<br />
como quem ceva os cantos do lago<br />
(aqueles mais assombrados,<br />
resguardados pela sombra das folhagens,<br />
protegidos por Cascudos e rãs,<br />
Bagres, Enguias e sapos),<br />
repletos de todo Enrosco;<br />
se deixo-o mesmo vazar da gaveta,<br />
acender o dia torna-se muito arriscado.<br />
este Poeta insurgente<br />
não parece ser mesmo um ente domável,<br />
uma entidade que aceita a ordem de subida,<br />
um encosto qualquer que se retira com banhos,<br />
rezas e oferendas.<br />
desconfiado de tudo, grave por excelência,<br />
não sei como tratá-lo nas conversas de bar,<br />
no brincar por brincar,<br />
naquele chute furado na cara do gol.<br />
sei que ele deseja minha mulher,<br />
que vive sondando suas curvas,<br />
seus abismos<br />
sei que ele quer queimar minhas contas,<br />
mandar meu patrão pro espaço<br />
ou para qualquer puta que o tenha parido.<br />
sei que ele gosta de tocar um instrumento<br />
e meter o bedelho em tudo o que faço.<br />
por isso, conveniente mesmo<br />
é trancafiá-lo na gaveta<br />
até que seu grito fique insuportável<br />
e do seu silêncio<br />
eu rabisque um garrancho engraçado,<br />
um sol, um livro, um pássaro...<br />
mas eis que ele entra num cio incurável!<br />
levo-o para pescar na rua,<br />
jogo a linhada em qualquer palco.<br />
se é para fingir Poesia,<br />
deixo-o de Corpo-e-alma em mim,<br />
e até gosto mesmo de receber<br />
os louros lançados a ele,<br />
assinar os livros dele,<br />
e fingir seriedade.<br />
disso ele não gosta,<br />
vive a me repreender...<br />
mas quando chega o fim do poema<br />
ele volta ao seu estado de ausência,<br />
um balão a espera do sopro,<br />
e toda a vida se constitui nesta Falta.<br />
porém, fiel a própria lei do Desejo,<br />
que retorna momentos depois do Orgasmo,<br />
o balão volta a inchar,<br />
inchar,<br />
e a cada Sopro ele me pede uma pena,<br />
uma tecla, um giz,<br />
um tijolinho-baiano;<br />
só que não posso acelerar a fila do banco,<br />
interromper meu sono,<br />
engolir o bife rapidamente.<br />
não, não posso,<br />
mas acabo cedendo...<br />
acabo cedendo porque vem a Noite.<br />
à noite, liberto, ele voa alto,<br />
vai à forra, bebe todos os goles,<br />
chuta todas as bolas;
mete uma boina na cabeça,<br />
um riso cínico e feliz,<br />
dá fim nos meus óculos<br />
e se põe a perambular por aí.<br />
entrego-o meus sapatos,<br />
minha mulher<br />
e meu cartão de crédito;<br />
entrego-o minha agenda;<br />
entrego-o meu Medo,<br />
minha Azia,<br />
meu Soluço entravado,<br />
minha Ânsia de morte;<br />
dou voz ao seu Canto inútil<br />
e lhe ofereço a madrugada...<br />
se tudo funcionar,<br />
- como o sempre tratado às pressas -<br />
no outro dia a gaveta ficará aberta<br />
e, da escrivaninha,<br />
ele há de incensar toda a casa,<br />
esparramar no sabonete sua Volúpia,<br />
seu Desprezo,<br />
sua Potência de Vida em meu lençol -<br />
para quando, exausto, retornar,<br />
eu possa ali me banhar,<br />
me deitar,<br />
me es-t---i----c-----a------r...<br />
e, no travesseiro,<br />
(antes de apagar o dia)<br />
cegar dois Olhos-de-peixe,<br />
tossir a última Espinha,<br />
voltar a Respirar.<br />
(poema inédito do projeto<br />
“PEQUENO Peixe grande”)
poetas em<br />
com alguns dos sonetos que compõem o seu<br />
pocket pornô “99 sonetos sacanas e 1 canção de<br />
amor”.<br />
Christiana Helena Nóvoa Soares Carneiro<br />
Nasceu em 28 de dezembro de 1968 no Rio de<br />
Janeiro.<br />
Formou-se em Artes Cênicas (Faculdade da<br />
Cidade/RJ) e em Psicologia (PUC-Rio), com<br />
especializações em Arte-Educação e Arte-Terapia.<br />
Fez teatro, teve loja esotérica, deu aula de artes,<br />
teve consultório, deu consultoria, teve filho (não<br />
necessariamente nessa ordem)… e, nesse meio<br />
tempo, foi escrevendo.<br />
Em 2004 começou a publicar seus textos na<br />
internet e, desde 2005, mantém o blog Nóvoa em<br />
Folha.<br />
Ganhou a Bolsa para Autores com Obras em Fase<br />
de Conclusão da Fundação Biblioteca Nacional em<br />
2007, pelo poema (inédito) Pirilampo Rastaqüera.<br />
Atualmente trabalha como redatora e webwriter.<br />
Desde 2009, organiza Saraus e Oficinas de<br />
Poesia.<br />
Em 2012 foram publicados 2 poemas seus no<br />
romance novo do escritor angolano José Eduardo<br />
Agualusa (como se tivessem sido escritos pela<br />
personagem, que vive isolada na própria casa e<br />
escreve poemas, a carvão, pelas paredes). O livro<br />
vai ser lançado no Brasil em Novembro, mas já<br />
está à venda em Portugal:<br />
http://www.fnac.pt/Teoria-Geral-do-Esquecimento-Jose-Eduardo-Agualusa/a570490<br />
email: christiana.novoa@gmail.com<br />
site: http://novoaemfolha.com<br />
Henrique Pimenta<br />
é poeta, professor de Português e Literatura,<br />
mantém o blog Bar do Bardo com seus textos mais<br />
recentes e escreve todos os sábados na Revista<br />
Semana On-Line sobre arte e cultura. Participou<br />
do número zero da Rebosteio - Revista Digital,<br />
blog: http://dobardo.blogspot.com.br/<br />
Revista da Semana:<br />
http://www.semanaonline.com.br<br />
Revista Rebosteio:<br />
http://issuu.com/rebosteiodigital/docs/montagem_rebosteio_n_0<br />
Livro:<br />
http://www.lifeeditora.com.br/crbst_100.html<br />
Igor K. Marques<br />
Natural do Rio de Janeiro, é artisa plástico e poeta.<br />
Escreve e expõe seus trabalhos no blog<br />
Desenhospoemas:<br />
http://desenhospoemas.blogspot.com/<br />
Lúcia Santos<br />
Maranhense, nasceu em Arari, em 1964. Aos dez<br />
anos mudou-se para São Luís. Começou a escrever<br />
ainda criança, mas só se assumiu poeta aos 20<br />
anos, quando cursava Serviço Social na UFMA.<br />
Depois vieram os cursos de Letras e Filosofia, mas<br />
não concluiu nenhum deles.<br />
Em 1992 publicou seu primeiro livro, Quase Azul<br />
Quanto Blue. Entre algumas premiações, levou o<br />
primeiro lugar na XXIII edição do concurso Literário<br />
e Artístico "Cidade de São Luís", com o livro Batom<br />
Vermelho, lançado em 1998. Sua publicação mais<br />
recente foi Uma Gueixa pra Bashô (2006), terceiro<br />
livro de poemas, primeiro de haicais.
(des)construção<br />
Participou de várias coletâneas, como Mulheres<br />
Emergentes (MG), Circuito de Poesia Maranhense,<br />
Afluência e Ekos (RS) e Poesia Sempre (RJ). Ano<br />
passado teve um poema seu na exposição<br />
TrezeAtravésTreze, reunindo poesia e artes plásticas.<br />
Seu nome também consta no Dicionário Crítico de<br />
Escritoras Brasileiras, organizado por Nelly Novaes<br />
Coelho.<br />
Ao lado de atores, músicos e/ou poetas, roteirizou e<br />
apresentou vários recitais performáticos: Batom<br />
Vermelho, Cordel Technicolor, Eros&Escrachos,<br />
Dentro da Palavra, Cochichos de Bruxas, Ménage à<br />
Trois, Papas na Língua, Companhia Ausente e Versos<br />
sem Tarja.<br />
O trabalho com poesia falada veio após cursar teatro<br />
em São Luís, em 1990.<br />
Como letrista, coleciona diversas parcerias,<br />
algumas gravadas, como: Afins, Farsa, Febre, Ela é<br />
a Tal e Último Post - com Zeca Baleiro; Asas de<br />
Corvo - Daffé; Esperanto - Cássio Gava; Transversa<br />
- Tutuca; Noite Seca - Rubens Kurin; Aposta -<br />
Pedro Moreno.<br />
Em 2009 a poeta foi tema de duas monografias do<br />
curso de Letras da Faculdade Atenas Maranhense:<br />
"A Imagem e a Palavra na Poética de Lúcia Santos"<br />
e "Erotismo na obra Batom Vermelho de Lúcia<br />
Santos".<br />
Morou dois anos em Belo Horizonte e oito em São<br />
Paulo. Atualmente vivendo em São Luís, busca<br />
patrocínio para realizar oficinas de Poesia Falada.<br />
Tem inéditos vários livros, de poesias, crônicas e<br />
histórias infantis.<br />
Seus poemas podem ser lidos também no blog:<br />
http://nufrontalcomtarja.blogspot.com/<br />
Diário Extrovertido:<br />
http://diarioextrovertido.blogspot.com<br />
e O Azul Temporário:<br />
http://azultemporario.blogspot.com<br />
Seus trabalhos em artes plásticas podem ser vistos<br />
no blog-portfólio Cadernosde Arte:<br />
http://cadernosdearte.wordpress.com<br />
Mariana Botelho<br />
Nascida em Padre Paraíso, Vale do Jequitinhonha,<br />
no ano de 1983, Mariana Botelho é poeta.<br />
Publicou em 2010, pela Ateliê Editorial, seu livro<br />
de estréia, «O silêncio tange o sino». Tem poemas<br />
publicados na revista Ciência e Cultura, da SBPC<br />
(2009 e 2010), no Suplemento Literário de Minas<br />
Gerais (2010) e em diversos sites literários na<br />
internet. Participou de eventos como Festival<br />
Internacional de Leitura de Campinas (2009) e<br />
ZIP/Zona de Invenção Poesia & (abril de 2010 no<br />
Centro Cultural da UFMG e maio de 2010 na Casa<br />
UNA). Participou como convidada do poeta<br />
Ricardo Aleixo do projeto Sentimentos do Mundo,<br />
promovido pela UFMG. Em maio de 2011 foi ao<br />
ar, na Rede Minas, o programa Imagem da Palavra,<br />
dedicado à sua poesia.<br />
Escreve no blog Suave Coisa:<br />
www.quelevequenada.blogspot.com<br />
Marcantonio Costa<br />
Natural do estado do Rio de Janeiro, é artista<br />
plástico e poeta (ainda não editado).<br />
Escreve nos blogs:<br />
Mauro Brito Combo<br />
Nascido a 17/02/1990 em Nampula, residente em<br />
Maputo. Estudante e membro do Movimento
poetas em<br />
Literário Kuphaluxa desde a sua fundação.<br />
Foi um dos classificados do “Premio Poetize 2012<br />
do Brasil”, com o poema intitulado “Remendos”.<br />
Sem livro publicado, as suas crônicas, poemas e<br />
ensaios são publicadas em revistas literárias, a<br />
destacar, revista Tarja Preta da Academia Onírica<br />
de Piauí, revista Blecaute do Brasil e Revista de<br />
Literatura Moçambicana e Lusófona – Literatas.<br />
Sempre leu tudo o que lhe caísse nas mãos, mas<br />
sua relação mais estreita com a linguagem antes de<br />
embarcar de cabeça na poesia foi a formação em<br />
Neurolinguística, nos anos 90.<br />
Pode ser lida/vista nos seguintes links:<br />
blog: http://cosmunicando.blogspot.com<br />
site fotográfico: http://mercedeslorenzo.com<br />
Para contato:<br />
manducho1@hotmail.com<br />
Blog: pontosdosiiis.blogspot.com<br />
Endereço do grupo:<br />
Centro Cultural Brasil - Moçambique<br />
Av. 25 de Setembro, N°1728,<br />
C. Postal: 1167, Maputo<br />
Blog do grupo Kuphaluxa:<br />
kuphaluxa.blogspot.com<br />
Site da revista Literatas: literatas.blogs.sapo.mz<br />
E-mail do grupo:<br />
kuphaluxa@gmail.com ou kuphaluxa@sapo.mz<br />
Nina Rizzi<br />
(SP, 1983), escritora, historiadora e educadora, vive<br />
atualmente em Fortaleza/ CE. Participa em diversas<br />
antologias, suplementos e revistas literárias, lançou<br />
em 2012 tambores pra n’zinga, pelo selo Orpheu/<br />
Ed. Multifoco. Edita a revista eletrônica Ellenismos<br />
– Diálogos com a Arte e a Literatura<br />
[www.ellenismos.com], e escreve seus textos<br />
literários no quandos<br />
[http://ninaarizzi.blogspot.com].<br />
Mercedes Lorenzo<br />
Paulistana, fotógrafa de profissão, comete poemas<br />
em seu blog Cosmunicando, além de ser coeditora<br />
e co-responsável pela parte gráfica da<br />
revista Rebosteio. Não tem livro publicado até o<br />
presente momento. Alguns de seus poemas e fotopoemas<br />
já foram divulgados em portais culturais da<br />
internet, como o Germina Literatura e o Diversos<br />
Afins.<br />
Também teve seu trabalho fotográfico «Poesia<br />
Onde Não Há Via» exposto no Centro Cultural<br />
Quilombaque, onde o cotidiano da cidade é<br />
mostrado em dípticos, fazendo uma analogia com<br />
pequenos poemas de apenas dois versos.<br />
Renato Silva<br />
Autor do livro “Uma cidade nas nuvens”, pela<br />
Editora Patuá, é aquariano peixe fora d´água.<br />
Nefelibata, paulistano, dislexo e agnóstico, escreve<br />
para respirar: Dois pulmões? Muito pouco. Para<br />
tudo um pouco depois da metade, como se isso<br />
fosse meta. Publicou no site Terra, em alguns<br />
jornais e diversos blogs de Literatura. Não crê no<br />
homem, mas acredita na humanidade.<br />
e-mail: dasnuvens@yahoo.com.br<br />
facebook: http://www.facebook.com/renato.silva.3551380<br />
blog: www.umacidadenasnuvens.blogspot.com/
(des)construção<br />
Roberta Silva Pinto<br />
(Belo Horizonte/MG, 1971). Escritora, edita o<br />
blogue Ragi Moana e escreve no Putas Resolutas.<br />
Tem poemas publicados na internet, entre outros<br />
sites, na revista Germina. Faz parte de Dedo de<br />
moça — uma antologia das escritoras suicidas (São<br />
Paulo: Terracota Editora, 2009). Vive em Belo<br />
Horizonte.<br />
Rubens Guilherme Pesenti<br />
vivendo em um futuro inconcebível, ainda tenho<br />
um passado por construir.<br />
ah, também co-editor da revista Rebosteio.<br />
blog: http://ru666.blogspot.com<br />
Ragi Moana:<br />
http://www.ragimoana.blogspot.com.br/<br />
Putas Resolutas:<br />
http://www.putasresolutas.blogspot.com.br/<br />
Escritoras Suicidas:<br />
http://www.escritorassuicidas.com.br/roberta_silva.htm<br />
Germina Literatura:<br />
http://www.germinaliteratura.com.br/rsilva.htm<br />
Walner Danziger<br />
Escritor, dramaturgo e diretor de teatro. Autor dos<br />
livros “Entre a Fome e a Fúria” (contos, crônicas e<br />
poemas), “Giletenamãodomacaco” (contos e outras<br />
narrativas) e “Teatro Vol.1 – 3 Peças”. Fundador e<br />
diretor artístico do Grupo de Arte Pixaim,<br />
desenvolve os projetos literários “Crônicas de 2ª” e<br />
“Na Cidade, Na Perifa, Na Função” para a web.<br />
Escreve diariamente no blog:<br />
www.nasubidadomorro.wordpress.com<br />
Rodrigo Machado Freire<br />
eu não<br />
e a que me nego pouco importa!<br />
digo de minha áspera inconstância: eu não<br />
antes de tudo digo "eu não"<br />
nisto vou agarrado<br />
porque antes de tudo já não me perdoam "não<br />
ser»<br />
e me inventam "imperdoável»<br />
"eu não" é como eu sou<br />
não principalmente.<br />
link do blog: http://entimesmado.blogspot.com<br />
Willian Delarte<br />
Autor do livro de poesia “Sentimento do Fim do<br />
Mundo” (Editora Patuá, 2011), foi um dos<br />
vencedores do II e III Festival de Literatura da<br />
Faculdade de Letras da USP na categoria “Conto”.<br />
Graduado pela mesma faculdade, foi também<br />
finalista da 15ª edição do “Projeto Nascente”<br />
(USP). É co-editor da Revista Rebosteio e escreve<br />
periodicamente no jornal “Conteúdo<br />
Independente” e em seu blog:<br />
http://williandelarte.blogspot.com/
A Editora Patuá - Livros são amuletos - é uma alternativa no mercado editorial: com<br />
o objetivo principal de publicar bons autores que ainda não encontraram espaço nas<br />
grandes editoras, mas que também não desejam pagar pela edição da própria obra,<br />
pretendemos apresentar ao público livros com excelente qualidade gráfica e,<br />
sobretudo, literária. O foco editorial é a Literatura Brasileira Contemporânea, nos<br />
gêneros poesia, conto, crônica e romance. São realizados gratuitamente, após a<br />
seleção da obra, todo o trabalho de edição do livro: registro, revisão, projeto gráfico,<br />
diagramação, ilustração, impressão e venda.<br />
Acompanhe as novidades da Editora no site: www.editorapatuá.com.br.<br />
Ou entrando em contato com os editores (Aline Rocha e Eduardo Lacerda),<br />
pelo e-mail: editorapatua@editorapatua.com.br<br />
“99 sonetos sacanas e 1 canção de amor”<br />
livro de Henrique Pimenta<br />
Livros de Lúcia Santos:<br />
- Quase Azul Quanto Blue<br />
- Batom Vermelho (esgotado)<br />
- Uma Gueixa para Bashô<br />
* Compras diretamente com a autora no email:<br />
luciamcsantos@gmail.com<br />
O livro é um conjunto de poemas<br />
que podem ser classificados como eróticos<br />
e pornôs, isso porque se diz comumente que<br />
o erotismo tem o caráter nobre e que a<br />
pornografia possui um caráter vulgar. Mas<br />
Henrique Pimenta parece desafiar<br />
características estanques, mesclando num<br />
mesmo soneto libertinagens ao mais cândido lirismo,<br />
cruzando tentativas de sublimação amorosa ao mais grosseiro<br />
improviso licencioso. Senhor de seu fazer poético, Pimenta<br />
constrói com suas misturas a medida certa para um soneto<br />
com fôlego e fogo contemporâneos.<br />
O livro pode ser adquirido no site da editora Life:<br />
http://www.lifeeditora.com.br/crbst_100.html<br />
livro de Mariana Botelho<br />
"o silêncio tange o sino"<br />
Vendas no site da Ateliê Editorial: http://www.atelie.com.br/shop/detalhe.php?id=537<br />
e em algumas livrarias, como a Cultura:<br />
http://www.atelie.com.br/shop/detalhe.php?id=537&fb_source=message<br />
livro de Nina Rizzi<br />
Tambores pra N’Zinga<br />
Nos links há duas resenhas do livro, uma de Claudio Daniel e outra de Hercília Fernandes,<br />
que prefaciou.<br />
http://cantarapeledelontra.blogspot.com.br/2012/05/agora-e-quandos.html<br />
http://novidadesevelharias-fernandeshercilia.blogspot.com.br/2012/03/nina-rizzi-e-os-tambores-pra-nzinga.html<br />
Ou compras diretamente com a autora: http://ninaarizzi.blogspot.com<br />
PARA OUVIR:<br />
Audio Book "Play na Poesia": http://playnapoesia.com.br/multimidia<br />
Buteco no Divã<br />
http://obuteconodiva.blogspot.com.br/2012/07/divacast-4-poesia-contemporanea.html#comment-form
Livro de Renato Silva:<br />
Uma Cidade nas Nuvens<br />
compras pelos sites:<br />
www.editorapatua.com.br<br />
www.livrariacultura.com.br<br />
ou com o autor pelo e-mail:<br />
dasnuvens@yahoo.com.br<br />
Livros de Walner Danziger:<br />
- GILETENAMÃODOMACACO<br />
- ENTRE A FOME E A FÚRIA<br />
- TEATRO VOL.1 - 3 PEÇAS<br />
- VÊNUS DE ALUGUEL<br />
PaRA COMPRAR:<br />
BLOG: nasubidadomorro.wordpress.com<br />
e livraria "SUBURBANO CONVICTO" (BIXIGA/SP)<br />
antologia com Roberta Silva Pinto<br />
e outros poetas:<br />
«Dedo de Moça»<br />
vendas no site:<br />
http://terracotaeditora.com.br/catalogo/?p=427<br />
Sites e Blogs de Literatura :<br />
Portal Cronópios: http://www.cronopios.com.br/<br />
Musa Rara: http://www.musarara.com.br/<br />
O Buteco no Divã: http://obuteconodiva.blogspot.com.br/<br />
Garganta da Serpente: http://www.gargantadaserpente.com/<br />
Revistas de Literatura:<br />
Revista Celuzlose: http://celuzlose.blogspot.com.br/<br />
Revista Opniães: http://revistaopiniaes.wordpress.com/<br />
livro de Willian Delarte<br />
«Sentimento do Fim do Mundo»<br />
Compra pelos sites:<br />
www.editorapatua.com.br<br />
www.livrariacultura.com.br<br />
ou diretamente com o autor:<br />
wdelarte@hotmail.com<br />
Alguns Saraus Periféricos:<br />
Sarau Poesia na Brasa: http://brasasarau.blogspot.com/<br />
Sarau Coperifa: http://cooperifa.blogspot.com/<br />
Sarau do Binho: http://saraudobinho.blogspot.com/<br />
Sarau da Ademar: http://www.sarau-da-ademar.blogspot.com/<br />
Sarau Elo da Corrente: http://elo-da-corrente.blogspot.com/<br />
Sarau D´Quilo: http://comunidadequilombaque.blogspot.com.br<br />
Sarau da Cesta: http://sarau-da-cesta.blogspot.com/
ilustra do tiago