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REBOSTEIO 4

Revista REBOSTEIO DIGITAL número quatro - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

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Acontecera pré-pré o meu primeiro contato com a leitura. Tal como um<br />

milagre (ou maldição), aos cinco anos aprendi, sozinho, a ler. À época pedia<br />

à minha falecida avó que me levasse, vez por outra, a um certo bar (são meus<br />

escritórios, os botecos), onde lucrava algumas guloseimas, de um certo<br />

japonês, em troca da leitura de alguns letreiros – foram as únicas vezes que<br />

lucrei algo material em troca de uma leitura – natural, em um país onde a<br />

cultura é colocado em segundo plano. Retifico. A cultura é colocada em<br />

plano algum – o que é um plano maquiavélico.<br />

Na adolescência eu e meus convivas de rua formamos a banda “Baratas<br />

Pálidas”, que morrera de overdose antes mesmo do primeiro ensaio. Segui<br />

carreira solo, fazendo mais letras de música (e isso é poesia) e lendo<br />

praticamente nada de Literatura. A esse déficit, a esse vácuo, atribuo (apesar<br />

de ser algo imensurável) uma originalidade: tive de ser, quase sem querer,<br />

meu próprio parâmetro. Se adentrasse ao mágico mundo das palavras pelos<br />

olhos antes das mãos, creio que acabaria por “me afetar”.<br />

Um estalo. Sei que a poesia está pronta a partir dele: que vem de HQ,<br />

Cinema, Foto; conversas banais; às vezes uma frase deefeito basta para eu<br />

saber que a poesia está pronta ainda que precariamente conjecturada. Até<br />

chegar ao estalo é angustiante, catarse total. Por vezes fico horas a procura<br />

dele. Ando de lá para cá, reescrevo, amasso uma miríade de folhas – apesar<br />

de escrever mais no computador (a letra na tela torna a poesia mais<br />

contundente) – muitas vezes tomo banho, só para acalmar... quase entro em<br />

colapso com o lapso do lápis. Mas quando a poesia está pronta... ah! É das<br />

melhores sensações que se podem experimentar nesta vida. Se ler algo bom<br />

fascina, quando lemos algo nosso a transcendência vem em dobro. A forma<br />

dela cobrar esse excesso é jogar na sua cara que você usou a razão, muito<br />

mais que a emoção, e isso é uma espécie de fraude. Como é bom poder<br />

tocar um instrumento... caneta, teclado, borracha...<br />

Com o advento da internet, passei a ler mais (fundamental) e a publicar em<br />

grupos virtuais. Passei a assinar com o pseudônimo “Cidadão das Nuvens”,<br />

que era uma forma de tirar a distração do ostracismo e colocá-la na<br />

apoteose. Sou tão nefelibata que ao nascer esqueci de chorar. Uma forma de<br />

provocar e ser anti convencional? Também, mas o mais importante era<br />

mostrar para a enfermeira que eu era forte.<br />

Hoje prego contra minha atenção. Essa me faz perder os momentos<br />

pequenos e as imagens desnecessárias: e isso é tudo. Perdemos uma pessoa<br />

querida, em qualquer contexto, e nos lembramos dos momentos de menor<br />

glamour: um sorriso à toa, uma boa patuscada, um brinco, uma briga besta,<br />

um prato, etc. E estar atento é perder poesias (Escrever é respirar); mas isso<br />

tem lá seu lado positivo, como retrato em um poema: “o que não foi escrito /<br />

ainda assim afeta/-retoca sem cessar, lapida-/a obra do poeta”.<br />

Me insatisfazer com meu estilo é o que me deixa satisfeito. Artista bom é<br />

aquele que se trai constantemente. Sair do lugar comum ao passo que, o<br />

outro, fique comum de me mandar para outro lugar. Por isso gosto de<br />

escrever poesias longas e tercetos; visuais, caligramas, etc. Na temática<br />

também gosto de escrever sobre tudo que é possível. Agradar uma criança<br />

aqui e um marginal acolá. Desagradá-los à mesma proporção. Assim e<br />

Assado. Gosto que leiam meu livro e entendam metade. Uma metade por<br />

completo.<br />

Tenho o sonho de um dia pegar um imenso dicionário “de papel” (nada,<br />

jamais, substituirá o livro “físico”) e, palavra por palavra, saber que todas, de<br />

alguma forma, estão na totalidade da minha obra. Isso é procurar agulha no<br />

Palheiro. É propagar fagulha no palheiro. É uma ambição e tanto. Há trevas:<br />

atreva-se.

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