REBOSTEIO 4
Revista REBOSTEIO DIGITAL número quatro - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.
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[“Para escrever, basta escrever” – J. Saramago]<br />
Lembro-me dos versos de Jean Cocteau: “A poesia<br />
é indispensável. Se eu ao menos soubesse para<br />
quê…”. A verdade é que a poesia não tem<br />
utilidade nenhuma, se, buscamos nela um<br />
substituto da vida… e dessa epígrafe reencontro<br />
Fischer (A necessidade da arte, 1959): “No<br />
entanto, será a arte apenas um substituto? Não<br />
expressará ela também uma relação mais profunda<br />
entre o homem e o mundo? E, naturalmente,<br />
poderá a função da arte ser resumida em uma<br />
única fórmula? Não satisfará ela diversas e variadas<br />
necessidades? E se, observando as origens da arte,<br />
chegarmos a conhecer a sua função inicial, não<br />
verificaremos também que essa função inicial se<br />
modificou e que novas funções passaram a existir?<br />
[...] A arte é necessária para que o homem se torne<br />
capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte<br />
também é necessária em virtude da magia que lhe<br />
é inerente.”<br />
Assunto mais batido e chato, não? Qual é ou não a<br />
(des)utilidade. Como se a arte precisasse se afirmar<br />
para além de ser virtude em si mesma.<br />
Numa visita a exposição de Vik Muniz, no espaço<br />
Cultural da Universidade de Fortaleza/ UNIFOR,<br />
eu percorria as grandes galerias do segundo ou<br />
terceiro andar, de pé-direito bastante alto e<br />
paredes de concreto. Uma profusão delirante de<br />
recriações de, entre outros, Monet, que mais me<br />
instigou por explorar em minúsculos pedacinhos<br />
de papel em mosaico, as qualidades óticas da luz e<br />
da cor, e despertavam intensas emoções. As telas<br />
pareciam exalar os perfumes das paisagens que<br />
retratavam. Um pequeno descuido já nos deixava<br />
ouvir o cantar das cigarras nos campos de sol<br />
escaldante, ou o ruído silencioso dos rios<br />
margeados por arbustos em variados tons de verde<br />
e leves pinceladas de violeta e aquela ponte<br />
multicolorida.<br />
A visitação seguia pelas muitas galerias fechadas,<br />
quando, no meio de uma das salas surge,<br />
surpreendente, uma janela que nos deixava ver, lá<br />
fora, o entardecer da cidade, tendo como fundo<br />
um céu azul cravejado por nuvens esparsas,<br />
recortado pelos pequenos prédios da Universidade<br />
e suas árvores. Postei-me diante da janela durante<br />
longo tempo e percebi que não estava só. Vários<br />
dos visitantes permaneciam estáticos diante dela,<br />
olhando para aquela paisagem como se<br />
observassem uma pintura, uma obra de arte.<br />
Afastei-me da janela, sentei-me em um dos bancos<br />
próximos e me ative à reação das pessoas, à<br />
relação que estabeleciam com a paisagem que<br />
surgia pela vidraça, enquanto pensava na<br />
faculdade da arte de nos sensibilizar, em como a<br />
contemplação daquela sequência de quadros<br />
havia provavelmente estimulado os visitantes a<br />
lançar um olhar estetizado para o mundo lá fora,<br />
em como a relação com as obras propiciava, ainda<br />
que por instantes, que os contempladores fruíssem<br />
a existência como uma experiência artística. Os<br />
visitantes entravam e saíam daquela galeria; o<br />
movimento em direção à janela e a relação com a<br />
paisagem fortalezense repetiu-se por longo<br />
período, até que me retirei da sala e do museu,<br />
não sem guardar cuidadosamente na memória<br />
aqueles que para mim foram intensos e raros<br />
momentos. O principal aspecto, que gostaria de<br />
ressaltar, da relação dos visitantes com as obras de<br />
arte e com a paisagem vista pela janela, que me<br />
chamou a atenção foi, sem dúvida, a capacidade<br />
da arte de provocar e, porque não, tocar os<br />
contempladores, sensibilizando-os para lançar um<br />
olhar renovado para a vida lá fora.<br />
Aí que, na tentativa de compreender a atitude do<br />
interlocutor, do leitor de poesia enquanto<br />
experiência educacional ou puramente estética,<br />
podemos recorrer ao enfoque sutil presente na<br />
alegoria benjaminiana, que sugere que o ouvinte<br />
de uma história – ao ouvi-la, ou ler, compreendêla<br />
em seus detalhes e empreender uma atitude<br />
interpretativa – choca os ovos da própria<br />
experiência, fazendo nascer deles o pensamento<br />
crítico. A imagem de chocar os ovos da própria<br />
experiência está relacionada com a ideia de que o<br />
ouvinte/ leitor, para efetivar uma compreensão da<br />
história que lhe está sendo apresentada, recorre ao<br />
seu patrimônio vivencial, interpretando-a,<br />
necessariamente, a partir de sua experiência e<br />
visão de mundo. Ao confrontar-se com a própria<br />
vida, neste exercício de compreensão da obra, o