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REBOSTEIO 4

Revista REBOSTEIO DIGITAL número quatro - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

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mocinha, que aparece nos versos seguintes, de modo a seduzi-la, por meio do conhecido<br />

código que remete tanto ao amor quanto ao terror: silvo, sibilo, assovio.<br />

ouvia seduzida da janela / Maria Aparecida. - A menina sente-se seduzida pelo vento e<br />

para aproximar a imagem da realidade ainda existente no imaginário brasileiro, a moça<br />

se posta à janela para flertar. Seu nome não é à toa, homônimo da padroeira do Brasil,<br />

pois continua sendo comum batizarem com esse nome por devoção da família e para um<br />

“reforço” na proteção da criança.<br />

Seu tutor, / “Menina, sai daí!”, - Ao inserir o tutor, entende-se de pronto que a mocinha<br />

não possui pais, visto que tutor é um conselheiro e no caso adverte para que ela saia da<br />

janela, por medo de perigos naquele momento, que advenham de fora, do mundo não<br />

doméstico.<br />

e nada dela // sair, como encantada, com calor, / - Mas a menina não aceita o conselho e de<br />

algum modo prefere permanecer lá, junto à janela, como se a sedução, o encanto do vento<br />

tivesse lhe prendido. O calor pode se referir ao clima, ou a um mal-estar da protagonista.<br />

em pêndulo ciprestes à capela, / as folhas, a poeira, - Cipreste por si já é uma metonímia,<br />

ainda que bastante limitada, porque é árvore que se planta em cemitérios e por isso<br />

simboliza tristeza, dor, luto, morte, daí que os ciprestes balançando à vista da menina<br />

denotam que algo de triste está próximo; acrescentam-se ainda dois detalhes<br />

importantes, balançam de modo pendular, remetendo à sucessão do tempo, e o valor<br />

dúbio do termo “à capela” – ou as árvores estão próximas a uma capela, o que aumenta a<br />

carga de religiosidade/espiritualidade da cena, ou estariam “cantando” sem<br />

acompanhamento musical, ou seja, fazendo o barulho típico de folhagens sendo<br />

movimentadas pelo vento. No mais, temos também a movimentação de folhas secas,<br />

mortas, outras arrancadas pela força do vento, e, principalmente, a mesma<br />

movimentação ocorrendo com a poeira ou o pó, mais um elemento que sugere<br />

espiritualidade: “Do pó vieste, ao pó voltarás.”<br />

seu palor / de pobre doentinha se revela. // Nascera para a dor - Eis a revelação de que se<br />

trata de uma doente, o adjetivo “palor” reforça o ideário mal do século, em que a mulher<br />

seria bela ao se apresentar frágil, doente, aproximando-se da hora extrema, pálida tal<br />

qual a “imago mortis”. Um ser que nasceu e vive para a dor, é algo que parece desumano<br />

mas que humaniza sobremaneira a personagem.<br />

e, nesse instante, / distante de si mesma, - Quebra abrupta da linha de pensamento, a<br />

menina inicia um processo de estranhamento da realidade e de si mesma.<br />

“Que é de mim?”, / - Aqui o dito e/ou pensado é dúvida no sentido de espaço - “Onde<br />

estou?” - e de ação - “O que está sendo feito de mim?”<br />

a moça possuída, delirante, // dervixe em rodopio - Algo se apossa dela, levando-a ao<br />

delírio como a um transe promovido pelo ritual sufi, em que o dervixe roda em torno de si<br />

mesmo.<br />

dá-se assim / ao chão, estertorando de rompante, / - Interessante nessa passagem a queda<br />

não ser um ato violento, é como se a moça se entregasse, se desse ao chão, feito o<br />

momento de ela se unir a ele, mas a agonia também está presente, figurada pelo tipo de<br />

respiração, como um clímax da atuação do ar.<br />

e o vento de repente teve fim. - Então, o ar cessa sua movimentação, o vento é<br />

interrompido de forma precipitada, talvez inexplicável. Parece ter cumprido o seu papel,<br />

e poeticamente seu papel parece ter sido recolher o hálito de vida da jovem doente que,<br />

em seguida, morre.<br />

Cidinha - O título também é dúbio. Tanto é a redução do nome da protagonista, que ainda<br />

é uma criança, quanto o diminutivo de “-cida”, sufixo de origem latina, que dá noção de<br />

agente que provoca a morte. O título pretende, portanto, sintetizar a história, a morte de<br />

Maria Aparecida.

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