mocinha, que aparece nos versos seguintes, de modo a seduzi-la, por meio do conhecido código que remete tanto ao amor quanto ao terror: silvo, sibilo, assovio. ouvia seduzida da janela / Maria Aparecida. - A menina sente-se seduzida pelo vento e para aproximar a imagem da realidade ainda existente no imaginário brasileiro, a moça se posta à janela para flertar. Seu nome não é à toa, homônimo da padroeira do Brasil, pois continua sendo comum batizarem com esse nome por devoção da família e para um “reforço” na proteção da criança. Seu tutor, / “Menina, sai daí!”, - Ao inserir o tutor, entende-se de pronto que a mocinha não possui pais, visto que tutor é um conselheiro e no caso adverte para que ela saia da janela, por medo de perigos naquele momento, que advenham de fora, do mundo não doméstico. e nada dela // sair, como encantada, com calor, / - Mas a menina não aceita o conselho e de algum modo prefere permanecer lá, junto à janela, como se a sedução, o encanto do vento tivesse lhe prendido. O calor pode se referir ao clima, ou a um mal-estar da protagonista. em pêndulo ciprestes à capela, / as folhas, a poeira, - Cipreste por si já é uma metonímia, ainda que bastante limitada, porque é árvore que se planta em cemitérios e por isso simboliza tristeza, dor, luto, morte, daí que os ciprestes balançando à vista da menina denotam que algo de triste está próximo; acrescentam-se ainda dois detalhes importantes, balançam de modo pendular, remetendo à sucessão do tempo, e o valor dúbio do termo “à capela” – ou as árvores estão próximas a uma capela, o que aumenta a carga de religiosidade/espiritualidade da cena, ou estariam “cantando” sem acompanhamento musical, ou seja, fazendo o barulho típico de folhagens sendo movimentadas pelo vento. No mais, temos também a movimentação de folhas secas, mortas, outras arrancadas pela força do vento, e, principalmente, a mesma movimentação ocorrendo com a poeira ou o pó, mais um elemento que sugere espiritualidade: “Do pó vieste, ao pó voltarás.” seu palor / de pobre doentinha se revela. // Nascera para a dor - Eis a revelação de que se trata de uma doente, o adjetivo “palor” reforça o ideário mal do século, em que a mulher seria bela ao se apresentar frágil, doente, aproximando-se da hora extrema, pálida tal qual a “imago mortis”. Um ser que nasceu e vive para a dor, é algo que parece desumano mas que humaniza sobremaneira a personagem. e, nesse instante, / distante de si mesma, - Quebra abrupta da linha de pensamento, a menina inicia um processo de estranhamento da realidade e de si mesma. “Que é de mim?”, / - Aqui o dito e/ou pensado é dúvida no sentido de espaço - “Onde estou?” - e de ação - “O que está sendo feito de mim?” a moça possuída, delirante, // dervixe em rodopio - Algo se apossa dela, levando-a ao delírio como a um transe promovido pelo ritual sufi, em que o dervixe roda em torno de si mesmo. dá-se assim / ao chão, estertorando de rompante, / - Interessante nessa passagem a queda não ser um ato violento, é como se a moça se entregasse, se desse ao chão, feito o momento de ela se unir a ele, mas a agonia também está presente, figurada pelo tipo de respiração, como um clímax da atuação do ar. e o vento de repente teve fim. - Então, o ar cessa sua movimentação, o vento é interrompido de forma precipitada, talvez inexplicável. Parece ter cumprido o seu papel, e poeticamente seu papel parece ter sido recolher o hálito de vida da jovem doente que, em seguida, morre. Cidinha - O título também é dúbio. Tanto é a redução do nome da protagonista, que ainda é uma criança, quanto o diminutivo de “-cida”, sufixo de origem latina, que dá noção de agente que provoca a morte. O título pretende, portanto, sintetizar a história, a morte de Maria Aparecida.
ínsula periculosa eu traçava garatujas, e eram desenhos aquilo que o desejo... ilhas e ilhas em vermelho, um vulcão acastanhado numa delas. coqueiros, nem sabia ao certo, padrão películas de naufrágio. tocamos a areia com os pés, quentinha. estávamos em ínsula periculosa, naquele pedacico de areia e mineraloides, muito, muito verde, pássaros multicores, aí tu me deste a mão. eu desenhei com o maior capricho alguns alimentos deliciosos, água doce (em azul), paisagens como se diz de sonho, um gigantesco clichê de sol amarelo lá no altão. coloquei uma vastidão de sombras. escolheste a mais rotunda para nos sentarmos. olhaste para mim. ruborizei. eu nunca ficara a sós com alguém, julgo, que me amasse tanto. foi assim, um esboço. valongo o tempo este inexorável esplende inox das almas em seu nicho de azuis a noite vem descendo subjugando umbrais densa a noite anja despiu-me de tudo fustigou-me à decussata anja demoníaca nigérrima de exus acalenta tem dó de mim esmaga pimenta malagueta e aplica sobre as chagas da consciência branca / que purulam