ERA O SÓ QUE FALTAVA TOMATES NÃO SOFREM IVANI CUNHA Meu pai, que nas horas vagas deixava a colher de pedreiro e o prumo para viajar em diversas leituras, diria que o meu trabalho de crítico da mídia assemelha-se a dar “soco em ponta de faca”, coisa de louco. Talvez ele tivesse razão, porque as empresas e os profissionais de comunicação, com 46 <strong>AGOSTO</strong> DE <strong>2017</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
aras exceções, não parecem interessados em avaliar o trabalho do dia a dia nas redações. Caso houvesse esse cuidado, todos atentariam, por exemplo, ao princípio de que os textos jornalísticos, mesmo os dirigidos ao público jovem, não podem ser excessivamente coloquiais, pontilhados de palavras e expressões inventadas e que, em sua maioria, não dizem coisa nenhuma. Pior ainda é justificar o descaso às normas fundamentais do idioma com a explicação simplista – principalmente do rádio e da televisão – de assim o povo fala e entende. Trata-se de posição cômoda, que libera os profissionais de buscarem a permanente reciclagem de conhecimento do nosso idioma. As empresas, por sua vez, ficam livres de investir em cursos com essa finalidade. Conformadas com essa situação, as empresas fogem do compromisso de, além de informar e entreter, apresentar corretamente a informação. ÔNIBUS ASSASSINO - “Ônibus cai em precipício no interior de Pernambuco e mata quatro pessoas”, informou o apresentador de uma rádio. Imaginei quatro pessoas “de bobeira”, no fundo daquele precipício. Estavam caminhando calmamente lá embaixo e, de repente, um ônibus caiu sobre elas. As pessoas que não acompanharam até o fim a apresentação do noticiário, e no dia seguinte não leram o texto integral sobre o acidente, talvez ainda se perguntem por que os quatro se aventuraram a explorar aquele buracão no município de Verdejantes, arriscando-se a ser esmagados por algum ônibus, o que acabou acontecendo. Culpa dos redatores, que não questionam os velhos modelos de produção de título e de redação das matérias. Por que não escrever simplesmente que o ônibus caiu no precipício e quatro passageiros morreram? Foi isso que aconteceu. Transmitir a informação exata, para evitar interpretações dúbias, devia ser a regra. Mas parece que não é, e acredito que até os meus últimos dias estranharei esses equívocos em textos de jornais, telejornais e radiojornais. Conhecer o significado dos verbos é de fundamental importância. Embora os jornais, o rádio e a TV possam informar que o tomate sofreu aumentos abusivos na entressafra, qualquer leitor sabe que, também nesse caso, quem sofre são os consumidores de tomate e dos produtos à base desse legume. Sofrem os leitores, que esperam encontrar no noticiário as palavras em seu sentido exato, registrado nos dicionários. Às vezes, a notícia é agradável, mas o verbo inadequado tira um pouco do seu sabor: “O curso de vinhos do enófilo Fulano acontece mais uma vez, hoje, às 19 horas, em tal local”. No entanto, um acontecimento é algo não previsto, improvável, uma surpresa. Já o curso do enófilo estava programado, seria realizado em local e horário definidos com alguma antecedência. Portanto, não aconteceria e não aconteceu. Foi realizado e espera-se que os participantes se lembrem com alegria dos sabores e aromas experimentados na ocasião. Na manhã de 24 de janeiro de <strong>2017</strong>, a repórter de uma rádio mineira de grande audiência informou, de Brasília, que naquele dia representantes do governo federal iam sentar na mesa com o governador Pezão, do Rio de Janeiro, para debaterem a dívida fiscal do Estado. Tudo indica que a mesa suportou o peso do grupo. ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 47