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revista cruzilia

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Nascimento e vinda para Baependi<br />

Francisca de Paula de Jesus, Nhá Chica,<br />

nasceu em 1808, na Fazenda Porteira dos<br />

Villelas, em Santo Antônio do Rio das<br />

Mortes, pequeno distrito de São João del-<br />

Rei, onde foi batizada em 26 de abril de<br />

1810. Era filha de Isabel Maria da Silva e<br />

pai ignorado.<br />

A família de Isabel Maria, constituída<br />

dos filhos Theotônio Pereira do Amaral,<br />

Maria e Francisca de Paulai, emigrou para<br />

Baependi por volta de 1818 e se desconhece<br />

o motivo de deixarem o antigo distrito<br />

policial de São João del-Rei. Entretanto, é<br />

lícito tecer conjecturas sobre os motivos<br />

que trouxeram Nhá Chica e sua família à<br />

recém-criada Villa de Santa Maria de<br />

Baependy, em 1814, uma promoção político-administrativa<br />

que gerou a vinda de<br />

homens da justiça e da administração,<br />

além de fazendeiros à localidade. É improvável<br />

que a família tivesse vindo por conta<br />

própria; possivelmente, Isabel e os filhos<br />

vieram acompanhando alguma dessas<br />

famílias. Baependi vivia um desenvolvimento<br />

notável em decorrência de sua<br />

importante lavoura de tabaco e do comércio<br />

que fazia com a corte do Rio de Janeiro<br />

e também com São João del-Rei, com<br />

quem divisava territorialmente e era a<br />

“cabeça” da Comarca do Rio das Mortes, à<br />

qual a vila pertencia.<br />

Primeiros tempos<br />

Dos três filhos de Isabel Maria,<br />

Theotônio casou-se mais velho com<br />

Eliodora Maria de Jesus, natural de<br />

Cruzília, não deixando descendentes; Maria<br />

casou-se com João Garcia e passaram a residir<br />

em Aiuruoca; e Francisca, Nhá Chica,<br />

permaneceu solteira. Relatos dão conta de<br />

que teria tido pretendentes e propostas de<br />

casamento, tendo escolhido não se casar,<br />

seguindo conselho materno, “que lhe recomendara<br />

a vida solitária, para melhor praticar<br />

a caridade e conservar a fé cristã”ii. Nhá<br />

Chica residia com a família e cuidou da<br />

mãe até o falecimento desta, em 1843.<br />

A partir daí, passou a dedicar-se à fé, aos<br />

pobres, aos desvalidos e mais tarde empenhou-se<br />

na edificação da capela dedicada a<br />

Nossa Senhora da Conceição. Os anos<br />

foram passando devagar, sua fama de santidade<br />

aumentando. Jovem ainda, Nhá Chica<br />

já era conhecida como “a mãe dos pobres”.<br />

Conta-se que, em certo dia da semana, após<br />

as orações, ela distribuía comida aos necessitados.<br />

A todos recebia, desde o mais<br />

humilde até pessoas importantes, deputados,<br />

conselheiros do Império, que lhe procuravam<br />

para um conselho, a resolução de<br />

um problema, uma dúvida. Tem-se notícia<br />

de que alguns, como o Conselheiro<br />

Pedreira, veio várias vezes. “Ninguém batia<br />

à sua porta sem que fosse por ela socorrida<br />

em seus pedidos e oraçõesiii.” (...)<br />

Guardava devoção especial às três horas de<br />

agonia e, nas sextas-feiras, recolhia-se em<br />

oração. (...) “Á casinha humilde afluíam<br />

pessoas de várias partes, pedindo-lhe orações,<br />

uma palavra de confortoiv.”<br />

O médico e hidrologista Henrique<br />

Monat, muito provavelmente um positivista,<br />

veio a Baependi em 1893 verificar o<br />

que corria à boca do povo que narrava<br />

sobre as predições, os prognósticos em caso<br />

de doenças, os “milagres” de Nhá Chica.<br />

Foi recebido em sua humilde casa e pôde<br />

constatar seu precário estado de saúde, “as<br />

mãos anquilosadas pelo reumatismo”.<br />

Conversaram da política à economia:<br />

monarquia, república, insurreições, carestia<br />

de vida. Ouviu dela “muitas poesias de<br />

sua lavra”, ao que ela respondeu: “É o<br />

Espírito Santo que inspira, porque tenho fé<br />

viva.” A narrativa de Monat, uma longa<br />

ent<strong>revista</strong> com Nhá Chica, é um documento<br />

preciosíssimo do ponto de vista histórico,<br />

pois, a despeito de não saber ler nem<br />

escrever, ela não deixou nenhum documento<br />

de próprio punho.<br />

Nhá Chica era possuidora de inúmeros<br />

dons e virtudes. Sábia e humilde, sempre<br />

tinha uma palavra de conforto, “era clarividente<br />

e, como tal, dotada de visão proféticav.”<br />

“(...) Para todos tinha uma palavra de<br />

consolação e de conforto, a promessa de<br />

uma oração, a predição do resultado de<br />

uma empresa ou um socorro materialvi.”<br />

Também o poeta e jornalista Olavo Bilac a<br />

ela se referiu: “Em todas as situações difíceis<br />

da vida, os que procuravam Nhá Chica<br />

iam nela achar um conselho prudente, uma<br />

palavra de animação, de carinho, de esperança.”<br />

Graças ao extraordinário tino com<br />

que a santa resolvia os mais difíceis problemas,<br />

a sua fama cresceu e afirmou-se a sua<br />

santidade. “Abençoavam-na os ricos, que<br />

lhe deviam o consolo; abençoavam-na os<br />

pobres, que lhe deviam o pão; e admiravam-na<br />

todos, pela sua virtude exemplar,<br />

pelo seu incansável altruísmo, pela sua<br />

nunca desmentida caridadevii.” “Nhá<br />

Chica descobre animais fugidios, prognostica<br />

em caso de moléstia, prevê o resultado<br />

de uma demanda (...)viii.”<br />

NHÁ CHICA, A PRIMEIRA BEATA<br />

DO SUL DE MINAS<br />

“Santa Nhá Chica, rogai por nós.”<br />

A oração acompanha dona Ana Lúcia<br />

Leite desde criança. Toda noite, era rezado o<br />

terço na fazenda dos avós e a fé da garotinha<br />

ia se fortalecendo. Amiga de Nhá Chica,<br />

a avó de Lúcia sempre ia a Baependi, aos<br />

domingos. Filha livre de ex- escrava, Nhá<br />

Chica tinha hábitos simples, era bondosa e<br />

dona de vários dons, como o da clarividência.<br />

O tempo passou, Lúcia se casou, constituiu<br />

família e a devoção a Nhá Chica cresceu.<br />

Em 1995, uma isquemia nas duas vistas<br />

assustou Lúcia. Ao investigar, descobriu um<br />

problema congênito, ligado à passagem de<br />

sangue no coração, responsável por uma<br />

pressão pulmonar muito alta. O caso exigia<br />

tratamento cirúrgico imediato e Lúcia chegou<br />

a marcar o procedimento, que seria feito<br />

em São Paulo. Três dias antes da data p<strong>revista</strong>,<br />

uma forte febre apareceu e os médicos<br />

recomendaram que ela aguardasse por<br />

um período de uma semana antes de operar.<br />

Neste intervalo, a melhora sentida por Lúcia<br />

era evidente. O cansaço que ela carregou<br />

durante anos por conta da pressão já não a<br />

incomodava. No coração, ela tinha agora a<br />

certeza de que havia sido curada, por intercessão<br />

de Nhá Chica.<br />

Seis meses se passaram e Lúcia foi refazer<br />

os exames. Ela conta que a espera pelo<br />

resultado foi muito preocupante, mas que,<br />

ainda assim, não deixou que sua fé se abalasse.<br />

Clamava sempre por Nhá Chica, pedindo<br />

ajuda. E ela foi atendida. O milagre se<br />

materializou, deixando os médicos impressionados,<br />

sem explicação para o ocorrido.<br />

Nos exames feitos, nenhum sinal do problema.<br />

Lúcia estava ótima, como se tivesse<br />

sido submetida à cirurgia proposta há<br />

meses, nada de cansaço ou pressão no peito.<br />

De lá para cá, 22 anos se passaram e o<br />

milagre de Lúcia ganhou o mundo. Por onde<br />

ela passa, dá testemunho de sua conquista<br />

e fé.<br />

Por unanimidade, o Vaticano aceitou o<br />

milagre de Nhá Chica, que foi beatificada no<br />

dia 12 de junho de 2012. O milagre foi aprovado<br />

pelo papa, 16 dias depois, bem no dia<br />

do aniversário de Lúcia, dia 28 de junho.<br />

Agora, para que Nhá Chica seja canonizada<br />

“Santa do Mundo” é necessário reconhecer<br />

mais um milagre. E este também pode<br />

vir de dentro da casa de Lúcia.<br />

Trata-se de um funcionário da família que<br />

se acidentou no cavalo e chegou a tomar coices<br />

na cabeça. Dada a grave situação, ele<br />

precisou ser levado para a capital e foi<br />

desenganado pelos médicos de que voltaria<br />

a ter uma vida normal. Se ele sobreviesse,<br />

as sequelas seriam graves. Ele não andaria<br />

mais, perderia a visão e a fala. Mas o<br />

homem, naquele momento entre a vida e a<br />

morte, foi abençoado. Assim que deixou a<br />

UTI, relatou ter visto Nhá Chica o tempo<br />

todo dentro da sala de cirurgia!<br />

Pelo país, casos de cura de doenças delicadas<br />

como câncer são frequentemente<br />

atrelados à santa.<br />

Lúcia não vê a hora do processo de canonização<br />

caminhar. Afirma que, no que<br />

depender dela, estará sempre fazendo de<br />

tudo para elevar Nhá Chica ao patamar<br />

merecido.<br />

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