Foto Arquivo Nicim Ramos Sô Mário da Cachoeira O último Tropeiro 28
Na sua forma simples e alegre de ser, o senhor Mário foi revivendo todo o seu passado. “A vida dos tropeiros não era fácil. Às vezes, chegávamos a ficar de 15 até 60 dias fora deixando a nossa casa, família. Por que tropas? Tropas, porque viajávamos em vários burros e sempre com um grupo de amigos. As panelas levávamos em balaios. Os alimentos, também. Pois, quem cozinhava éramos nós. O maior pesar era deixar o meu pequeno distrito de Cachoeira do Brumado, - Mariana MG. Mas não tínhamos opção. Essa era a luta! Tínhamos que buscar o pão de cada dia! O tropeiro era um homem que trabalhava e não tinha dinheiro, pois as nossas panelas de pedra-sabão, na maioria das vezes, eram trocadas por algo. Realizávamos a permuta. Viagem seguia..., sempre ao som das marchas dos cavalos que montávamos: “Pocotó, pocotó, pocotó...” Antes às coisas eram difíceis. Hoje nem tanto. Antes, não era possível comunicar com a família, não existia celular. Hoje, as viagens são com transportes de rodas. Banho não era diário, não! E era o “tradicional banho de cavalo”, que é quando você toma banho com um caneco derrubando a água sobre o corpo. A nossa alimentação era sempre baseada em arroz, feijão, torresmo e farinha. Não levávamos gordura. Poderia derramar! Então, levávamos o torresmo e o fritávamos. Com a gordura que sobrava, preparávamos os alimentos. Também, usávamos comer muito o “capitão”. O capitão é feijão com farinha amassados na mão. Sabe, um dos pratos típicos de Minas, o “feijão tropeiro”, ganhou esse nome, por causa de nós, tropeiros, que, na maioria das vezes, comíamos feijão com farinha e torresmo. O café da manhã era gemada. A Receita? Gema do ovo, rapadura e café. O modo de fazer: Raspe um pouco da rapadura. Depois a misture com a gema do ovo e bata. Em seguida, acrescente café (já coado). E pronto! Pode beber!Era a gemada que nos sustentava até a hora do almoço. Passavam-se dias e dias e nada de chegarmos. Às vezes, eram tantos, que os alimentos em casa acabavam e só restava chuchu. Eu mesmo, quando criança, cantava para a minha mãe: “Chuchu no almoço, chuchu no jantar, chuchu na peneira de coar fubá”. Não tínhamos fogão. Mas os viajantes de atualmente, que cozinham, têm fogão. Usávamos uma trempe, que colocávamos no chão. Ela tinha uns ganchinhos, onde pendurávamos os caldeirões. Não sei se vocês acreditam, mas..., no meio de todas essas viagens em tropas, eu encontrei a minha primeira namorada. Foi lá em São Miguel do Anta. Eu tinha 17 anos. O nome dela era Francisca, mas a chamava de Chica. Não era Chica da Silva, mas era Chica e até bonita. Só que ela foi embora para o Paraná. Meu destino era Nazinha. Chegava a noite. Hora de dormir. Então cada um pegava o seu couro e o abria. Uns, além do couro, tinham o seu colchão de palha ou a capa gaúcha. E dizíamos: “ É do couro que sai a correia. ” Cocoriocó... Cocoriocó..., galo cantando. Hora de acordar e retornar às nossas obrigações. E isso até no dia em que as panelas acabassem. Quando esse dia chegava, era dia de festa. Hora de voltar para casa! Ao avistarmos Cachoeira do Brumado, o coração começava a bater mais forte e veloz, de tanta saudade. Os olhos se enchiam d'água. Eram lágrimas. Lágrimas de emoção. Lágrimas daqueles que encontram a família depois de muito tempo. ” Thalia Gonçalves 29