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Na sua forma simples e alegre de ser, o<br />
senhor Mário foi revivendo todo o seu passado.<br />
“A vida dos tropeiros não era fácil. Às<br />
vezes, chegávamos a ficar de 15 até 60<br />
dias fora deixando a nossa casa, família.<br />
Por que tropas? Tropas, porque viajávamos<br />
em vários burros e sempre com um<br />
grupo de amigos.<br />
As panelas levávamos em balaios. Os<br />
alimentos, também. Pois, quem cozinhava<br />
éramos nós.<br />
O maior pesar era deixar o meu pequeno<br />
distrito de Cachoeira do Brumado, - Mariana<br />
MG. Mas não tínhamos opção. Essa<br />
era a luta! Tínhamos que buscar o pão de<br />
cada dia!<br />
O tropeiro era um homem que trabalhava<br />
e não tinha dinheiro, pois as nossas panelas<br />
de pedra-sabão, na maioria das<br />
vezes, eram trocadas por algo. Realizávamos<br />
a permuta.<br />
Viagem seguia..., sempre ao som das marchas<br />
dos cavalos que montávamos: “Pocotó,<br />
pocotó, pocotó...”<br />
Antes às coisas eram difíceis. Hoje nem<br />
tanto. Antes, não era possível comunicar<br />
com a família, não existia celular. Hoje, as<br />
viagens são com transportes de rodas.<br />
Banho não era diário, não! E era o “tradicional<br />
banho de cavalo”, que é quando você<br />
toma banho com um caneco derrubando a<br />
água sobre o corpo.<br />
A nossa alimentação era sempre baseada<br />
em arroz, feijão, torresmo e farinha. Não<br />
levávamos gordura. Poderia derramar!<br />
Então, levávamos o torresmo e o fritávamos.<br />
Com a gordura que sobrava, preparávamos<br />
os alimentos. Também, usávamos<br />
comer muito o “capitão”. O capitão é<br />
feijão com farinha amassados na mão.<br />
Sabe, um dos pratos típicos de Minas, o<br />
“feijão tropeiro”, ganhou esse nome, por<br />
causa de nós, tropeiros, que, na maioria<br />
das vezes, comíamos feijão com farinha e<br />
torresmo.<br />
O café da manhã era gemada. A Receita?<br />
Gema do ovo, rapadura e café. O modo de<br />
fazer: Raspe um pouco da rapadura.<br />
Depois a misture com a gema do ovo e<br />
bata. Em seguida, acrescente café (já coado).<br />
E pronto! Pode beber!Era a gemada<br />
que nos sustentava até a hora do almoço.<br />
Passavam-se dias e dias e nada de chegarmos.<br />
Às vezes, eram tantos, que os<br />
alimentos em casa acabavam e só restava<br />
chuchu. Eu mesmo, quando criança,<br />
cantava para a minha mãe: “Chuchu no<br />
almoço, chuchu no jantar, chuchu na peneira<br />
de coar fubá”.<br />
Não tínhamos fogão. Mas os viajantes de<br />
atualmente, que cozinham, têm fogão.<br />
Usávamos uma trempe, que colocávamos<br />
no chão. Ela tinha uns ganchinhos,<br />
onde pendurávamos os caldeirões.<br />
Não sei se vocês acreditam, mas..., no<br />
meio de todas essas viagens em tropas,<br />
eu encontrei a minha primeira namorada.<br />
Foi lá em São Miguel do Anta. Eu tinha 17<br />
anos. O nome dela era Francisca, mas a<br />
chamava de Chica. Não era Chica da Silva,<br />
mas era Chica e até bonita. Só que ela<br />
foi embora para o Paraná. Meu destino<br />
era Nazinha.<br />
Chegava a noite. Hora de dormir. Então<br />
cada um pegava o seu couro e o abria.<br />
Uns, além do couro, tinham o seu colchão<br />
de palha ou a capa gaúcha. E dizíamos: “<br />
É do couro que sai a correia. ”<br />
Cocoriocó... Cocoriocó..., galo cantando.<br />
Hora de acordar e retornar às nossas obrigações.<br />
E isso até no dia em que as panelas<br />
acabassem.<br />
Quando esse dia chegava, era dia de festa.<br />
Hora de voltar para casa!<br />
Ao avistarmos Cachoeira do Brumado, o<br />
coração começava a bater mais forte e<br />
veloz, de tanta saudade. Os olhos se<br />
enchiam d'água. Eram lágrimas. Lágrimas<br />
de emoção. Lágrimas daqueles que<br />
encontram a família depois de muito tempo.<br />
”<br />
Thalia Gonçalves<br />
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