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Revista Setembro 2017final2

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Na sua forma simples e alegre de ser, o<br />

senhor Mário foi revivendo todo o seu passado.<br />

“A vida dos tropeiros não era fácil. Às<br />

vezes, chegávamos a ficar de 15 até 60<br />

dias fora deixando a nossa casa, família.<br />

Por que tropas? Tropas, porque viajávamos<br />

em vários burros e sempre com um<br />

grupo de amigos.<br />

As panelas levávamos em balaios. Os<br />

alimentos, também. Pois, quem cozinhava<br />

éramos nós.<br />

O maior pesar era deixar o meu pequeno<br />

distrito de Cachoeira do Brumado, - Mariana<br />

MG. Mas não tínhamos opção. Essa<br />

era a luta! Tínhamos que buscar o pão de<br />

cada dia!<br />

O tropeiro era um homem que trabalhava<br />

e não tinha dinheiro, pois as nossas panelas<br />

de pedra-sabão, na maioria das<br />

vezes, eram trocadas por algo. Realizávamos<br />

a permuta.<br />

Viagem seguia..., sempre ao som das marchas<br />

dos cavalos que montávamos: “Pocotó,<br />

pocotó, pocotó...”<br />

Antes às coisas eram difíceis. Hoje nem<br />

tanto. Antes, não era possível comunicar<br />

com a família, não existia celular. Hoje, as<br />

viagens são com transportes de rodas.<br />

Banho não era diário, não! E era o “tradicional<br />

banho de cavalo”, que é quando você<br />

toma banho com um caneco derrubando a<br />

água sobre o corpo.<br />

A nossa alimentação era sempre baseada<br />

em arroz, feijão, torresmo e farinha. Não<br />

levávamos gordura. Poderia derramar!<br />

Então, levávamos o torresmo e o fritávamos.<br />

Com a gordura que sobrava, preparávamos<br />

os alimentos. Também, usávamos<br />

comer muito o “capitão”. O capitão é<br />

feijão com farinha amassados na mão.<br />

Sabe, um dos pratos típicos de Minas, o<br />

“feijão tropeiro”, ganhou esse nome, por<br />

causa de nós, tropeiros, que, na maioria<br />

das vezes, comíamos feijão com farinha e<br />

torresmo.<br />

O café da manhã era gemada. A Receita?<br />

Gema do ovo, rapadura e café. O modo de<br />

fazer: Raspe um pouco da rapadura.<br />

Depois a misture com a gema do ovo e<br />

bata. Em seguida, acrescente café (já coado).<br />

E pronto! Pode beber!Era a gemada<br />

que nos sustentava até a hora do almoço.<br />

Passavam-se dias e dias e nada de chegarmos.<br />

Às vezes, eram tantos, que os<br />

alimentos em casa acabavam e só restava<br />

chuchu. Eu mesmo, quando criança,<br />

cantava para a minha mãe: “Chuchu no<br />

almoço, chuchu no jantar, chuchu na peneira<br />

de coar fubá”.<br />

Não tínhamos fogão. Mas os viajantes de<br />

atualmente, que cozinham, têm fogão.<br />

Usávamos uma trempe, que colocávamos<br />

no chão. Ela tinha uns ganchinhos,<br />

onde pendurávamos os caldeirões.<br />

Não sei se vocês acreditam, mas..., no<br />

meio de todas essas viagens em tropas,<br />

eu encontrei a minha primeira namorada.<br />

Foi lá em São Miguel do Anta. Eu tinha 17<br />

anos. O nome dela era Francisca, mas a<br />

chamava de Chica. Não era Chica da Silva,<br />

mas era Chica e até bonita. Só que ela<br />

foi embora para o Paraná. Meu destino<br />

era Nazinha.<br />

Chegava a noite. Hora de dormir. Então<br />

cada um pegava o seu couro e o abria.<br />

Uns, além do couro, tinham o seu colchão<br />

de palha ou a capa gaúcha. E dizíamos: “<br />

É do couro que sai a correia. ”<br />

Cocoriocó... Cocoriocó..., galo cantando.<br />

Hora de acordar e retornar às nossas obrigações.<br />

E isso até no dia em que as panelas<br />

acabassem.<br />

Quando esse dia chegava, era dia de festa.<br />

Hora de voltar para casa!<br />

Ao avistarmos Cachoeira do Brumado, o<br />

coração começava a bater mais forte e<br />

veloz, de tanta saudade. Os olhos se<br />

enchiam d'água. Eram lágrimas. Lágrimas<br />

de emoção. Lágrimas daqueles que<br />

encontram a família depois de muito tempo.<br />

”<br />

Thalia Gonçalves<br />

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