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Revista Curinga Edição 06

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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<strong>Curinga</strong><br />

<strong>Revista</strong> laboratório | Jornalismo | UFOP | Julho de 2013 | Ano III | nº6<br />

Copa em Minas e no brasil<br />

Investimentos demais e direitos de menos<br />

Vozes do Morro<br />

A militância que movimenta<br />

outras ladeiras de Ouro Preto<br />

Umbanda em Mariana<br />

Mãe Marta e uma vida dedicada<br />

ao mais antigo terreiro da cidade<br />

A família<br />

mudou...<br />

e o parentesco pode ser apenas um detalhe<br />

1


O melhor jornal laboratório<br />

do Brasil já está nas ruas!<br />

Leia e repasse.<br />

<strong>Curinga</strong><br />

Expediente<br />

<strong>Curinga</strong> é uma publicação da disciplina<br />

Laboratório Impresso II – <strong>Revista</strong> produzida<br />

pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop.<br />

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) / Departamento<br />

de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO) /<br />

Universidade Federal de Ouro Preto.<br />

Professores Responsáveis:<br />

Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem)<br />

Priscila Borges (Planejamento Visual)<br />

Ana Carolina Lima Santos (Fotografia)<br />

Editora geral<br />

Joyce Afonso<br />

Subeditora<br />

Isadora Rabello<br />

Editora fotográfica<br />

Isadora Bruzzi<br />

Editora de arte<br />

Rafa Buscacio<br />

Subeditor de Arte<br />

Fábio Brito<br />

Editor digital<br />

Arthur Rosa<br />

Editores e revisores<br />

Ana Luísa Rodrigues, Bárbara Costa,<br />

César Raydan, Laura Ralola,<br />

Luís Fernando Bráulio, Patrícia Botaro<br />

Repórteres<br />

Alexandre Anastácio, Ana Malaco, Caroline França,<br />

Gérsica Moraes, Jéssica Romero, Patrícia Souza,<br />

Paulo Victor Fanaia, Ramon Cotta<br />

Infografistas<br />

Ana Paula Rodarte, Mariana Mendes<br />

Diagramadores<br />

Bárbara Zdanowsky, Bruna Silveira,<br />

Isabela Azi, Isadora Faria, Jessica Clifton,<br />

Kleiton Borges, Lorena Costa, Rolder Wangler<br />

Fotógrafos<br />

Adriana Souza, Ester Louback, Filipe Barboza,<br />

Lívia Almeida, Nara Bretas, Paula Peçanha,<br />

Rodrigo Pucci, Tamara Martins<br />

Produtores digitais<br />

Ana Luíza Batista, Núbia Cunha, Rayana Almeida<br />

Endereço<br />

Rua do Catete 166, Centro, CEP 35420-000<br />

Mariana-MG<br />

Tiragem<br />

1.500 exemplares<br />

Julho 2013<br />

Jornal Laboratório do curso de Jornalismo<br />

da Universidade Federal de Ouro Preto<br />

www.jornalismo.ufop.br/lampiao<br />

Cartas do leitor<br />

Para comentar as matérias ou sugerir pautas para nossa<br />

próxima edição, envie e-mail para<br />

revistacuringa@icsa.ufop.br<br />

2


E o Brasil<br />

vai as ruas...<br />

Editorial<br />

Texto: Isadora Rabello e Joyce Afonso<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Fábio Brito<br />

No editorial da edição de número 4 da <strong>Revista</strong><br />

CURINGA, de fevereiro de 2013, falávamos<br />

sobre o desaparecimento da juventude na<br />

política e a raridade com que se viam os jovens<br />

em manifestações. Em cinco meses, muita<br />

coisa mudou. Como dizem por aí, “o gigante<br />

acordou”. Milhares de jovens e adultos saíram<br />

das redes sociais e foram às ruas para mostrar<br />

sua indignação. Os principais questionamentos?<br />

Esgotamento diante da corrupção desenfreada,<br />

o descontentamento perante projetos<br />

de lei sem sentido, o aumento das tarifas dos<br />

ônibus e não apenas por isso. “Não é só por 20<br />

centavos, o buraco é mais embaixo”, diziam<br />

alguns cartazes pelo Brasil durante as manifestações<br />

do último mês de junho.<br />

Nesta edição, a CURINGA mostra as vozes<br />

que ecoam no Brasil e na região mineira<br />

dos inconfidentes, seja nas manifestações ou<br />

no dia- dia, pela conquista de direitos ou pela<br />

luta contra o preconceito. Na editoria Contemporâneo,<br />

você verá a cara de um país que investe<br />

bilhões para a Copa do Mundo enquanto<br />

seu povo é desalojado para o mesmo evento.<br />

Na reportagem especial, são apresentadas algumas<br />

formas de família que, mesmo não<br />

convencionais, possuem laços afetivos firmes,<br />

ao contrário do que pensam alguns parlamentares.<br />

A entrevista traz sujeitos que se movem<br />

e movimentam o povo de Ouro Preto. O<br />

debate em torno da existência de uma onda<br />

conservadora entre os jovens, mesmo dentro<br />

das manifestações, é tratada na editoria Comportamento.<br />

No ensaio fotográfico, a beleza de<br />

mulheres reais é protagonizada em uma releitura<br />

de propagandas famosas.<br />

Em tempo de erupção, quando milhares de<br />

brasileiros estão inquietos perante a política,<br />

quando evidências que antes estavam escondidas<br />

vêm à tona, a revista CURINGA realiza<br />

um raio X do contexto e conta para você, leitor,<br />

histórias de um país que esteve sonâmbulo e<br />

agora começa a bocejar.<br />

3


Sumário<br />

Comportamento<br />

<strong>06</strong><br />

Opinião<br />

14 &26<br />

Ensaio<br />

22<br />

30<br />

4<br />

Perfil<br />

Contemporâneo<br />

3


Sumário<br />

10<br />

16<br />

Entrevista<br />

Capa<br />

28<br />

34<br />

Retalhos<br />

6<br />

Contemporâneo<br />

Infográfico<br />

5


Comportamento<br />

JOVENS, PORÉM<br />

CONSERVADORISMO<br />

DIREITA<br />

NASCITURO<br />

PRECONCEITO<br />

Neto Medeiros<br />

6


CONSERVADORES<br />

Texto: Alexandre Anastácio e Paulo Victor Fanaia<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Jessica Clifton e Rodrigo Pucci<br />

O jornalista Luiz Carlos Maciel, em 1987, afirma em sua obra “Anos 60”: “Não nos<br />

passava pela cabeça que o ser humano pudesse passar seu tempo de vida na terra<br />

alheio aos problemas sociais e políticos; esta era, para nós, a pior das alienações.”<br />

Com o ego ferido, uma conservadora parte da juventude reage, discrimina e critica<br />

as políticas sociais que tentam lhes arrancar privilégios históricos<br />

Uma geração de filhos<br />

das políticas neoliberais de<br />

Fernando Henrique Cardoso,<br />

a quem, desde cedo, aprenderam<br />

a admirar, viram com<br />

desdém a ascensão da política<br />

de esquerda no Brasil em<br />

2002. Com a posse de Luiz<br />

Inácio Lula da Silva, o que<br />

antes era regalia de poucos,<br />

passa a estar na esfera de direitos<br />

de uma grande parcela<br />

da população.<br />

Esses jovens descontentes<br />

“são de certa maneira o<br />

resultado de uma sociedade<br />

profundamente desigual,<br />

marcada por uma violência<br />

sistemática contra os mais<br />

pobres, contra negros e contra<br />

as mulheres”, afirma o<br />

sociólogo e professor na Universidade<br />

de Juiz de Fora<br />

(UFJF), André Drumond. Falando<br />

ainda sobre a juventude<br />

conservadora, o sociólogo<br />

completa “E existem, cumpre<br />

lembrar, diversas instituições<br />

que perpetuam esse estado de<br />

coisas, das quais poderíamos<br />

citar a família tradicional e<br />

patriarcal, sistemas de educação<br />

que reproduzem desigualdades,<br />

bem como a silenciosa<br />

concentração dos principais<br />

meios de comunicação”.<br />

O “PIG” (Partido da Imprensa<br />

Golpista), termo<br />

cunhado pelo jornalista Paulo<br />

Henrique Amorim para designar<br />

a grande mídia, é a principal<br />

sustentadora ideológica<br />

desse grupo. Jornais como<br />

O Globo, Estadão, <strong>Revista</strong>s<br />

VEJA e Época, e as análises<br />

dos jornalistas Arnaldo Jabor<br />

e William Waack em telejornais,<br />

pautam o que será dito<br />

entre os reacionários. “O impacto<br />

cultural do lixo que é jogado,<br />

todos os programas, as<br />

revistas, os rádios, os jornais,<br />

as músicas, favorece a conservação<br />

da sociedade como ela<br />

está aí”, afirma André Mayer,<br />

professor de Serviço Social da<br />

Universidade Federal de Ouro<br />

Preto (UFOP) e orientador do<br />

Centro de Difusão do Comunismo<br />

(CDC-UFOP). “A juventude<br />

conservadora, hoje,<br />

expressa exatamente o oco e<br />

o vazio que a sociedade coloca<br />

na vivência dela”, ressalta o<br />

professor.<br />

Conservadores sempre<br />

existiram de maneira mais<br />

intensa nas classes dominantes,<br />

o que não exclui a<br />

presença deste pensamento<br />

em outros grupos sociais. A<br />

Marcha para Jesus, evento re-<br />

ligioso realizado anualmente<br />

em várias cidades do mundo<br />

mostra, por exemplo, que o<br />

conservadorismo atinge também<br />

outras esferas, mesmo<br />

que em um outro nível. A<br />

direita política, presente com<br />

maior força na elite, defende<br />

ideologicamente o fim das<br />

políticas sociais, a sagração<br />

do neoliberalismo, o exercício<br />

da influência dos militares e<br />

da Polícia Militar na sociedade,<br />

o corte das relações com<br />

os países da América do Sul e<br />

a abertura de braços para os<br />

EUA e seu way of life.<br />

Para André Mayer, a sociedade<br />

em geral é conservadora,<br />

pois não é uma questão<br />

do campo do indivíduo, e sim<br />

de sua identificação com o<br />

meio social em que ele está<br />

inserido. “Você passa a sua<br />

7


infância, a sua adolescência, a<br />

sua juventude e você não coloca<br />

em xeque e não debate,<br />

hora alguma da sua vivência<br />

e de sua formação, o modelo<br />

de sociedade que está aí”,<br />

afirma. Segundo o professor,<br />

a palavra-chave é a “naturalização”<br />

do que está posto<br />

como modelo de sociedade,<br />

o que é uma construção histórica<br />

e social fortalecida na<br />

década de 90. Nesse contexto,<br />

há uma pasteurização, uma<br />

aceitação dos cidadãos a partir<br />

do modelo de postura que<br />

lhe cobram, para garantir sua<br />

sobrevivência no mundo capitalista.<br />

Alguns deles, inclusive<br />

jovens, apegados aos conceitos<br />

de tradição e propriedade,<br />

levantam a bandeira da<br />

defesa da família e dos bons<br />

costumes sempre que qualquer<br />

luta das minorias atinge<br />

o Congresso, como medidas<br />

feministas, dos negros e dos<br />

gays, principalmente. O atual<br />

porta voz da extrema direita e<br />

militar de reserva é o Deputado<br />

Federal Jair Messias Bolsonaro<br />

(PP-RJ).<br />

Preconceitos como o racismo,<br />

o machismo e a homofobia,<br />

são reproduzidos por<br />

uma juventude reacionária,<br />

que vê as cotas, a validação<br />

do casamento civil igualitário<br />

e a entrada da mulher em espaços<br />

majoritariamente masculinos,<br />

por exemplo, como<br />

perda de seus privilégios históricos.<br />

O trote nas<br />

universidades<br />

Na última década, setores<br />

conservadores da sociedade<br />

burguesa voltam-se reagindo<br />

contra as mudanças sociais<br />

que aconteceram no Brasil,<br />

tentando segurar os passos<br />

progressistas da sociedade<br />

com pensamentos arcaicos e<br />

ultrapassados. Uma das ferramentas<br />

que eles têm para<br />

se reafirmar como tal é a manifestação<br />

dentro de locais<br />

onde um modelo excludente<br />

de sociedade ainda predomina.<br />

As universidades e seus<br />

trotes são um dos exemplos<br />

de espaços de perpetuação de<br />

discursos conservadores na<br />

sociedade.<br />

O trote, analisa o sociólogo<br />

André Drumond, “não é<br />

tão somente uma introdução<br />

na vida universitária, é também<br />

a afirmação de um conjunto<br />

de valores e significados<br />

importantes para o grupo em<br />

questão. Por isso, é razoável<br />

pensarmos que em cursos tradicionalmente<br />

ocupados por<br />

homens existam condições<br />

mais favoráveis para que motivações<br />

machistas e homofóbicas<br />

tomem lugar”.<br />

De acordo com Drumond,<br />

“Nos últimos anos, o Brasil<br />

tem experimentado mudanças<br />

sociais muito profundas<br />

(...) e essas mudanças, a<br />

despeito de serem menores<br />

do que se poderia esperar,<br />

acabam por reorganizar posições.”<br />

Não à toa, afirma, “os<br />

mais conservadores, ameaçados<br />

em seu lugar de poder,<br />

transbordam no reacionarismo,<br />

e, assim, procuram girar<br />

a roda da história para trás.”<br />

Alusão feita pelo professor a<br />

um conhecido trecho do Manifesto<br />

Comunista.<br />

Em março deste ano, dentro<br />

da Faculdade de Direito da<br />

Universidade Federal de Minas<br />

Gerais (UFMG), em Belo<br />

Horizonte, veteranos promoveram<br />

um trote de cunho nazista<br />

e racista. Jovens pintaram<br />

alguns calouros de preto<br />

8


e amarraram suas mãos com<br />

correntes. Um dos alunos<br />

chegou a pintar no rosto um<br />

bigode semelhante ao que era<br />

usado por Hitler, enquanto<br />

posava para fotos fazendo a<br />

saudação nazista, um exemplo<br />

de reprodução dos ideais<br />

de uma classe historicamente<br />

dominante.<br />

“Sou contra o que aconteceu,<br />

não encaro como uma<br />

simples brincadeira. Concordo<br />

com a leitura que muitos<br />

fizeram do ocorrido, no sentido<br />

de que o que aconteceu<br />

é expressão de preconceitos<br />

velados que existem na sociedade.”,<br />

afirma Renan Sales,<br />

estudante do sétimo período<br />

do curso de Direto da UFMG.<br />

Segundo ele, faltam iniciativas<br />

por parte da universidade<br />

para se discutir o preconceito<br />

e seus efeitos. Aquelas que<br />

existem, afirma, partem, em<br />

sua maioria, dos próprios alunos.<br />

Semanas depois do trote,<br />

notícias de um grupo neonazista<br />

de Belo Horizonte<br />

apareceram nos jornais, após<br />

um deles ter agredido violentamente<br />

um morador de rua<br />

negro. A investigação da polícia<br />

apontou que ele tinha 25<br />

anos e já estava relacionado<br />

a mais dois processos por ter<br />

esfaqueado homossexuais no<br />

centro de BH.<br />

No mês de junho de 2013,<br />

uma série de protestos espalhados<br />

por todo Brasil evidenciaram<br />

uma perspectiva<br />

social que foge àquela do<br />

pensamento conservador, solicitando<br />

posicionamentos de<br />

sua ala mais jovem.<br />

A Direita e as<br />

manifestações<br />

Os eventos ocorridos por<br />

todo o Brasil, a onda de manifestações<br />

ou, para alguns, a<br />

“primavera brasileira”, uma<br />

alusão aos movimentos que<br />

abalaram os regimes de países<br />

do Oriente Médio parecem<br />

dificultar uma análise acerca<br />

da juventude conservadora<br />

brasileira. Contudo, uma observação<br />

mais atenta mostra<br />

que esse grupo está presente<br />

também nas manifestações.<br />

Aproveitam os protestos para<br />

manipular o movimento com<br />

fetiche à lá “V de Vingança”,<br />

um culto a obra do quadrinista<br />

Allan Moore e sua revolução<br />

anônima e apartidária,<br />

para por em pauta o Impeachment<br />

da presidente Dilma<br />

Roussef e a derrocada do PT.<br />

Outros, até mesmo defendem<br />

a política de repressão do governo<br />

Geraldo Alckmin e da<br />

Polícia Militar de São Paulo.<br />

A Professora do Serviço<br />

Social da UFOP, Ednéia<br />

Oliveira aponta que “jovens<br />

reacionários entraram na<br />

manifestação e tiveram uma<br />

atitude fascista ao quebrar e<br />

queimar bandeiras dos movimentos<br />

de esquerda que estão<br />

nas ruas e na luta há muito<br />

tempo, substituindo-as, num<br />

ato nacionalista, pelas bandeiras<br />

do Brasil”.<br />

O artigo de Paulo Moreira<br />

Leite intitulado “Entre democracia<br />

e fascismo”, em sua<br />

coluna semanal na <strong>Revista</strong><br />

Isto É, trata do fato da mobilização<br />

ter assumido outra<br />

fisionomia, com “traços antidemocráticos<br />

acentuados.”<br />

As palavras do autor, nos fazem<br />

refletir: trata-se de democracia<br />

ou fascismo? Talvez<br />

essa entrada da juventude reacionária<br />

nas manifestações<br />

seja o claro exemplo para<br />

pensarmos o quanto de fascismo<br />

há no conservadorismo<br />

brasileiro. Como disse o cantor<br />

e compositor Tom Zé em<br />

sua página do facebook “Não<br />

é que todo o conservador seja<br />

burro, mas todo burro é conservador”.<br />

9


Entrevista<br />

“Se eu estou no governo,<br />

não posso estar com a base,<br />

e eu sou da base.” Teko<br />

Foto: Tamara Martins<br />

Texto: Jéssica Romero<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Isabela Azi<br />

10


Teko Rosa, 25 anos, e Márcia Valadares, 57, são duas gerações<br />

diferentes. Mas algo une os dois, e os une a Ouro Preto: a vontade<br />

de se movimentar e movimentar o povo. Ele é uma das vozes que<br />

tem ecoado e se levantado do “morro para o centro”. Coordena<br />

o Fala Favela, projeto social que propaga o Movimento Hip Hop<br />

e usa a arte de rua para instigar a consciência política nos jovens<br />

das comunidades. Ela é um nome conhecido entre pessoas dos<br />

movimentos sociais da cidade. Sua história na militância começa<br />

quando ela tinha só 15 anos de idade, em plena Ditadura Miliar.<br />

E quem a conhece percebe que ainda está longe de terminar.<br />

Ambos falam à <strong>Curinga</strong> sobre a Ouro Preto que se move e que<br />

os move.<br />

O começo<br />

Teko: Conheci grande parte da periferia da<br />

cidade há seis anos, quando estava concluindo<br />

Artes Cênicas na Ufop e fazia teatro nas<br />

comunidades. Nessa época, já aconteciam as<br />

primeiras manifestações de Hip Hop no Bairro<br />

Piedade, e eu conheci os primeiros percursores do<br />

movimento aqui. Fiquei maravilhado, espantado<br />

com aquela cultura que além de ser muito forte,<br />

era também uma contestação dos jovens que<br />

tinham outra visão do que era a periferia. Digo<br />

que é uma história não contada pelos livros, a<br />

questão da própria construção de Ouro Preto, da<br />

negritude e dos nossos valores culturais. Muitas<br />

vezes a gente estuda algo que não vai pôr em<br />

prática e o Hip Hop me abriu esse horizonte.<br />

Márcia: Ainda com quatorze anos, na década<br />

1970, frequentei uma escola pública de arte<br />

fundada por Ana Amélia Melo Nuno, grande<br />

agitadora cultural da cidade. Lá fazia curso de<br />

desenho, mas eles explicavam muito sobre ter<br />

uma visão social do país. Ensinaram-nos os<br />

ideais socialistas e a importância da mobilização<br />

popular para derrotar o Governo Militar. Então eu<br />

tive essa formação quando ainda era muito nova,<br />

e logo após me formar no colégio fui trabalhar<br />

com restauração em Salvador, onde militei<br />

numa corrente radical do MNU (Movimento<br />

Negro Unificado). Seis meses depois, voltei pra<br />

cá e iniciei a militância e a luta pelo socialismo.<br />

Entre tantas histórias, idas e vindas, estive em<br />

Ouro Preto, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e<br />

Brasília. Estava na luta pelas Diretas Já, conheci<br />

Lula, Brizola e muitos dos artistas que apoiavam<br />

a causa. E estava aqui, compondo as rodas de<br />

capoeira, os grupos de dança afro, as passeatas<br />

e protestos. Não sei como nunca fui presa. Eu<br />

fiz essa fuzarca nos Anos de Chumbo, cara!<br />

11


“Temos que levar as pessoas pra conhecer<br />

o morro, lá não tem beleza estética,<br />

a beleza é o povo.” Márcia<br />

Movimentos sociais, poder<br />

público e população<br />

Militância atual<br />

Teko: Nós já tivemos vários projetos<br />

itinerantes e o Fala Favela (FF) é o último. É<br />

uma mostra cultural, mas como oportunidade<br />

de protesto, em que se usa a própria fala pra<br />

mostrar que o jovem e as periferias precisam<br />

de investimentos. Percorremos os bairros para<br />

as apresentações de Hip Hop e fazemos os<br />

encontros sempre em quadras ou arenas. O FF<br />

nasceu da REDE (Associação Cultura de Rua),<br />

uma associação criada para unir grupos de<br />

todos os tipos de cultura de rua e desenvolver<br />

projetos comunitários. Em 2007, conseguimos<br />

aprovar a Lei Municipal 63507, que institui o<br />

dia 13 de Maio como o Dia Municipal da Cultura<br />

Hip Hop. Essa lei nos serve porque através dela<br />

o município deve ceder verba para apoiar as<br />

atividades culturais relacionadas ao Hip Hop.<br />

Márcia: O Fórum da Igualdade Racial de Ouro<br />

Preto foi criado em 2000 e é uma instituição<br />

que trabalha com os movimentos de minorias<br />

da cidade. Na área cultural trabalhamos<br />

reforçando o valor das religiões de matriz<br />

africana, do samba, do congado, do Hip Hop,<br />

da nossa origem africana. Estamos envolvidos<br />

com vários movimentos, o Movimento Sem<br />

Terra, o Movimento Indígena, o Movimento<br />

dos Atingidos por Barragens e todos que<br />

precisarem. Minha preocupação hoje é<br />

a infiltração da Direita nos movimentos<br />

sociais, como existe no MST, então o meu<br />

trabalho é colocar as pessoas pra pensar, pra<br />

não se deixarem levar pela grande mídia<br />

reacionária e racista que marginaliza todos<br />

os movimentos por causa das minorias<br />

infiltradas. Trabalho para que as pessoas não<br />

queiram ser espertas, mas sim inteligentes em<br />

suas atitudes dentro dos movimentos sociais.<br />

Teko: O que eu vejo em Ouro Preto é que não<br />

existem leis ou políticas para fortalecer os<br />

movimentos. O que existe são os movimentos<br />

tentando se organizar e se mostrar através<br />

de reinvindicação. O poder público ou ignora<br />

os movimentos ou quando vê que pode ter<br />

vantagens, faz alguma coisa. O orçamento<br />

participativo não funciona, e a falta de<br />

incentivo cultural e social é grande. A maioria<br />

dos jovens com quem trabalho é de classe<br />

média a baixa, que mal consegue fazer o<br />

ensino médio porque tem que trabalhar, e<br />

se aliena pelo que a grande mídia mostra.<br />

Somos uma cidade em que 70% dos jovens são<br />

negros e não temos representatividade, pois<br />

se formos olhar quem está na Universidade<br />

não vemos esse jovem lá. Aqui eles não têm<br />

formas de lazer, entretenimento, não tem<br />

incentivo aos esportes, à cultura. Hoje vemos<br />

um crescimento dos jovens se envolvendo<br />

com a criminalidade, e a violência na cidade<br />

já está se tornando natural. Temos um reflexo<br />

muito grande do período da escravidão, e<br />

precisamos correr atrás dessa reparação,<br />

pois tudo que foi construído nessa região foi<br />

construído através de uma herança muito<br />

negativa para nós e eu temo que isso esteja<br />

acontecendo novamente, de outra forma.<br />

Márcia: As pessoas que estão no poder público<br />

não têm consciência do trabalho social, pois<br />

quando chegamos para reivindicar nossos<br />

direitos eles nos tratam como vagabundos. Se<br />

alguém quer fazer uma denúncia de racismo<br />

em Ouro Preto, eles colocam panos quentes. A<br />

dificuldade é a falta de conhecimento do que<br />

é trabalho social justamente por quem está<br />

nesses cargos. Nosso trabalho social é grande,<br />

mas existe muito desrespeito. A população é<br />

contraditória, é uma população de maioria<br />

negra, mas você não vê essas pessoas lutando.<br />

Em 2005, quando nós iniciamos um movimento<br />

de luta pelas cotas, sofremos críticas, muitos<br />

não entenderam que é necessário. No caso das<br />

cotas, quem não luta não está na Universidade.<br />

12


Foto: Tamara Martins<br />

Liderança e preconceitos<br />

Teko: No último ano fiz parte da Secretaria de<br />

Cultura, eu era assessor de cultura, organizava<br />

as festas da comunidade. O atual governo<br />

até mostrou interesse em negociar, mas agora<br />

é pior, é como se fosse um “cala boca” mesmo.<br />

Te dou um cargo, mas você não pode contestar<br />

isso. Para mim não é vantagem nenhuma, pois<br />

eu trabalho com a base, e a base está insatisfeita<br />

com o governo. Se eu estou no governo,<br />

não posso estar com a base, e eu sou da base.<br />

Primeiro precisamos entender que temos três<br />

cidades, uma dentro da outra. Temos a Ouro<br />

Preto patrimônio histórico, que é a para ser<br />

dos turistas, a Ouro Preto universitária, que<br />

não se mistura de forma alguma com as outras,<br />

e a Ouro Preto nossa, que é a Ouro Preto<br />

constituída dos morros. E onde estão os movimentos<br />

sociais hoje? Na Ouro Preto constituída<br />

pelos morros, que faz as outras duas<br />

funcionarem. E o turista que vem aqui não enxerga<br />

essa movimentação social, ele vê só uma<br />

parte da cidade. E a Ufop poderia contribuir<br />

muito mais para Ouro Preto se desenvolver.<br />

Temos aí o curso de Medicina, de Direito e tantos<br />

outros que poderiam colaborar em projetos<br />

e se aproximar das comunidades.<br />

Márcia: Preconceito por eu ser mulher e negra<br />

sempre existiu, mas eu estive na Universidade<br />

em 1975. Recebi conhecimento acadêmico e<br />

intelectual, mas precisei abandonar o curso<br />

de História na Ufmg para trabalhar. O pouco<br />

que estudei ensinou-me a me defender através<br />

da informação. As pessoas ficavam putas<br />

comigo, principalmente a elite da época, mas<br />

eles tinham medo porque eu respondia com<br />

argumentos e mandava se foder (sic). Meu pai<br />

me ensinou a ser a melhor em tudo que eu<br />

fizesse. Ele dizia: “Tudo que você for fazer na<br />

vida, faça o melhor para ser respeitada.” Sempre<br />

tive isso comigo: que tinha que fazer o melhor<br />

para meus inimigos terem medo antes de<br />

me criticar. Então sempre circulei bem entre<br />

as classes A e C, entre “intelectuais” e o povo.<br />

13


Opinião<br />

atualização<br />

Texto: Patrícia Souza<br />

<strong>Edição</strong> gráfica Isadora Faria<br />

disponível<br />

14


Foto: Filipe Barboza<br />

Você é viciado? Álcool, cigarro, drogas, sexo? Nada disso! Para os antigos<br />

vícios, a moda agora é outra: apps, games, séries de TV e redes sociais.<br />

Com as mudanças sociais e o avanço da tecnologia e da medicina, o que<br />

chamamos de “vício”, entrou em um universo mais amplo. E o problema pode<br />

não estar em consumir, e sim em ser impulsionado a fazer somente aquela determinada<br />

atividade, causando uma perda de liberdade do indivíduo.<br />

Há quem passe horas assistindo vídeos no youtube, jogando na internet ou<br />

mexendo a todo minuto nos aplicativos de celular, ou até mesmo, aguardando<br />

a nova temporada e novo episódio daquela série instigante e divertida.<br />

Somos seduzidos por novas tecnologias e nos sentimos presos até que surja<br />

uma nova rede social e novas formas de interatividade. Algumas pessoas passam<br />

o dia todo aguardando o upload dos blogs de entretenimento para baixar<br />

ou assistir ao novo episódio da série do fall season. Checam a todo minuto o<br />

celular para ver se a mensagem enviada foi respondida, ou se “fulano” curtiu<br />

ou comentou seu novo “post” nas redes sociais.<br />

Tome cuidado! Este comportamento pode viciar...É como se fosse um novo<br />

chocolate com recheio crocante, que você está louco para experimentar, ou uma<br />

nova tendência de sombras daquela marca de cosméticos que se pudesse, compraria<br />

a coleção inteira!<br />

Os dispositivos móveis podem facilitar a nossa vida, mas acabamos vivendo<br />

através do que ditam os apps, pois geram arquivos e fazem dos alertas um<br />

“agendamento”. Eventos, lembretes, alarmes, previsão do tempo, redes sociais,<br />

fotos, GPS, tudo isso para indicar o que está fazendo, o que está comendo, onde<br />

está e com quem.<br />

A dependência por essas tecnologias está cada vez mais freqüente, principalmente<br />

entre os jovens, fazendo com que deixem suas obrigações familiares<br />

e sociais e passem tempo demasiado no mundo virtual. Estes vícios estão refletidos<br />

nas interações sociais, tornando nossas atitudes inquietantes, seguidas de<br />

madrugadas de insônia e ansiedade.<br />

Os vícios comportamentais considerados “pequenos vícios” determinam o<br />

comportamento do indivíduo que não consegue controlar a vontade de utilizar<br />

alguma inovação tecnológica ou obsessão por alguma pessoa ou coisa. Estes<br />

maus costumes aparecem como distrações que acabam tomando proporções<br />

maiores e fazendo com que o sujeito gaste um tempo maior com estas “distrações”.<br />

São os pequenos vícios que estruturam nosso dia-a-dia e nossa subjetividade.<br />

Os hábitos viciosos são ativados por uma área do cérebro que chamamos de<br />

“áreas de recompensa”, ligadas à coordenação motora e comportamento emocional.<br />

Ao se dedicar a estas atividades, o cérebro libera substâncias que nos<br />

fazem dependente delas, pois nos proporcionam prazer.<br />

Segundo a psicóloga Claudia Itabohany, podemos chamar estas manias de<br />

sintomas cotidianos, que podem ser amenos se não causam prejuízo para a<br />

vida mental e social do sujeito, caso contrário, podem se transformar em adoecimento<br />

psicológico. “Todos nós temos traços obsessivos e traços compulsivos e<br />

não é possível bani-los”, afirma a psicóloga.<br />

Os desvios de atenção são maneiras perfeitas para uma fuga da realidade,<br />

de maneira ilusória, podem suprir e compensar algumas carências. Fugir das<br />

nossas angústias, disfarçar nossas ansiedades, sair de nossos momentos estressantes<br />

e frustrações. Podendo ser uma forma de reação aos acontecimentos da<br />

vida, disfarces ou escapes para o “mal-estar” de se viver em sociedade.<br />

Não ficar dependente da tecnologia é quase uma missão impossível. Ficar<br />

longe de vez em quando para tentar se desintoxicar, poderá ser uma boa estratégia.<br />

E como qualquer vício, a melhor solução é se abster e procurar outros<br />

tipos de atividades que não sejam “viciantes”.<br />

15


Capa<br />

Foto: Arquivo pessoal<br />

Foto: Adriana Souza<br />

Foto: Arquivo pessoal<br />

Tudo em<br />

Família<br />

16


Texto: Caroline França<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Bárbara Zdanowsky<br />

Pai, mãe e filhos sentados à mesa durante o café da manhã<br />

são o retrato da família tradicional típico dos comerciais de<br />

margarina. Publicitários, aqui vai uma dica: essa é apenas<br />

uma das diversas configurações familiares que existem.<br />

Mulheres que aderem à reprodução independente; avós que<br />

criam netos; pessoas do mesmo sexo que lutam pelo direito<br />

de constituírem sua própria família; vínculos que são criados<br />

independentemente do parentesco. Famílias que compartilham<br />

o pão, a geleia, o queijo, o leite... e momentos para serem<br />

eternizados em um álbum de retratos.<br />

17


Foto: Adriana Souza<br />

A jornalista e professora, Joana Ziller, 38<br />

anos, cresceu em uma família diferente da dos<br />

padrões tradicionais. Quando seus pais se conheceram,<br />

há aproximadamente 40 anos, optaram<br />

por não se casar. Sua compreensão de<br />

família se difere da concepção padronizada.<br />

“Lá em casa tanto eu quanto meu irmão sempre<br />

fomos estimulados a buscar a proximidade<br />

com aquilo que a gente amasse, a pensar o que<br />

é que faz a gente mais feliz”, conta. Conheceu<br />

sua companheira há 11 anos e, para ela, desde<br />

o momento em que foram morar juntas, constituíram<br />

uma família.<br />

O casal oficializou a união após o Supremo<br />

Tribunal Federal (STF) reconhecer a união estável<br />

entre pessoas do mesmo sexo, em 2011.<br />

Pretendem, agora, transformá-la em união civil,<br />

já que, recentemente, o Conselho Nacional<br />

de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução na<br />

qual os cartórios de todo o país são obrigados a<br />

converter a união estável homoafetiva em casamento<br />

civil e, também, a celebrá-lo. Assim,<br />

legalmente, terão os mesmos direitos de toda<br />

família. Joana diz que é importante separar o<br />

que é o reconhecimento de um direito e o que<br />

é a vida cotidiana. “Na vida de fato, a gente já<br />

é uma família há muito tempo”, ressalta.<br />

De acordo com o professor de Direito Constitucional<br />

da Universidade Federal de Ouro<br />

Preto (UFOP), Alexandre Bahia, a legalização<br />

do casamento civil igualitário ainda depende<br />

de um ato do Congresso Nacional, pois só ele<br />

pode produzir leis. Segundo ele, atualmente,<br />

a chance do projeto de lei ser aprovado é pequena,<br />

“porque, na verdade, existe uma bancada<br />

religiosa muito forte no Congresso e eles<br />

são contra isso”. Na prática, não há diferença,<br />

mas caso o projeto seja aprovado, o Código<br />

Civil Brasileiro sofrerá alterações, tornando o<br />

casamento assegurado pela lei.<br />

Para Joana é preciso pensar que existe distinção<br />

entre o reconhecimento do amor e o<br />

reconhecimento do direito. “O Estado nunca<br />

mandou no meu amor”, diz. Com a aprovação<br />

da união civil, uma infinidade de direitos<br />

em uma família passa a ser reconhecida. As<br />

mudanças vão desde declarar imposto de renda<br />

a obter um plano de saúde conjunto. Em<br />

sua opinião, embora a união estável reconheça<br />

parte dos direitos que o casamento garante,<br />

não possui a mesma legitimação social.<br />

Como militante, Joana acompanhou todo<br />

o processo de validação dessas decisões. “É<br />

engraçado que esses avanços na nossa sociedade<br />

estejam vindo do poder judiciário, e não<br />

do legislativo”, comenta. O casamento civil<br />

igualitário é um assunto que está sendo debatido<br />

mundialmente. Na América Latina, o<br />

Uruguai e a Argentina já o haviam aprovado,<br />

o que torna o Brasil um tanto quanto atrasado<br />

em relação a outros países. “A briga por reconhecimento<br />

de direitos iguais, por um tratamento<br />

igual, é uma briga que não acaba agora,<br />

é uma briga constante”, diz.<br />

18


Vínculos afetivos<br />

A relação de parentesco é apenas um detalhe<br />

para algumas famílias. Há quem diga<br />

que o vínculo sanguíneo não é tão importante<br />

quanto o vínculo afetivo. Na década de 80,<br />

no auge dos seus 17 anos, a chef de cozinha,<br />

Cláudia Pessoa, 43, deixou a casa de seus pais<br />

adotivos em Uberaba e mudou-se para Ouro<br />

Preto. Não se enquadrava dentro das repúblicas<br />

femininas e como era frequentadora assídua<br />

da república federal masculina Aquarius,<br />

foi convidada a morar lá.<br />

Desde o princípio, a relação que estabeleceu<br />

não só com a república, mas também com<br />

seus moradores, foi especial, pois eles tornaram-se,<br />

efetivamente, sua família. “Todos os<br />

meus momentos importantes aconteceram<br />

aqui ou com as pessoas daqui, que são os<br />

meus irmãos, que são os meus heróis, que são<br />

os meus exemplos”, diz. Foram inúmeras as<br />

histórias de vida compartilhadas com aquelas<br />

pessoas, o que fez com que a relação se fortalecesse.<br />

Cláudia chegou a morar na Itália, em Goiás,<br />

em Tiradentes e teve sua própria residência<br />

em Ouro Preto. Entre idas e vindas, sempre<br />

teve a república como seu lar e seu porto seguro.<br />

Quando passou por um casamento conturbado<br />

e engravidou de seu primeiro e único<br />

filho, teve que fazer escolhas. Assim, quando<br />

Pedro nasceu, os moradores tornaram-se seus<br />

tios e, também, babás. “Todo mundo, de uma<br />

maneira ou outra, se envolveu na criação do<br />

meu filho comigo”, comenta.<br />

Pedro Pessoa, 20, costuma brincar que<br />

possui “uma mãe, um cachorro, 180 tios e 26<br />

irmãos”, referindo-se aos ex e atuais moradores<br />

da Aquarius. Por conta do divórcio dos<br />

pais, sempre viveu com Cláudia e com Rex, o<br />

cachorro que também é tido como membro da<br />

família. Assim como a mãe, considera a república<br />

como sua casa. “Sempre que eu tive alguma<br />

necessidade eu procurei, principalmente,<br />

o pessoal da república”, diz.<br />

Quando passou no vestibular, tentou batalhar<br />

por uma vaga na república, mas desistiu.<br />

“É um pouco difícil você ter que começar<br />

do primeiro andar da hierarquia uma vez que<br />

você já tem uma intimidade tão grande com<br />

a casa, com todos os moradores e ex-alunos”,<br />

conta. Por enquanto, não se sente pronto para<br />

uma mudança de atitude para com os moradores.<br />

“Eu ainda tenho muita vontade de<br />

morar aqui algum dia, para ter um quadrinho<br />

e poder dizer: eu faço parte da história dessa<br />

república mesmo”, afirma.<br />

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia<br />

e Estatística (IBGE), o número de crianças<br />

que são sustentadas pelos avós passam dos<br />

quatro milhões, conforme o Censo 2010. A estudante<br />

de pedagogia, Izabel Nascimento, 24,<br />

faz parte dessas estatísticas. Assim que saiu<br />

do hospital quando nasceu foi morar com seus<br />

avós. Seus pais passavam por uma fase ruim<br />

no casamento e discutiam muito. “Quando eu<br />

nasci, minha mãe não queria que eu presenciasse, apesar de<br />

ser criança, as brigas deles”, conta. Após a separação, tanto seu<br />

pai quanto sua mãe constituíram novas famílias. No entanto,<br />

ela e o irmão continuaram morando com os avós, pois já haviam<br />

se acostumado.<br />

A relação que mantém com a mãe é tranquila. “Ir para casa<br />

da minha mãe era como os outros filhos irem para a casa da<br />

avó no final de semana”, diz. Apesar de não manter contato<br />

constante com o pai, a figura paterna nunca lhe fez falta. Segundo<br />

ela, seu tio sempre esteve presente para cumprir esse<br />

papel. “A gente teve uma presença paterna em casa, não necessariamente<br />

do nosso pai biológico, mas tinha”, observa.<br />

Avós têm o costume de mimar os netos, e não foi diferente<br />

com Izabel, que diz ter sido um tanto quanto mimada pela avó.<br />

Reconhece, também, que além de ter sido bem criada, recebeu<br />

limites e incentivos, aprendeu valores éticos e cristãos, e a<br />

respeitar o próximo. “Ela [avó] sempre me deu uma educação<br />

muito boa e rígida”, comenta. Para ela, a estrutura familiar<br />

não depende somente do pai e da mãe, afinal, sua avó e seu tio<br />

sempre foram a base de sua família. “Acho que a estrutura não<br />

está no fato de se é pai ou se é mãe. É no carinho, no amor e na<br />

educação que se dá”, conclui.<br />

Foto: Adriana Souza<br />

19


Pais e filhos<br />

A vontade de ser mãe e a falta de um relacionamento estável<br />

motivou a professora Dulcinéia dos Santos Pimenta, 33,<br />

a aderir ao método de inseminação artificial. Optou pela produção<br />

independente quando percebeu que as chances de ser<br />

mãe diminuíram devido à sua dificuldade para engravidar. A<br />

ideia de utilizar um doador anônimo foi descartada quando<br />

um amigo resolveu assumir a paternidade. A sugestão partiu<br />

da mãe do próprio rapaz, que já tinha vontade de ser pai. “Ele<br />

achou interessante ter um filho de uma pessoa que também<br />

quer ter um filho”, diz.<br />

Quando tomou sua decisão, muitas pessoas acharam interessante.<br />

Uma amiga, porém, não aceitou bem a ideia de um<br />

conhecido assumir a paternidade, visto que, a princípio, Dulcinéia<br />

não queria envolvimento com ninguém. Apesar de ter<br />

consciência de que haverá um relacionamento, quer continuar<br />

com seus planos. A primeira tentativa falhou. “Fiquei triste,<br />

mas não frustrada”, relata. Agora, pretende economizar para<br />

realizar o procedimento de fertilização in vitro até o final do<br />

ano.<br />

A profesora não se sentia confortável para falar sobre seus<br />

problemas de fertilidade, apenas conformava-se com sua situação<br />

e cogitou a possibilidade de adotar uma criança. Ainda<br />

pensa nessa opção, mas primeiro quer tentar engravidar. A decisão<br />

de criar uma criança sozinha não foi fácil, mas a vontade<br />

de experimentar a maternidade somada à estabilidade financeira,<br />

lhe motivou a levar o seu desejo adiante. “Sempre tive<br />

esse sonho, mas agora ele acordou com toda a vontade”, conta.<br />

A jornalista e professora Joana também pretende recorrer<br />

à inseminação artificial para ter um filho. Caso engravide, terá<br />

que entrar na justiça para que sua esposa seja reconhecida<br />

como mãe. Assim como Dulcinéia, a outra possibilidade é a<br />

adoção. Como casal, podem pedir adoção conjunta, mas, ainda<br />

assim, terão que enfrentar trâmites jurídicos.<br />

A lei de adoção, segundo o professor Alexandre, permite<br />

que pessoas solteiras, casadas ou que possuem união estável<br />

adotem uma criança. O STF, ao reconhecer a união homoafetiva<br />

como entidade familiar, em 2011, conferiu-lhe todos os<br />

efeitos jurídicos previstos para a união estável. Portanto, atualmente,<br />

é possível que um casal homossexual peça a adoção<br />

tendo a união estável. Antes dessa decisão, era comum que<br />

casais tentassem adotar como se fossem pessoas solteiras e a<br />

deliberação ficava a critério do juiz.<br />

Para o vereador Leandro Marques, 27, um casal, mesmo<br />

que sem filhos, pode ser visto como uma família tanto no valor<br />

social quanto no sentimental, mas acredita que uma criança<br />

completa este cenário. Ele e o parceiro têm uma filha de quatro<br />

anos de idade, cujo contato social ainda não é tão exposto a<br />

preconceitos e a críticas. Segundo ele, houve um acolhimento<br />

muito positivo por parte de seus familiares e amigos. “O preconceito<br />

sempre vai existir, principalmente, para aquelas pessoas<br />

que não possuem a oportunidade de conhecer de perto<br />

esta realidade”, diz.<br />

As diversas configurações familiares sempre existiram ou<br />

só foram percebidas agora? Difícil responder. O fato é que com<br />

as conquistas de direitos, com o acesso a novas formas de reprodução,<br />

com as relações que unem pessoas que são parentes<br />

ou não e, sobretudo, com afeto, famílias plurais ocupam seus<br />

lugares à mesa do café da manhã e produzem o seu próprio<br />

comercial de margarina.<br />

20


Cláudia e Nina, a cachorrinha de estimação.<br />

Foto: Adriana Souza<br />

Foto: Adriana Souza<br />

Foto: Arquivo Pessoal<br />

Pedro, Nina, e sua mãe, Cláudia.<br />

Foto: Arquivo Pessoal<br />

Dulcinéia e sua irmã, Luciana.<br />

Izabel e sua avó, Idalira.<br />

21


Ensaio Fotográfico<br />

BELEZA REAL<br />

APRECIE SEM MODERAÇÃO<br />

22


O sonho de toda mulher? Ter o corpo perfeito, ser sedutora<br />

e sexy. Será? O padrão de beleza em propagandas não me<br />

representa. Gosto do meu cabelo natural, das minhas curvas,<br />

do meu certo desleixo em não me enquadrar à beleza ideal.<br />

Sou real com minhas singularidades e personalidade.<br />

Não nego que, às vezes, gosto de me produzir para<br />

conquistar, me destacar com um realce na minha beleza. Mas<br />

não vivo apenas para provocar e seduzir. Gosto de ser única!<br />

Sou feliz em ser comum e ao mesmo tempo diferente. Tenho<br />

orgulho de ser singular, distinta entre tantas outras. Somos<br />

mulheres reais, e não uma criação da publicidade.<br />

foto e texto: lívia almeida<br />

edição gráfica: bruna silveira<br />

modelos: luiza felipe, maria elisa rei, luana barros,<br />

nany oliveira, nathália aguerrondo e bruna sales<br />

PANTERA<br />

PROVÊ<br />

EXCLUSIVA FÓRMULA<br />

MEU CABELO,<br />

MEU ESTILO.<br />

23


VITRINE<br />

RÔPE<br />

Você é mulher, use seu charme.<br />

24


Chique Kasual<br />

cK<br />

D&C<br />

DOCE & CHEIROSO<br />

25


Opinião<br />

A maioridade<br />

penal tem cor<br />

e classe<br />

Texto Alexandre Anastácio<br />

<strong>Edição</strong> gráfica Isadora Faria<br />

26<br />

“Se já tem idade para roubar, tem idade para ser preso”,<br />

“melhor na cadeia do que na rua”. Estas frases são recorrentes<br />

sempre que um crime grave envolve do lado infrator, um adolescente.<br />

Situações como essa, trazem à tona a discussão sobre<br />

a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil. O<br />

último episódio de grande repercussão na mídia brasileira foi<br />

o assassinato de Victor Hugo Deppman, de 19 anos, morto por<br />

um jovem que estava a três dias de completar 18 anos. O crime<br />

aconteceu na porta do prédio onde Victor morava, em São Paulo,<br />

no dia 9 de abril desse ano.<br />

O projeto de lei (PL) enviado ao Congresso Nacional pelo<br />

Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin uma semana após<br />

o crime, busca ampliar a pena máxima para reincidência em<br />

infrações análogas a crimes hediondos de três para oito anos.<br />

Com essa proposta, o debate acerca da redução da maioridade<br />

penal em dois anos cresceu. A PL foi apoiada por frentes<br />

conservadoras em vários outros estados do país. Desde 1999,<br />

a redução da idade penal vem sendo discutida pelo Congresso<br />

brasileiro, em diferentes Propostas de Emenda à Constituição<br />

Federal (PECs). O plano apresentado várias vezes durante todos<br />

estes anos não demonstra nada além da hipocrisia de um<br />

Estado negligente. Um governo que não garante à sua população<br />

jovem seus direitos básicos como educação, saúde, lazer,<br />

cultura e moradia, e como consequência, ainda pune esse grupo<br />

por sua própria displicência para com eles.<br />

A discussão é muito mais ampla do que esse caso específico.<br />

Não podemos nos prender em casos isolados, porque é aí<br />

que os argumentos se tornam superficiais. Ao se tomar as do-


es de um ato violento feito por um adolescente, não devemos<br />

agir no impulso e criminalizar outros tantos, assim acabamos<br />

por fazer um debate quase sempre em cima dos efeitos da violência<br />

e não da causa dela.<br />

Diferente do que muitos pensam e do que é reproduzido<br />

pela grande imprensa, homicídios praticados por adolescentes<br />

não são tão frequentes. Em 2010, dos atos infracionais cometidos<br />

por adolescentes em Belo Horizonte apenas 0,3% foram<br />

homicídios. As ocorrências registradas são, em sua maioria,<br />

por tráfico de drogas (27,2%), pelo uso de drogas (18,5%), por<br />

furto (10,7%) e roubo (7,7%) (dados da Vara Infracional da<br />

Infância e da Juventude de Belo Horizonte). Levando em consideração<br />

o contexto brasileiro, os dados mais recentes sobre o<br />

Sistema Nacional Socioeducativo reunidos pela Subsecretaria<br />

de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente<br />

(SPDCA) mostram que dentro do universo de adolescentes em<br />

cumprimento da medida de internação, a grande maioria é por<br />

furto (42,62%), tráfico de drogas (11, 28%) e os homicídios<br />

representam 9,85%, do total de 10.651 casos em 2008.<br />

Melhor do que um ato de punição é a prevenção. O baixo<br />

investimento em educação pública de qualidade e as péssimas<br />

condições socioeconômicas têm seus reflexos na sociedade<br />

como um todo. Alguns jovens sem perspectivas de futuro em<br />

um mercado de trabalho saturado encontram na criminalidade<br />

uma saída para sobreviver. É importante ressaltar que de<br />

acordo também com a SPDCA, o número de adolescentes que<br />

cometeram crimes no ano de 2004 e que cumpriram medidas<br />

socioeducativas, não atingia 1% do universo total da população<br />

adolescente do país.<br />

Um estudo feito pela socióloga e pesquisadora da USP, Liana<br />

de Paula, indica que o investimento preventivo melhoraria<br />

a qualidade de vida dos jovens e diminuiria, a médio prazo, a<br />

proporção de jovens que migram para o crime. Escolas sucateadas<br />

ou mal equipadas, problemas de moradia e de saúde são<br />

alguns dos fatores que desestimulam os jovens e contribuem<br />

para sua exclusão tanto econômica quanto social”, aponta a<br />

pesquisa.<br />

Existe dentro da frente conservadora do Congresso uma<br />

clara tendência à criminalização da pobreza. A juventude pobre<br />

é a parcela que realmente sofre com esse descaso do Estado,<br />

que prefere jogá-la na cadeia a investir em políticas que<br />

realmente irão garantir que esse adolescente tenha acesso a direitos<br />

fundamentais para seu desenvolvimento como cidadão<br />

e profissional. Além disso, é sempre importante lembrarmos<br />

que diariamente jovens negros da periferia são mortos, vítimas<br />

dos mais variados motivos, dentre eles, o racismo, a segregação<br />

social e a violência da policia. Mesmo com esse fato, a revolta<br />

midiática e de certos setores da população é bem diferente,<br />

quando o ataque é feito a um jovem de uma classe mais alta<br />

da nossa sociedade.<br />

A redução é uma irresponsabilidade social, pois tem um<br />

público alvo, que tem cor e classe social definidas. Uma medida<br />

como essa é uma confissão de culpa do Estado, que assume<br />

sua falta de vontade de investir em uma parcela bem específica<br />

da juventude brasileira, e para piorar, retira-lhe a liberdade e<br />

o futuro.<br />

27


Retalhos<br />

Foto: arquivo pessoal<br />

A ascensão das redes sociais trouxe a possibilidade<br />

das pessoas compartilharem experiências<br />

na internet e unir laços que fazem a diferença.<br />

Com esse objetivo, surgiu o blog Tudo<br />

bem Ser Diferente, em 2012, de Sônia Pessoa,<br />

mãe de Pedro, garoto de 7 anos que teve hidrocefalia<br />

quando bebê e ficou com sequelas<br />

de coordenação motora. O produto, que também<br />

possui uma página no Facebook, além de<br />

ser um fruto de angústias e um desabafo de<br />

Sônia, trata o tema educação inclusiva e da<br />

necessidade de uma sociedade que aceita os<br />

sujeitos com suas singularidades.<br />

Sônia conta que um passo importante<br />

para a educação inclusiva é entender o aluno,<br />

compreender os seus limites, valorizar as<br />

suas potencialidades e permitir que a cultura<br />

da padronização abra espaço para a cultura<br />

da heterogeneidade. ‘‘As famílias não buscam<br />

pena e privilégios. Trata-se do direito à educação<br />

e da necessidade urgente de repensar uma<br />

educação baseada em padrões que não se aplicam<br />

à diversidade social típica da sociedade<br />

contemporânea’’, diz.<br />

A escola e a sociedade precisam compreender<br />

que a inclusão começa dentro de casa. Sônia<br />

destaca que o modo como os pais tratam<br />

as questões de diversidade será o jeito como<br />

as crianças vão receber as informações sobre<br />

determinado assunto. ‘‘Tentamos mostrar ao<br />

nosso filho a multiplicidade de pessoas de um<br />

mundo no qual nós devemos buscar o nosso<br />

lugar e a nossa identidade, respeitando o outro,<br />

convivendo em harmonia e compreendendo<br />

que opinião e expressão são livres e individuais.<br />

E que o respeito ao outro traz também o<br />

respeito a nós mesmos’’, finaliza.<br />

www.tudobemserdiferente.wordpress.com<br />

Texto: Ramon Cotta<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Rolder Wangler<br />

Ser desajeitado<br />

é coisa séria<br />

Crianças que têm problema para escrever,<br />

manejar os materiais escolares, abotoar<br />

uma blusa, amarrar os sapatos e debruçar<br />

sobre a carteira nem sempre são preguiçosas<br />

ou desajeitadas. Esses são sintomas<br />

possíveis do Transtorno do Desenvolvimento<br />

da Coordenação, o TDC, que segundo dados<br />

de 2011 da tese de doutorado de Ana<br />

Amélia Cardoso Rodrigues atinge 4,3% das<br />

crianças de 7 e 8 anos de idade de Belo Horizonte,<br />

Minas Gerais. O TDC não tem uma<br />

causa específica, mas é muito comum em<br />

pessoas que nasceram prematuras.<br />

O indivíduo com o transtorno pode<br />

apresentar na infância retrocesso no sentar,<br />

engatinhar, andar e ter problemas em outras<br />

tarefas, como jogar bola, andar de bicicleta<br />

e usar talheres. Lívia de Castro Magalhães,<br />

terapeuta ocupacional, enfatiza que<br />

essas dificuldades podem levar a pessoa<br />

portadora à restrição na participação social<br />

e impactar tanto no desempenho escolar<br />

quanto nas brincadeiras tipicamente infantis.<br />

’’Crianças com TDC se cansam mais<br />

rápido e parecem mais desatentas, pois têm<br />

que prestar muita atenção visual e pensar<br />

no que fazer’’, conta. Na adolescência e fase<br />

adulta, os problemas persistem, porém com<br />

o risco para depressão e ansiedade.<br />

Pais e escola devem trabalhar juntos na<br />

identificação do transtorno, pois são os primeiros<br />

a perceber os sintomas. Lívia explica<br />

que na escola, por exemplo, os professores<br />

podem fazer adaptações encurtando as tarefas<br />

motoras e evitando o excesso de cópia<br />

do quadro no caderno. ’’A parceria e troca<br />

de informações é essencial para a criança,<br />

pois há necessidade de maior suporte e encorajamento<br />

para o desempenho de tarefas<br />

motoras. A compreensão do problema é o<br />

primeiro passo’’, destaca Lívia.<br />

28


O Feminismo me representa<br />

Retalhos<br />

Texto: Ramon Cotta<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Rolder Wangler<br />

Ao escutar o trecho da canção do Mc Roba<br />

Cena que citava ’’Se dormir, vai tomar dormindo’’,<br />

e em seguida ouvir a versão resposta dessa<br />

música na voz de As Pretas, onde o verso<br />

era ‘’Tomar dormindo nada, as minas aqui do baile<br />

gosta de tomar acordada’’, Luisa Nolasco decidiu<br />

produzir o curta Mulheres no Funk. O filme<br />

acompanhou a vida de três funkeiras cariocas<br />

que lutam para conquistar um espaço que é<br />

predominantemente masculino. ’’Existe, sim,<br />

um feminismo no funk, mas não sei se é consciente.<br />

Tem um movimento delas por batalhar<br />

por direitos iguais e apropriar do seu lugar’’,<br />

acredita a diretora.<br />

O funk brasileiro surgiu no Rio de Janeiro<br />

na década de 1980 influenciado pelo ritmo<br />

Miami Bass, da Florida, EUA. Ganhou ambiente<br />

nas periferias cariocas através dos bailes e das<br />

canções que narravam o cotidiano dos moradores<br />

das favelas. No final dos anos 1990, surgiram<br />

também os ’’proibidões’’, músicas com<br />

temas ligados as drogas e com intenso apelo<br />

sexual.<br />

Cachorras, preparadas e<br />

poderosas: As funkeiras<br />

seriam as novas feministas?<br />

A monografia ’’A representação<br />

feminina do funk em jornais populares<br />

do Rio de Janeiro’’, da<br />

estudante Mariana Gomes, conta<br />

que o número de mulheres nas<br />

favelas cariocas é superior ao<br />

número de homens. Mesmo<br />

sendo maioria no ambiente<br />

onde surge o funk,<br />

elas são minoria nesse<br />

meio musical e poucas<br />

conseguem se inserir<br />

neste ambiente para<br />

cantar. Porém, esse<br />

fato não é característico<br />

apenas do funk, e sim,<br />

reflete o machismo tão<br />

presente na sociedade. Historicamente<br />

as mulheres<br />

demoraram a sair de casa e<br />

hoje aos poucos conquistam<br />

grandes chefias no mercado<br />

de trabalho.<br />

Quando ocorre a inversão<br />

de papéis e as mulheres deixam<br />

de ser um objeto de desejo e assumem<br />

o microfone, o funk é um meio<br />

que exibe uma mulher segura da sua<br />

sexualidade e com atitude. A grande<br />

maioria das músicas cantadas pelas<br />

funkeiras evidencia questões de erotismo<br />

como se fosse um grito de liberdade<br />

sexual, uma das bandeiras<br />

das feministas. “Só me dava porrada e<br />

partia pra farra. Eu ficava sozinha esperando<br />

você. Eu gritava e chorava, que nem<br />

uma maluca. Valeu, muito obrigada,<br />

mas agora eu virei puta!”, diz a canção<br />

da cantora Valesca Popozuda.<br />

Lola Aronovich, professora de<br />

Literatura em Língua Inglesa na<br />

Universidade Federal do Ceará e<br />

autora do blog feminista ’’Escreva,<br />

Lola, Escreva’’, acredita que o<br />

funk pode tratar machismo e feminismo<br />

em momentos distintos.<br />

’’Quando explora a sexualidade<br />

da mulher como objeto de consumo, quando<br />

condena essa sexualidade, ou quando incita a<br />

violência, o funk é machista. Ao mesmo tempo,<br />

quando põe a figura feminina como protagonista<br />

e agente da sua sexualidade, quando<br />

fala de prazer feminino como algo louvável,<br />

quando enaltece a sexualidade<br />

feminina<br />

não como algo feito<br />

para se exibir e excitar<br />

os homens, mas<br />

como manifestação do<br />

desejo da mulher, ele<br />

pode estar sendo feminista’’,<br />

afirma.<br />

Se no século 19,<br />

as mulheres lutavam<br />

por direitos civis,<br />

como o voto feminino, hoje,<br />

as cantoras do funk esbravejam<br />

pela liberdade do prazer sexual<br />

presente na cultura da qual fazem<br />

parte. As reivindicações são<br />

mais que prazer, são denúncias<br />

cantadas sobre as opressões das<br />

quais foram submetidas ao<br />

longo da história: ’’Late que eu<br />

to passando’’.<br />

Fotos: Paula Peçanha<br />

29


Perfil<br />

30


mãe marta de<br />

santo<br />

Texto: Gersica Moraes<br />

<strong>Edição</strong> gráfica: Lorena costa<br />

fotos: nara bretas<br />

Mariana, Minas Gerais. Casa verde, portas<br />

e janelas abertas, um homem negro sentado<br />

tranquilamente bebendo cerveja e ouvindo<br />

sertanejo. “Estou procurando a casa da Mãe<br />

Marta, você sabe onde fica?”. Silêncio. Bebeu<br />

mais um gole de cerveja, levantou-se e apontou<br />

pra dentro: “É aqui mesmo, moça, pode<br />

ficar à vontade”.<br />

Marta não estava em casa. Fiquei esperando<br />

por quase uma hora em um salão colorido.<br />

Na parede, tive tempo de contar 114 corações<br />

vermelhos, 14 quadros e 6 bandeiras. No teto,<br />

25 bandeirolas brancas e 27 bandeirolas azuis.<br />

No altar, o “Preto Velho”, uma entidade da<br />

Umbanda, dividia espaço com Nossa Senhora<br />

Aparecida, São Jorge e outros tantos santos<br />

que eu não consegui identificar. Eu ainda não<br />

sabia, mas já estava no terreiro da “Mãe Maria<br />

de Luanda”.<br />

Marta chegou caminhando devagar e fumando<br />

um cigarro. A senhora negra, baixinha<br />

e de aparência frágil, logo avisou que não teria<br />

tempo pra conversar naquele dia. Contenteime<br />

em sentar mais um pouco e observá-la.<br />

Ela montou uma máquina de costura na sala<br />

e começou a confeccionar algumas peças para<br />

a apresentação de congado que aconteceria<br />

dois dias depois em Santo Antônio do Pirapitinga,<br />

distrito de Piranga - MG. O congado,<br />

aliás, é uma das poucas coisas que consegue<br />

tirar a Mãe de Santo de perto do terreiro de<br />

Umbanda. Durante os quase 30 minutos que<br />

permaneci ali pude escutar Marta reclamando<br />

diversas vezes por terem lhe dado tanto trabalho<br />

de última hora. Observando atentamente<br />

seu olhar, porém, vi claramente o prazer com<br />

que fazia aquilo tudo.<br />

Voltei outro dia e parecia haver ali outra<br />

mulher. Desta vez a Mãe de Santo estava sorridente,<br />

brincalhona, mais disposta a conversar<br />

e a contar sua história de cinco décadas.<br />

Enquanto fritava “mentirinhas” para o lanche<br />

da tarde, uma massa de pastel caseira sem recheio,<br />

Marta começou nosso papo exatamente<br />

de onde eu queria: de como a Umbanda entrou<br />

na sua vida.<br />

31


A descoberta da<br />

mediunidade<br />

Quando ainda era criança,<br />

sua mãe, Diva da Silva Nativo,<br />

incorporou pela primeira vez<br />

a “Mãe Maria de Luanda”,<br />

que hoje é a guia do terreiro.<br />

Ninguém da família frequentava<br />

terreiros de Umbanda<br />

ou sequer conhecia a religião.<br />

Marta conta que Diva relutou<br />

por um bom tempo mas resolveu,<br />

enfim, assumir seu dom<br />

e abrir o terreiro. Ela lembra<br />

que sua mãe foi presa por<br />

diversas vezes e o terreiro só<br />

conseguiu um pouco mais de<br />

sossego quando foi registrado<br />

na Federação Espírita Umbandista<br />

do Estado de Minas<br />

Gerais.<br />

Ainda com 7 anos de<br />

idade, em uma brincadeira<br />

despretensiosa com sua irmã<br />

mais nova, Marta incorporou<br />

seu guia “Pai Miguel” pela<br />

primeira vez. Ela conta que<br />

sua mãe lhe deu uma grande<br />

surra porque achou que a filha<br />

estava caçoando do altar.<br />

Foi a partir daí que se tornou<br />

o braço direito de sua mãe e,<br />

desde então, já não era segredo<br />

pra ninguém que um dia<br />

ela assumiria o comando do<br />

terreiro.<br />

Na adolescência, confessa<br />

aos risos, era muito namoradeira<br />

e nunca admitiu intolerância<br />

religiosa: “A primeira<br />

coisa que eu perguntava era<br />

se eles tinham preconceito<br />

com religião.”, lembra. Aos<br />

20 anos, casou-se com Getúlio<br />

– aquele mesmo homem<br />

sentado à porta de casa tomando<br />

cerveja. Marta garante<br />

que seu marido, apesar de<br />

não incorporar entidades,<br />

também é médium e possui<br />

uma sensibilidade muito<br />

apurada. Além disso, conta<br />

que ele a ajuda muito com<br />

o terreiro.<br />

O casal, que fez questão<br />

de se casar na Igreja Católica,<br />

teve dois filhos: Renata,<br />

de 29 anos e Marcelo, de 19.<br />

Marcelo nasceu na época<br />

em que Marta esteve brigada<br />

com a mãe. “A gente brigava<br />

demais e minha mãe<br />

pediu que eu me afastasse<br />

dela. Eu comecei a trabalhar<br />

fora, mas em todas as<br />

sessões e finais de semana<br />

estava aqui ajudando. Eu<br />

era teimosa!”, relata, bemhumorada.<br />

Sobre o período<br />

de gestação do filho, diz que<br />

sentiu muito desejo de entrar<br />

no rio e que seu marido<br />

sonhava com peixes todas as<br />

noites. Diferente de quando<br />

estava grávida de Renata,<br />

quando nada de inusitado<br />

ocorreu. Talvez isso tenha<br />

sido um sinal: Marcelo, que<br />

sempre ajuda a mãe nas sessões,<br />

se prepara para ser seu<br />

sucessor no terreiro.<br />

Com a morte de Diva,<br />

há 5 anos, Marta diz não ter<br />

pensado duas vezes ao aceitar<br />

assumir o terreiro. A Mãe de<br />

Santo garante que o espiritismo<br />

- ela sempre se refere<br />

assim - tem uma doutrina<br />

muito solidária e que não há<br />

nada melhor pra ela do que<br />

fazer o bem aos outros. É esse<br />

o motivo que ela aponta para<br />

seguir em frente convivendo<br />

com o preconceito e as dificuldades.<br />

32


A sessão<br />

É praticamente impossível<br />

falar sobre a vida de Marta<br />

sem citar a Umbanda. É<br />

durante as sessões que aquela<br />

mulher frágil e cansada surpreende<br />

pela força da espiritualidade.<br />

No ritual que assisti estavam<br />

todos alvoroçados. Marcelo<br />

havia recebido ameaças<br />

de agressão na rua. Não compreendi<br />

ao certo o que havia<br />

acontecido, só sabia que tinha<br />

algo, ou tudo, a ver com intolerância<br />

religiosa. Quando o<br />

assunto é preconceito, Marta<br />

é categórica: “Me chamam<br />

de macumbeira, feiticeira...<br />

Não ligo pra nada disso! Só<br />

não admito que mexam com<br />

meus netos e meus filhos!”.<br />

Nesta mesma tarde, ela foi tirar<br />

satisfação com o rapaz que<br />

ameaçou seu filho.<br />

A Mãe de Santo estava<br />

abatida e nervosa por causa<br />

do que aconteceu. Ela observava<br />

cuidadosamente o terreiro,<br />

que ganhara uma nova<br />

decoração. As bandeirolas<br />

eram vermelhas e amarelas,<br />

em homenagem ao santo do<br />

dia: Santo Antônio. Marta,<br />

sistemática com a doutrina<br />

da Umbanda, se irritou diversas<br />

vezes com a desorganização<br />

e a demora dos médiuns<br />

pra começar a sessão. “Vocês<br />

estão muito moles hoje, nossa<br />

Senhora!”, reclamou. Enquanto<br />

observava o terreiro,<br />

seus netos entraram no salão<br />

gritando, brincando e rolando<br />

pelo chão. Ela respirou fundo,<br />

pegou uma vara que estava<br />

apoiada em um canto e, com<br />

cara de poucos amigos, mandou<br />

todos pra fora.<br />

Como era um dia festivo,<br />

o congado fez uma espécie de<br />

procissão descendo a rua tocando,<br />

dançando e entoando<br />

hinos. Marta, já vestida com<br />

suas roupas brancas, recebeu<br />

todos na porta, pegou a imagem<br />

de Santo Antônio e balbuciou<br />

orações enquanto levantava<br />

a imagem em direção<br />

às pessoas.<br />

Logo após a abertura da<br />

sessão já havia pessoas no<br />

chão conversando com voz<br />

de criança. Marta, com uma<br />

gamela cheia de balas, deixou<br />

escapar, pela primeira vez<br />

naquele dia, um leve sorriso<br />

no canto da boca. Eram os<br />

“meninos de Angola” incorporados<br />

pelos médiuns. Na<br />

Umbanda, as crianças simbolizam<br />

a alegria, a descontração<br />

e a sinceridade. Eles<br />

fizeram brincadeiras, pediram<br />

doces e pareceram muito<br />

carinhosos.<br />

Naquele dia, Marta avisou<br />

que não participaria da sessão<br />

pois estava gripada e cansada.<br />

Logo após a conversa com<br />

os meninos de Angola, ela se<br />

despediu e foi para a cozinha.<br />

Marcelo assumiu o terreiro<br />

e incorporou seu guia “Pai<br />

Tomé”. Bastaram cinco minutos<br />

pra que a Mãe de Santo<br />

voltasse chorando e sendo<br />

praticamente carregada no<br />

colo. Ouvi alguém comentando<br />

“A guia do terreiro quer<br />

descer”. Mãe Marta incorporou<br />

“Mãe Maria de Luanda”.<br />

Sua expressão, que antes<br />

era de dor deu lugar à serenidade.<br />

Agora Marta falava<br />

uma língua incompreensível,<br />

provavelmente um dialeto<br />

Angolano. A situação<br />

era bastante complexa para<br />

quem não conhece a Umbanda,<br />

afinal, ali estava apenas<br />

seu corpo cedendo lugar para<br />

uma entidade. Aquele olhar,<br />

aquela voz, aquelas palavras:<br />

eram ali Marta e “Mãe Maria<br />

de Luanda”.<br />

Segundo ela, a melhor<br />

“definição” para a Umbanda é<br />

o mistério. Para compreender<br />

sua doutrina não é preciso ler<br />

livros, mas sim desenvolver a<br />

mediunidade. Mesmo tendo<br />

convivido com sua mãe, Marta<br />

diz que foi incorporando<br />

entidades que aprendeu quase<br />

tudo o que sabe.<br />

Sua espiritualidade desenvolvida<br />

não consegue impedir<br />

que seu corpo se canse.<br />

Ela garante que o cigarro, que<br />

lhe rendeu um aneurisma em<br />

2002, é o grande responsável<br />

pela sua fraqueza. “Tenho<br />

só 50 anos mas envelheci<br />

depressa porque fumo demais!”,<br />

brincou. Além disso,<br />

receber entidades e lidar<br />

com espíritos não é uma tarefa<br />

fácil. A cada consulta, a<br />

Mãe de Santo se sente mais<br />

abatida e cansada. Seu filho<br />

Marcelo a ajuda sempre que<br />

pode, mas a tarefa de chefiar<br />

o terreiro ainda é dela. Marta<br />

diz, sem o menor medo, que<br />

sua morte está próxima e que<br />

seu filho, Marcelo, terá toda<br />

a liberdade do mundo para<br />

decidir se dará continuidade<br />

ao terreiro. Parece ser essa a<br />

intenção.<br />

33


Infográfico<br />

CÂNCER<br />

NO BRASIL<br />

Texto e <strong>Edição</strong> Gráfica: Ana Paula Rodarte e Mariana Mendes<br />

1<br />

3<br />

O câncer é a principal causa de mortalidade<br />

do mundo. Conforme pesquisa realizada<br />

pelo Inca, no Brasil foram diagnosticados 250<br />

mil novos casos somente em 2012. De acordo<br />

com informações da OMS (Organização Mundial<br />

da Saúde) a estimativa é que no ano de<br />

2030 haja cerca de 27 milhões de casos incidentes<br />

de câncer.<br />

Diante desses dados preocupantes, a <strong>Revista</strong><br />

CURINGA procurou o Dr. Hezio J. Fernandes<br />

Junior, oncologista do Instituto do<br />

Câncer Arnaldo Vieira Carvalho, para esclarecer<br />

algumas dúvidas sobre a doença.<br />

O médico explica que existem vários tipos<br />

de câncer, originários de todos os tecidos do<br />

corpo humano. A doença se caracteriza por<br />

um crescimento desordenado de células que<br />

adquirem a capacidade de “viajar” por todo<br />

organismo.<br />

Segundo dados do INCA, o índice da doença<br />

na região Sul e Sudeste do Brasil é superior<br />

a de outras regiões brasileiras e, de acordo<br />

com o oncologista, existe uma explicação para<br />

isso. A diferença se deve ao fato de que no<br />

Sul e Sudeste a população tem maior acesso<br />

a médicos e à medicina diagnóstica, ficando<br />

assim menos expostos à doenças infecto contagiosas,<br />

evitando uma morte precoce. Sendo<br />

assim, a expectativa de vida é maior nessa região,<br />

e como o câncer é uma doença degenerativa,<br />

ele atinge principalmente pessoas mais<br />

velhas.<br />

Além das medidas preventivas, o médico<br />

destaca que é necessário fazer exames regulares<br />

para detecção de cânceres precocemente,<br />

como o exame de papanicolau e mamografia<br />

para as mulheres e o exame de próstata em<br />

homens.<br />

1 - Pulmão: 90% dos casos<br />

diagnosticados estão associados ao<br />

consumo de derivados de tabaco.<br />

2 - Próstata: Sexto tipo de<br />

câncer mais comum no mundo,<br />

considerado o câncer da terceira<br />

idade.<br />

3 - Mama feminina: Segundo tipo<br />

mais frequente de câncer no mundo.<br />

Relativamente raro antes dos 35<br />

anos.<br />

4 - Colo do Útero: Também<br />

conhecido como cervical, demora<br />

muitos anos para de desenvolver.<br />

O câncer pode ser facilmente<br />

descoberto no exame preventivo<br />

conhecido como Papanicolau.<br />

2<br />

4<br />

Ilustrações: Lucas Salum<br />

34


Os tipos de câncer mais comuns em Homens<br />

Os tipos de câncer mais comuns em Mulheres<br />

Estômago:<br />

Incidência maior<br />

em homens,<br />

por volta<br />

dos 70 anos.<br />

Cerca de 65%<br />

dos pacientes<br />

diagnosticados<br />

têm mais de 50<br />

anos.<br />

Cavidade Oral:<br />

Câncer que afeta<br />

lábios e interior<br />

da cavidade oral.<br />

É mais frequente<br />

em pessoas<br />

brancas.<br />

Esôfago: O<br />

mais frequente<br />

é o carcinoma<br />

epidermoide<br />

escamoso,<br />

responsável por<br />

96% dos casos.<br />

Cólon e Reto: Uma<br />

maneira de prevenir<br />

o aparecimento<br />

de tumores seria a<br />

detecção e a remoção<br />

dos pólipos (lesões<br />

benignas) antes<br />

deles se tornarem<br />

malignos.<br />

Glândula Tireoide:<br />

Afeta mais as<br />

mulheres do que<br />

homens, sendo<br />

frequente entre<br />

pessoas de 25 a 65<br />

anos .<br />

Pulmão: Em 2008<br />

no Brasil, o câncer<br />

de pulmão foi<br />

responsável por<br />

20.622 mortes,<br />

sendo o câncer que<br />

mais fez vítimas.<br />

Cólon e Reto: É<br />

tratável e curável na<br />

maioria dos casos<br />

ao ser detectado<br />

precocemente.<br />

Bexiga: Há três tipos de câncer que<br />

começam nas células que revestem<br />

a bexiga. São eles: carcinoma de<br />

células de transição, carcinoma de<br />

células escamosas e adenocarcinoma.<br />

Ovário: É o tumor ginecológico<br />

mais difícil de<br />

ser diagnosticado e o de<br />

menor chance de cura.<br />

Estômago: Incidência<br />

menor em mulheres, no<br />

Brasil está entre os 10 tipos<br />

de câncer mais frequentes.<br />

Distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais incidentes estimados<br />

para 2012/2013 por sexo, exceto pele não melanoma. (FONTE:INCA)<br />

Câncer infantil em BH<br />

Principais casos de câncer por região do Brasil<br />

Leucemia 26%<br />

Linfomas e<br />

Neoplasias<br />

Reticulo-<br />

Entoteliais<br />

20%<br />

SNC e Miscelania<br />

de Neoplasias<br />

Itracranianas e<br />

Carcinomas<br />

e Outras<br />

Neoplasias<br />

Malignas<br />

Epiteliais 8%<br />

Tumores<br />

de Osseos<br />

Malignas<br />

9%<br />

Intraespinhais<br />

13%<br />

Distribuição percentual da incidência por tipo de câncer infantojuvenil<br />

em Belo Horizonte, 2000 a 2001. (FONTE: INCA)<br />

Norte 4%<br />

Nordeste 17%<br />

Centro-Oeste 8,5%<br />

Sudeste 53%<br />

Sul 17,5%<br />

Estimativas para os anos de 2012/2013 das taxas brutas de incidência por 100 mil e de número de casos novo por câncer, em<br />

homens e mulheres, segundo a região. (FONTE: INCA)<br />

Modos de Prevenção<br />

Abolir o cigarro<br />

Essa é a regra<br />

mais importante<br />

para prevenir o<br />

câncer.<br />

Higiene bucal<br />

Realize<br />

diariamente<br />

a higiene oral<br />

(escovação)<br />

e consulte<br />

o dentista<br />

regularmente.<br />

Alimentação<br />

Uma alimentação<br />

saudável pode<br />

reduzir as chances<br />

de câncer<br />

em pelo menos<br />

40%. Coma mais<br />

frutas, legumes,<br />

verduras, e evite<br />

produtos industrializados.<br />

Álcool<br />

Evite ou limite a<br />

ingestão de bebidas<br />

alcoólicas.<br />

Os homens não<br />

devem tomar<br />

mais do que dois<br />

drinques por<br />

dia. As mulheres<br />

devem se limitar<br />

a um drinque.<br />

Exercício<br />

Pratique<br />

atividades físicas<br />

moderadamente<br />

durante pelo<br />

menos 30<br />

minutos, cinco<br />

vezes por<br />

semana.<br />

Exame das<br />

mamas<br />

Mulheres, com<br />

40 anos ou mais,<br />

devem realizar<br />

o exame clínico<br />

das mamas<br />

anualmente. E<br />

mulheres entre<br />

50 e 69 anos,<br />

devem fazer uma<br />

mamografia a<br />

cada dois anos.<br />

Acima de 50<br />

anos<br />

É recomendável<br />

que mulheres e<br />

homens com 50<br />

anos ou mais<br />

realizem exame<br />

de sangue oculto<br />

nas fezes todo<br />

ano.<br />

Cuidados com<br />

o sol<br />

Evite exposição<br />

prolongada ao<br />

sol, entre 10h<br />

e 16h, e use<br />

sempre proteção<br />

adequada, como<br />

chapéu, barraca e<br />

protetor solar.<br />

35


Ilustração: Ester Louback ( baseada em intervenção realizada por alunos da Faculdade de Belas Artes da UFMG)<br />

Contemporâneo<br />

36


Copa pra quem?<br />

Privatização, repressão policial, legislação de<br />

exceções e remoções forçadas caracterizam a<br />

preparação dos Megaeventos<br />

Texto: Ana Malaco<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Kleiton Borges<br />

100 mil pessoas no Rio de Janeiro, 20 mil em Belo Horizonte,<br />

65 mil em São Paulo foram às ruas e 10 mil ocuparam<br />

o Congresso Nacional em Brasília. No terceiro dia da Copa das<br />

Confederações sediada no Brasil, 17 de junho, 12 capitais foram<br />

tomadas por manifestações e cerca de 230 mil pessoas<br />

foram protestar.<br />

Após violenta reação e repressão da PM contra as manifestações<br />

do Movimento Passe Livre na cidade de São Paulo,<br />

a adesão aos protestos, que já acontecia nas cidades-sede da<br />

Copa, tomou proporções nacionais. Segundo o Dossiê publicado<br />

pela Articulação Nacional dos Comitês Populares dos Atingidos<br />

pela Copa e Olimpíadas (Ancopac), o processo violento<br />

protagonizado pelo Estado e pelas entidades responsáveis é<br />

um exemplo de descaso com os cidadãos. A população questiona<br />

gastos com os Megaeventos enquanto educação, saúde,<br />

moradia e outros serviços públicos possuem investimentos<br />

precários.<br />

Já foram gastos 27,4 bilhões de reais de recursos públicos<br />

e a previsão atual é de que o custo total seja de 33 bilhões<br />

de reais, segundo a Articulação. Essa quantia se aproxima do<br />

orçamento federal em educação este ano: 38 bilhões de reais.<br />

Além deste dinheiro, foi aprovada a isenção de impostos para<br />

as construtoras dos estádios e dos campos de treinos nas outras<br />

cidades, que atuarão como apoio à Copa.<br />

A Ancopac é composta por diversos movimentos sociais,<br />

universidades e entidades da sociedade civil que se mobilizaram<br />

nas 12 cidades-sede da Copa. Cada Comitê local das cidades-sede<br />

demonstra, através de pesquisas e levantamentos,<br />

irregularidades na preparação desses Megaeventos esportivos.<br />

A falta de transparência dos gastos aponta para a repetição<br />

do que ocorreu durante os Jogos Panamericanos de 2007,<br />

quando se assistiu ao desperdício de recursos públicos (de<br />

acordo com o Tribunal de Contas da União, mais de R$ 3,4<br />

bilhões foram gastos de forma indevida, como, por exemplo,<br />

atrasos em obras). Os estádios superfaturados “se transformarão<br />

em elefantes brancos.”, afirma Renato Cosentino do Copac<br />

– Rio, já que após o término desses eventos eles terão pouca<br />

utilidade pública.<br />

Se forem contabilizados os recursos investidos para a realização<br />

da Copa e das Olimpíadas, “o país poderia diminuir<br />

o déficit habitacional, ampliar o acesso aos serviços urbanos<br />

básicos, promover melhorias socioambientais, programas de<br />

trabalho e renda, investir na saúde pública e na educação”,<br />

destaca Cosentino. Além disso, poderia construir uma política<br />

esportiva que promovesse o esporte amador, visando não apenas<br />

o esporte de alto rendimento.<br />

37


As manifestações<br />

em Minas<br />

As manifestações se espalharam<br />

por Minas Gerais.<br />

Belo Horizonte, cidade que<br />

será sede da Copa em 2014,<br />

assistiu durante os protestos<br />

o despreparo e a repressão<br />

policial. “A Praça Sete e a Avenida<br />

Antônio Carlos se transformaram<br />

em verdadeiros<br />

campos de guerra”, afirmou<br />

Fidélis Alcântara, membro<br />

do Copac-BH. A declaração<br />

remete ao papel violento da<br />

Número de desalojados<br />

polícia durante a manifestação<br />

que reuniu mais de 70 mil<br />

pessoas no dia 22 de junho. O<br />

uso indiscriminado de bombas<br />

de efeito moral e de balas<br />

de borracha é um exemplo de<br />

como a Polícia Militar e a Força<br />

Nacional estão “contendo”<br />

os manifestantes.<br />

A polêmica declaração do<br />

prefeito da capital mineira,<br />

Márcio Lacerda, no dia 24 de<br />

junho, de que a Polícia Militar<br />

“prendeu muito pouca gente”<br />

repercutiu entre os manifestantes<br />

que presenciaram cenas<br />

de horror na cidade. Segundo<br />

Fidélis “o prefeito de<br />

BH não está preparado para<br />

essas questões, assim como<br />

não está preparado para administrar<br />

a cidade. Ou ele não<br />

viu as imagens ou não sabe<br />

realmente o que está acontecendo”.<br />

O despreparo do Estado<br />

representado pela Polícia e<br />

pelos Governos Municipais<br />

e Estaduais que foram vistos<br />

em Belo Horizonte se repetem<br />

em outras cidades-sede dos<br />

Megaeventos Esportivos. Isso<br />

se confirma, segundo Isabela<br />

Miranda da Copac-BH, nas<br />

diversas declarações dos governantes<br />

de todas as esferas.<br />

Ainda para Isabela, um dos<br />

pontos positivos que surgiu<br />

com os protestos, foi que se<br />

gerou uma tentativa de organização<br />

popular, “pessoas<br />

que estiveram pela primeira<br />

vez nas ruas se sentiram<br />

motivadas a continuarem na<br />

luta, a se unirem à parcela<br />

da população organizada em<br />

movimentos que já estava nas<br />

ruas”, completa.<br />

O que se vê são diversos<br />

movimentos sociais, sindicais<br />

e de direitos humanos, que<br />

já estavam nas ruas, convocando<br />

toda a população em<br />

cada estado e cidade-sede.<br />

Diversas assembleias populares<br />

foram e seguiram sendo<br />

convocadas pelo país desde<br />

junho. Em Belo Horizonte, no<br />

dia 23, cerca de mil pessoas<br />

discutiram sobre a politização<br />

das manifestações embaixo<br />

do Viaduto Santa Tereza (no<br />

centro da capital). Com mais<br />

de cem inscrições de fala, a<br />

assembleia, que durou cerca<br />

de quatro horas, propôs que<br />

a população se organizasse<br />

para as próximas manifestações<br />

e que pautas e fóruns de<br />

discussões fossem criados. O<br />

Comitê Popular dos Atingidos<br />

pela Copa organizou em cada<br />

cidade-sede uma agenda de<br />

ações. Os seminários sobre<br />

financiamento público e violações<br />

de direitos pelos Megaeventos,<br />

que já aconteciam<br />

nessas cidades, são exemplos<br />

dessa agenda de ações.<br />

equivale a aproximadamente<br />

1000 desalojados<br />

Manaus<br />

3.600<br />

Fortaleza<br />

20.000<br />

Natal<br />

4.000<br />

Recife<br />

12.000<br />

Salvador<br />

24.000<br />

Cuiabá<br />

3.200<br />

Brasília<br />

2.000<br />

38<br />

Belo Horizonte<br />

14.000<br />

Rio de Janeiro<br />

38.297<br />

São Paulo<br />

89.200<br />

Curitiba<br />

6.000<br />

Porto Alegre<br />

32.000


Perde-se a casa e<br />

a memória<br />

Grandes projetos urbanos<br />

com violação de direitos<br />

econômicos, fundiários, urbanísticos,<br />

ambientais e sociais:<br />

assim foram as diversas<br />

obras públicas de infraestrutura<br />

para preparação do país.<br />

Na questão dos impactos<br />

sociais, a violação do direito<br />

à moradia ganha destaque.<br />

Em Belo Horizonte, mais de<br />

quatro mil pessoas foram<br />

removidas de suas casas, é<br />

o que revela Dossiê de Violações<br />

de Direitos Humanos.<br />

O documento produzido por<br />

cientistas sociais, economistas,<br />

advogados e diversas outras<br />

pessoas que fazem parte<br />

da Ancopac também revela<br />

que em todo o país chega a<br />

200 mil o número de pessoas<br />

removidas e ameaçadas<br />

de remoção. Segundo Renato<br />

Cosentino, do Copac-Rio,<br />

o número pode ser ainda<br />

maior, já que a pesquisa contabilizou<br />

apenas os dados de<br />

comunidades organizadas. Já<br />

os dados das ocupações não<br />

organizadas foram cedidos<br />

sem precisão pelos governos,<br />

segundo a Articulação.<br />

Dentre os inúmeros casos<br />

relatados pelos Comitês Populares<br />

da Copa destas cidades,<br />

emerge um padrão claro<br />

e de abrangência nacional.<br />

A relatora especial da ONU<br />

para a Moradia Adequada,<br />

Raquel Rolnik, acusou as autoridades<br />

de várias cidadessede<br />

dos Megaeventos de<br />

violar os direitos humanos<br />

ao praticar essas remoções<br />

forçadas. A denúncia da falta<br />

de transparência, de diálogo<br />

com os moradores e falta de<br />

negociação justa com as comunidades<br />

afetadas, entre<br />

outras, foram apontadas por<br />

um Dossiê apresentado pela<br />

Ancopac para a ONU.<br />

As famílias removidas<br />

são realocadas em terrenos<br />

distantes dos centros urba-<br />

nos, que não tem infraestrutura<br />

para garantir acesso a<br />

serviços públicos, como escolas,<br />

hospitais e transporte.<br />

Além disso, o sentimento de<br />

pertencimento e de memória<br />

construído ao longo do tempo<br />

na antiga moradia é violado,<br />

segundo Joviano Mayer, advogado<br />

popular e membro do<br />

Comitê em BH. “Não é só a<br />

casa que se perde na remoção,<br />

os laços construídos com vizinhos,<br />

amigos, a identidade e<br />

tradição coletiva da comunidade,<br />

todo esse sentimento<br />

também é violado”, conclui<br />

Joviano.<br />

Outra ilegalidade denunciada<br />

pelos movimentos que<br />

compõem o Comitê em BH é<br />

o tratamento violento do Estado<br />

com moradores de rua.<br />

Tratamento que se repete com<br />

artesãos de rua e nômades.<br />

De acordo com o advogado<br />

popular, a violência cometida<br />

é resultado de uma “política<br />

de higienização”, implantada<br />

pelo poder público na capital<br />

mineira. A forma violenta utilizada<br />

para desocupar o centro<br />

urbano vai de: caminhão<br />

pipa molhando moradores de<br />

rua, recolhimento de artesanato<br />

e matéria prima de artis-<br />

Investimentos<br />

1,46 bi<br />

Natal<br />

2,77 bi<br />

Manaus<br />

1,61 bi<br />

1,19 bi<br />

Porto Alegre<br />

1,86 bi<br />

Brasília<br />

Fortaleza<br />

1, 98 bi<br />

Cuiabá<br />

1,53 bi<br />

Recife<br />

1,24 bi<br />

Salvador<br />

748,5 mi<br />

Curitiba<br />

3,6 bi<br />

Rio de Janeiro<br />

2,48 bi<br />

Belo Horizonte<br />

4,55 bi<br />

São Paulo<br />

39


tasde rua, até colocação de concreto embaixo<br />

de viadutos.<br />

Além disso, segundo o advogado Joviano<br />

Mayer, houve um aumento das abordagens<br />

aos moradores de rua, com a apreensão de<br />

pertences pessoais feita por fiscais da prefeitura,<br />

com o apoio da Polícia Militar. Acompanhada<br />

a essa “política de higienização”, cresce<br />

o número de homicídios cometidos contra a<br />

população de rua. De acordo com pesquisa realizada<br />

pelo Centro Nacional de Direitos Humanos,<br />

nos últimos dois anos em Belo Horizonte<br />

foram assassinados cem moradores de<br />

rua, número que representa 5% da população<br />

desse grupo em BH. O estudo ainda revela que<br />

40% dos homicídios foram cometidos com<br />

arma de fogo e que apenas quatro dos 100 homicídios<br />

tiveram investigação concluída.<br />

É proibido trabalhar<br />

Tanto o direito ‘ao’ quanto o direito ‘do’<br />

trabalho estão previstos na Constituição Federal<br />

de 1988 como direito fundamental social<br />

e regulados, também, em legislações próprias<br />

como a Consolidação das Leis Trabalhistas<br />

(CLT). A despeito de todo esse sistema, porém,<br />

os casos de graves violações de direitos<br />

em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas<br />

se acumulam e avançam. A perseguição a líderes<br />

sindicais e o desrespeito às liberdades de<br />

organização, greve e manifestação, são exemplos<br />

dessas violações de acordo com o Dossiê<br />

da Ancopac.<br />

Em Belo Horizonte mais de 750 trabalhadores<br />

informais foram destituídos de seus<br />

postos de trabalho. São cerca de 6 mil pessoas<br />

impactadas direta ou indiretamente, de acordo<br />

com pesquisa produzida pelo Copac-BH.<br />

Nenhuma medida compensatória foi tomada<br />

até o fechamento desta edição, seja pela Prefeitura<br />

ou pelo Governo do Estado, segundo<br />

Vanessa Cevidane, trabalhadora da Feira do<br />

Mineirinho que foi diretamente atingida.<br />

Expositores como Vanessa perderam seus<br />

postos de trabalho com o fim da Feira do Mineirinho<br />

que dará lugar a um estacionamento<br />

para receber os jogos. O caso também é vivido<br />

por trabalhadores conhecidos como barraqueiros<br />

do Mineirão, que, com a privatização<br />

do estádio, foram proibidos de vender seus<br />

produtos. “Alguns de nós já estavam ali(no<br />

entorno do Mineirão) há mais de 30 anos<br />

compondo o cenário cultural e de memória<br />

da região.”, relata Ernani Pereira, líder dos<br />

movimentos dos barraqueiros do entorno do<br />

Mineirão.<br />

Legislação de exceções<br />

Na Lei n. 12.035/2009, entre outras coisas,<br />

são asseguradas condições excepcionais e<br />

privilégios para obtenção de vistos, exercício<br />

profissional de pessoal credenciado pelo COI<br />

foto: Ester Louback<br />

40


e empresas que o patrocinam. Além de cessão<br />

de patrimônio público imobiliário, proteção<br />

de marcas e símbolos relacionados aos jogos,<br />

concessão de exclusividade para o uso (e venda)<br />

de espaços publicitários e prestação de vários<br />

serviços sem qualquer custo para o Comitê<br />

organizador das Olimpíadas. A Lei também<br />

autoriza genericamente “destinação de recursos<br />

para cobrir eventuais déficits operacionais<br />

do Comitê Organizador”. Conhecida como<br />

“Ato Olímpico” essa Lei é a primeira de uma<br />

longa lista de medidas legais e normativas que<br />

instauram as bases de uma institucionalidade<br />

que não pode ser compreendida senão como<br />

uma infração ao estado de direito vigente.<br />

Desde o anúncio de que o Brasil seria sede<br />

desses Megaeventos, nos níveis federal, estadual<br />

e municipal, uma interminável lista de<br />

leis, medidas provisórias, decretos, resoluções,<br />

portarias e atos administrativos de vários tipos<br />

instauraram o que vem sendo chamado de “cidade<br />

de exceção”. Permitir que estados e municípios<br />

se endividassem além do exigido pela<br />

Lei de Responsabilidade Fiscal para se investir<br />

em obras da Copa, abreviar licenciamento<br />

ambiental e dispensar licitações, são uns dos<br />

muitos exemplos que configuram a legislação<br />

de exceção para cumprir as exigências da Fifa.<br />

O poder público também criou um aparato<br />

especial de policiamento (Secretaria Extraordinária<br />

de Segurança para Grandes Eventos,<br />

Decreto n. 7.556/2011). Para complementar o<br />

cenário de exceção, uma nova tipificação penal<br />

e juizados especiais são previstos na Lei<br />

Geral da Copa. De acordo com o Dossiê de<br />

Violação de Direitos Humanos, “para um país<br />

que há menos de 30 anos estava submetido à<br />

ditadura, a violação sistemática de nossa legalidade<br />

e a implantação da cidade de exceção<br />

constituem legados inaceitáveis.”.<br />

Como exemplo, foi aprovado pelo Tribunal<br />

de Justiça de Minas Gerais, no último dia 12<br />

de junho, a proibição de movimentos e atos<br />

públicos para todo e qualquer indivíduo durante<br />

a Copa do Mundo. Além disso, está em<br />

tramitação o Projeto de Lei 728/2011que prevê<br />

que manifestações durante a Copa das Confederações<br />

e a Copa do Mundo sejam tratadas<br />

como atos de terrorismo. O PL também prevê<br />

a limitação ao direito dos trabalhadores à<br />

greve.<br />

A Copa não é nossa<br />

foto: Ester Louback<br />

O Brasil é conhecido internacionalmente<br />

como país do futebol. Essa identidade cultural<br />

presente nos brasileiros foi historicamente<br />

construída. A simplicidade do futebol no<br />

improviso do informal, quando o povo pode<br />

jogar até mesmo com uma bola de meia, fez<br />

desse esporte uma paixão nacional, segundo<br />

o professor de Direito da UFMG, Márcio Túlio<br />

Viana. O acesso aos estádios era outra marca<br />

cultural na relação com o esporte.<br />

Algo que chamou atenção nas obras dos<br />

41


estádios foi a redução da capacidade de torcedores no Maracanã.<br />

Construído para a primeira Copa do Mundo realizada no<br />

Brasil, em 1950, com capacidade oficial de 155 mil pessoas, o<br />

estádio do Maracanã era conhecido como o “Maior do Mundo”.<br />

Consagrou uma divisão setorial que já era encontrada nos<br />

principais estádios: Geral, arquibancada, cadeiras numeradas,<br />

camarotes e tribuna de Honra, esta última reservada para autoridades<br />

e personalidades. Se por um lado este desenho era<br />

uma representação da segregação econômica, social e política<br />

do país, por outro, garantia a participação de todos na plateia<br />

do mesmo espetáculo. Na partida final da Copa de 1950, registros<br />

dão conta de que cerca de 203 mil brasileiros estavam no<br />

Maracanã e viram o Brasil ser derrotado pelos uruguaios. A divisão<br />

também garantia a participação de torcedores de classes<br />

baixas e médias. Somadas, arquibancadas e geral acomodavam<br />

80% do público.<br />

Mas o futebol de Garrincha já não é o mesmo de acordo<br />

com o pesquisador. O que se tem visto na preparação desses<br />

Megaeventos também atinge imposições culturais. O processo<br />

de privatização dos estádios e as recomendações da Fifa reduziram<br />

ou extinguiram lugares populares nos estádios, ampliando<br />

camarotes e lugares marcados. A Fifa também impôs padrões<br />

de comportamento aos torcedores, o que muda toda a cultura<br />

de alegria e participação da torcida brasileira. Exemplos disso<br />

são: plateia sentada, proibição das baterias percussivas e dos<br />

bandeirões aos quais a torcida está acostumada. Para Marco<br />

Túlio Viana, as consequências são inestimáveis, imensuráveis<br />

e de difícil reparação. “A cultura, os costumes, a criatividade e<br />

a forma de se organizar e manifestar dos torcedores brasileiros<br />

estão sendo violentamente impactados e transformados”,<br />

diagnostica o pesquisador<br />

foto: Ana Malaco<br />

42


<strong>Curinga</strong>online<br />

Mariana possui o índice de pobreza elevado se comparado a<br />

Belo Horizonte, mesmo que com uma grande arrecadação para<br />

o porte da cidade. Confira o infográfico completo com mais informaçoes<br />

em nosso site.<br />

Área<br />

População<br />

1193,29Km<br />

2.375.151<br />

330,95Km<br />

54.219<br />

Incidência de Pobreza<br />

5,43%<br />

32,<strong>06</strong>%<br />

Mariana<br />

Belo Horizonte<br />

www.revistacuringa.ufop.br<br />

43


x<br />

www.revistacuringa.ufop.br<br />

44

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