REVISTA GALERIA POR MÁRCIA TRAVESSONI - EDIÇÃO 07
Camilo Santana - Os valores que orientam a gestão do governador inspirado no trabalho do pai. O legado empreendedor continuado por Odilon Peixoto + Cultura, Decoração, Estilo, Empreendedorismo e Gastronomia
Camilo Santana - Os valores que orientam a gestão do governador inspirado no trabalho do pai.
O legado empreendedor continuado por Odilon Peixoto
+ Cultura, Decoração, Estilo, Empreendedorismo e Gastronomia
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CARTAS PARA O CEARÁ<br />
Um lar<br />
itinerante<br />
AS CONEXÕES COM A FAMÍLIA<br />
E AS LEMBRANÇAS DE UMA INFÂNCIA<br />
FELIZ EM UM CEARÁ PACATO SÃO<br />
ALGUNS DOS ASPECTOS QUE<br />
FAZEM DA TERRINHA UMA DAS<br />
‘CASAS PRINCIPAIS’ DA ARQUITETA<br />
DANIELA ALCÂNTARA<br />
<strong>POR</strong> JÉSSICA COLAÇO<br />
Não há como negar<br />
a cearensidade<br />
da arquiteta<br />
Daniela Alcântara.<br />
A maneira quase<br />
poética de falar<br />
e escrever, a espontaneidade com<br />
que abre o coração e as referências<br />
ao mar quando o assunto é a terra<br />
natal deixam evidente os traços de<br />
quem viveu por muito tempo aqui.<br />
Essas características não devem,<br />
contudo, ser confundidas com<br />
uma necessidade de ficar fixa no<br />
Ceará, ou mesmo em algum lugar<br />
específico onde ela já estabeleceu<br />
morada. “A minha casa principal<br />
tem, sim, uma dimensão física,<br />
territorial, que está construída principalmente<br />
sobre Fortaleza, mas é<br />
feita de afetos, de aprendizados,<br />
de leituras e de outras cidades que<br />
‘voltam’ sempre para casa comigo”,<br />
explica ela, que mora há pouco<br />
mais de cinco anos em Lisboa.<br />
Antes de ir para a capital<br />
portuguesa, Daniela já havia<br />
experimentado certa itinerância<br />
quanto ao lugar que ela chama de<br />
casa: após a infância em Fortaleza,<br />
ela mudou-se com a família para<br />
Brasília, onde ficou até concluir a<br />
faculdade de Arquitetura, depois,<br />
fez o master na Universidade<br />
Politécnica da Catalunha e<br />
retornou para Fortaleza nos anos<br />
1990, onde permaneceu até partir<br />
rumo às terras lusitanas. “A minha<br />
vinda para Lisboa foi principalmente<br />
motivada pelos estudos, sim,<br />
mas também pelo fato da minha<br />
mãe ser portuguesa e da minha<br />
relação com Portugal vir de há<br />
muitos anos. Quando tive opção,<br />
escolhi vir estudar aqui porque<br />
parecia mais natural viver em uma<br />
cidade com a qual já tinha alguma<br />
intimidade, e onde tinha uma base<br />
familiar”, justifica Daniela, que é<br />
filha da professora escritora Beatriz<br />
Alcântara e do médico e ex-governador<br />
do Ceará Lúcio Alcântara.<br />
“Desde então, Portugal tornou-se,<br />
para mim, um outro Ceará, e Lisboa,<br />
uma outra Fortaleza, no sentido<br />
de que são lugares e formas de<br />
estar e referências, sobretudo para<br />
mim própria, daquilo que sou,<br />
ou como ouço dizer, da minha<br />
identidade”, completa.<br />
Em Portugal, Daniela cursa<br />
agora o doutorado, tendo como<br />
objeto de estudo as relações<br />
entre as arquiteturas modernas<br />
brasileira e portuguesa. Além disso,<br />
ela tem desenvolvido projetos para<br />
brasileiros que adquirem imóveis<br />
naquele país. “O que gosto muito de<br />
fazer, porque mantém sempre ativo<br />
o meu vínculo com o Brasil”, pontua.<br />
Recentemente, ela desenvolveu um<br />
trabalho que trouxe novas experiências<br />
de contato com seu local de<br />
origem e com a própria Arquitetura,<br />
que foi a criação, em parceria com<br />
o arquiteto Rui Campos Matos,<br />
do projeto arquitetônico para a<br />
exposição “Modernismo Brasileiro<br />
FOTOS ARQUIVO PESSOAL<br />
na Coleção da Fundação Edson<br />
Queiroz”, que fica em cartaz até<br />
fevereiro deste ano, no Museu<br />
Coleção Berardo. “Essa foi uma<br />
experiência bem interessante,<br />
porque extrapolou um pouco os<br />
limites do trabalho convencional de<br />
arquitetura, uma vez que se tratava<br />
de uma obra efêmera, e que apresentava<br />
um duplo desafio”, lembra<br />
Daniela, que teve de equilibrar a<br />
estrutura grandiosa do espaço<br />
com a sutileza de obras como as<br />
esculturas de Brecheret.<br />
LEMBRANÇAS<br />
Mesmo o constante contato<br />
com o Brasil e mesmo com<br />
Fortaleza - uma vez que ela vem<br />
à capital cearense “sempre que<br />
possível” - não impede que exista<br />
a saudade da terra que foi seu<br />
berço, especialmente de tempos<br />
e situações que não voltam mais.<br />
“Tenho lembranças de infância<br />
de uma Fortaleza que já não<br />
existe, em que a ida a uma casa<br />
de fim de semana do meu avô<br />
materno, na Praia do Futuro Velha,<br />
era considerada uma pequena<br />
viagem dentro da cidade; ou de<br />
um Ceará rural, em que as idas de<br />
carro a São Gonçalo do Amarante<br />
eram feitas conosco, as crianças,<br />
com os dedos colados aos vidros<br />
para que as pedrinhas que saltavam<br />
da estrada de piçarra não os<br />
partissem. Claro, hoje o Ceará é um<br />
Estado muito diferente, e em muitas<br />
coisas está muito melhor. Mas se<br />
o Ceará mudou, eu fui mudando<br />
junto com ele, uma vez que nunca<br />
estivemos assim tão distantes”,<br />
pondera a arquiteta.<br />
A segurança e a tranquilidade<br />
que Lisboa oferece para quem<br />
caminha por qualquer um de seus<br />
bairros é um dos aspectos que<br />
Daniela gostaria de ver replicado<br />
em Fortaleza. “Outro aspecto é o<br />
bom padrão dos espaços públicos,<br />
que em Fortaleza já tiveram muita<br />
qualidade – veja o caso da Av.<br />
Beira-mar do início dos anos 1980,<br />
mas que estão hoje abandonados<br />
ou em muito mau estado de<br />
conservação”, lamenta. Por outro<br />
lado, a naturalidade em ter a vida<br />
ao ar livre, típica do cearense, é um<br />
traço do qual ela sente falta em<br />
seu atual lar.<br />
LAÇO FORTALECIDO<br />
Mesmo sem planos de voltar a<br />
morar em Fortaleza, “regressar à<br />
‘casa principal’ nunca deixa de ser<br />
uma possibilidade”. Enquanto isso,<br />
ela mantém as visitas frequentes<br />
à terrinha, ocasiões em que faz<br />
questão de estar com a família<br />
e os amigos e visitar as cidades<br />
de São Gonçalo do Amarante e<br />
Guaramiranga. “Mas não deixo de<br />
fazer coisas simples como tomar<br />
banho de mar cedinho no aterro<br />
da Praia de Iracema, ou comer<br />
tapioca enroladinha com manteiga<br />
e queijo”, garante. ¤<br />
DA ESQUERDA<br />
PARA DIREITA:<br />
1. Colares – Sintra,<br />
Agosto de 2017.<br />
2. Cabo da Roca<br />
- ponto mais ocidental<br />
de Portugal<br />
e do continente<br />
europeu, Agosto de<br />
2012. Foto: Joana<br />
França.<br />
3. No Funchal,<br />
na “Conferência<br />
Internacional Niemeyer<br />
na Madeira”,<br />
Outubro de 2016.<br />
4. Com o arquiteto<br />
Rui Campos Matos<br />
na inauguração<br />
da exposição<br />
Modernismo Brasileiro<br />
na Coleção da<br />
Fundação Edson<br />
Queiroz, Outubro<br />
de 2017.<br />
5. Lisboa, Livraria<br />
Ler Devagar – LX<br />
Factory, Agosto<br />
2012. Foto: Joana<br />
França.<br />
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