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MEMÓRIA<br />
MEUS PRIMEIROS 50 ANOS DE JORNALISMO<br />
NO MEIO DO CAMINHO<br />
HAVIA UM ALTAR<br />
DURVAL GUIMARÃES<br />
Há 50 anos, subi os 21 degraus que levavam<br />
à redação do extinto jornal O Diário,<br />
de Belo Horizonte, e entrei no jornalismo.<br />
Eram 14 horas de uma segunda-feira, dia<br />
bom para se iniciar qualquer coisa, como<br />
parar de fumar, de beber ou começar a<br />
ganhar o pão de cada dia.<br />
Ao final da citada escadaria de madeira<br />
– devastada pelo atrito de tanto sobe-edesce<br />
– surgia uma reparadora antessala,<br />
onde os visitantes, como eu, imaginavam<br />
que se refariam do íngreme esforço. Engano.<br />
Não havia cadeiras, poltronas ou<br />
sofás no local, mas apenas um imponente<br />
altar de igreja, dessas do interior, que tomava<br />
quase todo o ambiente.<br />
Isso mesmo: um imenso altar, com<br />
muito santos, com suas roupas de beduínos,<br />
pendurados nas quinas da rebuscadíssima<br />
obra de marcenaria. Meia dúzia<br />
de velas acesas completavam a iluminação<br />
do local, atendida de forma insuficiente<br />
por uma modesta janela basculante.<br />
No centro de tudo, bem no alto, a dilacerada<br />
imagem do Crucificado.<br />
Que perplexidade. Eu subi a escadas para<br />
entrar na redação e mergulhei numa igreja.<br />
A sede do jornal O Diário ocupava um<br />
imenso e mal cuidado galpão na avenida<br />
Francisco Sales, bem na boca do viaduto<br />
que liga o bairro da Floresta ao hospital<br />
Santa Casa. Não havia nenhuma identificação,<br />
exceto o número 411 pregado na<br />
parede caiada de branco. Chegava-se à redação,<br />
no andar superior daquele estranho<br />
sobrado, contornando o citado altar.<br />
Os jornalistas trabalham num salão gigantesco,<br />
ocupado por poucas mesas. Ao<br />
fundo, havia descuidados arquivos de aço,<br />
com algumas gavetas abertas, derramando<br />
papéis velhos. A sensação era de abandono<br />
e da mais completa decadência. O imenso<br />
salão deveria ter mais de 20 metros de extensão,<br />
por outro tanto de largura. Recebia<br />
a claridade por muitas janelas de ferro, daquelas<br />
que se abrem pela metade, e vistas<br />
em grande quantidade nas residências humildes<br />
da periferia da cidade.<br />
4<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR