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Matéria Prima 98 - Março 2018_WEB

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dinheiro arrecadado no mês para cima, ficando<br />

para mim o que cai fora e para Ele<br />

aquele que cai dentro do mesmo. E o vigário<br />

José como é que faz?, quis saber<br />

com a mesma curiosidade.<br />

– Já eu traço uma linha reta no quintal<br />

de casa e, assim como o senhor, jogo o<br />

dinheiro para cima, o montante que cai<br />

do lado direito é do<br />

Todo-Poderoso e a<br />

quantia que vier<br />

para o lado esquerdo<br />

é minha.<br />

Percebendo os<br />

dois que o titular<br />

da igreja judaica<br />

estava propositadamente<br />

alheio, fizeram-lhe<br />

em coro<br />

a mesma pergunta:<br />

– E o líder Jacob,<br />

nestes termos,<br />

como é que<br />

age com sua arrecadação<br />

mensal?<br />

De pronto e<br />

sem vacilações o<br />

seguidor de Judá<br />

sentenciou:<br />

– Como sabedor<br />

consciente da Sua onipotência, eu<br />

fecho os olhos com muito fervor e jogo a<br />

grana o mais alto possível; aquela que o<br />

Senhor de todos nós apanhar é dele,<br />

toda a que voltar é minha, por justo merecimento.<br />

Pois bem. Conhecedor da força do<br />

seu dinheiro junto à comunidade interiorana<br />

em que vive, o pecuarista e cafeicultor<br />

Zequinha da Passeio, fazenda cujo<br />

nome justifica o latifúndio que administra<br />

cá nas Gerais, sofreou seu ajaezado<br />

cavalo diante da matriz, saltou exibindo<br />

as reluzentes esporas de prata, subiu as<br />

escadas com elas, tilintantes, acercou-se<br />

do vigário e arrotou altaneiro:<br />

– Eu só vim aqui hoje, no mei da sumana,<br />

por causa de batizá meu cavalo,<br />

seu pade.<br />

– O senhor está ficando louco, seu Zequinha?<br />

Não está vendo que eu não cometerei<br />

tal heresia?<br />

E foi aquele deus nos acuda entre as<br />

beatas presentes à missa matutina, enquanto<br />

o fazendeiro não estava nem aí<br />

com todo aquele alvoroço. Meteu a mão<br />

no bolso, tirou de lá dez notas de cem<br />

reais, abanou o rosto com as cédulas em<br />

forma de leque e provocou seguro de si:<br />

– O sinhô é qui sabe. Eu trouche essa<br />

gaita pra ajudá sua igreja. Quédizêqui é u’a<br />

nota dessa pra cada três dia do mêis...<br />

– Não é bem assim, seu Zequinha –<br />

abrandou-se o sacerdote. – O senhor há<br />

de convir que eu não faria uma coisa<br />

destas cá dentro da matriz, mas se puder<br />

ser lá fora...<br />

– Eu quero é batizá meu animá, pois<br />

qui ele tem sido como um irmão pra<br />

mim e meus fios – justificou-se o ricaço.<br />

Dito e feito. O vigário pôs a estola, assoprou<br />

baixo e sabidamente algumas palavras<br />

em latim, espargiu água benta no<br />

corpo do belo equino e fez o sinal da<br />

cruz em sua direção.<br />

Galgando de um salto sobre a cavalgadura,<br />

o feliz agricultor arrematou:<br />

– Era assim qu’eu queria, na base do latinóro<br />

– e foi se afastando de costas,<br />

quando escutou o servo de Deus gritar-lhe:<br />

– Preste bem atenção, seu Zequinha,<br />

na Semana Santa não se esqueça de trazer<br />

o “Incitatus” – nome que apôs ao cavalo<br />

–, para que possamos crismá-lo.<br />

* Tiãozito Cardoso é tabelião aposentado<br />

em Brumado-BA<br />

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