Luís Carlos B<strong>ED</strong>RAN Sociólogo e cronista da Revista Comércio, Indústria e Agronegócio de Araraquara Mania de ler Guilherme de Almeida, intelectual de destaque na primeira metade do século XX Nem sei quando comecei a gostar de ler. Devia ter uns 12 anos. Séculos se passaram, nem me lembro mais. Perguntei ao pai se ele havia lido todos aqueles livros que enchiam suas estantes. Tinha sim. E ainda continuava a adquiri-los todos os meses como assinante que era do “Clube do Livro’, além das “Seleções do Readers Digest”. Aquela uma coleção e tanto. Desde o primeiro volume de “O Guarani”, de 1945, até os romances dos bons autores nacionais e outros estrangeiros famosos. Mas também algumas biografias, poesias do Guilherme de Almeida, dicionários e até os do Stefan Zweig, caprichosamente encadernados pela mãe que os trouxera para casa ainda quando solteira. Sem contar quase toda a antiga coleção dos de Medeiros e Albuquerque. Fundamental é que tivesse uma lareira para que, à medida que fosse adquirindo novos livros, os outros lá seriam queimados. Devo ter pensado comigo mesmo, lançando um desafio pessoal: “se ele leu, então vou ler também”. Devorei-os todos (até o quase proibido “O Crime do Padre Amaro”) mas, não contente, tornei-me um rato da biblioteca pública, pensando ingenuamente que conseguiria ler todos os livros do mundo. Então, de manhã emprestava um livro; à tardezinha devolvia-o e, logo em seguida, emprestava outro, lendo-o de madrugada e assim por muito tempo. Confesso-lhes que absurdamente ainda continuo tentando, mesmo após o Dr. Fairbanks, meu velho professor da Faculdade de Direito, muito culto, haver dito que também chegou a ter essa vontade em sua juventude, mas que, pelas contas que fez, isso seria impossível de acontecer. Afinal, quantos livros se poderiam ler, um por dia, durante toda uma vida? Essa curiosidade, essa busca pelo saber direcionou minha vida, que nunca chegou a ser prática; mas posso dizer-lhes que deu para o gasto, quebrou o galho. O pior é que essa mania ainda continua. Perdi muito tempo lendo aqueles, hoje não valeriam a pena, mas, conhecendo-os, pelo menos serviram para valorizar os me- lhores. Plínio, o Velho, já dizia que “nenhum livro é tão ruim que, sob algum aspecto, não tenha utilidade”. Porém, que não se chegue a tanto, pois, como disse Petrarca, “os livros levaram alguns à ciência, outros à insânia”. Li de tudo, sem censura, sem limites. Centenas de policiais, Simenon, Agatha Christie, ficção científica, “bestsellers” americanos, romances, peças de teatro, poesias, poucas biografias, obras políticas, além, evidentemente, daqueles obrigatórios que embasaram o curso de Sociologia e o de Direito. Como estou no fim da vida e como ainda a vista permite lê-los, graças aos inúmeros óculos espalhados em todos os cantos da casa, tento ser seletivo. Procuro ler e reler os melhores, muito embora não resista aos modernos, mormente os de literatura, o que hoje me obriga a comprá-los nas livrarias e nos sebos, coisa essa impossível de ocorrer no passado. E a releitura torna-se obrigatória. Vocês sabem por quê? É que uma coisa é ler, por exemplo, Machado de Assis ou Dostoiéviski, quando se é jovem; outra é lê-los quando se é velho, porque pela vivência são melhor compreendidos. Um autor disse que uma biblioteca é uma coleção de autores já mortos; que leitura não é vida. Perde-se tempo, pois deixa-se de viver plenamente. Essa curiosidade infinda em tentar ler (e reler) cada vez mais, está me levando a uma tal confusão e a tal ponto, que nem mesmo chego a terminar um, já me precipito em ler outro, tudo para não perder tempo. E depois volto onde parei, recomeço a lê-lo e a tentar relembrar o que já havia lido. O pior é que ainda não consegui classificá-los em minha bibliotecazinha; perco-os, porque não sei quais estão atrás dos outros. Porém não chego a ter as ideias (esquisitas) de Don Rigoberto, o personagem criado por Mário Vargas Llosa, em seu livro com esse título (e nem digo das de Kien, o estranho personagem do “Auto-de-Fé”, de Elias Canetti). Pois ele pediu para um arquiteto projetar sua casa, mas de tal forma que desse menos ênfase ao conforto das pessoas, do que à sua biblioteca, onde deveriam caber apenas 4.000 volumes. Nem mais e nem menos. Fundamental é que tivesse uma lareira para que, à medida que fosse adqui-rindo novos livros, os outros lá seriam queimados. Uma “crítica literária radical e combustível”. Disse que chegou a essa conclusão porque, para ele, mais importante são os livros do que as pessoas. Confesso que ainda não é o meu caso... |90
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