Filosofia a Experiência do Pensamento - Sílvio Gallo
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A verdade<br />
unidade III<br />
Ignorância, incerteza<br />
e insegurança<br />
Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode<br />
ser tão profunda que nem sequer a percebemos. Em<br />
geral, o esta<strong>do</strong> de ignorância se mantém em nós enquanto<br />
as crenças e opiniões que possuímos se conservarem<br />
eficazes e úteis, de mo<strong>do</strong> que não temos nenhum<br />
motivo para duvidar delas.<br />
Diferente da ignorância, a incerteza é o momento<br />
em que descobrimos que somos ignorantes, que há<br />
falhas naquilo que nos servia de referência para pensar<br />
e agir. Na incerteza não sabemos o que pensar, o<br />
que dizer ou o que fazer em certas situações. Temos<br />
dúvidas, somos toma<strong>do</strong>s pela perplexidade e pela insegurança.<br />
Outras vezes, estamos confiantes e seguros, mas, de<br />
repente, vemos ou ouvimos alguma coisa que nos enche<br />
de espanto e de admiração. O espanto e a admiração,<br />
assim como a dúvida e a perplexidade, nos fazem<br />
querer sair <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de insegurança ou de encantamento,<br />
nos fazem perceber nossa ignorância e criam o<br />
desejo de superar a incerteza.<br />
Quan<strong>do</strong> isso acontece, estamos na disposição de espírito<br />
chamada busca da verdade.<br />
Desejo da verdade<br />
O desejo da verdade aparece muito ce<strong>do</strong> nos seres<br />
humanos e se manifesta como desejo de confiar nas<br />
coisas e nas pessoas. Ao mesmo tempo, nossa vida cotidiana<br />
é feita de pequenas e grandes decepções.<br />
Quan<strong>do</strong> uma criança ouve uma história, inventa<br />
uma brincadeira, joga ou vê um filme ou uma peça teatral,<br />
está sempre atenta para saber se “é de verdade ou<br />
de mentira”, está sempre atenta para a diferença entre<br />
brincar, jogar, fingir e faltar à confiança.<br />
Quan<strong>do</strong> uma criança brinca, joga e finge, está<br />
crian<strong>do</strong> outro mun<strong>do</strong>, mais rico e mais belo, mais<br />
cheio de possibilidades e invenções <strong>do</strong> que o mun<strong>do</strong><br />
onde vive. Mas sabe, mesmo que não formule explicitamente<br />
tal saber, que há uma diferença entre imaginação<br />
e percepção.<br />
Por isso mesmo, a criança é muito sensível à mentira<br />
<strong>do</strong>s adultos, pois a mentira é diferente <strong>do</strong> “de mentira”,<br />
isto é, a mentira é diferente da imaginação. A criança se<br />
sente magoada quan<strong>do</strong> o adulto lhe diz uma mentira,<br />
porque, ao fazê-lo, ele quebra a relação de confiança e a<br />
segurança infantil.<br />
Sofia Amundsen (interpretada por Silje Storstein), protagonista <strong>do</strong><br />
filme O mun<strong>do</strong> de Sofia (1999), de Erick Gustavson, que se baseou<br />
no livro homônimo <strong>do</strong> escritor Jostein Gaarder. A imaginação de<br />
Sofia, instigada por cartas filosóficas secretas, irá levá-la a uma<br />
odisseia pela história da filosofia.<br />
Quan<strong>do</strong> crianças, estamos sujeitos a duas decepções:<br />
a de que os seres, as coisas, os mun<strong>do</strong>s maravilhosos não<br />
existem “de verdade” e a de que os adultos podem nos<br />
enganar. Essa dupla decepção pode acarretar <strong>do</strong>is resulta<strong>do</strong>s<br />
opostos: ou a criança se recusa a sair <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
imaginário e sofre com a realidade como algo ruim e<br />
hostil a ela, ou, <strong>do</strong>lorosamente, aceita a distinção, mas<br />
também se torna atenta e desconfiada diante da palavra<br />
<strong>do</strong>s adultos. Nesse segun<strong>do</strong> caso, ela também se<br />
coloca na disposição da busca da verdade.<br />
Nessa busca, a criança pode desejar um mun<strong>do</strong> melhor<br />
e mais belo <strong>do</strong> que aquele em que vive e encontrar<br />
a verdade nas obras de arte, desejan<strong>do</strong> ser artista também.<br />
Ou pode desejar saber como e por que o mun<strong>do</strong><br />
em que vive é tal como é e se ele poderia ser diferente<br />
<strong>do</strong> que é. Nesse caso, são desperta<strong>do</strong>s nela o desejo de<br />
conhecimento intelectual e da ação transforma<strong>do</strong>ra.<br />
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