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Filosofia a Experiência do Pensamento - Sílvio Gallo

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Por isso, Sócrates não perguntava se uma coisa era<br />

bela – pois nossa opinião sobre ela pode variar –, e sim<br />

“O que é a beleza?”, “Qual é a essência ou o conceito <strong>do</strong><br />

belo, <strong>do</strong> justo, <strong>do</strong> amor, da amizade?”.<br />

Sócrates perguntava: “Que razões rigorosas você possui<br />

para dizer o que diz e para pensar o que pensa?”, “Qual<br />

é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa?”.<br />

Ora, as perguntas de Sócrates referiam-se a ideias,<br />

valores, práticas e comportamentos que os atenienses<br />

julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si<br />

mesmos. Ao suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar<br />

não só sobre si mesmos, mas também sobre a pólis.<br />

Aquilo que parecia evidente acabava sen<strong>do</strong> percebi<strong>do</strong><br />

como duvi<strong>do</strong>so e incerto.<br />

As ideias de Sócrates<br />

Sabemos que os poderosos têm me<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento,<br />

pois o poder é mais forte se ninguém pensar. Sem<br />

pensar, to<strong>do</strong>s aceitam as coisas como elas são, ou melhor,<br />

como nos dizem e nos fazem acreditar que são. Para os<br />

poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo,<br />

pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de<br />

desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as<br />

leis. Leva<strong>do</strong> à assembleia, Sócrates não se defendeu e foi<br />

condena<strong>do</strong> a tomar um veneno, a cicuta.<br />

Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”, dizia<br />

ele, “se eu me defender, estarei aceitan<strong>do</strong> as acusações,<br />

e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes<br />

vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro<br />

a morte a ter de renunciar à filosofia”.<br />

Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seu<br />

pensamento encontra-se nas obras de seus vários<br />

discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Se<br />

reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os sofistas<br />

e sobre Sócrates, além da exposição de suas próprias<br />

ideias, poderemos encontrar algumas características<br />

gerais <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> socrático:<br />

E A filosofia se volta para as questões humanas no plano<br />

da ação, <strong>do</strong>s comportamentos, das ideias, das<br />

crenças, <strong>do</strong>s valores e, portanto, se preocupa com as<br />

questões morais e políticas.<br />

E A filosofia parte da confiança no pensamento ou no<br />

homem como um ser racional, capaz de conhecer-se<br />

a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão.<br />

E Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento<br />

<strong>do</strong> homem, os filósofos procuram estabelecer<br />

procedimentos que garantam que se encontre a verdade.<br />

Isto é, considera-se que o pensamento deve<br />

Perío<strong>do</strong>s e campos de investigação da filosofia grega<br />

oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios<br />

e meios próprios para saber o que é o verdadeiro<br />

e como alcançá-lo em tu<strong>do</strong> o que investigamos.<br />

E Ao buscar a definição das virtudes morais (<strong>do</strong> indivíduo)<br />

e das virtudes políticas (<strong>do</strong> cidadão), a filosofia<br />

toma como objeto central de suas investigações a<br />

moral e a política. Cabe a ela encontrar a definição, o<br />

conceito ou a essência dessas virtudes, para além da<br />

variedade das opiniões contrárias e diferentes.<br />

E É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre,<br />

de um la<strong>do</strong>, a opinião e as imagens das coisas, trazidas<br />

pelos nossos órgãos <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, pelos hábitos, pelas<br />

tradições, pelos interesses, e, de outro la<strong>do</strong>, os conceitos<br />

ou as ideias. As ideias se referem à essência invisível<br />

e verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas<br />

pelo pensamento puro, que afasta os da<strong>do</strong>s sensoriais,<br />

os hábitos recebi<strong>do</strong>s, os preconceitos, as opiniões.<br />

E A reflexão e o trabalho <strong>do</strong> pensamento são toma<strong>do</strong>s<br />

como uma purificação intelectual que permite ao<br />

espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável,<br />

universal e necessária.<br />

E Sócrates e Platão se diferenciam <strong>do</strong>s sofistas porque<br />

não aceitam a validade das opiniões e das percepções<br />

sensoriais, vistas como fonte de erro, mentira e<br />

falsidade, e repudiam que elas sejam usadas para<br />

produzir argumentos de persuasão. Só assim o pensamento<br />

pode seguir seu caminho próprio rumo ao<br />

conhecimento verdadeiro.<br />

São essas ideias que, de maneira alegórica ou simbólica,<br />

encontramos na exposição platônica <strong>do</strong> Mito da<br />

Caverna, que apresentamos no Capítulo 1. Nesse mito<br />

ou alegoria, Platão estabelece uma distinção decisiva<br />

para toda a história da filosofia e das ciências: a diferença<br />

entre o sensível e o inteligível.<br />

o sensível e o inteligível<br />

O sensível são as coisas que percebemos por<br />

meio da experiência sensorial ou <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong>s<br />

senti<strong>do</strong>s e pela linguagem baseada nesses da<strong>do</strong>s.<br />

O sensível nos dá imagens das coisas tais como nos<br />

aparecem e nos parecem, sem alcançar a realidade<br />

ou a essência delas. As imagens sensíveis formam<br />

a mera opinião – a <strong>do</strong>xa –, variável de pessoa<br />

para pessoa e variável numa mesma pessoa,<br />

dependen<strong>do</strong> das circunstâncias.<br />

O inteligível é o conhecimento verdadeiro que<br />

alcançamos exclusivamente pelo pensamento.<br />

São as ideias imateriais de to<strong>do</strong>s os seres ou as<br />

essências reais e verdadeiras das coisas. Para<br />

Platão, a filosofia é o esforço <strong>do</strong> pensamento para<br />

aban<strong>do</strong>nar o sensível e passar ao inteligível.<br />

45<br />

capítulo 4

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