Filosofia a Experiência do Pensamento - Sílvio Gallo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
114<br />
unidade III<br />
A verdade<br />
Um juízo é um ato mental de julgamento pelo qual<br />
atribuímos a alguma coisa certas propriedades e lhe recusamos<br />
outras. O juízo estabelece uma relação entre<br />
<strong>do</strong>is termos (um sujeito e um predica<strong>do</strong>) por meio de<br />
uma proposição, cuja forma mais simples é “S é P” ou “S<br />
não é P”. Um juízo é verdadeiro quan<strong>do</strong> o que o predica<strong>do</strong><br />
afirma ou nega <strong>do</strong> sujeito corresponde ao que a<br />
coisa é; e é falso quan<strong>do</strong> não há essa correspondência.<br />
Um juízo é analítico quan<strong>do</strong> o predica<strong>do</strong> ou os predica<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> nada mais são <strong>do</strong> que a explicitação<br />
<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> sujeito <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>. Por exemplo:<br />
quan<strong>do</strong> digo que o triângulo é uma figura de três<br />
la<strong>do</strong>s, o predica<strong>do</strong> “figura de três la<strong>do</strong>s” nada mais é <strong>do</strong><br />
que a explicitação <strong>do</strong> sujeito “triângulo”. Ou, quan<strong>do</strong><br />
digo que “to<strong>do</strong>s os corpos são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de massa”, o<br />
predica<strong>do</strong> “são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de massa” não acrescenta nenhum<br />
conhecimento novo sobre o sujeito “corpos”,<br />
mas apenas explicita o conceito desse sujeito. No juízo<br />
analítico, podemos dizer que o predica<strong>do</strong> é um sinônimo<br />
<strong>do</strong> sujeito ou que ele analisa o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> sujeito.<br />
Portanto, o juízo analítico é explicativo.<br />
Quan<strong>do</strong>, porém, o predica<strong>do</strong> de um enuncia<strong>do</strong> oferece<br />
informações novas sobre o sujeito, o juízo é sintético,<br />
isto é, formula uma síntese entre um predica<strong>do</strong> e<br />
um sujeito. Assim, por exemplo, se, em vez de dizer que<br />
os corpos são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de massa, dissermos que “alguns<br />
corpos são pesa<strong>do</strong>s”, o predica<strong>do</strong> “são pesa<strong>do</strong>s” nos diz<br />
algo novo sobre o sujeito. O juízo sintético, diz Kant, é<br />
ampliativo, ou seja, ele aumenta nosso conhecimento.<br />
Para Kant, os juízos analíticos correspondem às verdades<br />
de razão de Leibniz, mas os juízos sintéticos teriam<br />
de ser considera<strong>do</strong>s verdades de fato, isto é, uma<br />
relação entre termos que depende <strong>do</strong>s acontecimentos<br />
ou <strong>do</strong>s fatos e que requer a experiência para ser<br />
conhecida.<br />
Dessa maneira, a verdade parece ficar reduzida aos<br />
juízos analíticos, que nada nos ensinam, mas apenas<br />
nos explicam. Em contrapartida, como os juízos sintéticos<br />
dependem da experiência de cada um de nós, não<br />
são verdadeiros no senti<strong>do</strong> preciso da palavra, isto é,<br />
não são necessários nem universais.<br />
Que faz Kant? Vimos que ele distingue a estrutura<br />
universal e necessária da razão <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s da experiência<br />
dizen<strong>do</strong> que a experiência é a ocasião para o<br />
conhecimento, mas não a causa dele, pois este depende<br />
das estruturas a priori da sensibilidade (espaço e<br />
tempo) e <strong>do</strong> entendimento (categorias e conceitos).<br />
Partin<strong>do</strong> dessa formulação, Kant introduz a ideia de juízos<br />
sintéticos a priori, isto é, juízos sintéticos nos quais a<br />
síntese <strong>do</strong> sujeito e <strong>do</strong> predica<strong>do</strong> depende da estrutura<br />
universal e necessária de nossa razão, e não da variabilidade<br />
individual de nossas experiências.<br />
Os juízos sintéticos a priori exprimem o mo<strong>do</strong><br />
como nosso pensamento relaciona e conhece a realidade.<br />
A causalidade, por exemplo, é uma síntese a priori<br />
que nosso entendimento formula para as ligações universais<br />
e necessárias entre causas e efeitos, independentemente<br />
de hábitos psíquicos associativos.<br />
Gerson Gerloff/Pulsar Imagens<br />
Marcelo Prates/Hoje em Dia/Futura Press<br />
Segun<strong>do</strong> Kant, se dissermos que “o calor é uma medida de<br />
temperatura <strong>do</strong>s corpos”, o predica<strong>do</strong> “medida de temperatura <strong>do</strong>s<br />
corpos” simplesmente explicita o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> sujeito “calor”, não<br />
acrescentan<strong>do</strong> nada a ele. Trata-se, portanto, de um juízo analítico.<br />
Porém, se dissermos que “o calor é capaz de alterar a forma <strong>do</strong><br />
ferro”, não estamos definin<strong>do</strong> o que é calor, mas sim oferecen<strong>do</strong> uma<br />
informação nova sobre ele. Neste caso, temos um juízo sintético.<br />
Margem da lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, capital de<br />
Minas Gerais, em 2011. Se digo “Esta lagoa é poluída”, sei que<br />
alguém ou algo a poluiu, mesmo que não veja este alguém<br />
ou algo despejan<strong>do</strong> poluentes. Essa relação de causalidade<br />
que nossa consciência faz constitui um juízo sintético a priori.