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ta fotografia se me apresenta de um róseo muito delicado,<br />
mas não homogêneo; percebe-se a presença variada<br />
do róseo e do branco nas ogivas góticas, formando uma<br />
espécie de contraste.<br />
De si, o bonito seria, de acordo com a lei da gravidade,<br />
vermos o elemento mais pesado carregar o mais leve.<br />
Então, seria explicável que esse palácio fosse construído<br />
de tal maneira que essa espécie de caixotão – é um ultraje<br />
chamá-lo assim – deliciosamente róseo, ornado por<br />
três ogivas agradavelmente simétricas, pensativas, calmas,<br />
tranquilas e nobres, que parecem estar, elas mesmas,<br />
olhando o mar, contemplando-o com a familiaridade<br />
com a qual as grandes pessoas contemplam o lindo;<br />
pareceria normal, enfim, que esse caixotão estivesse<br />
na terra, e a parte mais leve, ou seja, as colunas desse<br />
andar imediatamente inferior, bem como a colunata que<br />
toca no chão, estivessem em cima.<br />
Dir-se-ia que esse edifício, construído assim como está,<br />
daria uma sensação de peso medonho, e que esse caixotão<br />
vai esmagar e quebrar, a qualquer momento, a colunata.<br />
Mas está calculada com tanta inteligência a distribuição<br />
dos corpos e dos volumes, que não se tem essa<br />
impressão. Pelo contrário, sente-se que essa colunata<br />
carrega sem esforço o caixotão, o qual, recusando-se de<br />
ficar na terra, é suportado por essas colunas magníficas,<br />
de maneira a permitir a circulação do ar por debaixo dele.<br />
A arte orna isso com essa primeira linha ogival muito<br />
bonita, e embaixo com aqueles outros arcos, ficando o<br />
palácio, por assim dizer, suspenso no ar.<br />
Chamo a atenção para o que há de bem pensado em<br />
cada detalhe dessa fachada. Ela ficaria monótona se não<br />
houvesse, bem no meio, aquela porta dando para um<br />
terraço. Mas se existisse ali mais uma ogiva o palácio se<br />
tornaria insuportável. Para aquela porta, aquele terraço<br />
tem exatamente o tamanho que deve ter para completar<br />
bem e levemente uma das maravilhas do universo,<br />
o Palácio dos Doges.<br />
Viagem que conduz ao<br />
Céu ou ao Inferno<br />
Imaginem-se sentados em gôndolas e seguindo<br />
na direção dessa praça que se abre mais para<br />
o fundo e tem uma torre. Percebe-se, pelas<br />
cúpulas, que para essa praça dá também uma<br />
igreja, e existe depois outro palácio. Mas há<br />
uma parte da praça que dá diretamente para o mar. É o<br />
desembarcadouro para as pessoas que descem, um cais.<br />
Há cais ao longo de toda essa colunata, a fim de facilitar<br />
ao máximo o deslocamento da população.<br />
Notem como existem ali duas colunas. Em uma delas<br />
há uma estátua de São Teodoro esmagando o dragão; na<br />
outra, o leão alado, emblema de Veneza. No intervalo entre<br />
as duas colunas havia um outro “cais” de um gênero<br />
muito diverso. Nele alguns homens empreendiam uma<br />
viagem perto da qual as nossas viagens contemporâneas<br />
são zero, e até mesmo os homens que foram à Lua não<br />
são nada em comparação com os que fazem essa viagem,<br />
porque é a viagem que conduz ao Céu ou ao Inferno...<br />
Ali eram executados, em troncos especialmente<br />
levados para a cerimônia, os condenados à morte.<br />
Lugar lindo, encantador, mas é um dos traços de Veneza.<br />
Ela é festiva, mas tem qualquer coisa no fundo<br />
de muito grave e até de um tanto melancólico, sem o<br />
qual Veneza seria uma banalidade.<br />
Gabriel K.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
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