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mundo

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─Bolicheiro, dê-me um trago da melhor cachaça que houver nessa pocilga─ Disse o homem de meia idade que<br />

Manoel o olhou com atenção. Era outro cavalariano da guarnição imperial de Porto Alegre. Um sargento. Devia ser<br />

Prontamente, o dono do estabelecimento se dirigiu ao nicho na estante de madeira rústica atrás do balcão e dele<br />

Enquanto Manoel o servia, o recém-chegado deu uma passada de olhos no lugar. Era uma cabana com chão de terra.<br />

teto, em ganchos presos por cordas de couro cru. Num dos cantos mal iluminados, a única mesa disponível se<br />

Para a surpresa do militar, a luz do lampião que Manoel acabava de acender, mostrou-lhe que que não se tratava de<br />

um cão, mas sim, de um lobo pampeano. A criatura tinha o porte de um são Bernardo, mas seu corpo era compacto,<br />

musculoso, com uma pelagem parda e listras pretas que lhe desciam das costas até o quadril. Mesmo em repouso, as<br />

O sargento bebeu três copos de cachaça. Então, sem a menor cerimônia, virou-se, e começou a caminhar em direção<br />

mestiço, de cabelos castanhos e olhos quase âmbar. A pele era cor de cuia. Mas seus traços eram mais europeus que<br />

NOVA LITERATURA - AS FERAS DE UM MUNDO AO SUL<br />

PÁGINA 11<br />

CONTO<br />

Infelizmente, isso valia apenas para arruaceiros que não usavam uniforme.<br />

acabava de chegar, com indisfarçável desdém na voz.<br />

novo nas redondezas, posto que Manoel não o conhecia. Tinha sotaque de alguma província do norte e, pela<br />

expressão de asco em seu rosto, detestava estar onde estava.<br />

tirou um garrafão pardo.<br />

Havia sacos de arroz e feijão, empilhados contra uma das paredes. Linguiças defumadas e carne seca pendiam do<br />

encontrava ocupada por um homem de idade indefinida. Usava uma camisa de linho bege e um colete preto,<br />

bombachas cinzentas e alpargatas azul marinho, sem meias, apesar do frio daquele fim de tarde de outono. Um<br />

chapéu de barbicacho cobria-lhe a cabeça. Sentado a seu lado, no chão, havia algo que, na penumbra, podia ser<br />

confundido com um cão.<br />

orelhas pontudas e hirsutas se moviam nervosamente, embora nada houvesse ali que valesse a pena escutar.<br />

à porta.<br />

─São vinte centésimos de réis, sargento─ Disse Manoel, com algum desconforto.<br />

O militar se virou e respondeu:<br />

─Vinte centésimos de réis? Por essa merda de cachaça? Isso não se dá nem aos porcos. Agradeça a Deus que uma<br />

autoridade do império tenha lhe dado o privilégio de beber nesse lixo em que você vive.<br />

─Vossa mercê talvez não tenha compreendido. Manoel está a lhe informar que a bebida que vossa mercê tomou<br />

não é cortesia da casa─ Disse o homem sentado, erguendo a cabeça e encarando o militar do império. Era um<br />

indígenas, talvez vinte ou vinte e cinco anos.<br />

─Ninguém pediu tua opinião, bugre─ Disse o sargento, levando a mão ao sabre.<br />

─O termo correto é missioneiro, vossa mercê ─Replicou o estranho se levantando. Ele era pelo menos dez

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