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mundo

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puxadas pelas anta-açu estavam sendo carregadas com o trigo missioneiro que seria vendido na capital da província<br />

de São Pedro. O menino não entendia o porquê daquele ritual. A terra dos Sete Povos e mesmo a província de São<br />

vocês seriam varridos do continente. Até mesmo Sepé Tiaraju e os seus fundadores sabiam disso, meu jovem. O seu<br />

─Sob muitos aspectos, sim. E sob outros, não. Quando os Jesuítas chegaram com suas bíblias e o cristianismo, que<br />

seus pajés abominam, trouxeram com eles a escrita. Hoje, vocês possuem extraordinárias bibliotecas, com milhares<br />

envelhecem e morrem. O conhecimento deles pode se perder se não for registrado. E conhecimento, meu jovem, é<br />

Apesar de sua intensa rotina de estudos, o jovem herdeiro se sentia relativamente livre. Seu irmão, o primogênito, era<br />

muito mais cobrado do que ele. Cinco anos mais velho, ele já participava de combates eventuais, fora dos muros da<br />

gerações. Parecia improvável que isso mudasse de uma hora para outra. As maiores preocupações dos Sete Povos<br />

eram manter em segurança as manadas das anta-açu, animais aos quais os brancos chamavam de mastodontes, e<br />

Nem todas as aulas do jovem herdeiro aconteciam dentro das muralhas da cidade. Ele apreciava aquele programa<br />

de estudos que o levava para os campos além das plantações de trigo e dos pomares que alimentavam boa parte do<br />

reino. Lá, na imensidão selvagem, dois mestres muito diferentes o guiavam através daquilo que um deles, o francês,<br />

chamava de ciência natural. O conhecimento daquele europeu era vasto. Maior ainda que o saber do pajé mais sábio<br />

dos sete povos. Ele podia identificar qualquer planta, qualquer animal, qualquer rocha que encontrassem nos Sete<br />

─Diga-me, jovem príncipe, porque é que as árvores deste lado da campina já estão sem folhas se estamos na<br />

─Você enxerga algum mastodonte vagando pelas redondezas? ─O Francês se recusava a usar nomes indígenas para<br />

NOVA LITERATURA - AS FERAS DE UM MUNDO AO SUL<br />

PÁGINA 06<br />

CONTO<br />

Pedro, eram ricas em caça e outros recursos. Por que não viver da terra, como seus ancestrais?<br />

─Porque, como caçadores-coletores, os Sete Povos seriam presas fáceis do império brasileiro e de potências<br />

estrangeiras─ Respondia-lhe Lawrence, seu preceptor inglês─ Sem tecnologia, sem produção contínua de alimentos,<br />

antigo <strong>mundo</strong> terminou quando o primeiro europeu pôs os pés nesta terra.<br />

─Vivíamos muito melhor sem vocês─ Disse o menino com um tom amargo na voz.<br />

de livros em diversos idiomas, entre os quais, o Quíchua e o Guarani. Nenhum pajé, nenhum cacique ou homem<br />

sábio poderia guardar em sua mente o volume de conhecimento acumulado nessas bibliotecas. Homens<br />

poder.<br />

cidade fortificada. O acordo de paz entre o reino dos Sete Povos e o Império do Brasil já se sustentava há duas<br />

lidar com os bandoleiros errantes vindos do interior da província de São Pedro.<br />

Povos e em boa parte das províncias do império brasileiro. E ainda que seus métodos fossem extremamente<br />

maçantes (o herdeiro abominava taxonomia e sistemática) era inegável que funcionavam.<br />

primavera?<br />

─As folhas foram comidas, monsieur Saint-Hilaire, provavelmente por anta-açu.<br />

as feras.

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