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Universalizar acervo e<br />
visibilizar às experiências<br />
negras nos territórios de<br />
mineração (Mariana, MG)<br />
O Núcleo de Pesquisa em História Econômica<br />
e Demográfica do Cedeplar da Universidade<br />
Federal de Minas Gerais associou-se à<br />
Vanderbilt University com o objetivo de preservação<br />
da documentação histórica sobre<br />
africanos e seus descendentes que habitaram<br />
o território de Minas Gerais, no interior do<br />
Brasil.<br />
Minas Gerais possuiu uma das maiores<br />
populações negras do país ao longo do século<br />
XVIII e XIX, na condição de escravizados e<br />
também de libertos e negros livres. O impacto<br />
da descoberta de metais preciosos no interior<br />
do Brasil, a partir do final do século XVII,<br />
atingiu a sociedade portuguesa e grandes<br />
parcelas do continente africano. Foi da chamada<br />
África Negra que veio o maior número<br />
de moradores para a nova região de mineração<br />
de ouro e diamante do passado brasileiro.<br />
Esta nova sociedade, em terras de garimpo,<br />
marcou-se pela diversidade étnica, pela<br />
presença de milhares de trabalhadores<br />
africanos e seus descendentes em situação<br />
de escravização e também de liberdade.<br />
Contudo, ainda, há poucos estudos que<br />
exploram as histórias de vida dessa significativa<br />
parcela da população de Minas Gerais.<br />
Inicialmente, o projeto tem como foco disponibilizar<br />
o precioso acervo dos livros de testamentos<br />
do território da primeira capital e<br />
cidade de Minas Gerais, Mariana. O acervo<br />
objeto da pesquisa-ação é um dos mais ricos<br />
corpos documentais sobre a experiência<br />
negra no passado colonial e imperial da região<br />
mineira. Como é de conhecimento dos especialistas<br />
em História do Negro no Brasil, a<br />
documentação sobre esses atores sociais<br />
muitas vezes foi produzida de maneira indireta,<br />
o que torna, ainda mais importante os<br />
testamentos produzidos por mulheres e<br />
homens negros relatando suas últimas vontades.<br />
Revelam, dessa maneira, hábitos, cultura<br />
material, parentesco e inserção social dessa<br />
parcela da população.<br />
Festa de Nossa Senhora do Rosário em Padre Viegas - Mariana - Mg - 2017.<br />
15<br />
A série de Livros de Testamentos de Mariana<br />
integram o precioso acervo do Arquivo<br />
Histórico da Casa Setecentista de Mariana,<br />
instituição pertencente ao Instituto do<br />
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />
(IPHAN). Mariana surgiu no final do século<br />
XVII na corrida do ouro e tornou-se a primeira<br />
povoação mineira com sede administrativa<br />
instalada pela Coroa Portuguesa em 1711.<br />
Acolheu os primeiros governadores que<br />
habitaram o território e a partir de 1745 tornouse<br />
a capital eclesiástica de Minas Gerais.<br />
O projeto tem por objetivo dar visibilidade às<br />
experiências negras do passado que marcaram<br />
a realidade de extenso território de Minas<br />
Gerais. Por exemplo, em 1781, a africana<br />
Francisca da Conceição revelou como, pelo<br />
seu trabalho e indústria, conseguiu conquistar<br />
a liberdade após ser escravizada e enviada da<br />
Costa da Mina para o Brasil. Posteriormente,<br />
se instalou no então Arraial de Bento<br />
Rodrigues, em Mariana, no qual se tornou<br />
proprietária de uma estalagem que também<br />
era um pequeno comércio. No seu testamento,<br />
registrou que comprava produtos da cidade<br />
do Rio de Janeiro para abastecer seu pequeno<br />
empório/hospedaria. Para cuidar de seus<br />
negócios, contava com os trabalhadores<br />
Sebastião, Damião e Matheus Angola, além<br />
de Felizarda e Maria Mina - todos africanos<br />
como sua senhora. Sua casa, como muitas<br />
outras, era uma pequena África no coração de<br />
Minas Gerais. Francisca da Conceição tornou-se<br />
destacada devota de São Benedito<br />
ocupando os cargos de juíza e Rainha. Ela<br />
desejou que sua última morada fosse a tumba<br />
de São Benedito na Capela de São Bento do<br />
Arraial de Bento Rodrigues. Outro africano,<br />
que passou a se registrar como Inácio<br />
Fagundes, morador na sede da Vila do Carmo<br />
(atual Mariana), deixou a escravidão após<br />
comprar a sua liberdade por elevada soma.<br />
No seu testamento, escrito em 1732, registrou<br />
que além de ser chefe do seu domicílio, era<br />
proprietário de parte de uma mina de ouro na<br />
vizinha localidade de Vila Rica.