24.11.2018 Views

Revista ComTempo, edição nº 2 - de novembro de 2018 a janeiro de 2019

Sua revista digital com jeitinho de impressa.

Sua revista digital com jeitinho de impressa.

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Foto: Arquivo Pessoal<br />

<strong>ComTempo</strong> – Fale um pouco sobre<br />

sua palestra.<br />

Eliane Maio – Trazer esta temática em tempos<br />

atuais, em que a gente anda apanhando<br />

muito, tem que ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer um diálogo<br />

sobre o que é gênero e o que é sexualida<strong>de</strong>.<br />

Eu trabalho há anos com esse tema<br />

para dizer que as pessoas não nascem masculinas<br />

ou femininas. A gente apren<strong>de</strong> a ser.<br />

A gente nasce macho ou fêmea porque alguém<br />

<strong>de</strong>cidiu isso ao longo da história, mas<br />

esquecemos que as características culturais<br />

que nos atribuem das quais fazem com que<br />

a masculinida<strong>de</strong> prevaleça e a feminilida<strong>de</strong><br />

seja sempre submissa. Por que as mulheres<br />

sofrem tanto? Por que uma advogada, <strong>de</strong><br />

classe média, branca, foi jogada do prédio<br />

pelo marido? Por causa do machismo. Trabalho<br />

estas temáticas para que busquemos<br />

a igualda<strong>de</strong>, para que a gente compreenda<br />

as amarras do processo cultural, <strong>de</strong>struindo<br />

essas amarras e construindo as escolhas<br />

próprias, o que é mais difícil.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como é possível abordar<br />

gênero e sexualida<strong>de</strong> nas escolas?<br />

Eliane Maio – Em matéria <strong>de</strong> sexo, tem muita<br />

gente que engole hipocrisia e arrota moral<br />

e bons costumes. Na escola, na época <strong>de</strong><br />

festa junina formavam-se os casaizinhos héteros<br />

e, quando faltava, as meninas é que<br />

se vestiam <strong>de</strong> menino e não o contrário. No<br />

ensino médio, nas festas, as meninas levavam<br />

salgado ou doce e os meninos, a bebida.<br />

Isso tem explicação científica? Então, a<br />

escola é um lugar heterosexista e o que precisamos<br />

fazer é <strong>de</strong>sconstruir isso estudando<br />

muito. Como vamos tratar <strong>de</strong> violência sexual?<br />

Contando a história da Branca <strong>de</strong> Neve:<br />

Ela é expulsa <strong>de</strong> casa e vai morar com sete<br />

anões. Ninguém nunca imaginou que ela<br />

vive com sete pintos? Para ela viver naquela<br />

casa ela tinha que lavar, passar e cozinhar.<br />

Bela, recatada e do lar. Aí aparece uma bruxa<br />

– nós, mulheres feministas – com o símbolo<br />

do pecado, que é a maçã. Ela mor<strong>de</strong> e <strong>de</strong>smaia.<br />

No final da história, é a pior das violências.<br />

Como que se chama o homem? Príncipe.<br />

Um homem sem nome, que a Branca <strong>de</strong><br />

Neve nunca viu, e dá um beijo enquanto ela<br />

está <strong>de</strong>smaiada. Isso não po<strong>de</strong>. Então, po<strong>de</strong>mos<br />

contar para as crianças essa história<br />

e abordar vários diálogos, como ensinar a<br />

criança a não <strong>de</strong>ixar ninguém encostar em<br />

seu corpo sem permissão.<br />

Isso é <strong>de</strong>sconstruir. E com igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />

Não precisamos e nem <strong>de</strong>vemos ensinar<br />

sexo nas escolas, mas <strong>de</strong>vemos trabalhar<br />

a igualda<strong>de</strong>. Qual o apelo científico<br />

para fazer fila <strong>de</strong> menina e <strong>de</strong> menino? Por<br />

que fazer dia dos pais ou das mães? A criança<br />

vai ter que entregar um presente pro pai<br />

que a estupra? Ou fazer um cartão para o<br />

pai que nunca viu? Há mais <strong>de</strong> 5 milhões<br />

<strong>de</strong> crianças sem pai no país. Temos que trabalhar<br />

aquilo que vai refletir no cotidiano da<br />

criança. A igualda<strong>de</strong>.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Pelos locais que passou,<br />

já escutou relatos <strong>de</strong> violência<br />

sexual contra a mulher?<br />

Eliane Maio – Com certeza nesta palestra<br />

<strong>de</strong> hoje, haverão mulheres que sofreram ou<br />

sofrem com violência. Não existe um lugar<br />

ainda que eu fui, que não me contam um<br />

caso <strong>de</strong> violência. Mais <strong>de</strong> 80% das violências<br />

contra mulher são por membros da família,<br />

96% dos que violentam são héteros,<br />

e ficam falando que eu quero transformar o<br />

mundo em gay. Agora eu quero.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Sobre feminicídio: estão<br />

acontecendo mais casos ou<br />

mais casos estão vindo à tona?<br />

Eliane Maio - Minha mãe comentou outro<br />

dia: “quantos casos!”. E eu disse: não, mãe.<br />

Existem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua época. A prima tal, a tia<br />

tal foram mortas pelo marido. Mas tudo era<br />

feito às escondidas. Sobre a advogada, muita<br />

gente criticou porque ela não fugiu, não<br />

colocou fim à relação. E eu digo que isso é<br />

inexplicável. É um envolvimento tão doentio,<br />

que é difícil sair. Teria que empo<strong>de</strong>rar essa<br />

mulher para ela conseguir sair. O feminicídio<br />

se dá pela cultura machista e sexista. Até a<br />

língua portuguesa é sexista. É tudo no masculino.<br />

Em minhas palestras, eu digo “Boa<br />

noite a todas!” e os poucos homens que estão<br />

presentes, reclamam.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!