Revista ComTempo, edição nº 2 - de novembro de 2018 a janeiro de 2019
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Foto: Arquivo Pessoal<br />
<strong>ComTempo</strong> – Fale um pouco sobre<br />
sua palestra.<br />
Eliane Maio – Trazer esta temática em tempos<br />
atuais, em que a gente anda apanhando<br />
muito, tem que ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer um diálogo<br />
sobre o que é gênero e o que é sexualida<strong>de</strong>.<br />
Eu trabalho há anos com esse tema<br />
para dizer que as pessoas não nascem masculinas<br />
ou femininas. A gente apren<strong>de</strong> a ser.<br />
A gente nasce macho ou fêmea porque alguém<br />
<strong>de</strong>cidiu isso ao longo da história, mas<br />
esquecemos que as características culturais<br />
que nos atribuem das quais fazem com que<br />
a masculinida<strong>de</strong> prevaleça e a feminilida<strong>de</strong><br />
seja sempre submissa. Por que as mulheres<br />
sofrem tanto? Por que uma advogada, <strong>de</strong><br />
classe média, branca, foi jogada do prédio<br />
pelo marido? Por causa do machismo. Trabalho<br />
estas temáticas para que busquemos<br />
a igualda<strong>de</strong>, para que a gente compreenda<br />
as amarras do processo cultural, <strong>de</strong>struindo<br />
essas amarras e construindo as escolhas<br />
próprias, o que é mais difícil.<br />
<strong>ComTempo</strong>: Como é possível abordar<br />
gênero e sexualida<strong>de</strong> nas escolas?<br />
Eliane Maio – Em matéria <strong>de</strong> sexo, tem muita<br />
gente que engole hipocrisia e arrota moral<br />
e bons costumes. Na escola, na época <strong>de</strong><br />
festa junina formavam-se os casaizinhos héteros<br />
e, quando faltava, as meninas é que<br />
se vestiam <strong>de</strong> menino e não o contrário. No<br />
ensino médio, nas festas, as meninas levavam<br />
salgado ou doce e os meninos, a bebida.<br />
Isso tem explicação científica? Então, a<br />
escola é um lugar heterosexista e o que precisamos<br />
fazer é <strong>de</strong>sconstruir isso estudando<br />
muito. Como vamos tratar <strong>de</strong> violência sexual?<br />
Contando a história da Branca <strong>de</strong> Neve:<br />
Ela é expulsa <strong>de</strong> casa e vai morar com sete<br />
anões. Ninguém nunca imaginou que ela<br />
vive com sete pintos? Para ela viver naquela<br />
casa ela tinha que lavar, passar e cozinhar.<br />
Bela, recatada e do lar. Aí aparece uma bruxa<br />
– nós, mulheres feministas – com o símbolo<br />
do pecado, que é a maçã. Ela mor<strong>de</strong> e <strong>de</strong>smaia.<br />
No final da história, é a pior das violências.<br />
Como que se chama o homem? Príncipe.<br />
Um homem sem nome, que a Branca <strong>de</strong><br />
Neve nunca viu, e dá um beijo enquanto ela<br />
está <strong>de</strong>smaiada. Isso não po<strong>de</strong>. Então, po<strong>de</strong>mos<br />
contar para as crianças essa história<br />
e abordar vários diálogos, como ensinar a<br />
criança a não <strong>de</strong>ixar ninguém encostar em<br />
seu corpo sem permissão.<br />
Isso é <strong>de</strong>sconstruir. E com igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />
Não precisamos e nem <strong>de</strong>vemos ensinar<br />
sexo nas escolas, mas <strong>de</strong>vemos trabalhar<br />
a igualda<strong>de</strong>. Qual o apelo científico<br />
para fazer fila <strong>de</strong> menina e <strong>de</strong> menino? Por<br />
que fazer dia dos pais ou das mães? A criança<br />
vai ter que entregar um presente pro pai<br />
que a estupra? Ou fazer um cartão para o<br />
pai que nunca viu? Há mais <strong>de</strong> 5 milhões<br />
<strong>de</strong> crianças sem pai no país. Temos que trabalhar<br />
aquilo que vai refletir no cotidiano da<br />
criança. A igualda<strong>de</strong>.<br />
<strong>ComTempo</strong>: Pelos locais que passou,<br />
já escutou relatos <strong>de</strong> violência<br />
sexual contra a mulher?<br />
Eliane Maio – Com certeza nesta palestra<br />
<strong>de</strong> hoje, haverão mulheres que sofreram ou<br />
sofrem com violência. Não existe um lugar<br />
ainda que eu fui, que não me contam um<br />
caso <strong>de</strong> violência. Mais <strong>de</strong> 80% das violências<br />
contra mulher são por membros da família,<br />
96% dos que violentam são héteros,<br />
e ficam falando que eu quero transformar o<br />
mundo em gay. Agora eu quero.<br />
<strong>ComTempo</strong>: Sobre feminicídio: estão<br />
acontecendo mais casos ou<br />
mais casos estão vindo à tona?<br />
Eliane Maio - Minha mãe comentou outro<br />
dia: “quantos casos!”. E eu disse: não, mãe.<br />
Existem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua época. A prima tal, a tia<br />
tal foram mortas pelo marido. Mas tudo era<br />
feito às escondidas. Sobre a advogada, muita<br />
gente criticou porque ela não fugiu, não<br />
colocou fim à relação. E eu digo que isso é<br />
inexplicável. É um envolvimento tão doentio,<br />
que é difícil sair. Teria que empo<strong>de</strong>rar essa<br />
mulher para ela conseguir sair. O feminicídio<br />
se dá pela cultura machista e sexista. Até a<br />
língua portuguesa é sexista. É tudo no masculino.<br />
Em minhas palestras, eu digo “Boa<br />
noite a todas!” e os poucos homens que estão<br />
presentes, reclamam.