Revista ComTempo, edição nº 2 - de novembro de 2018 a janeiro de 2019
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POPULAÇÃO<br />
CARCERÁRIA INVISÍVEL<br />
A escolha sobre a permanência do<br />
bebê, durante os primeiros seis meses <strong>de</strong> vida,<br />
no ambiente carcerário é da mãe. Elas po<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>cidir permanecer com os filhos durante o período<br />
<strong>de</strong> amamentação, ou se entregam <strong>de</strong> vez<br />
à família, evitando assim que o bebê vivencie a<br />
precarieda<strong>de</strong> do cárcere.<br />
Na maioria dos casos, a escolha das<br />
mães é ficar com os filhos e como na maioria<br />
dos Estados não há uma UMI – Unida<strong>de</strong> Materno<br />
Infantil - a<strong>de</strong>quada, cria-se, assim, a população<br />
carcerária invisível, on<strong>de</strong> crianças são<br />
submetidas a todos os intemperes que po<strong>de</strong>m<br />
surgir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma carceragem.<br />
“Mesmo sabendo que meu filho estaria<br />
seguro, não suportei quando vi minha mãe o<br />
levando, meus seios transbordavam e eu ardia<br />
em febre. Foi o momento on<strong>de</strong> percebi que<br />
não po<strong>de</strong>ria ser mãe do meu filho”, diz o relato<br />
<strong>de</strong> Renata Silva, ex-presidiária, que em 2006<br />
teve seu filho enquanto cumpria pena no Talavera<br />
Bruce, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
(Reprodução/Crivelaro/ Getty Images)<br />
“Não suportei quando vi minha mãe o<br />
levando, meus seios<br />
transbordavam e eu ardia em febre”.<br />
O relato <strong>de</strong> Silva mostra os danos causados<br />
à família e provam que são muito maiores<br />
do que se po<strong>de</strong> imaginar. “São vínculos que<br />
não se refazem, sentimentos que dificilmente<br />
se recuperam, e a questão maior que precisase<br />
discutir não é a vitimização <strong>de</strong>ssas mulheres,<br />
mas sim os direitos que são violados ao<br />
extremo, causando danos não somente a elas,<br />
mas a todos que as cercam”. Afinal a finalida<strong>de</strong><br />
do encarceramento é <strong>de</strong> ressocializar o apenado<br />
durante o cumprimento da pena a fim <strong>de</strong><br />
reintegrar essa pessoa a socieda<strong>de</strong> e, principalmente,<br />
que ela não cometa mais crimes, entretanto,<br />
o nota-se um sistema que parece ser um<br />
agravante na sentença <strong>de</strong> quem está <strong>de</strong>tido.<br />
Enquanto isso, 45% da população carcerária<br />
feminina aguarda julgamento. Des<strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> março<br />
<strong>de</strong> 2016, a lei 13.257 assegura direito <strong>de</strong><br />
cumprir prisão domiciliar, mulheres grávidas ou<br />
mães <strong>de</strong> menores <strong>de</strong> 12 anos.<br />
O Infopen mostra ainda que 75% das<br />
mulheres privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> têm filhos.<br />
Exemplo<br />
O acompanhamento das mulheres<br />
grávidas ao médico também não é<br />
respeitado. Em fevereiro <strong>de</strong> <strong>2018</strong>, em<br />
São Paulo, a jovem Jéssica Monteiro, 24,<br />
foi presa ao lado do marido Oziel Gomes,<br />
48, portando 90 gramas <strong>de</strong> maconha.<br />
Mesmo estando em trabalho <strong>de</strong> parto, no<br />
momento em que era conduzida para a<br />
audiência <strong>de</strong> custódia, foi encaminhada<br />
sob escolta ao hospital, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>u à luz<br />
a um menino e mesmo acompanhada <strong>de</strong><br />
seu advogado, que comunicou o ocorrido<br />
ao juiz, com testemunho do policial que<br />
os acompanhavam, teve seu pedido <strong>de</strong><br />
prisão mantido, apesar da jovem ser ré<br />
primária.<br />
Jéssica, dois dias após o parto,<br />
voltou à carceragem com o filho nos braços.<br />
Para ajudar a jovem, os policiais da<br />
<strong>de</strong>legacia revezavam-se, provi<strong>de</strong>nciando<br />
água morna para a higiene <strong>de</strong> ambos, enquanto<br />
a transferência para uma unida<strong>de</strong><br />
a<strong>de</strong>quada era provi<strong>de</strong>nciada, já que ela<br />
estava em unida<strong>de</strong> masculina, em cela<br />
improvisada <strong>de</strong> 2x2m, suja e com colchões<br />
<strong>de</strong> espuma improvisados, forrados<br />
com cobertores.<br />
Casos como o <strong>de</strong> Jéssica, provam<br />
que apesar da <strong>de</strong>claração da ministra do<br />
STF - Superior Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - Carmen<br />
Lúcia, on<strong>de</strong> disse: “Terminarei meu mandato<br />
sem que nenhum brasileirinho nasça<br />
atrás das gra<strong>de</strong>s” ainda tem-se que evoluir<br />
nesta questão, ao contrário, segundo<br />
a fala da ministra “estamos <strong>de</strong>scumprindo<br />
a Lei do Ventre Livre”. É necessário pensar<br />
nessas crianças encarceradas como<br />
inocentes que estão sendo penalizados<br />
sem nem mesmo saber o que significa infringir<br />
a lei.