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Dona Lucilia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
lada, ou estridente, nada disso. Eram<br />
timbres que causavam a impressão de<br />
que a voz de um comentava a do outro.<br />
Tinha-se mais a impressão das<br />
várias notas de um mesmo teclado,<br />
do que propriamente aparelhos diferentes<br />
que estivessem tocando.<br />
A ocasião de a família estar junta<br />
era a hora das refeições, uns minutos<br />
antes e algum tempo depois. À<br />
mesa também surgiam, às vezes, temas<br />
muito elevados: política, discussão<br />
de religião; e quando o assunto<br />
era elevado, a conversa tendia ligeiramente<br />
para o discurso e a conferência.<br />
Quando o tema baixava, passava<br />
a ser completamente caseiro,<br />
mas sempre num vocabulário elevado.<br />
Ademais, com uma coisa que minha<br />
geração e as posteriores já não<br />
conheceram, que é a vida sem pressa.<br />
Aquele era um gênero de gente<br />
que não era arrastada, vagarosa, mas<br />
não fazia nada correndo.<br />
A não ser uma coisa: a hora de tomar<br />
o trem; a família sempre foi um<br />
pouco atrasada em horários. Então,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no ano de 1979<br />
havia “epopeias” contadas como fatos<br />
engraçados, de trens que um pegou<br />
de tal jeito à última hora, esses<br />
e aqueles episódios. Um tio que foi<br />
pegar um trem na Estação da Luz,<br />
a bilheteria estava fechada e não se<br />
passava mais. Ele viu que um elevador<br />
de carga ia levando coisas para<br />
baixo, guiado por um homem. Era<br />
proibido passageiro descer<br />
pelo elevador de carga.<br />
E ele estava longe e<br />
não alcançava o elevador.<br />
Então, deu um berro<br />
tão imponente, que o<br />
condutor parou instintivamente<br />
o elevador, e<br />
ele entrou sem dizer nada.<br />
O homem ficou tão<br />
tonto, que trouxe meu<br />
tio até embaixo e ele pegou<br />
o último vagão do<br />
trem. Era a única forma<br />
de pressa que tinha cidadania<br />
entre eles. O resto<br />
era devagar.<br />
Falar devagar, cada palavra<br />
pronunciada inteiramente<br />
e, durante a conversa,<br />
com um pouco de pausa.<br />
Quando o tema chegava<br />
a uma altura maior, ou<br />
uma parte mais enfática,<br />
falava-se mais devagar do<br />
Estação da Luz em 1900<br />
que mais depressa, e fazia-se fisionomia<br />
para o caso. De maneira que, por<br />
exemplo, um está contando uma conversa<br />
delicada que teve com alguém sobre<br />
tal coisa: “Bom… bom… você pode<br />
imaginar o meu apuro.”<br />
Gesto e pequena pausa, atitude<br />
para completar o ambiente. Depois<br />
a narração continuava. Despedida,<br />
ou saudação na entrada: calma. Ninguém<br />
entrava ou saía correndo. Todos<br />
os fatos da vida passados com<br />
densidade; ninguém era atado ou<br />
amarrado, nem do corre-corre. Havia<br />
um relógio de parede, na sala de<br />
jantar, que parecia ritmar a atmosfera<br />
da casa: “tem-tem-tem”.<br />
Tudo isso que estava muito em<br />
consonância com Dona Lucilia, ela<br />
havia levado a uma espécie de auge,<br />
ao seu ponto mais característico.<br />
Mas com a nota católica muito presente.<br />
Era a tradição católica, onde<br />
a piedade pessoal de alguém – no caso,<br />
mamãe – tinha posto a nota católica<br />
retonificada, reavivada pela ação<br />
dela.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
7/7/1979)<br />
1) Do francês: Uma carta do Brasil para<br />
o senhor.<br />
José Rosael/Hélio Nobre/MP-USP (CC3.0)<br />
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