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Publicação Mensal<br />
Vol. XXII - Nº <strong>261</strong> Dezembro de 2019<br />
Sinal de contradição
O ódio<br />
sacral<br />
da Igreja<br />
Oleografia Panigati e Meneghini Milano (CC3.0)<br />
militante<br />
São Silvério, Papa<br />
Danilo I.<br />
Está na índole da heresia ser brutal, falsa, visar o extermínio.<br />
Os hereges empreenderam tudo contra São Silvério, entretanto<br />
nada conseguiram porque ele se manteve firme e fiel.<br />
A má-fé do herege deve ser vencida por meio de atitudes que o desmoralizem<br />
aos olhos de terceiros, para que ele não possa ser nocivo. A<br />
Igreja é militante, e é com espírito de luta que se deve combater as heresias.<br />
Nós estamos numa guerra declarada e a mais terrível de todas, porque<br />
é a guerra entre os filhos da serpente e os filhos da Virgem.<br />
São Luís Grignion de Montfort disse muito bem que essa inimizade<br />
sempre existirá, pois tudo quanto Deus faz é perfeito, e essa é a única<br />
estabelecida por Ele: “Inimicitias ponam” (Gn 3, 15). É uma inimizade<br />
perfeita que ressalva o desejo de salvar as almas dos hereges, mas<br />
vai até o extremo do ódio sobrenatural. Desse ódio sacral as nossas almas<br />
devem estar cheias, fazendo de nós os apóstolos dos últimos tempos,<br />
combativos, zelosos, intransigentes; e nunca apóstolos abobados<br />
e traidores da causa que deveriam defender. Eis a grande lição que se<br />
desprende da bela vida de São Silvério.<br />
(Extraído de conferência de 19/6/1967)
Sumário<br />
Publicação Mensal<br />
Vol. XXII - Nº <strong>261</strong> Dezembro de 2019<br />
Vol. XXII - Nº <strong>261</strong> Dezembro de 2019<br />
Sinal de contradição<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
venera a imagem do<br />
Menino Jesus, em 1989<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
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Roberto Kasuo Takayanagi<br />
Conselho Consultivo:<br />
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Redação e Administração:<br />
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E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />
Impressão e acabamento:<br />
Pigma Gráfica e Editora Ltda.<br />
Av. Henry Ford, 2320<br />
São Paulo – SP, CEP: 03109-001<br />
Editorial<br />
4 Gloriosa noite coroada de<br />
contradições<br />
Piedade pliniana<br />
5 Pedindo a plenitude do<br />
espírito de Maria<br />
Dona Lucilia<br />
6 Justiça e bondade<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
10 Músicas natalinas francesas<br />
De Maria nunquam satis<br />
14 Os ódios sapienciais do Imaculado<br />
Coração de Maria - I<br />
Reflexões teológicas<br />
18 Natal dos guerreiros de Maria<br />
Calendário dos Santos<br />
24 Santos de Dezembro<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum............... R$ 200,00<br />
Colaborador........... R$ 300,00<br />
Propulsor.............. R$ 500,00<br />
Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />
Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editoraretornarei@gmail.com<br />
Hagiografia<br />
26 Mirante altíssimo e grandioso<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
32 Desejo do paradisíaco<br />
Última página<br />
36 A antítese mais completa do mal<br />
3
Editorial<br />
Gloriosa noite coroada<br />
de contradições<br />
Senhor Jesus, com quantas contradições quisestes coroar a noite mil vezes gloriosa de vosso Santo<br />
Natal!<br />
“Coroa” sim, é bem este o vocábulo que convém a esse conjunto de circunstâncias com que<br />
quisestes cercar a hora tão rica em símbolos de glória e de dor, na qual, nascendo do seio da Virgem<br />
Mãe, iniciastes a caminhada esplendorosa que, conduzindo-Vos da gruta de Belém até o alto do Tabor,<br />
e deste último ao Calvário, haveria de ter seu termo final no momento glorioso e terrível em que<br />
destruireis o Anticristo, encerrareis por um terrível decreto de extermínio a História da humanidade<br />
e baixareis à Terra para iniciar o julgamento de todos os homens!<br />
Contemplando essas cenas de dor e de vitória, de glorificação suprema como de condenação inexorável<br />
e extrema, situamos a Festa de vosso Santo Natal em sua plena perspectiva histórica. Sim,<br />
uma perspectiva na qual Deus e o demônio, o Céu e o Inferno, num contraste implacável, em uma luta<br />
suprema, haveriam de desfechar os seus golpes até o momento em que, cessada a História, só restariam<br />
em confronto os bons e os maus, uns votados pela Justiça eterna para a felicidade inteira, perfeita,<br />
gloriosa e sem fim, e outros para o abismo perpétuo e insondável de dores, de opróbrios e de<br />
vergonha, onde tudo não é senão derrota, insucesso, gemido e revolta perfeitamente inútil.<br />
Na Noite Feliz os Anjos cantaram “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e na Terra paz aos homens<br />
de boa vontade” (Lc 2, 14). Sim, aos homens de boa vontade. Porém, já havia também sob a<br />
abóbada celeste, constelada de estrelas, homens de má vontade. Certamente não era para eles – os<br />
malditos, os precitos – o precônio da paz, mas o da inexorável e total desgraça.<br />
Vós quisestes que rodeassem vosso Presépio não só as glórias de aturdir, que Vos tocam na infinitude<br />
de vossa Santidade, mas as doçuras insondáveis do perfeito Coração de Mãe que Vos adorou<br />
desde o primeiro instante de vossa concepção.<br />
É no ápice de todas essas perfeições que nossos olhos Vos contemplam hoje, na noite de Natal. De<br />
tantas contradições ao mesmo tempo magníficas e supremas, deslumbrantes e terríveis decorre um<br />
ensinamento que, súplices, Vos pedimos marqueis em nossos corações.<br />
Também o mundo contemporâneo está imerso na contradição entre a verdade e o erro, o bem e o<br />
mal, a beleza e a hediondez. De um lado, contemplamos-Vos, Senhor Jesus, e vossa Santa Mãe, junto<br />
a quem refulge a santidade de José; e de outro, vemos o oceano das ignomínias, dos crimes, das abjeções<br />
nas quais vai se precipitando o mundo “totus in maligno positus est” (1Jo 5, 19).<br />
Para onde quer que nos voltemos, algo vemos ou ouvimos que Vos ofende, ultraja e conspira contra<br />
Vós. Não há o que não se volte para Vos escarnecer, golpear, fazer sangrar e arrastar à Cruz. Em torno de<br />
Vós tudo é contradição, no sentido de que quase não há senão mal, e este é essencialmente contraditório.<br />
Senhora das Dores, fazei que compreendamos esta hora de contradição, mantendo-nos genuflexos aos<br />
pés da Cruz, mas ao mesmo tempo eretos e destemidos como guerreiros, como Anjos em pleno campo de<br />
batalha. Combatentes implacáveis, de coração abrasado de amor a Vós e a vosso Divino Filho, para esmagarmos<br />
o mal, destroçarmos as contradições, elevar-Vos ao fastígio da glória de vosso Reino, ó Maria! *<br />
* Conferência de 23/12/1993.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Flávio Lourenço<br />
A Virgem<br />
adorando o<br />
Menino Jesus<br />
Convento de Santa<br />
Clara, Medina de<br />
Pomar, Espanha<br />
Pedindo a plenitude<br />
do espírito de Maria<br />
Mãe nossa, Senhora do universo, obtende para nós do Menino-Deus, Vós que<br />
sois sua Mãe extremosa e sem mácula, uma contrição verdadeira e profunda<br />
por tantos pecados cometidos ao longo deste ano que se encerra, e que constituem<br />
sinais inequívocos de um transbordante egoísmo e de uma inquietante falta de<br />
amor de Deus.<br />
Vós quisestes dobrar uma página de nossa história, tomando Vós mesma a iniciativa<br />
da reconquista de nossas almas. Acabai, pois, Senhora, a obra que começastes! Não<br />
se detenha vosso braço no início da tarefa, nem descansem vossos pés antes de atingir a<br />
meta. Comunicai-nos a plenitude de vosso espírito, preparai-nos para os grandes lances<br />
que se apresentam diante de nós.<br />
Fazei com que o vosso espírito sagrado transponha os abismos de nossas misérias e<br />
infidelidades, como outrora o Verbo de Deus transpôs os abismos que O separavam da<br />
Criação para Se unir a Vós.<br />
Sobretudo, Senhora, fazei com que a grande batalha profética se trave, que São Miguel<br />
venha e Vós vençais. Amém.<br />
5
Dona Lucilia<br />
Justiça e bondade<br />
Muitas mães não sabem castigar nem premiar seus filhos<br />
nos momentos adequados. Dona Lucilia foi um modelo no<br />
sentido contrário. Em todas as ocasiões de punir, ela punia<br />
mesmo; em todas as horas de premiar, premiava mesmo.<br />
Levava as coisas até os últimos pormenores. Nunca elogiava<br />
seu filho, mas sempre o tratava com imensa bondade.<br />
Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Pode dar-se o caso – e desconfio<br />
que hoje seja bem<br />
mais frequente do que outrora<br />
– de uma mãe perder a paciência<br />
com o filho sem ser justa, porque<br />
está nervosa, irritada, os negó-<br />
Dona Lucilia em 4/2/1956<br />
cios não vão bem, ou simplesmente<br />
porque ela não controla os nervos,<br />
se zanga fora de hora, depois agrada<br />
fora de hora, etc. Ela não é justa<br />
na hora que pune nem na hora que<br />
premia.<br />
Boletim com<br />
notas do<br />
aproveitamento e<br />
do comportamento<br />
Dona Lucilia foi um<br />
modelo no sentido contrário.<br />
Em todas as ocasiões<br />
de punir, ela punia<br />
mesmo; em todas<br />
as horas de premiar,<br />
premiava mesmo. Ela<br />
levava as coisas até os<br />
últimos pormenores.<br />
Por exemplo, ela<br />
prestava muita atenção<br />
nas notas que eu<br />
tinha no colégio. Naquele<br />
tempo, o Colégio<br />
São Luís dos padres<br />
jesuítas era o<br />
melhor de São Paulo.<br />
Todos os meses, entregavam<br />
um boletim para cada aluno<br />
com as notas do aproveitamento<br />
do estudo e do comportamento em<br />
cada matéria.<br />
Eu mostrava o boletim a mamãe,<br />
ela o abria e, às vezes, para evitar<br />
que me esquecesse, dizia: “Olha, vou<br />
ver antes a nota do comportamento.<br />
Porque na nota do comportamento<br />
você é o responsável. Se for bom<br />
o comportamento, você merece um<br />
prêmio; se for mau, você é culpado<br />
porque depende de você.”<br />
Depois ela acrescentava para me<br />
estimular: “A nota do aproveitamento<br />
já não é tanto assim, porque eu<br />
não sei se tive um filho burro ou inteligente.<br />
Ainda não está demonstrado.<br />
E se você é burro, não tem<br />
culpa. Aparece aí a nota baixa, fico<br />
vendo que o <strong>Plinio</strong> é burro. Mas não<br />
vou punir um filho porque é burro,<br />
pois não puniria um filho porque é<br />
doente, por exemplo. Simplesmente<br />
constato: meu filho é um burro.”<br />
Mamãe olhava a nota do comportamento<br />
e, em geral, sempre foi bem<br />
boa: nove ou dez. Ela tolerava nove<br />
em uma matéria ou duas, não mais<br />
do que isso. Porque receber nove em<br />
algumas matérias queria dizer que<br />
6
Fachada e sala de aula do Colégio<br />
São Luís em São Paulo, Brasil<br />
estava decaindo no comportamento,<br />
portanto no caráter, e era preciso<br />
ver qual a razão dessa decadência.<br />
Os melhores alunos eram<br />
premiados com medalhas<br />
de ouro ou de prata<br />
No fim do ano, os padres distribuíam<br />
um prêmio destinado a poucos<br />
alunos. Então, para cada matéria havia<br />
uma medalha de ouro e outra de<br />
prata, correspondentes ao primeiro<br />
e segundo lugar em cada disciplina.<br />
E uma vez eu recebi quatro medalhas.<br />
Era reputado um belo total no<br />
Colégio São Luís. E eles prendiam<br />
as medalhas no peito do aluno. Mamãe<br />
ia sempre às festas de distribuição<br />
de prêmios a fim de prestigiá-las,<br />
e para eu compreender que precisava<br />
dar duro mesmo.<br />
Mas nesse ano ela não foi. Quando<br />
cheguei em casa, mamãe estava me esperando.<br />
Toquei a campainha, ela foi<br />
correndo à porta e me vendo com as<br />
quatro medalhas me abraçou e beijou<br />
muito. Mas eram quatro medalhas de<br />
prata, não de ouro; não sei se ela percebeu<br />
bem isso. Eu não disse nada e vi<br />
que ela estava muito contente.<br />
Também no ano seguinte ela não<br />
pôde ir à festa, pois sofria muito do<br />
fígado.<br />
Quando cheguei em casa, toquei a<br />
campainha, ela logo atendeu a porta<br />
e perguntou:<br />
— Então, filhão, como foi?<br />
Eu estava com três medalhas.<br />
Ela olhou e disse:<br />
— Três medalhas só?!<br />
— Mãezinha, uma é de ouro...<br />
Então ela me abraçou e beijou<br />
muito.<br />
Conto isso para notarem como ela<br />
olhava para as menores coisas.<br />
Dona Lucilia nunca<br />
elogiava seu filho<br />
Dona Lucilia teve este cuidado até<br />
o fim de sua vida: nunca me elogiava<br />
na minha presença. Às vezes, uma ou<br />
outra pessoa me fazia um elogio na<br />
minha presença, mas ela fingia que<br />
não ouvia e continuava a conversar.<br />
Havia uma senhora que frequentava<br />
a nossa casa e que tinha um genro<br />
o qual era meu colega, advogado<br />
como eu. Essa pessoa ia para nossa<br />
residência e contava as proezas do<br />
genro, como advogado. Mas levava<br />
<strong>Plinio</strong> com aproximadamente 11 anos<br />
7
Dona Lucilia<br />
Boletim de notas e alguns<br />
prêmios recebidos por <strong>Plinio</strong><br />
no Colégio São Luís<br />
Estampas dadas pelos padres<br />
jesuítas a <strong>Plinio</strong>, como prêmio por seu<br />
bom aproveitamento nos estudos<br />
um tempão narrando. Mamãe gostava<br />
dessa pessoa, ouvia tudo com<br />
muita atenção e ficava admirativa.<br />
Nunca contava nada do que eu havia<br />
feito. E eu também não contava.<br />
Um dia, perguntei a ela:<br />
— Mamãe, a senhora está vendo<br />
que ela conta essas coisas para dar<br />
a entender que ele é um advogado<br />
muito mais capaz do que eu. Por que<br />
a senhora não diz alguma coisa sobre<br />
o que eu faço?<br />
Ela me disse, com um tom de voz<br />
muito normal:<br />
— Meu filho, a coitada fica tão alegre,<br />
por que vou tirar a alegria dela?<br />
Isso entrava, em alguma medida,<br />
na atitude dela. Mas eu via bem que<br />
não era só por esse motivo. Mamãe<br />
tinha medo que eu, ouvindo um elogio<br />
contado por ela, ficasse vaidoso.<br />
Então, em nenhum momento ela fazia<br />
qualquer elogio a meu respeito.<br />
Mas dava provas de confiança sem<br />
limites em mim, a respeito de tudo.<br />
Se eu chegasse com um papel em<br />
branco e pedisse para ela assinar, ela<br />
assinava e não perguntava depois o<br />
que era. Este é o melhor dos elogios.<br />
Certa vez, um sujeito que era mau<br />
filho me disse:<br />
— Como Dona Lucilia confia em<br />
você! Meus pais não confiam tanto<br />
assim em mim.<br />
Eu quase que disse a ele: “Cada um<br />
tem o que lhe é justo!” Era a justiça.<br />
O menino <strong>Plinio</strong> é<br />
atingido pelo crupe<br />
Agora, vejamos a bondade de mamãe.<br />
Eu tive, quando estava com uns<br />
dez anos de idade, uma doença gravíssima<br />
e contagiosíssima, chamada<br />
angina diftérica, também denominada<br />
crupe. Não é caxumba, que é<br />
uma doencinha comum. Vários dos<br />
que estão neste auditório devem ter<br />
tido caxumba. Mas crupe é uma doença<br />
infecciosa medonha e muitas<br />
vezes mortal. Porque é uma infecção<br />
que dá na garganta, e a pessoa<br />
fica prostrada com uma febre elevadíssima.<br />
Atinge sobretudo crianças,<br />
mas, às vezes, também gente adulta,<br />
se não me engano. A garganta vai inchando,<br />
inchando, se fecha e impede<br />
a respiração; a pessoa morre por falta<br />
de ar.<br />
Eu me lembro que acordei uma<br />
manhã com a voz embargada, e falei<br />
ao empregado: “Chame Dona Lucilia!”<br />
Ela veio, e eu disse:<br />
— Meu bem, eu não me levanto<br />
agora porque estou muito doente.<br />
— O que é, meu filho?<br />
Expliquei o que eu sentia. Ela pegou<br />
uma caixa com brinquedos – dos<br />
melhores, que me interessavam mais<br />
–, pôs na cama e disse: “Vá brincando<br />
aqui, enquanto eu consulto o médico.”<br />
Lembro-me bem que eu me sentei<br />
para brincar, porque era um brinquedo<br />
que não dava para utilizar<br />
deitado. Senti meu corpo amolecer e<br />
afundei na cama de novo.<br />
O médico que mamãe consultara<br />
pelo telefone indicou alguns remédios.<br />
Mas a doença era contagiosíssima.<br />
Ela podia perfeitamente contratar<br />
uma enfermeira para tratar de<br />
mim, porque era muito doente do fígado<br />
e, se ela tomasse esse crupe,<br />
morria na certa. Ela não quis saber<br />
de enfermeira, do começo até o fim.<br />
Havia, sobretudo, um momento<br />
decisivo no crupe, que era especialmente<br />
contagioso, a respeito do qual<br />
o médico, homeopata, preveniu mamãe.<br />
Eu tomava o remédio periodi-<br />
8
camente e minha febre ia subindo.<br />
Ela telefonava para o médico – que<br />
era amigo da família e recebia os telefonemas<br />
de muito bom grado – e ele<br />
dizia para ela: “A senhora não se assuste,<br />
a febre do <strong>Plinio</strong> ainda vai subir<br />
mais. Mas em certo momento, se<br />
o remédio fizer bem, a membrana infeccionada<br />
que ele tem na garganta<br />
será expelida. No momento em que<br />
ele lançar fora essa membrana, a senhora<br />
tenha um pano qualquer sobre<br />
o colo e faça-o expelir nesse pano. E<br />
mande imediatamente uma das criadas<br />
levá-lo no jardim, onde já deve<br />
haver um buraco pronto, e enterrá-lo<br />
bem fundo, porque essa membrana é<br />
ultracontagiosa. E se a senhora puser<br />
em qualquer outro lugar da casa, pega<br />
em alguém.”<br />
Ela podia contratar uma enfermeira,<br />
pelo menos para essa hora,<br />
mas não o fez.<br />
Lembro-me dela sentadinha junto<br />
a mim. Em certo momento, fiz sinal<br />
de que ia acontecer qualquer coisa.<br />
Mas eu estava julgando, com minha<br />
mentalidade de menino, que ia morrer.<br />
Mamãe me ajudou e expeli a tal<br />
membrana na toalha colocada sobre<br />
o seu colo. Ela imediatamente a dobrou<br />
para evitar um pouco a expansão<br />
dos micróbios. Depois me agradou<br />
um pouquinho, chamou uma<br />
empregada da casa e lhe disse: “Madalena,<br />
pegue isto com a ponta dos<br />
dedos e enterre no buraco que foi<br />
feito lá no fundo do quintal.”<br />
A Madalena foi correndo e fez como<br />
Dona Lucilia mandara. Graças a<br />
Deus, nem mamãe nem a Madalena<br />
foram contagiadas. Dentro de alguns<br />
dias, eu já estava restabelecido.<br />
Quando expeli a membrana e minha<br />
mãe viu que, portanto, o perigo<br />
tinha passado, ela telefonou ao médico<br />
para contar-lhe o ocorrido, dizendo:<br />
— Doutor Fulano!<br />
Ele respondeu:<br />
— A senhora não precisa contar o<br />
resto. Sua voz alegre já me diz tudo...<br />
Desejo de sempre ter a<br />
presença de seu filho<br />
Quando meus pais eram vivos, todos<br />
os dias eu almoçava com eles e,<br />
terminada a refeição, saía correndo<br />
para o trabalho. Eles estavam tão habituados<br />
a isso que nem prestavam<br />
atenção se eu tinha saído ou não, pois<br />
tinham como certo que, tendo acabado<br />
de almoçar, já estava fora de casa.<br />
Mas um dia, talvez por ter esquecido<br />
algo em casa, voltei e encontrei<br />
esta cena: os dois numa sala de estar;<br />
meu pai sentado e minha mãe, de pé,<br />
dizia para ele:<br />
— Mas você acha mesmo que esse<br />
menu está bom? O <strong>Plinio</strong> gostará de<br />
comer esses pratos? Ou será melhor<br />
fazer outra coisa?<br />
Meu pai, que estava com sono e<br />
com vontade de fazer a sesta, respondeu:<br />
— Oh, senhora! Faça com ele o<br />
que eu faria. Se eu tivesse que organizar<br />
o menu, diria: “Rapaz, para o<br />
jantar tem isto. Se você quiser, coma;<br />
se não quiser, vá comer fora!”<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1991<br />
Ora, era precisamente o que mamãe<br />
não queria. Seu desejo era que<br />
eu jantasse com ela. Ela não disse<br />
nada, mas notei que ficou desapontada<br />
porque queria uma ajuda que<br />
ele não deu. De fato, ele não podia<br />
ajudar, pois essas são coisas que uma<br />
dona de casa pensa e um homem<br />
não. Ela ficou assim quietinha e depois<br />
saiu da sala. Retirei-me de maneira<br />
a não perceberem que eu tinha<br />
presenciado a cena. Mas saí pensando:<br />
“Bem se vê que pai é pai, mas<br />
mãe é mãe!”<br />
Por esse pequeno episódio compreendemos<br />
a vantagem inapreciável<br />
de termos uma Mãe no Céu,<br />
como Nossa Senhora, que tem para<br />
com os filhos aquelas acessibilidades,<br />
bondades, que as mães possuem.<br />
Ainda mais sendo Ela, ao<br />
mesmo tempo, Mãe de Deus! Por<br />
causa disso devemos rezar com confiança<br />
porque Ela atende sempre os<br />
nossos pedidos.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
15/12/1991)<br />
9
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Músicas<br />
Marius Kallhardt / Koller Auktionen (CC3.0)<br />
natalinas<br />
francesas<br />
Analisando duas músicas natalinas francesas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mostra<br />
como cada uma delas deveria refletir mais profundamente<br />
a grandeza sobrenatural do Natal. Em meio a muita<br />
delicadeza, há uma espécie de carência de sacralidade.<br />
Uma das principais características<br />
da música francesa,<br />
ao menos na medida em<br />
que a conheço, é que ela exprime de<br />
preferência um certo tipo de sentimento<br />
humano, ao qual corresponde<br />
o adjetivo francês salonnier, de salão.<br />
Cortesia francesa<br />
O clássico salão francês é habitualmente<br />
de pé direito alto, teto com<br />
estuque, tendo algumas muito ligeiras<br />
pinturas de dourado realçando<br />
algum movimento do estuque. Os<br />
móveis são de um estilo que pode<br />
ir de Luís XIII até Luís XVI, feitos<br />
de madeiras preciosas, com incrustações<br />
em bronze finamente traba-<br />
lhadas, às vezes com tampo de mármore,<br />
alabastro ou outra pedra também<br />
de grande valor, tendo em cima<br />
bibelôs, figurinhas de porcelana, de<br />
prata, de ouro, de cristal, postas ali<br />
para entreter os homens, e jarras de<br />
flores muito bonitas. As cadeiras no<br />
mesmo gênero, com tecidos de uma<br />
delicadeza magnífica, com cores leves:<br />
cor-de-rosa muito pálido, azul<br />
de aurora, verde-água. Tudo dentro<br />
de uma atmosfera de sorriso, criando<br />
o clima da cortesia francesa.<br />
A língua francesa está para essa<br />
cortesia como a partitura está para<br />
a música. Há uma polidez francesa<br />
que é o modo de ser amável, de<br />
se tornar agradável por aquilo que se<br />
diz, de modo ultrapensado, mas muito<br />
leve. De maneira que a coisa pesadona,<br />
muito raciocinada que vem<br />
como um carretão não cabe no estilo<br />
francês, o qual é leve, distinto, e procura<br />
dar a impressão de que o pensamento<br />
nasceu naquele momento,<br />
não como um produto de uma elaboração<br />
cerebral árdua, porque tudo<br />
quanto é árduo se procura esquecer<br />
no salão francês, onde as flores<br />
e os cristais dão o tom; mas causando<br />
a impressão de que a ideia surgiu<br />
com toda a facilidade de um espírito<br />
genial, e fez todo mundo sorrir.<br />
O sorriso de admiração, de aplauso,<br />
de simpatia, de proteção, todas as<br />
gamas do sorriso florescem no salão<br />
10
Flávio Lourenço<br />
Salão dos Príncipes de Condé - Castelo de Chantilly, França<br />
francês. As reverências são profundas,<br />
calculadas segundo a categoria<br />
da pessoa que faz e da que recebe a<br />
reverência. Há toda uma aritmética<br />
social colocada nisso, mas que se disfarça<br />
com ditos ligeiros. Isso faz com<br />
que se tenha a impressão de que tudo<br />
isso é suave, espontâneo, e se vive<br />
uma vida quase irreal.<br />
Essa suavidade, produto quintessenciado<br />
de uma civilização ao qual<br />
me refiro com simpatia, mais ainda,<br />
com uma admiração, é, entretanto,<br />
um requinte unilateral. Porque não é<br />
justo, não é bom, não é real que toda<br />
a vida social de um povo como o<br />
francês reproduza apenas o leve e o<br />
elegante como se a vida fosse só isso.<br />
O salão tem que ser uma imagem da<br />
vida, mas o salão francês é a imagem<br />
de uma fantasia.<br />
Enlevo pela vida campestre<br />
Dada essa introdução, podemos<br />
nos perguntar como é o Natal francês,<br />
que é um Natal de salão. É uma<br />
sociedade de salão que procura colocar-se<br />
em presença da gruta de Belém,<br />
com o Menino-Deus, Nossa Senhora<br />
e São José, pessoas de estirpe<br />
principesca, mas ao mesmo tempo<br />
simples, e até muito simples, de um<br />
lado; e de outro lado o que há de menos<br />
próprio a um salão: bois e vacas<br />
que com o seu bafo vão esquentando<br />
um Menino que sente frio, deitado<br />
na palha, dentro de uma manjedoura!<br />
Não era assim que se representavam<br />
o rei e a rainha, olhando<br />
para o delfim que tinha nascido. Então,<br />
como o francês imagina os sentimentos<br />
do homem de salão diante<br />
desse Presepe?<br />
Dessa vida de salão floresceu o que<br />
em francês se chama la bergerie. Berger<br />
é o pastor. A bergerie é um conjunto de<br />
comentários, apresentações, toda uma<br />
concepção do mundo pastoril. Então,<br />
o pastorzinho, árvores lindas com frutinhas<br />
vermelhas, um cordeirinho no<br />
qual se poderia amarrar uma fitinha<br />
cor-de-rosa ou azul-claro, a pastorinha<br />
que caminha ao lado dele usando<br />
um bastão grande, o sininho que toca<br />
quando o cordeirinho anda... Enfim,<br />
uma representação mimosa baseada<br />
na vida de campo, mas como esta vida<br />
não é na realidade. Porque o campo<br />
tem besouros, buracos no chão, bichos<br />
mortos, coisas fétidas. O campo é<br />
o campo, ainda que seja francês.<br />
Esse enlevo pela vida campestre<br />
era um modo de os franceses se desafogarem<br />
do excessivamente quintessenciado,<br />
civilizado, procurando<br />
recorrer à simplicidade extrema e<br />
até exagerada para mostrar os lados<br />
encantadores da candura pastoril.<br />
Dentro dessa concepção, a Rainha<br />
Maria Antonieta chegou a construir<br />
um hameau, um casario, menor<br />
até que uma aldeia, no Petit Trianon,<br />
que era uma espécie de ambiente<br />
campestre organizado por ela<br />
nas dependências do parque de Versailles.<br />
Ali ela, as duquesas e as princesas<br />
apareciam vestidas de pastorinhas,<br />
mas com tecidos de seda. Então,<br />
pastoras de conto de fadas, com<br />
uns carneirinhos que antes tinham<br />
sido lavados, perfumados, arranjados<br />
do modo mais perfeito, e que<br />
podiam pôr uma pata fora da etiqueta.<br />
Canções pastoris tocadas por<br />
grandes orquestras, etc.<br />
Eu imagino que é nessa delicadeza<br />
lírica da canção pastoril que é<br />
concebido o Natal francês.<br />
Agora, vamos analisar algumas<br />
músicas natalinas francesas.<br />
Petit Trianon (ao fundo) e seus jardins - Versailles, França<br />
ToucanWings (CC3.0)<br />
11
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Gabriel K.<br />
Natividade - Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA<br />
Nasceu o Divino Menino<br />
Il est né le Divin Enfant<br />
Jouez hautbois, résonez musettes<br />
Il est né le Divin Enfant<br />
Chantons tous son avènement<br />
Nasceu o Divino Menino<br />
Tocai oboés, ressoai gaitas<br />
Nasceu o Divino Menino<br />
Cantemos todos o seu advento.<br />
O termo “avènement” tem aqui<br />
uma particularidade: é que se diz<br />
também de um rei que sobe ao trono,<br />
o avènement du roi.<br />
Depuis plus de quatre mille ans<br />
Nous le promettaient les prophètes<br />
Depuis plus de quatre mille ans<br />
Nous attendions cet heureux temps<br />
Desde há quatro mil anos<br />
Os profetas nos prometiam<br />
Desde há quatro mil anos<br />
Nós esperávamos esse tempo feliz<br />
É o Messias que devia vir.<br />
Ah! Qu’il est beau, qu’il est charmant!<br />
Ah! Que ses grâces sont parfaites!<br />
Ah! Qu’il est beau, qu’il est charmant!<br />
Qu’il est doux ce Divin Enfant!<br />
Ah, como é belo, como é encantador!<br />
O termo “encantador” não traduz<br />
inteiramente o que a palavra “charmant”<br />
significa em francês. É preciso<br />
Notem como a procura do gracioso<br />
está presente nessa música que,<br />
tocada de um modo um pouco mais<br />
saltitante, serviria para acompanhar<br />
um desfile de nobres vestidos à moda<br />
daquele tempo, cada um estendia<br />
a mão a uma dama da nobreza<br />
e ela tocava-a apenas com as pontas<br />
dos dedos, mantendo distância entre<br />
ambos, andando com leveza, usando<br />
sapatos de verniz com saltos vermeter<br />
visto o encanto da coisa francesa<br />
para compreender o que é charme.<br />
Ah, como suas graças são perfeitas!<br />
Graça, o que é aqui? Não é a graça<br />
sobrenatural, mas como é perfeito<br />
aquilo que Ele tem de gracioso. A<br />
sua graciosidade é perfeita. Vejam,<br />
portanto, que é o Menino de salão.<br />
Ah, como é belo, como é encantador!<br />
Como é doce esse Menino Divino!<br />
Está descrito o Menino: Ele é belo,<br />
encantador, doce. É o Menino-<br />
-Deus. Realmente convém ao Menino-Deus<br />
isso, mas é uma focalização<br />
toda especial.<br />
Une étable est son logement<br />
Un peu de paille est sa couchette<br />
Une étable est son logement<br />
Pour un Dieu quel abaissement!<br />
Um estábulo é seu alojamento<br />
Um pouco de palha é seu leito<br />
Um estábulo é seu alojamento<br />
Para um Deus, que rebaixamento!<br />
Partez grands rois de l’Orient<br />
Venez vous unir à nos fêtes<br />
Partez grands rois de l’Orient<br />
Venez adorez cet Enfant<br />
Parti, ó grandes reis do Oriente<br />
Vinde unir-vos à nossa festa!<br />
Parti, ó grandes reis do Oriente<br />
Vinde adorar essa Criança!<br />
A ideia subjacente é que, apesar<br />
da palha, etc., os grandes reis virão<br />
adorá-Lo, introduzindo uma certa<br />
atmosfera de salão no estábulo.<br />
O Jésus, o Roi tout puissant<br />
Tout petit enfant que vous êtes<br />
O Jésus, o Roi tout puissant<br />
Régnez sur nous entièrement<br />
Ó Jesus, ó Rei todo-poderoso<br />
Tão pequenino que sois<br />
O contraste é intencional: apesar<br />
de ser uma criança tão pequenininha,<br />
é o Rei onipotente.<br />
Ó Jesus, ó Rei todo-poderoso<br />
Reinai sobre nós inteiramente!<br />
Então, é o ato de submissão do salão<br />
ao Rei que pode tudo, apesar de<br />
ser uma Criança tão pequena deitada<br />
na palha.<br />
Carência de sacralidade<br />
12
lhos. Os nobres usavam saltos vermelhos,<br />
era o distintivo da nobreza,<br />
culotte e coletes de seda com botões<br />
de matéria preciosa, paletós com veludos<br />
inestimáveis e brocados.<br />
Toda a música transcorre num tom<br />
que conviria mais para um festejo de<br />
distração da nobreza do que uma festa<br />
propriamente de piedade. Quer dizer,<br />
no meio de toda essa delicadeza<br />
há uma espécie de carência de sacralidade.<br />
E eu me recriminaria se não<br />
acentuasse isso com toda a força necessária.<br />
Por mais que tudo isso seja<br />
charmant – e realmente o é – vê-se a<br />
serpente da Revolução Francesa enroscada<br />
aí. Uma apreciação inexorável<br />
dessa canção levaria a isso.<br />
A certa altura a canção toma ares<br />
de algo que é cantado por meninos<br />
na presença do Deus-Menino, ou<br />
por adultos para falar com o Divino<br />
Infante. Mas há uma nota de infância,<br />
de inocência, mais uma vez charmante,<br />
na qual, porém, a verdadeira<br />
piedade católica do cantochão não<br />
está presente.<br />
Esse charme todo não teria podido<br />
nascer senão de uma civilização<br />
cristã. Mas o charme<br />
não basta para a sacralidade.<br />
Esse é o grande erro<br />
presente nessa canção. Porque<br />
o Natal é uma festa suma,<br />
essencial e culminantemente<br />
religiosa. O recolhimento,<br />
a ternura, a delicadeza<br />
e tudo quanto encontramos<br />
no cantochão – e<br />
mesmo no polifônico mais<br />
próximo do cantochão – não<br />
está presente nessa música.<br />
Está presente o salão.<br />
Poderia apertar mais a crítica,<br />
mas não o faço porque<br />
essa delicadeza toda é aristocrática<br />
e, como tal, odiada<br />
pelos revolucionários. Portanto,<br />
não quero pô-la pura e<br />
simplesmente no pelourinho<br />
sem lhe ter manifestado muita<br />
admiração.<br />
Os Anjos em nossos campos<br />
Consideremos outro cântico cuja<br />
letra diz:<br />
Les anges dans nos campagnes<br />
Ont entonné l’hymne des cieux<br />
Et l’écho de nos montagnes<br />
Redit ce chant mélodieux<br />
Gloria in excelsis Deo<br />
Bergers, pour qui cette fête?<br />
Quel est l’objet de tous ces chants?<br />
Quel vainqueur, quelle conquête<br />
Mérite ces chœurs triomphants?<br />
Gloria in excelsis Deo<br />
Ils annoncent la naissance<br />
Du Saint Rédempteur d’Israël<br />
Et pleins de reconnaissance<br />
Chantants ce jour solennel<br />
Gloria in excelsis Deo<br />
Os Anjos em nossos campos<br />
Entoaram um hino dos Céus<br />
O eco de nossas montanhas<br />
Repercute esse canto melódico<br />
Glória a Deus nas alturas<br />
Pastores, para quem é essa festa?<br />
Qual é o objeto de todos esses<br />
cantos?<br />
Que vencedor, que conquista<br />
Catedral Notre-Dame de Paris, França<br />
Merecem esses coros triunfantes?<br />
Glória a Deus nas alturas<br />
Eles anunciam o nascimento<br />
Do Santo Redentor de Israel<br />
E cheios de reconhecimento<br />
Cantam nesse dia solene<br />
Glória a Deus nas alturas<br />
O Natal é uma festa<br />
sobrenatural<br />
Essa canção é sensivelmente menos<br />
frívola que a anterior. Ela procura,<br />
como aquela, ressaltar a alegria e o<br />
esplendor da noite de Natal. Em qualquer<br />
cântico natalino esse é um elemento<br />
indispensável. Mas essa música<br />
busca essa alegria e esse esplendor na<br />
participação dos Anjos. Quem compôs<br />
a canção desviou a atenção do público,<br />
que está ajoelhado diante do Presepe e<br />
que deve aplaudir a canção, para o coro<br />
dos Anjos no Céu. O esplendor é, sobretudo,<br />
o dos Anjos, como algo feito<br />
para glorificar o Menino.<br />
Entretanto, essa glorificação é dada<br />
menos pelos homens do que pelos<br />
Anjos. Os homens procuram interpretar<br />
e reproduzir o que os espíritos<br />
celestes cantaram em<br />
honra ao Menino. De maneira<br />
que tem mais força e sacralidade<br />
do que a canção anterior,<br />
na qual são homens de<br />
salão que dizem: “Ah, que<br />
criança engraçadinha...”<br />
Assim mesmo, a meu ver,<br />
não tem todo aquele grau de<br />
sacralidade e sobrenaturalidade<br />
indispensável à música<br />
sacra, ou mesmo à música<br />
religiosa popular, que tem<br />
o seu papel, mas precisa ser<br />
mais sacral, fazer sentir mais<br />
o sobrenatural. Aqui se sente<br />
ainda a natureza cantada<br />
no que ela tem de mais belo,<br />
porém isso não esgota a<br />
beleza do Natal. O Natal é<br />
uma festa sobrenatural. v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 4/1/1989)<br />
Flávio Lourenço<br />
13
De Maria nunquam satis<br />
Os ódios<br />
Samuel Holanda<br />
sapienciais<br />
do Imaculado<br />
Coração de<br />
Apresentação da Virgem Maria no<br />
Templo - Museu de Dijon, França<br />
Maria - I<br />
Maria Santíssima é toda cristalina, feita de suavidade e de<br />
pureza, dir-se-ia ser uma alma incapaz de odiar. Entretanto,<br />
pelo próprio amor insondável que Ela tem a Deus, é<br />
impossível que não odeie o que é contrário a Ele.<br />
Nossa Senhora é a Medianeira<br />
de todas as graças e o ponto<br />
de referência de todos os<br />
elogios feitos a Deus. Não podemos<br />
conceber um louvor de Deus perfeito<br />
que não tenha a Ela como ponto de<br />
referência.<br />
O caminhar do<br />
espírito humano<br />
O espírito humano caminha para a<br />
cognição de proche en proche – de próximo<br />
em próximo, mas nesse caminhar,<br />
qual é o próximo d’Aquele que<br />
é eterno, absoluto, perfeito, infinito,<br />
transcendente em relação a qualquer<br />
criatura? Deus mora, a um título muito<br />
especial, no interior das criaturas<br />
por Ele amadas. Então, como Ele habita<br />
em Nossa Senhora, que é tão especialmente<br />
objeto de seu amor?<br />
N’Ela temos o modo de nos tornarmos<br />
mais próximos de Deus. Embora<br />
Ele seja inacessível, fica ao alcance<br />
de nossa mão, porque habita em nossa<br />
Medianeira. Sendo Ela o Palácio da<br />
Trindade, o Paraíso do Homem-Deus,<br />
por meio d’Ela podemos ter com Ele<br />
aquele contato sem o qual nada somos.<br />
Por essa razão, para exaltar qualquer<br />
perfeição divina, até mesmo a<br />
sagrada cólera d’Ele, não podemos<br />
tratar disso sem falar a respeito d’Ela.<br />
Quando um indivíduo peca<br />
e se fixa irreversivelmente<br />
no pecado, torna-se odioso<br />
Como medir a cólera do Sapiencial<br />
e Imaculado Coração de Maria? Como<br />
podemos sequer conceber o Sapiencial<br />
e Imaculado Coração de Maria<br />
em cólera? Parece que as expressões<br />
são contraditórias, antitéticas.<br />
N’Ela não pode haver cólera, Ela é toda<br />
cristalina, toda feita de suavidade,<br />
de pureza. A cólera parece uma vibração<br />
de indignação, do amor de si mesmo<br />
contrariado, do egoísmo vilipendiado.<br />
Como se pode conceber dis-<br />
14
posições de alma tão baixas n’Aquela<br />
criatura que é toda Ela elevação?<br />
A quem e como Nossa Senhora<br />
odiou? Costuma-se dizer que Ela<br />
odiou o pecado. É verdade. Mas o pecado<br />
só existe na pessoa do pecador.<br />
Não há um pecado tomado em abstrato.<br />
Antes de Adão e Eva pecarem, não<br />
havia pecado, pois não havia pecadores.<br />
Existia uma possibilidade de alguém<br />
pecar. Então, poder-se-ia odiar<br />
essa possibilidade, mas o ódio não teria<br />
como objeto um ser existente. Se<br />
Adão e Eva tivessem esse ódio ao pecado,<br />
enquanto sendo uma eventualidade,<br />
teriam encontrado mais recursos<br />
de alma para não pecarem.<br />
Maria Santíssima odeia em todos<br />
os pecadores aquilo que é pecado e<br />
ama os pecadores, pois ama neles a<br />
possibilidade que, por disposição divina,<br />
têm de se arrepender. Mas a situação<br />
atual do pecador, enquanto<br />
permanecendo no estado de pecado,<br />
Ela odeia.<br />
Como Ela odeia? Como nós podemos<br />
imaginar os ódios do Sapiencial<br />
e Imaculado Coração de Maria?<br />
Tenho a impressão de que com o<br />
pecado e com a virtude há quintessências.<br />
Alguns pecadores, por assim<br />
dizer, levaram tão longe o pecado<br />
quanto uma criatura humana pode<br />
levar a virtude. E, ao pé da letra,<br />
pecaram tanto quanto podiam, isto<br />
é, quanto estava na condição deles<br />
pecarem. Sendo criaturas muito elevadas,<br />
tiveram a possibilidade de pecar<br />
de modo muito abominável. Diz<br />
o ditado popular: quanto maior é a<br />
altura, tanto maior é a queda.<br />
Assim, houve criaturas de uma natureza<br />
muito elevada chamadas por<br />
Deus a emitir um reflexo magnífico<br />
das três Pessoas Divinas. No momento<br />
em que pecaram e se fixaram irreversivelmente<br />
no pecado, essas criaturas<br />
tornaram-se odiosas. Ao ser criada, e<br />
tendo tomado conhecimento dessas<br />
criaturas e da hediondez do pecado<br />
por elas cometido, Nossa Senhora não<br />
foi em relação a elas senão ódio.<br />
Maria Santíssima toma em consideração<br />
que o pecador forma um<br />
todo só com o pecado, assim como<br />
a pessoa virtuosa forma um todo<br />
só com a virtude. É mais ou menos<br />
como a pessoa feia e a feiura; como<br />
também a beleza constitui um todo<br />
com a pessoa bela. Tanto a beleza<br />
quanto a feiura são inerentes ao ser<br />
da pessoa.<br />
Assim também o pecado, com a<br />
diferença de que este é livremente<br />
escolhido pelo pecador; e nisso a<br />
pessoa tem exatamente a nota mais<br />
humilhante, pois ela viu e aderiu<br />
àquilo por sua própria vontade.<br />
O ódio se mede pelo amor<br />
Então, pelo próprio amor insondável<br />
que Nossa Senhora tem<br />
a Deus, é impossível que Ela não<br />
odeie completamente aquele ser<br />
ao vê-lo como sendo o contrário do<br />
Criador. Para cada pecador a quem<br />
a Divina Justiça selou o destino e<br />
condenou ao Inferno, Maria Santíssima<br />
pode dizer as palavras da Escritura:<br />
“Eu te odiei com ódio perfeito!”<br />
(cf. Sl 138, 22). É<br />
um ódio ao qual não falta<br />
nada.<br />
Esse ódio é feito de<br />
uma concepção retíssima<br />
e nobilíssima de como<br />
aquele ente deveria ser,<br />
pois Nossa Senhora conhece<br />
o modo único pelo<br />
qual aquela criatura deveria<br />
ser a imagem e semelhança<br />
de Deus, e ama<br />
muito aquilo. Ao ver que<br />
aquele ser rejeitou essa<br />
perfeição, transformando-se<br />
voluntariamente<br />
no contrário, Ela percebe<br />
que ele atingiu o requinte<br />
de sua própria maldade e<br />
o odeia completamente,<br />
por amor àquela mesma<br />
perfeição que Ela contempla<br />
em Deus.<br />
É forçoso que, amando-se algo<br />
muito, se odeie igualmente o contrário.<br />
O ódio e o amor se acompanham<br />
como a figura e a sombra.<br />
Os pés puríssimos de<br />
Nossa Senhora calcam<br />
os precitos com ódio<br />
Poderíamos imaginar Nossa Senhora<br />
na presença de Deus e, diante<br />
d’Ela, uma alma que será julgada. Se<br />
for uma pessoa virtuosa, Ela a considera<br />
com amor e diz: “Filho meu, como<br />
te pareces comigo e com os dons<br />
que Deus pôs em Mim! Quero oscular-te,<br />
meu filho, dá-me tua fronte!”<br />
De repente, aparece a alma de um<br />
pecador empedernido, trazendo o sinal<br />
do demônio na testa. Evidentemente,<br />
toda aquela força de atração<br />
se transforma em repulsa, e as palavras<br />
de carinho tornam-se increpação:<br />
“Eu desvio de ti minha face, tenho<br />
horror ao semblante que apresentas,<br />
ele causa-Me asco e indignação.<br />
Quero calcar aos pés a deformidade<br />
que por teu pecado assumiste,<br />
como calco a serpente eternamente!”<br />
Nossa Senhora cobre os dominicanos<br />
com seu manto - Convento de<br />
São Domingos, Lima, Peru<br />
Gabriel K.<br />
15
De Maria nunquam satis<br />
Poder-se-ia pintar um quadro representando<br />
a Santíssima Virgem<br />
calcando aos pés cada um dos réprobos<br />
que estão no Inferno porque, de<br />
fato, sobre eles pesa eternamente o<br />
ódio total e implacável d’Ela. E tendo<br />
Ela como uma de suas glórias pisar<br />
sobre os precitos, poderia dizer a<br />
Deus: “Faço-Vos este ato de reparação,<br />
meu Criador, que sois meu Pai,<br />
meu Filho e meu Esposo! Esses miseráveis<br />
quiseram ser o contrário<br />
de Vós, por isso meu pé puríssimo,<br />
elemento integrante e executivo da<br />
mais alta criatura que vossa Sabedoria<br />
e vosso Poder engendraram, calca-os<br />
com ódio, e Eu entoo o cântico<br />
de cólera e de triunfo de todos os<br />
justos no Céu e na Terra!”<br />
Ela teve vontade de punir<br />
Salomão, que levou à<br />
perdição o povo eleito<br />
Dos múltiplos exemplos que se poderiam<br />
apresentar, não há nenhum<br />
que me cause tanto arrepio quanto<br />
Salomão, o filho bem-amado, o<br />
rei que recebeu de Davi a coroa e a<br />
missão. Davi deixou prontos os materiais<br />
e os planos para a construção do<br />
Templo, mas foi Salomão quem teve<br />
a glória de construí-lo. Salomão, que<br />
é o autor do Livro da Sabedoria, entretanto<br />
prostituiu-se a ponto de adorar<br />
ídolos, transformar-se num devasso<br />
e morrer na libertinagem e na<br />
apostasia. Como era possível que<br />
uma alma de tal maneira decaísse daquele<br />
pináculo? Esse homem, que escreveu<br />
as palavras ditadas pelo Espírito<br />
Santo para serem comunicadas à<br />
humanidade, de repente transforma-<br />
-se nesse vaso de abominação!<br />
Ao ler no Livro da Sabedoria a narração<br />
da construção e inauguração do<br />
Templo, de que amor a alma santíssima<br />
de Maria deveria se sentir cheia! Era<br />
um perfeito reflexo do amor de Deus e<br />
quanta glória deveria dar a Ele!<br />
Contudo, ao considerar a narrativa<br />
da queda de Salomão, como poderia<br />
não sentir um ódio tão grande<br />
quanto o amor por Salomão na sua<br />
justiça? Como não sentir náusea, asco,<br />
repulsa, vontade de rejeitar e de<br />
punir aquele que de tal maneira se<br />
tornou inimigo de Deus, levando à<br />
perdição o próprio povo eleito?!<br />
Horror implacável a<br />
toda forma de pecado<br />
Sabe-se que houve Santos que,<br />
ouvindo os penitentes em Confissão,<br />
sentiam o mau odor dos pecados cometidos<br />
por aquelas almas.<br />
Quando o mau odor resulta simplesmente<br />
da negligência da pessoa<br />
no trato do próprio corpo, causa uma<br />
particular repulsa. Ninguém tem culpa<br />
pelo mau cheiro do corpo provocado<br />
por alguma doença, mas ser negligente<br />
e não ter horror ao mau odor<br />
de si mesmo já é uma forma de conivência<br />
que contagia de algum modo a<br />
alma com aquele mau odor físico.<br />
Por exemplo, uma pessoa que por<br />
negligência nunca escove os dentes e<br />
tenha, por isso, um hálito abjeto. Ela<br />
sabe que, se escovasse os dentes, o<br />
mau hálito cessaria, mas não os escova<br />
porque não tem horror ao mau<br />
gosto e ao mau odor de sua boca. Somos<br />
levados a pensar que essa alma<br />
tem conaturalidade com certos defeitos<br />
morais, e ficamos com horror<br />
ao corpo que leva a um horror à alma,<br />
enquanto esta não tem aversão<br />
àquilo que para o corpo é horrível.<br />
Ora, o pecador que poderia e deveria<br />
eliminar o seu pecado, mas se<br />
deixa ficar nesse estado, tem incomparavelmente<br />
mais culpa e é mais<br />
aderente ao mau cheiro de sua alma<br />
do que ao mau hálito de sua boca.<br />
Imaginem Nossa Senhora sentindo<br />
o mau odor da alma de Salomão,<br />
por exemplo, que Ela, a posteriori,<br />
terá conhecido por completo. Salomão,<br />
cujas palavras deveriam ter o<br />
perfume do incenso ao ser queimado,<br />
o aroma dos frutos quando chegam<br />
à maturidade, após sua prevaricação<br />
ficou com o cheiro abjeto de<br />
todas as putrefações.<br />
Se isso é assim, podemos compreender,<br />
então, o implacável horror de<br />
Nossa Senhora a toda forma de pecado.<br />
Maria Santíssima conhece<br />
até mesmo o que é oculto<br />
Assim também a Santíssima Virgem,<br />
a Quem nada era oculto, conhecia<br />
perfeitamente a abjeção a<br />
que tinha caído sua nação no tempo<br />
em que Ela nasceu. Ela sabia que<br />
o Messias estava por nascer naquela<br />
ocasião, mas via a que auge de<br />
degradação chegara o povo judeu.<br />
Nossa Senhora não podia deixar de<br />
ter, com muito mais lucidez do que<br />
o profeta, aquela visão de Ezequiel<br />
quando foi conduzido para dentro<br />
do Templo e viu em seus recintos<br />
ocultos os sacerdotes praticando<br />
idolatria, porém diante do povo fingiam<br />
adorar o Deus verdadeiro.<br />
Ora, Maria Santíssima sabia que<br />
a classe sacerdotal se preparava para<br />
cair no abismo do deicídio, e seria a<br />
promotora mais ativa de todas as calúnias<br />
contra Nosso Senhor. O Sinédrio<br />
era propriamente a força deicida<br />
dentro de Israel.<br />
Devemos imaginar a Virgem Maria<br />
menina entrando para o serviço<br />
do Templo, aos três anos de idade,<br />
e presenciando esta realidade bivalente:<br />
a casa de Deus, onde a glória<br />
d’Ele habita, os justos vão rezar, seu<br />
Divino Filho iria ensinar, ou seja, todo<br />
o Templo era uma espera ansiosa<br />
do Messias que deveria vir; e, ao<br />
mesmo tempo, Ela via, ao lado do<br />
culto verdadeiro, o culto secreto, disfarçado,<br />
abominável, e a prevaricação<br />
de toda a classe sacerdotal.<br />
Alguém objetará:<br />
— Mas Ela só tinha três anos!<br />
Eu respondo:<br />
— Ela era Nossa Senhora...<br />
Não tem outra resposta a dar. Ela<br />
já conhecia tudo.<br />
16
Flávio Lourenço<br />
Com que enlevo Ela penetrou na<br />
casa de Deus! Qual não terá sido o<br />
cântico dos Anjos ao verem se aproximar<br />
Aquela de Quem nasceria o<br />
Salvador e que era a nova Arca da<br />
Aliança, da qual a arca guardada no<br />
Templo, com tanto respeito, era apenas<br />
uma prefiguração!<br />
Reação das almas diante<br />
de Nossa Senhora menina<br />
Podemos imaginar uma ou outra<br />
alma boa que havia por ali, quiçá<br />
a Profetisa Ana, o Profeta Simeão,<br />
e que, por premunições misteriosas,<br />
observando aquela criança diriam:<br />
“Que grande chamado tem essa menina!”<br />
Vendo-A passar no cortejo das<br />
outras meninas educadas para o serviço<br />
do Templo, talvez percebessem<br />
ser uma intercessora incomparável<br />
São Joaquim e Santa Ana - Museu<br />
de Arte Sacra, Évora, Portugal<br />
junto a Deus, e a Ela se dirigiam implorando<br />
os favores celestes. E a futura<br />
Mãe de Deus, por uma dessas correspondências<br />
internas da alma, dava<br />
a entender: “Eu tenho consonância<br />
contigo, tu és um comigo.” E aquela<br />
alma se banhava de alegria!<br />
Provavelmente alguns faziam sua<br />
vida girar em torno d’Ela. Sabendo<br />
nas várias ocasiões do dia onde Nossa<br />
Senhora estava, olhavam para um<br />
quarto, por exemplo, para ver se Ela<br />
apareceria na janela; ou verificavam<br />
de que recinto a Menina saíra para<br />
poderem entrar lá logo depois, e por<br />
esta forma viver em Maria, com Maria<br />
e por Maria, que era uma forma<br />
antecipada de viver em Cristo, com<br />
Cristo e por Cristo.<br />
Assim, deveria haver em torno<br />
da Santíssima Virgem almas fervorosas<br />
às quais Ela impulsionava ainda<br />
mais para o bem, elevando-as<br />
a um píncaro de santidade<br />
para elas inimaginável.<br />
Outras que eram boas,<br />
mas postas na mediocridade,<br />
a quem Ela convidava<br />
a um voo possante rumo<br />
à perfeição que deveriam ter<br />
atingido, mas não atingiram.<br />
A cada uma dessas a presença<br />
d’Ela dizia: “Ou tu Me<br />
amas, ou te atolas. Tua hora<br />
chegou! Vem, minha filha!”<br />
Por fim, havia também os<br />
filhos de satanás, abominando<br />
qualquer forma de verdade,<br />
de bem ou de beleza,<br />
e que, ao sentir a presença<br />
d’Ela, dentro deles o demônio<br />
grunhia, encobria-se,<br />
efervescia, tinha medo, sentia<br />
a necessidade de abandonar<br />
a presa e sair fugindo,<br />
mas armava a alma daqueles<br />
malditos contra Ela.<br />
Teve ódio e foi odiada<br />
Se um bom católico no<br />
mundo de hoje divide, como<br />
não supor que Nossa Senhora<br />
não dividisse? Não podia deixar de<br />
haver no Templo, além dos amigos da<br />
Virgem, os inimigos que desviassem<br />
d’Ela o olhar, sentissem mal-estar perto<br />
d’Ela, A odiassem, tentassem eventualmente<br />
caluniá-La ou difamá-La,<br />
procurassem de todos os modos ser-<br />
-Lhe nocivos, invocassem demônios para<br />
tentá-La, prová-La, recusassem-Lhe<br />
alimentos, enfim, A sabotassem de todos<br />
os modos. Salvo por uma disposição<br />
especial da Providência, isso deve<br />
ter sido assim. E tanto as almas que<br />
eram a favor d’Ela quanto as contrárias<br />
acabavam se articulando. Portanto,<br />
Nossa Senhora, no Templo, fez a Contra-Revolução<br />
oposta à Revolução que<br />
se preparava contra o Filho d’Ela.<br />
Estas são hipóteses que se constelam<br />
em torno da Santíssima Virgem<br />
Maria e nos fazem entender o que<br />
foi a vida d’Ela, o papel que o ódio<br />
representou em sua vida desde a primeira<br />
infância.<br />
Levo minha suposição mais longe:<br />
creio que Nossa Senhora, quando<br />
estava no claustro maternal de<br />
Santa Ana, já causava mal-estar nos<br />
que eram de satanás. O demônio, a<br />
partir do momento em que Maria<br />
Santíssima foi concebida, começou<br />
a perseguir Santa Ana de um modo<br />
especial, surgiram antipatias, ódios,<br />
como também venerações e simpatias,<br />
antes mesmo de se perceber<br />
que ela concebera uma criança. De<br />
tal maneira Nossa Senhora é o contrário<br />
do demônio, que ele tinha que<br />
sentir a irradiação da pessoa d’Ela,<br />
instigando contra Ela o ódio daqueles<br />
em quem ele habitava. Não é possível<br />
que não fosse assim.<br />
Vemos, portanto, que, desde o<br />
primeiro instante de seu ser, Ela teve<br />
ódio e foi odiada. Essa compressão<br />
e descompressão do ódio e do amor<br />
representaram a própria trama da<br />
existência d’Ela.<br />
v<br />
(Continua no próximo número)<br />
(Extraído de conferência de<br />
5/7/1980)<br />
17
Reflexões teológicas<br />
Arquivo <strong>Revista</strong> / Marius Kallhardt (CC3.0)<br />
Natal dos guerreiros<br />
de Maria<br />
Diante do presepe, devemos<br />
contemplar o Menino Jesus como<br />
um guerreiro que entra na liça para<br />
começar a guerra. Neste momento em<br />
que o combate se anuncia mais trágico<br />
e, portanto, mais admirável do que<br />
nunca, precisamos dar toda forma de<br />
devotamento de nossas almas, desde<br />
as mais extremas prudências, as<br />
esperas mais terríveis, até os avanços<br />
mais inopinados e fulminantes. Nossa<br />
combatividade está a serviço da Santa<br />
Igreja Católica Apostólica Romana.<br />
mos perto da festa de Natal e eu tinha<br />
a cômoda possibilidade de dar<br />
um telefonema a ela, explicando que<br />
passaria o Natal ali. Tenho certeza<br />
de que ela me aconselharia ficar lá,<br />
que seria muito agradável, interessante,<br />
eu poderia me distrair bastante,<br />
ver coisas muito bonitas.<br />
Mas, a ideia de ela passando o Natal<br />
sozinha em São Paulo era uma<br />
coisa que me produzia uma tristeza a<br />
que nenhuma alegria de Paris se podia<br />
comparar. E quanto mais ela insistisse<br />
para eu ficar lá, tanto mais<br />
quereria voltar, e depois da última insistência<br />
eu desligaria o telefone, iria<br />
para a Air France e compraria a pas-<br />
Hoje de manhã fui ao Cemitério<br />
da Consolação. Por<br />
certo, a festa de Natal não<br />
seria para mim completa sem algo<br />
que me lembrasse, o mais possível, a<br />
presença de mamãe. Por isso, visitei<br />
o lugar que para mim se tornou “sagrado”,<br />
onde os seus restos repousam<br />
à espera do dia da ressurreição.<br />
Fragrância do perfume<br />
de Dona Lucilia quando<br />
estava na Terra<br />
Eu nunca conceberia um Natal<br />
sem ela. Lembro-me de um ano em<br />
que me encontrava em Paris. Estáva-<br />
sagem. Evidentemente, era natural,<br />
já antes mesmo de falar com ela me<br />
aprestei, comprei a passagem e estava<br />
em São Paulo na véspera de Natal.<br />
O que poderia ser o Natal passado<br />
em Paris: Missa em Notre-Dame, uma<br />
visita à Sainte-Chapelle, Rue du Bac,<br />
Notre-Dame-des-Victoires, e depois<br />
ver Paris que naquele tempo ainda era<br />
uma cidade de elegância, de distinção<br />
e de gala; contemplar algo disso que<br />
ainda reluzia sobre esse grande foco<br />
de toda espécie de luzes – algumas boas<br />
– que foi a cidade de Paris.<br />
Entretanto, eu pensava: é uma<br />
coisa incrível, mas ela para mim vale<br />
incomparavelmente mais do que is-<br />
18
so, de maneira que, no íntimo de minha<br />
alma, não tive a mínima vacilação,<br />
a mínima hesitação. Eu estava<br />
determinado a vir e vim mesmo!<br />
Hoje em dia, com a evolução que<br />
as coisas tomaram, mamãe já está no<br />
Céu. Mas ela foi recrutando lentamente,<br />
em torno de mim, aqueles que<br />
haveriam de trazer-me o odor da presença<br />
dela, que o desvelo dela reuniu<br />
em torno de mim, e que, assim reunidos,<br />
constituem a fragrância do perfume<br />
dela quando estava aqui na Terra.<br />
Ela deixou-me numa aparente solidão,<br />
mas fez um tecido de afetos em<br />
torno dela e de mim com que nunca<br />
contei na minha vida. E ela constituiu<br />
em torno de mim aquilo que melhor<br />
poderia ser como que uma luz lunar,<br />
depois de esplêndido dia que foi a presença<br />
dela. Esse longo, argênteo e querido<br />
luar eu espero que me acompanhe<br />
até os últimos dias de minha existência.<br />
O maior combate<br />
travado por meras<br />
criaturas na História<br />
De um modo ou de outro isso tem<br />
estado contido nas palavras de afeto<br />
que vós me tributais com uma fre -<br />
quên cia toda “luciliana”, mas hoje<br />
isso foi vincado de um modo especial<br />
1 : é o caráter combativo de minha<br />
alma, como sendo o traço dominante<br />
da forma de perfeição para a<br />
qual Nossa Senhora – misericordiosa,<br />
mas insistentemente – me chama.<br />
Levar o combate ao extremo limite<br />
onde deve ser levado. Não só combater<br />
com toda a força, mas ter a força para<br />
combater de todos os modos necessários,<br />
de maneira que não haja uma forma<br />
de combatividade, ainda que seja<br />
a grande, soturna e terrível combatividade<br />
das retiradas estratégicas, em que<br />
não me tenha sido dado combater até o<br />
último hausto de minha alma!<br />
Isto, vincado nesta ocasião, vem<br />
num momento em que o combate se<br />
anuncia mais trágico e, portanto, mais<br />
admirável do que nunca. Um combate<br />
tal que, se ele fosse afastado de nossos<br />
passos, poderíamos nos sentir frustrados,<br />
de tal maneira precisamos crescer<br />
até as dimensões dele, e ele, por sua<br />
vez, de tal modo deve crescer que seja o<br />
maior combate travado por meras criaturas<br />
na História, desde que há mundo.<br />
Um combate em que os combatentes<br />
se lembram da luta dos Anjos contra<br />
os demônios e pensam, reverentes,<br />
no combate que Elias e Henoc vão travar<br />
no fim do mundo contra o Anticristo.<br />
É alguma coisa desse porte.<br />
Nós temos a impressão de que as<br />
nuvens estão se acumulando, se adensando;<br />
ouvem-se o rugir de feras e o<br />
silvar de serpentes em um quadro aparentemente<br />
ainda intacto e pacífico,<br />
deste pacífico discutível de uma fortaleza<br />
que pode ser atacada a qualquer<br />
momento e, por isso, tem combatentes<br />
postados em todas as ameias, em toda<br />
a muralha e no alto de todas as torres.<br />
Estes são os dias pacíficos que temos<br />
diante de nós. Se isto é paz, vós bem<br />
podeis medir o que será o combate!<br />
Um varão luminoso,<br />
cheio de reverência e de<br />
patriarcal dignidade<br />
Neste combate nós devemos dar<br />
toda forma de devotamento de nossas<br />
almas, desde as mais extremas<br />
prudências, as esperas mais terríveis,<br />
até os avanços mais inopinados<br />
e fulminantes, em que ora tenhamos<br />
as prudências que mesmo os nossos<br />
considerem as mais desconcertantes,<br />
ora as ousadias que os deixem boquiabertos.<br />
Assim é a combatividade<br />
a serviço da Sabedoria; assim é a Sabedoria<br />
a serviço da Santa Fé Católica<br />
Apostólica Romana.<br />
Isto se diz num dia tão inadequado,<br />
o Natal, em que a Cristandade<br />
olha para o que lhe apresenta a Santa<br />
Igreja, ou seja, o Menino Jesus,<br />
tão pacífico, o Príncipe da Paz que<br />
veio trazer a paz a esta Terra e que,<br />
de braços abertos, sorri para a humanidade<br />
que começa a chegar junto a<br />
Ele. E que, nesse momento, recebe<br />
o sorriso do que a humanidade tem<br />
de mais magnífico: o sorriso cheio de<br />
uma pureza e de uma luminosidade<br />
indizíveis de Nossa Senhora. E, logo<br />
depois, junto a Ela, um varão que de<br />
algum modo teve proporção para ser<br />
esposo d’Ela, para ser o pai legal do<br />
Menino Jesus.<br />
Uma vez que entre esposo e esposa<br />
precisa haver uma certa proporção,<br />
qual deve ser a estatura de<br />
um homem para ter certa proporção<br />
com Aquela que causa surpresa aos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> visita a sepultura de Dona Lucilia em 1984<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
19
Reflexões teológicas<br />
Gabriel K.<br />
próprios Anjos pela sua perfeição,<br />
de quem espíritos celestiais, olhando-A,<br />
perguntam cantando: “Quem<br />
é esta que avança?!”?<br />
Também nós, olhando para um<br />
varão luminoso, cheio de reverência<br />
e de patriarcal dignidade, que A toma<br />
pela mão e A acompanha, perguntamos:<br />
Quem é este que avança<br />
junto Àquela a quem os próprios<br />
Anjos cantam?!<br />
Acentua-se tanto, e com razão,<br />
tudo quanto há de belo e de poético<br />
nos bois que chegam junto ao Menino<br />
Jesus, e o contraste enorme entre<br />
Deus-Menino e aquelas criaturas irracionais<br />
que, com seu bafo, enchem<br />
o ambiente e aquecem seu Criador.<br />
A luz, o perfume, o calor<br />
da presença de Maria<br />
Porém, antes disso houve o perfume<br />
de todos os perfumes, a beleza<br />
de todas as belezas: a luz dos olhos,<br />
o perfume do hálito, o calor da presença<br />
de Maria. E junto a Ela houve<br />
Sagrada Família - Lima, Peru<br />
a discreta, varonil e patriarcal presença<br />
de São José. Que mais dizer?<br />
Dir-se-ia que essas recordações<br />
de guerra junto a essa cena que evoca<br />
a paz mostram uma contradição<br />
fenomenal. Mas é só porque esse<br />
quadro tem sido contemplado, com<br />
certa insistência, pelos homens que<br />
não admiram a guerra e não sabem<br />
ver dentro do próprio passo que o<br />
Menino Jesus inicia, vindo ao mundo,<br />
a grande guerra d’Ele.<br />
Em geral, o Menino Jesus é apresentado<br />
no presepe sorrindo e de<br />
braços abertos, os quais não significam<br />
só a abertura do amor d’Ele para<br />
os homens, em todos os tempos e<br />
todos os lugares. Sem dúvida, exprimem<br />
isto e com toda a propriedade,<br />
mas significam também a Cruz. Ele<br />
está com os braços abertos em cruz.<br />
E um dos aspectos que torna bonita<br />
a devoção de rezar com os braços<br />
abertos em cruz é pensar que o<br />
Menino Jesus, na manjedoura, provavelmente<br />
abriu os seus braços em<br />
cruz. Logo depois de concebido, Ele<br />
começou a rezar imediatamente para<br />
o Padre Eterno. Saído do claustro<br />
augusto de Maria e vindo à luz<br />
do dia, Ele entrou na Terra e imediatamente<br />
ofereceu ao Padre Eterno a<br />
grande luta que ia iniciar.<br />
Batalhador divino, mas pequenino,<br />
um Deus infinito, porém encarnado<br />
numa Criança que quis ficar<br />
na dependência de tudo e de todos,<br />
sendo o Criador onipotente do Céu<br />
e da Terra e de todas as coisas visíveis<br />
e invisíveis!<br />
Jesus vem à Terra para salvar a nação<br />
eleita e, com ela, também a humanidade<br />
inteira. A nação eleita deveria<br />
ser um instrumento para Ele salvar a<br />
humanidade. Mas Ele sabe que sobre<br />
essa nação conseguirá o resultado o<br />
qual conhecemos, e que a humanidade<br />
O seguirá incompletamente.<br />
Entretanto, Ele vem à Terra e, contrariando<br />
as forças opostas do demônio,<br />
do mundo e da carne, diz: “Esse<br />
resultado apenas parcial de uma<br />
obra que seria natural que tivesse o<br />
seu resultado completo Eu arranco<br />
do demônio e imponho. Realizo minha<br />
glória com aquilo que resolvi arrancar.<br />
Sei que não conseguirei tudo,<br />
embora poderia conseguir desde que<br />
Eu quisesse. Sei que santa e sapiencialmente<br />
não o devo querer e, por<br />
razões arcanas, não quero. Permitirei<br />
que o demônio Me arranque uma<br />
parte daquilo que Eu comprar por<br />
um preço infinitamente precioso. Porém,<br />
em revide, triunfarei com a parte<br />
que Eu não lhe permitirei tomar.”<br />
Assim, como um guerreiro que<br />
entra na liça para começar a guerra,<br />
ali está o Menino Jesus no presepe!<br />
Reis dos reis, Senhor<br />
dos senhores<br />
Mais ainda. Haveria algo de mais<br />
normal do que Ele, como Menino,<br />
pelos lugares onde passasse já começasse<br />
a deslumbrar todo mundo,<br />
a operar milagres, pregar, ensinar o<br />
gênero humano?<br />
Luis Samuel<br />
20
Entretanto, houve esta primeira<br />
coisa desconcertante: trinta anos de<br />
mutismo! Trinta anos de vida privada,<br />
de uma existência oculta com Nossa<br />
Senhora e São José, em Nazaré.<br />
Imaginem se vivêssemos naquele tempo<br />
e soubéssemos que o Menino Jesus<br />
veio. Ficaríamos alegríssimos e já faríamos<br />
planos para o dia seguinte! Contudo,<br />
quiçá Nossa Senhora nos olhasse<br />
com pena, mas enigmaticamente,<br />
e nos dissesse com aquela suavidade<br />
e majestade d’Ela: “Não! Vós tereis,<br />
meus filhos, que esperar trinta anos!”<br />
Houve almas que tiveram luzes<br />
proféticas sobre a vinda do Messias<br />
esperado. Essas almas, pelo próprio<br />
zelo da salvação, por amor a Ele, deveriam<br />
esperar que, tendo chegado o<br />
Salvador, começasse imediatamente<br />
a obra de conquista d’Ele. Não! Trinta<br />
anos de silêncio. É desconcertante!<br />
Será que Simeão e a Profetisa Ana<br />
souberam disso? O que terão pensado<br />
sobre isso as almas cujos corações<br />
palpitavam à espera do Salvador e<br />
que, naquela noite bendita, sentiram<br />
que a salvação tinha chegado? Muitas<br />
dessas pessoas talvez esperassem ver<br />
a glória e a vitória d’Ele, e foram convidadas<br />
a morrer em paz, sem compreender<br />
o que tinha se passado. É<br />
terrível, mas Ele começava por levar<br />
ao último ponto da santidade, pelos<br />
mistérios da espera e da confiança<br />
n’Ele, aqueles que O tinham esperado.<br />
Assim, a luta se iniciava dentro de<br />
casa com aqueles que eram d’Ele, para<br />
que fossem mais d’Ele.<br />
São José morreu sem ter visto a<br />
glória do Filho de Deus irradiar-se<br />
sobre Israel! Entretanto, morreu em<br />
paz. Ele é o padroeiro da boa morte.<br />
Com toda a certeza, faleceu assistido<br />
pelo Menino Jesus e por Nossa Senhora.<br />
Não se pode morrer melhor, é<br />
o arquétipo da boa morte! Será que<br />
São José não se perguntava, às vezes:<br />
“Mas o Rex regum, Dominus dominantium<br />
é esse Menino, entretanto<br />
divino, que vejo brincar com outras<br />
crianças, não atrai ninguém? Passou<br />
mais um dia e o milagre não se deu.<br />
Ou, pior ainda, Ele fez milagres e não<br />
se importaram. O que vai acontecer?<br />
Não sei. Eu sei que o Verbo Se fez<br />
carne e habitou entre nós! Mais um<br />
mistério na minha vida. Adoro o mistério<br />
e caminho para as sombras da<br />
morte, e depois para o Limbo, feliz<br />
porque meus olhos, antes de se fecharem,<br />
viram o Esperado das nações! E<br />
porque as orações d’Aquela que o Divino<br />
Espírito Santo quis me dar por<br />
Esposa não me deixarão um só momento,<br />
vou avançar confiante!”<br />
E assim como o Menino Jesus<br />
causou uma angústia a Nossa Senhora<br />
e a São José por ocasião de uma<br />
peregrinação a Jerusalém, onde Ele<br />
se separou da Sagrada Família, que<br />
depois O encontraram no Templo,<br />
será que Ele não terá querido causar<br />
a São José santas perplexidades por<br />
todos aqueles que haveriam de custar<br />
a compreender as santas demoras<br />
daquilo que é verdadeiramente<br />
grande? Pode-se compreender.<br />
E São José não terá travado ali o<br />
último combate de sua vida? São hipóteses,<br />
mas quão possíveis, verossímeis;<br />
portanto, quanto devemos contar<br />
com elas para ilustrar um pouco<br />
a nossa inteligência a respeito de aspectos<br />
da vida da Sagrada Família!<br />
Nosso Senhor acrisola os<br />
que são d’Ele, travando um<br />
combate dentro de cada um<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo entra<br />
na vida pública. Afinal, glória!<br />
O povo aflui para junto d’Ele, alegria!<br />
As almas que queriam presenciar<br />
o triunfo do Rei dos reis e Senhor<br />
dos senhores dizem: “Chegou!”<br />
Os Apóstolos disseram: “Chegou!”<br />
Fato mais extraordinário ainda: a parentela<br />
começa a aderir.<br />
Entretanto, no momento em que,<br />
contemplando o primeiro ano da vida<br />
pública e esfregando as mãos, se<br />
diria: “Como será o segundo ano?<br />
Como será o terceiro? Eu já vou<br />
me preparar para participar desses<br />
triunfos! Oh, coisa magnífica!”, tenebræ<br />
factæ sunt – fazem-se trevas. A<br />
luz do Sol começa a deixar aparecer<br />
lacunas, um véu se põe diante dos<br />
olhos, perplexidades...<br />
Jesus tomou uma beleza de ocaso<br />
a se somar à de meio-dia. Na rejeição,<br />
no isolamento, no desafio,<br />
na ameaça, Ele vai mudando de colorido,<br />
de esplendor. Porém, dir-se-<br />
-ia que Nosso Senhor abandonou a<br />
própria causa pela qual Ele tanto luta.<br />
Está fazendo tudo para que essa<br />
causa ganhe, mas por um ato de sua<br />
vontade onipotente poderia mandar<br />
que as coisas corressem de outra<br />
maneira. Não. Ele se esforça, faz<br />
milagres, mas não impõe aos ímpios<br />
que se curvem diante do Milagre que<br />
eles não reconhecem.<br />
Então, Ele terá abandonado a Si<br />
próprio? Alguém poderia pôr-se o<br />
problema: “Eu, que estava com meu<br />
entusiasmo levado ao último ponto<br />
por Ele, passarei por esse último<br />
desconcerto de ter a impressão de<br />
que Ele não defende a Si mesmo?<br />
Profeta Simeão e Profetisa Ana - Igreja Nossa<br />
Senhora da Glória, Juiz de Fora, Brasil<br />
21
Reflexões teológicas<br />
Gabriel K.<br />
los estavam torcendo<br />
e dizendo: “Ele mata<br />
Judas a qualquer<br />
momento. Por um ato<br />
da vontade d’Ele, um<br />
Anjo elimina o traidor.<br />
Desce fogo do<br />
céu e o liquida. Daqui<br />
a pouco chega alguém<br />
nos contando que Judas<br />
foi estraçalhado<br />
por um raio, e nós nos<br />
levantamos alegres,<br />
fazemos uma procissão<br />
e uma festa.”<br />
Mas concluem:<br />
“Não... não tem a<br />
menor esperança. O<br />
Mestre não vai fazer<br />
isso. Ele previu a entrega<br />
e está suando<br />
sangue de medo disso.<br />
Cambaleia e nos<br />
pede que vamos para<br />
junto d’Ele a fim de O<br />
consolar! Se é de nós que Ele depende,<br />
oh! está tudo perdido.”<br />
Evidentemente, são hipóteses.<br />
Mas, quando pensamos nelas, parecem<br />
estar presentes num drama moral<br />
que se entrevê.<br />
Nosso Senhor não cede e leva a<br />
conduta d’Ele até o fim. Deixa-Se<br />
entregar. E quando São Pedro corta<br />
a orelha de Malco, Ele ainda cura a<br />
orelha do soldado e manda São Pedro<br />
pôr a espada na bainha!<br />
Não se percebe que Jesus está<br />
acrisolando os d’Ele e travando um<br />
combate dentro de cada um. Esse<br />
era um dos muitos aspectos da batalha<br />
que não acabaria mais.<br />
Vencendo nossa batalha<br />
interna, Nossa Senhora<br />
nos dará a vitória externa<br />
Ele redime o gênero humano,<br />
ressuscita dos mortos, sobe aos<br />
Céus e a Igreja começa uma guerra<br />
onde passa por dramas tão pungentes<br />
que, em determinados mo-<br />
São Luís socorre vítimas da peste em<br />
Túnis, durante sua última Cruzada<br />
Catedral de La Rochelle, França<br />
E a minha esperança na vitória, onde<br />
ficou?”<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo estava<br />
travando o tempo inteiro, dentro<br />
do coração de cada Apóstolo, de<br />
cada justo, essa batalha de acrisolar<br />
os bons para que passassem por essas<br />
provações e fossem fiéis ao longo<br />
delas.<br />
Podemos imaginar, a título de hipótese,<br />
quais eram as reflexões dos<br />
Apóstolos no Horto das Oliveiras.<br />
Suponhamos que, em função do<br />
que Nosso Senhor dissera na Santa<br />
Ceia, alguns dentre eles tivessem<br />
chegado a deduzir que Judas era o<br />
traidor. Ora, eles tinham visto o Divino<br />
Mestre dar provas de afeto a<br />
Judas e, quiçá, algum deles pensou:<br />
“Quando Judas roubava, o Mestre<br />
deveria tê-lo expulsado. Deixou aqui<br />
esse homem, deu no que eu previa!<br />
Mas Ele agora podia atalhar. Por<br />
que não manda um Anjo matar Judas?<br />
Ele que tem o poder tão divino<br />
de ressuscitar, não poderia matar?”<br />
Quem sabe se, no primeiro período<br />
em que Jesus suava sangue<br />
no Horto das Oliveiras, os Apóstomentos,<br />
ela mesma nos dá uma impressão<br />
parecida com essa. E é pedida<br />
de nós uma prova semelhante<br />
àquela. É o Divino Mestre que,<br />
mais uma vez, nos diz: “Estejais<br />
prontos e vigiai! Vigiai e orai para<br />
não cairdes em tentação, porque todas<br />
as formas de heroísmo – desde<br />
presenciar os últimos desconsolos<br />
e permanecer de pé, até participar<br />
dos maiores triunfos e ficar desapegado<br />
–, tudo isso vos será exigido no<br />
vosso campo de batalha interno, para<br />
que, por vosso intermédio, a Providência<br />
vença a humanidade.”<br />
Muita gente considera como um<br />
dos elementos dos castigos previstos<br />
por Nossa Senhora em Fátima o desencadear<br />
de uma guerra conforme<br />
as leis humanas e divinas. E é verdade.<br />
Mas não se toma em consideração<br />
que, simultaneamente, há uma<br />
guerra interna, e não é a hora de tirarmos<br />
férias dessa luta interior da<br />
nossa fricção com o mundo, mas é o<br />
momento de levar esse combate até<br />
o último ponto.<br />
Flávio Lourenço<br />
22<br />
Traição de Judas - Capela dos<br />
Scrovegni, Pádua, Itália
Portanto, desde já, devemos rezar<br />
para pedir a fortaleza necessária<br />
para sermos combativos o tempo inteiro,<br />
pois isso é necessário a fim de<br />
que todo o resto da gesta e da epopeia<br />
se realize.<br />
Por que as Cruzadas não venceram?<br />
As armaduras eram muito boas,<br />
os transportes marítimos, segundo<br />
as condições do tempo, também<br />
eram bons, a capacidade de combater<br />
era grande, o espírito cavalheiresco<br />
era admirável. Faltou interiormente<br />
o que era necessário para ganhar.<br />
A Cruzada da Reconquista espanhola<br />
e portuguesa levou novecentos<br />
anos – quando poderia ter durado<br />
muito menos –, por causa de desfalecimentos<br />
entre momentos de integridade<br />
e de moleza. Se esses momentos<br />
não tivessem existido, quanta<br />
coisa teria acontecido diferente,<br />
mais magnífica e conforme a glória<br />
de Nossa Senhora! Para dizer tudo<br />
numa palavra só, se a Cruzada hispano-lusa<br />
tivesse sido feita num só lance,<br />
não pararia nas orlas do Atlântico,<br />
mas o teria transposto e entrado<br />
com vitória na África. Assim, a<br />
presença maometana no Mediterrâneo<br />
teria sido diferente e, com isso,<br />
a História da Europa seria outra.<br />
Quando a América fosse descoberta,<br />
o Mediterrâneo seria um mar inteiramente<br />
cristão.<br />
Devemos procurar fazer para Nossa<br />
Senhora nessa Cruzada que vem o<br />
que busquei realizar com mamãe. Eu<br />
pensei: “Como são poucos os filhos<br />
que amam inteiramente suas mães!<br />
Eu vou realizar essa obra-prima interior<br />
de querê-la e de ser tão bom com<br />
ela quanto ela é comigo.”<br />
Com Nossa Senhora não se pode<br />
fazer propriamente assim. Quem pode<br />
ser bom para Ela como Ela é para<br />
nós?! Mas se formos os guerreiros<br />
em favor d’Ela como Ela Se desvela<br />
e luta por nós; se travarmos nossa<br />
batalha dentro de nós para amá-<br />
-La com um amor que tenha a proporção<br />
adequada para o amor desproporcionado<br />
que Ela nos tem, aí<br />
nós teremos a mais gloriosa das Cruzadas,<br />
em linha reta, atravessando<br />
os pantanais das demoras, dos inesperados,<br />
das ciladas, das defecções e<br />
caindo, em linha reta, no chão firme<br />
do campo de batalha, sobre o adversário,<br />
e prostrando-o por terra.<br />
Vençamos nossa batalha interna<br />
e a Santíssima Virgem nos dará a vitória<br />
externa. Essa é a meditação de<br />
Natal dos guerreiros de Maria! Peçamos<br />
ao Divino Menino Jesus, por<br />
meio d’Ela e de São José, as graças<br />
necessárias para correspondermos a<br />
esse ideal.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
25/12/1982)<br />
1) <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se refere às palavras de<br />
saudação a ele dirigidas por jovens<br />
discípulos, nas quais propunham o tema<br />
a ser tratado.<br />
Virgem do Rosário de Lepanto - Igreja de São<br />
Domingos, Granada, Espanha<br />
Flávio Lourenço<br />
23
Gabriel K.<br />
C<br />
alendário<br />
São Dionísio<br />
1. I Domingo do Advento.<br />
Beata Maria Clara do Menino Jesus,<br />
virgem (†1899). Desejosa de<br />
evangelizar, fundou a Congregação<br />
das Irmãs Hospitaleiras da Imaculada<br />
Conceição, em Lisboa, Portugal.<br />
2. São Silvério, Papa e mártir<br />
(†537). Por não querer restabelecer<br />
o bispo herético Antimo na sede<br />
de Constantinopla, foi enviado pela<br />
Imperatriz Teodora para a ilha de Palmarola,<br />
Itália, onde veio a falecer. Ver<br />
página 2.<br />
3. São Francisco Xavier, presbítero<br />
(†1552).<br />
4. São João Damasceno, presbítero<br />
e Doutor da Igreja (†c. 749).<br />
São Bernardo de Parma, bispo<br />
(†1133). Como monge, procurou a<br />
perfeição de vida; como Cardeal, o<br />
bem da Igreja; e como Bispo, a salvação<br />
das almas de sua diocese de Parma,<br />
Itália.<br />
dos Santos – ––––––<br />
5. Beato Nicolau Steensen, bispo<br />
(†1683). Polímata, médico e anatomista<br />
dinamarquês de origem luterana,<br />
converteu-se ao catolicismo. Morreu<br />
em Schwerin, Alemanha, sendo Vigário<br />
Apostólico para o norte da Europa.<br />
6. São Nicolau, bispo (†s. IV).<br />
São José Nguyen Duy Khang, mártir<br />
(†1861). Catequista capturado na<br />
perseguição do imperador Tu Duc.<br />
Foi flagelado, encarcerado e degolado<br />
em Hai Duong, Vietnã.<br />
7. Santo Ambrósio, bispo e Doutor<br />
da Igreja (†397).<br />
Santa Maria Josefa Rosello, virgem<br />
(†1880). Fundadora do Instituto<br />
das Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia,<br />
em Savona, Itália.<br />
8. Imaculada Conceição da Bem-<br />
-Aventurada Virgem Maria.<br />
São Teobaldo de Marliaco, abade<br />
(†1247). Abade do Mosteiro Cisterciense<br />
de Vaux-de-Cernay, França, alcançou<br />
a fama de santidade ainda em<br />
vida.<br />
9. São João Diego Cuauhtlatoatzin<br />
(†1548).<br />
São Pedro Fourier, presbítero<br />
(†1640). Escolheu para exercer seu<br />
ministério, a paupérrima paróquia de<br />
Mattaincourt, França, e fundou o Instituto<br />
das Cônegas Regulares de Nossa<br />
Senhora.<br />
10. Beato Marco Antônio Durando,<br />
presbítero (†1880). Religioso da Congregação<br />
das Missões e fundador da<br />
Congregação das Irmãs de Jesus Nazareno,<br />
em Turim, Itália.<br />
11. São Dâmaso I, Papa (†384).<br />
São Daniel Estilita, presbítero<br />
(†493). Após viver em um mosteiro,<br />
seguiu o exemplo de São Simeão<br />
e permaneceu durante 33 anos no alto<br />
de uma coluna até sua morte, em<br />
Constantinopla, Turquia.<br />
Gabriel K.<br />
12. Nossa Senhora de Guadalupe,<br />
padroeira da América Latina.<br />
Beato Bartolo Buonpedoni, presbítero<br />
(†1300). Atingido pelo mal de<br />
Hansen aos 60 anos, retirou-se a um<br />
leprosário em Cellole, Itália, onde deu<br />
assistência aos doentes ali encerrados.<br />
13. Santa Luzia, virgem e mártir<br />
(†c. 304/305).<br />
Beata Maria Madalena da Paixão,<br />
virgem (†1921). Fundadora da Congregação<br />
das Irmãs Compassionistas<br />
Servas de Maria, em Castellammare<br />
di Stabia, Itália.<br />
14. São João da Cruz, presbítero e<br />
Doutor da Igreja (†1591).<br />
15. III Domingo do Advento.<br />
Santa Virgínia Centurione Bracelli,<br />
viúva (†1651). Dedicando-se ao serviço<br />
de Deus, socorreu os pobres, ajudou as<br />
igrejas rurais e fundou e dirigiu a Obra<br />
das Irmãs de Nossa Senhora do Refúgio<br />
do Monte Calvário, em Gênova, Itália.<br />
São Pedro Fourier<br />
24
–––––––––––––– * Dezembro * ––––<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
16. Santo Everardo, confessor<br />
(†867). Duque de Friuli e importante<br />
figura do Sacro Império, fundou<br />
o mosteiro de Cônegos Regulares de<br />
São Calixto em Cysoing, França, onde<br />
foi sepultado após sua morte.<br />
17. Beata Matilde do Sagrado Coração<br />
de Jesus, virgem (†1902). Vendo<br />
a imagem de Cristo no próximo,<br />
fundou a Congregação das Filhas de<br />
Maria, Mãe da Igreja em Don Benito,<br />
Espanha.<br />
restabelecendo nele a observância e<br />
prática do louvor divino.<br />
21. São Pedro Canísio, presbítero<br />
e Doutor da Igreja (†1597).<br />
22. IV Domingo do Advento.<br />
Santo Isquirião, mártir (†c. 250).<br />
Apesar dos opróbrios e injúrias, recusou<br />
sacrificar aos ídolos e morreu no<br />
Egito, atravessado com uma estaca<br />
pontiaguda.<br />
23. São João Câncio, presbítero<br />
(†1473).<br />
Santo Ivo, bispo (†1116). Restabeleceu<br />
a ordem entre os cônegos, e<br />
muito agiu e escreveu a fim de promover<br />
a concórdia entre o clero e os<br />
poderes civis, para bem da Igreja, em<br />
Chartres, França.<br />
Francesco Bartolozzi (CC3.0)<br />
Beato Gregório Khomysyn<br />
18. São Graciano de Tours, bispo<br />
(†s. III). Primeiro Bispo de Tours,<br />
França, que segundo a tradição, foi<br />
enviado de Roma a esta cidade, onde<br />
se encontra sepultado.<br />
19. Beatas Maria Eva da Providência<br />
e Maria Marta de Jesus, virgens<br />
e mártires (†1942). Religiosas da<br />
Congregação das Irmãs da Imaculada<br />
Conceição, que durante a guerra na<br />
Polônia, foram fuziladas em Slonim.<br />
20. São Domingos de Silos, abade<br />
(†1073). Após ter sido eremita, restaurou<br />
o mosteiro de Silos, Espanha,<br />
que se encontrava quase em ruínas,<br />
24. Santa Irmina, abadessa<br />
(†c. 710). Após ficar viúva, consagrou-se<br />
a Deus e tornou-se benfeitora<br />
de São Wilibrordo. Fundou e dirigiu o<br />
mosteiro de Öhren, Alemanha.<br />
25. Natal de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo.<br />
Beato Miguel Nakashima, religioso<br />
e mártir (†1628). Catequista jesuíta,<br />
que por sua fé em Cristo, foi mergulhado<br />
em água fervente, em Unzen,<br />
Japão.<br />
26. Santo Estêvão, diácono e protomártir.<br />
São Dionísio, Papa (†268). Depois<br />
da perseguição do imperador Valeriano,<br />
consolou com suas cartas e sua<br />
presença os irmãos aflitos, resgatou<br />
os cativos dos suplícios e ensinou aos<br />
ignorantes os fundamentos da Fé.<br />
27. São João, Apóstolo e Evangelista.<br />
Ver página 26.<br />
Beato Francisco Spoto, presbítero<br />
(†1964). Sacerdote da Congregação<br />
dos Missionários Servos dos Pobres,<br />
assassinado por guerrilheiros<br />
São João Damasceno<br />
Simba quando era missionário em Biringi,<br />
Congo.<br />
28. Santos Inocentes, mártires.<br />
Beato Gregório Khomysyn, bispo<br />
e mártir (†1945). Bispo de Ivano-<br />
-Frankivsk, que no tempo de perseguição<br />
foi martirizado em Kiev, Ucrânia.<br />
29. Sagrada Família.<br />
São Tomás Becket, bispo e mártir<br />
(†1170).<br />
São Gerardo Cagnoli, religioso<br />
(†1342). Franciscano dotado de dons<br />
taumatúrgicos, que manifestou curando<br />
os enfermos, em Palermo, Itália.<br />
30. São Lourenço de Frazzanò,<br />
monge (†c. 1162). Monge segundo a<br />
observância dos Padres orientais, insigne<br />
pela austeridade de vida e incansável<br />
pregação, em Frazzanò, na<br />
ilha da Sicília.<br />
31. São Silvestre, Papa (†335).<br />
25
Hagiografia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong> Aq.nicolas (CC3.0)<br />
Mirante altíssimo<br />
e grandioso<br />
A meditação feita por São Vicente Ferrer<br />
sobre o Apóstolo virgem nos situa num<br />
mirante altíssimo e grandioso a partir do<br />
qual percebemos as civilizações que ruíram<br />
devido à imoralidade e à revolta; vemos o<br />
castigo que cai sobre o mundo de um modo<br />
tão trágico, porque abandonou a Deus<br />
No dia 27 de dezembro a<br />
Igreja comemora a festa<br />
de São João Evangelista.<br />
Temos para comentar alguns trechos<br />
sobre ele, tirados dos sermões<br />
de São Vicente Ferrer 1 .<br />
Coroa real com quatro florões<br />
No Livro de Ester, capítulo VI, há<br />
uma bela leitura.<br />
O grande Rei, Imperador, Assuero<br />
perguntou uma vez a um<br />
seu conselheiro, homem<br />
muito sutil: “Que se há<br />
de fazer com alguém<br />
que o rei quer honrar?”<br />
Depois que refletiu um pouco, respondeu<br />
o conselheiro: “Para honrar<br />
a quem o rei deseja honrar deve-<br />
-se lhe vestir com as vestes reais, montá-lo<br />
sobre um cavalo da cavalariça<br />
real e cingir a sua fronte com uma coroa<br />
régia, e que o primeiro dos príncipes<br />
do rei leve a rédea de seu cavalo<br />
e, passeando pela praça da cidade,<br />
vá apregoando diante de todos. Assim<br />
se faz com aquele a quem o rei quiser<br />
honrar.”<br />
O Senhor Jesus Cristo, Rei poderosíssimo,<br />
fez essas coisas com magnificência<br />
na pessoa de São João Evangelista.<br />
A coroa que cingiu Jesus Cristo Homem,<br />
no momento de sua concepção,<br />
26<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> junto às muralhas de<br />
Ávila, Espanha, em 23/10/1981
foi a Sabedoria perfeita. Porque a Sabedoria<br />
reside na cabeça como uma<br />
coroa.<br />
A coroa de Cristo teve quatro florões<br />
como as coroas reais costumam<br />
ter. Na frente, a ciência da Trindade;<br />
atrás, a ciência de todas as criaturas,<br />
de todas as coisas pretéritas e futuras,<br />
e de todos os pensamentos dos corações;<br />
à direita, teve o conhecimento<br />
da glória do Paraíso e dos predestinados;<br />
à esquerda, teve conhecimento<br />
das penas infernais e dos que estão<br />
condenados ao Inferno com as causas<br />
de suas condenações.<br />
São João Evangelista foi coroado<br />
com esta mesma coroa da Sabedoria.<br />
Foi assim coroado na noite da<br />
Paixão mais do que todos os outros<br />
Apóstolos. Reclinado sobre<br />
o Coração do Mestre, recebeu<br />
isto como dádiva esplêndida.<br />
Por isso diz dele a Igreja<br />
em seu ofício: “Bebeu<br />
a água pura do Evangelho<br />
da fonte sagrada do<br />
peito do Senhor.”<br />
Naquele instante foi-<br />
-lhe imposta a coroa real<br />
com seus quatro florões: o<br />
conhecimento de Deus pelo<br />
qual João compôs o Evangelho;<br />
o conhecimento de todas<br />
as criaturas da glória e dos predestinados,<br />
com o qual escreveu<br />
a sua primeira Epístola Canônica;<br />
o conhecimento dos condenados,<br />
e por ele compôs o seu segundo<br />
e terceiro epistolário. Portanto, dele<br />
podemos dizer: “Coroa de ouro sobre<br />
sua cabeça, gravada com o signo<br />
da santidade.”<br />
A coroa de ouro é, segundo a<br />
Teologia da Bíblia, o escrito dos<br />
doutores gravado com sinal da santidade.<br />
Porque a coroa da Sabedoria<br />
que é a Teologia não tem a força<br />
se não está assinalada com o sinal<br />
da santidade que é a vida digna.<br />
São João Evangelista a manifestou<br />
em altíssimo grau.<br />
O conhecimento de Deus e<br />
de todas as coisas criadas<br />
É realmente um lindíssimo comentário,<br />
à altura de São Vicente<br />
Ferrer. Ele toma como ponto<br />
de partida um trecho tipicamente<br />
oriental do Livro de Ester.<br />
O rei pergunta ao conselheiro<br />
como se deve fazer<br />
com alguém que o monarca<br />
quer honrar. Então o conselheiro,<br />
depois de pensar,<br />
diz:<br />
“O melhor é revestir<br />
esse homem de trajes<br />
reais, cingi-lo com uma<br />
coroa régia. Depois, montá-<br />
-lo num cavalo da cavalariça re-<br />
São Vicente Ferrer<br />
Flávio Lourenço<br />
São João Evangelista<br />
São Vicente<br />
Ferrer extrai<br />
das Escrituras<br />
um sentido<br />
profético sobre<br />
São João<br />
Evangelista<br />
Vista do Mirante da<br />
Rampa do Pati - Chapada<br />
Diamantina, Bahia<br />
27<br />
Gabriel K.
Flávio Lourenço<br />
Hagiografia<br />
A Santa Ceia - Museu Unterlinden, Colmar, França<br />
al. Fazer com que uma das principais<br />
figuras da corte do rei tome o cavalo<br />
pela rédea e vá pelo meio da rua,<br />
dizendo para todo o povo: ‘Eis o homem<br />
a quem Deus quis honrar!’”<br />
Então, como todos os trechos da<br />
Sagrada Escritura têm um sentido teológico,<br />
místico, aqui São Vicente Ferrer<br />
extrai um sentido profético no que<br />
diz respeito a São João Evangelista.<br />
Ou seja, ele foi um dos prediletos<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo, e<br />
como tal um homem que o Redentor<br />
quis honrar aos olhos de todos,<br />
cingindo-o com a coroa do próprio<br />
Cristo. Qual?<br />
Fixemos a atenção nisto porque é<br />
um ensinamento lindo para nós.<br />
É a coroa da Sabedoria. Nosso Senhor<br />
recebeu essa coroa, diz São Vicente<br />
Ferrer, no próprio momento em<br />
que nasceu porque Ele gozava das formas<br />
mais profundas da Sabedoria.<br />
No fundo, essa Sabedoria é o conhecimento<br />
de todas as coisas criadas e, sobretudo,<br />
o conhecimento de Deus. Então,<br />
a coroa possuía na frente um florão<br />
que era o do conhecimento de Deus.<br />
Outro que era do conhecimento de to-<br />
dos os corações dos homens, de maneira<br />
tal que ele conhecia toda a humanidade<br />
presente. Tinha depois um terceiro<br />
florão que lhe fazia conhecer toda a<br />
humanidade no Céu, toda a Igreja gloriosa<br />
e todos os espíritos bem-aventurados.<br />
E um quarto florão, quer dizer<br />
outro atributo, outra força de Sabedoria<br />
pela qual ele conhecia todas as almas<br />
que estão no Inferno, e as causas<br />
de suas condenações.<br />
Visão sapiencial<br />
da Revolução e da<br />
Contra-Revolução<br />
Vamos reunir esses conhecimentos,<br />
trabalhar um pouco sobre esse<br />
lindo pensamento de São Vicente<br />
Ferrer, e ver até onde ele conduz.<br />
Conhecer todas as almas que estão<br />
na Terra não é só conhecê-las individualmente,<br />
alma por alma, mas também<br />
a sociedade humana, essas almas<br />
enquanto influenciando-se umas<br />
às outras. Portanto, a opinião pública,<br />
o ondular das grandes correntes<br />
de pensamento a propósito de todas<br />
as coisas importantes e, sobretudo,<br />
a respeito de Deus Nosso Senhor. É<br />
o conhecimento mais profundo que<br />
se possa imaginar da Igreja Católica,<br />
constituída de homens e, portanto, no<br />
seu estado presente, pode e deve ser<br />
conhecida exatamente como ela é nos<br />
homens que nela existem, nos efeitos<br />
da graça e do pecado nesses homens<br />
enquanto constituindo uma grande<br />
sociedade de almas.<br />
São João Evangelista tinha o conhecimento<br />
do passado, do presente<br />
e do futuro, não como três pedaços<br />
isolados, sem nexo um com o outro.<br />
É evidente que ele conhecia o passado<br />
enquanto a fonte onde definir<br />
o presente; e o presente enquanto a<br />
Horace Vernet (CC3.0)<br />
28<br />
Napoleão Bonaparte liderando suas<br />
tropas sobre a ponte de Arcole
fonte onde definir o futuro, o mais<br />
remoto, até o fim dos séculos.<br />
Ele conhecia todo o processo histórico,<br />
toda a concatenação dos<br />
acontecimentos, das correntes ideológicas,<br />
religiosas, filosóficas, políticas,<br />
artísticas, culturais, da interpenetração<br />
dessas correntes, do modo pelo<br />
qual elas governam os homens, do<br />
processo pelo qual elas nascem umas<br />
das outras em virtude do jogo das circunstâncias,<br />
das graças e das tentações;<br />
tudo em função do livre-arbítrio<br />
humano. Tudo isso ele conhecia<br />
numa visão sapiencial e grandiosa.<br />
Ele conhecia, entre outras coisas,<br />
o processo em nossos dias da Revolução<br />
e da Contra-Revolução. Ele<br />
via no futuro as figuras malditas do<br />
Renascimento, do Protestantismo,<br />
da Revolução Francesa e do Comunismo.<br />
Descortinava também as almas<br />
benditas preparadas por São Luís<br />
Grignion de Montfort cuja pregação<br />
foi uma espécie de luta ideológica<br />
ancestral da Chouannerie 2 ; via<br />
as almas da Contra-Reforma, como<br />
também as almas dos movimentos<br />
contrarrevolucionários<br />
posteriores; contemplou<br />
nossas almas e as almas que<br />
vão nos suceder numa luta<br />
até o fim do mundo; viu<br />
Elias, Henoc e tudo o mais.<br />
Contato com o verdadeiro<br />
universo de belezas espirituais:<br />
Maria Santíssima<br />
Portanto, o conhecimento que ele<br />
teve da História foi completo, não só<br />
enquanto ela se realiza sobre a face<br />
da Terra, mas também em seus pontos<br />
terminais. Ele viu a Igreja gloriosa,<br />
onde se encontram todos os que<br />
já foram julgados e gozam da visão<br />
beatífica. Ele viu depois todos os que<br />
estão no Inferno.<br />
São Vicente Ferrer diz que São<br />
João viu no Inferno não só os que lá<br />
se encontram, mas por que ali estão.<br />
Significa que quando contemplou<br />
os do Céu, ele viu também por que<br />
lá estão. Logo, ele viu a Sabedoria,<br />
a Justiça e a Misericórdia de Deus<br />
exercendo-se no julgamento dos homens.<br />
Ele pôde ver, assim, como os<br />
grandes movimentos da História levam<br />
os homens para o Céu ou para<br />
o Inferno. Ele teve, portanto, um conhecimento<br />
completo da História da<br />
humanidade.<br />
Pergunto: do que adianta conhecer<br />
a História da humanidade? O que<br />
nos importa saber isso ou qualquer<br />
outra coisa, a não ser em função de<br />
Deus Nosso Senhor? Todo esse conhecimento<br />
sapiencial lhe foi dado<br />
como um meio para, na consideração<br />
da História do que sucede aos homens,<br />
que são a obra-prima da Criação<br />
visível, elevar-se a Nosso Senhor.<br />
Então, o florão primeiro é o conhecimento<br />
de Deus. Os outros são<br />
Breul, H. (CC3.0)<br />
Lutero queimando a bula<br />
papal de excomunhão<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Julien Le Blant (CC3.0)<br />
Manifestação durante a<br />
revolução russa em 1917<br />
Cena de uma batalha dos Chouans<br />
29
Hagiografia<br />
florões colaterais; quão<br />
vastos, imensos, ricos,<br />
não há palavra humana<br />
que saiba dizer, mas<br />
meramente colaterais.<br />
Nesse conhecimento<br />
dos homens São João<br />
Evangelista conheceu<br />
Nossa Senhora, e podemos<br />
imaginar com<br />
que encantos, enlevos,<br />
venerações ele passou<br />
por esse verdadeiro<br />
universo de belezas<br />
espirituais que é Maria<br />
Santíssima.<br />
Suprassumo<br />
da Sabedoria<br />
Francisco Barros<br />
Qual é a aplicação<br />
de tudo isto para nós?<br />
Devemos compreender<br />
bem o que é a verdadeira<br />
Sabedoria. Existe<br />
tanta gente por aí<br />
que, quando se fala que<br />
as criaturas refletem a<br />
Deus, pensa na florzinha,<br />
na graminha ou<br />
então na montanha, na<br />
águia, mas não cogita<br />
no homem. É bom pensar<br />
nessas coisas porque<br />
também espelham<br />
a Deus. Mas o por onde<br />
mais conhecemos o<br />
Criador através de suas criaturas é no<br />
homem, que sendo racional e tendo<br />
alma é feito à imagem e semelhança<br />
de Deus.<br />
Conhecer o homem é conhecer<br />
não esta ou aquela alma individual,<br />
mas a contextura geral das relações<br />
entre as almas. Assim como quando<br />
Deus criou o universo e depois<br />
repousou, o Gênesis diz que Ele<br />
considerou que cada coisa era boa,<br />
mas o conjunto era ótimo, também<br />
quando olhamos os homens podemos<br />
nos extasiar diante da beleza<br />
de uma alma, mas o conjunto delas<br />
Nossa Senhora com São João aos pés da Cruz<br />
Notre-Dame-de-Bon-Secours, Montreal, Canadá<br />
é mais bonito. Um santo é um sol de<br />
beleza, mas a Igreja Católica Apostólica<br />
Romana, que é o conjunto de<br />
todos os santos, é mais bela do que<br />
a pura soma aritmética de todos os<br />
seus santos.<br />
O conjunto das almas humanas,<br />
os seus movimentos, as suas inter-relações,<br />
a sociedade de almas, as leis<br />
da História que nestas se verificam,<br />
cuja perfeição é decorrência das próprias<br />
perfeições de Deus, enquanto<br />
servindo para julgar os homens, tudo<br />
isto é o suprassumo da Sabedoria e,<br />
portanto, do conhecimento de Deus.<br />
Lírio que floresce<br />
na noite, do lodo e<br />
sob a tempestade<br />
Percebemos assim<br />
quanto fundamento<br />
há em insistir em que<br />
a vida espiritual se faça<br />
com esta riqueza,<br />
quando se procura utilizar,<br />
por exemplo, a<br />
temática “Revolução<br />
e Contra-Revolução”<br />
como um alimento para<br />
a vida espiritual.<br />
As nossas reuniões<br />
são a aplicação de<br />
princípios da História,<br />
com um fundamento<br />
metafísico e teológico,<br />
aos acontecimentos<br />
presentes para nos situarmos<br />
numa espécie<br />
de mirante, de onde<br />
vemos esses acontecimentos<br />
e a nossa própria<br />
vida individual.<br />
Mirante altíssimo onde<br />
percebemos todos<br />
os séculos de civilizações<br />
anteriores que<br />
ruem numa espécie de<br />
catástrofe majestosa e<br />
grandiosa, e se espatifam<br />
em pedaços imundos<br />
de imoralidade e<br />
revolta. Castigo espetacular<br />
de um mundo grandioso<br />
que cai de tão alto e de um modo<br />
tão trágico porque abandonou a<br />
Deus. Vemos a grandeza desse castigo<br />
de nações inteiras que se liquefazem,<br />
se fundem e perdem seu espírito,<br />
que vivem dentro das ruínas<br />
de seu próprio passado, sem compreendê-lo.<br />
Nessa liquefação de toda a humanidade<br />
para formar uma só massa<br />
animalizada e tendente para a barbárie,<br />
vemos algo de muito mais alto:<br />
a realização de um superior desígnio<br />
de Deus. Nas imensidades do<br />
30
castigo se nota a imensidade do pecado;<br />
mas pela imensidade do pecado<br />
percebe-se a imensidade e o poder<br />
d’Aquele que foi ofendido. Essa<br />
é uma visão que teria empolgado<br />
qualquer profeta.<br />
De outro lado, notamos que<br />
quando tudo isso cai e se arrebenta<br />
no meio de toda a sujeira, de cá e<br />
de lá salta uma pérola, um brilhante,<br />
um rubi... São as graças da Contra-Revolução<br />
dadas para este e para<br />
aquele. É um laivo adamantino<br />
que se forma e revela a presença<br />
das melhores qualidades da humanidade<br />
nos seus melhores tempos.<br />
É o Reino de Maria que começou<br />
a sua força de regeneração dentro<br />
desse horror, como um sol que vai<br />
nascendo no meio das trevas mais<br />
trágicas de uma madrugada suja, ou<br />
à maneira de um lírio que floresce<br />
na noite, do lodo e sob a tempestade.<br />
Esse lírio é o conjunto das almas<br />
contrarrevolucionárias existentes<br />
pelo mundo, que agradam a Nossa<br />
Senhora e prognosticam o dia de<br />
amanhã.<br />
Momento trágico e sublime<br />
em que Nossa<br />
Senhora quis que<br />
nascêssemos<br />
Esta não é uma meditação<br />
nova, que escapa<br />
aos padrões clássicos<br />
da Igreja. Estamos<br />
vendo aqui uma<br />
meditação de São Vicente<br />
Ferrer feita exatamente<br />
segundo esses<br />
padrões. Ora, ele<br />
foi um grande profeta<br />
que previu uma porção<br />
de coisas do futuro,<br />
imenso missionário,<br />
uma das maiores<br />
figuras que a Igreja<br />
Católica tenha produzido.<br />
Por vezes, quando temos dificuldades<br />
na vida espiritual, e não nos<br />
levantamos do fundo de nossos próprios<br />
defeitos, é porque não nos aplicamos<br />
às meditações próprias a alimentar<br />
o nosso amor de Deus, segundo<br />
a nossa vocação. Nossa Senhora<br />
preparou para nós não só os tesouros<br />
que estão ao alcance de todos os católicos,<br />
mas também outros que são<br />
gemas das melhores de dentro dos<br />
cofres inexauríveis da Doutrina Católica.<br />
Esses tesouros são essas meditações<br />
feitas a partir desse mirante<br />
magnífico e grandioso. É a consideração<br />
de nossa época, de nossas atividades<br />
pessoais, de nossa luta externa e<br />
interna, em função do momento trágico<br />
e sublime em que Nossa Senhora<br />
quis que nascêssemos.<br />
Então, aqui está uma sugestão<br />
que sirva de alento e pórtico de esperança<br />
para as almas eventualmente<br />
aflitas, desconcertadas. E para<br />
as almas esperançadas que querem<br />
progredir ainda mais, eis um<br />
meio para maiores voos: colocarmo-<br />
-nos nesse mirante que é o mais próprio<br />
para as meditações de homens<br />
na época contemporânea. Ver como<br />
Deus fala com a voz do trovão, mas<br />
tendo um sorriso, não direi paterno,<br />
mas materno para com esse lírio que<br />
Ele vai fazendo nascer do lodo. Deus<br />
em toda a sua grandeza, em toda a<br />
sua meiguice, falando em nossa época<br />
para nos santificar.<br />
Que Nossa Senhora dê vida e força<br />
a essas palavras para que, realmente<br />
integrados nos pontos de vista<br />
de onde nossa vocação é compreensível,<br />
e dotados de energias espirituais<br />
que decorrem desta forma de fidelidade,<br />
possamos subir até as alturas<br />
às quais a Santíssima Virgem nos<br />
quer levar.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
27/12/1969)<br />
1) Não dispomos dos dados bibliográficos<br />
da obra citada.<br />
2) Movimento contrarrevolucionário<br />
originado na Bretanha a partir do<br />
descontentamento da população rural<br />
diante das medidas religiosas e políticas<br />
da Revolução Francesa, principalmente<br />
a criação de uma “igreja”<br />
constitucional e a venda dos bens<br />
da Igreja.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> visita o castelo de Chambord, França, em 14/10/1981<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
31
Apóstolo do pulchrum<br />
USCapitol (CC3.0)<br />
Desejo do<br />
paradisíaco<br />
Na alma de uma criança inocente dorme<br />
um desejo do paradisíaco que acorda<br />
quando ela vê algo de maravilhoso, como<br />
uma árvore de Natal. É uma espécie de<br />
senso virginal de uma realidade existente<br />
para além desta que se vê. Numa educação<br />
verdadeiramente católica, os pais deveriam<br />
ensinar aos filhos a realidade inteira,<br />
mostrando como são belas as criaturas postas<br />
por Deus nesta Terra, mas incentivando-os<br />
a imaginar como elas seriam no Paraíso.<br />
Por que uma criança fica maravilhada ao ver uma<br />
árvore de Natal?<br />
Na inocência primeva os modelos ideais brotam<br />
na alma inteiramente inocente, que tem a noção fácil<br />
e imediata das coisas como elas devem ser e, portanto,<br />
do modelo ideal de tudo. Por isso, vendo uma árvore<br />
de Natal a criança fica encantada, pois ela possui no<br />
fundo de sua inocência a ideia – não inata, mas facilmente<br />
adquirida – do modelo ideal de como seria uma<br />
árvore paradisíaca. Pela mesma razão, a criança é facilmente<br />
sensível ao belo, encanta-se com ele.<br />
Senso do metafísico, do<br />
maravilhoso, do sobrenatural<br />
O espírito da criança não é fanado por certas coisas<br />
que fanam o espírito do adulto. Em geral, pelo efeito do<br />
32
Batismo – que é o mais importante<br />
– e por ainda não se ter corrompido<br />
com a vida, a criança<br />
tem uma propensão a crer,<br />
uma tendência a conceber<br />
as coisas sob a égide<br />
do maravilhoso e<br />
uma facilidade para<br />
admiti-lo, qualidades<br />
estas que o adulto vai<br />
perdendo até chegar<br />
ao tipo de velho desabusado,<br />
completamente<br />
cético, materialista, que<br />
representa o ocaso do espírito<br />
humano.<br />
Assim, a alma da criança pede<br />
a árvore de Natal. Ora, a árvore de Natal<br />
é algo que imerge para o mundo do maravilhoso.<br />
A criança tem uma apetência para contos de fada.<br />
O que é o conto da fada? É o mundo do maravilhoso.<br />
A criança tem também uma grande aptidão para a<br />
Fé, acredita e não pergunta sobre as razões de crer, ela<br />
vai logo crendo.<br />
Isso é uma espécie de senso virginal que tem a criança<br />
de uma realidade existente para além desta que nós<br />
vemos, a qual é mais bela e sacia anseios do espírito humano<br />
que o homem adulto já não possui, pois à medida<br />
que a pessoa vive ela vai se apegando às coisas terrenas<br />
e perdendo o senso do extraterreno, do metafísico,<br />
quer dizer, de uma realidade existente além do físico,<br />
e o senso do maravilhoso, do sublime, do sobrenatural.<br />
Tudo isso vai minguando na pessoa à medida que ela<br />
se torna adulta.<br />
Essas primeiras posições de alma implicam não numa<br />
profissão explícita de Fé em Deus, mas na existência<br />
do Criador, ou porque a pressupõem, ou porque conduzem<br />
a ela, mas são corolários necessários da existência<br />
de Deus.<br />
Aspiração por uma ordem<br />
ontologicamente mais perfeita<br />
Por exemplo, às vezes a árvore de Natal é acusada de<br />
ser uma coisa laica, e realmente esta impostação tem algo<br />
de verdade. Mas, no fundo, ela não é laica, pois traduz<br />
a aspiração da criança para uma ordem ontologicamente<br />
mais perfeita do que a nossa, em que tudo seja de maravilhas<br />
constituídas não somente de bens para o corpo,<br />
mas de bens para a alma. Não é a árvore de Natal onde<br />
se penduram balas para comer ou brinquedos para divertir.<br />
Não é isto. Aquelas bolas coloridas, estrelas e outras<br />
coisas desse gênero são adornos inúteis<br />
para brincar. São feitos para<br />
contemplar. Contemplar o<br />
quê? No fundo, a hipótese<br />
de uma ordem de coisas<br />
maravilhosa existente<br />
fora da realidade palpável.<br />
A criança sabe<br />
que aquela árvore não<br />
é assim, que aqueles<br />
não são frutos daquela<br />
árvore. Mas por detrás<br />
está um desejo confuso,<br />
mas ardente, do extraterreno<br />
que se exprime naquilo.<br />
Ali há, portanto, a nutrição<br />
de um anseio da alma de uma coisa<br />
metafísica e, portanto, um impulso que<br />
é um ponto de partida para anelar a Deus.<br />
Considerem uma criança na primeiríssima infância<br />
que entra numa sala onde está preparada uma árvore<br />
de Natal. Ali, naturalmente, há os objetos comuns próprios<br />
a uma sala de qualquer casa, como mesa, cadeiras,<br />
livros, quadros. Entretanto, ao entrar, a criança tem sua<br />
atenção atraída imediatamente pelos adornos natalinos<br />
maravilhosos ali colocados, e não pelos objetos comuns<br />
da vida cotidiana.<br />
Alguém dirá que é natural porque os objetos maravilhosos<br />
não são habituais, e aquilo que é novo chama a<br />
atenção. Mas não é isso. Uma criança que vai pela primeira<br />
vez a uma casa para ver uma árvore de Natal não<br />
conhece os objetos ali presentes. Portanto, a árvore de<br />
Gabriel K.<br />
J.P. ramos<br />
33
Apóstolo do pulchrum<br />
Luis Samuel<br />
Natal é tão nova para ela quanto os outros objetos que<br />
estão na sala. Porém, é a arvore que chama a atenção.<br />
Na primeiríssima infância, as luzes, as bolas prateadas,<br />
douradas, vermelhas, verdes, azuis, que pendem da árvore,<br />
atraem mais a atenção do que tudo.<br />
Por que a atenção da criança fica mais atraída pelos<br />
enfeites, pelas luzes do que pela própria árvore de onde<br />
tudo isso pende? E mais atraída pela árvore no conjunto<br />
do que pelos outros objetos na sala? No fundo, é porque<br />
a criança tem uma ideia, correlata ao senso do absoluto,<br />
de que se algo fosse absolutamente como deve ser, seria<br />
muito mais maravilhoso do que é.<br />
Uma educação verdadeiramente católica<br />
Com efeito, sem a criança jamais ter ouvido falar de<br />
Paraíso, nem ter ainda inteligência para se representar<br />
o que seja um Paraíso, dorme dentro dela um desejo do<br />
paradisíaco que acorda quando vê aquelas coisas.<br />
Os esmagadores, os incendiários de paraísos dizem<br />
que esse élan de alma de uma criança é um movimento<br />
tolo da primeira infância; quando ela ficar adulta vai se<br />
incomodar muito mais com a agência bancária das proximidades<br />
do que com a árvore de Natal armada em casa.<br />
Não se dão conta de que esse paraíso que dorme na<br />
criança é o melhor do talento e da inteligência dela.<br />
Por estar nesta Terra de exílio, o homem não tem as<br />
coisas como as do Paraíso, onde tudo é muito mais bonito;<br />
então, ele imagina a árvore de Natal. E a criança se<br />
encanta porque sua alma é desejosa de uma perfeição<br />
não existente nas coisas desta Terra. Ela quereria uma<br />
ordem, uma natureza, outras pessoas, enfim tudo como<br />
não existe, porque a sua alma foi<br />
feita para coisas maiores.<br />
Precisamente por desejar<br />
essas coisas maiores ela<br />
possui uma forma de talento<br />
por onde como que<br />
advinha a perfeição<br />
que tudo deve ter.<br />
Por causa disso também a criança tem uma imaginação<br />
muito criativa e o senso do maravilhoso levado a um alto<br />
grau.<br />
Numa educação verdadeiramente católica, os pais<br />
deveriam ensinar às crianças a realidade inteira, mostrando<br />
como são belas as criaturas postas por Deus nesta<br />
Terra, mas incentivando-as a imaginar como seriam<br />
no Paraíso. Então, o esquilo é muito bonito, mas se pode<br />
conjecturar como seriam os esquilos se movimentando<br />
no Paraíso.<br />
Por vezes, ao ver passar uma bela borboleta, um beija-flor,<br />
ou algum outro bicho bonito, a criança tem a tendência<br />
de ir atrás, pois é algo de maravilhoso que ela<br />
quer pegar, como se essas criaturas tivessem se extraviado<br />
do Paraíso e vindo parar aqui na Terra.<br />
Diante dessa tendência os pais da criança deveriam<br />
dizer: “Olhe, Deus fez assim o Paraíso. Isso está aqui para<br />
você ter ideia de como as coisas poderiam ser. Observe<br />
o que Deus fez de maravilhoso, procure prestar atenção<br />
e imaginar como seria o Paraíso. Em tudo quanto você<br />
faça procure exprimir essa sua tendência para o Paraíso.<br />
Rume para a perfeição. Mas, pobre Paraíso terrestre<br />
em comparação com o celeste… Neste não há flores,<br />
existem Anjos. E por cima deles e de tudo está Nossa<br />
Senhora, mais sua Mãe do que sua própria mãe. Porque<br />
Ela a ama mais do que todas as mães juntas amariam<br />
o filho único que tivessem. E se você se sente um ratinho<br />
para ser amado assim por Maria Santíssima, acredite<br />
porque é de Fé, a cada “ratinho” humano Ela ama<br />
assim. Creia e confie, alegre-se e reze. Cuide de servi-La,<br />
de batalhar por Ela!<br />
“Mas contemple os olhos de Nossa Senhora e você verá<br />
que no fundo há uma luz que vai muito além. Ela está<br />
olhando para você, mas ao mesmo tempo para o Divino<br />
Filho d’Ela! Há uma luz de Cristo n’Ela que vai além<br />
do humano. É humano, mas divino. Mais ainda, Ela está<br />
vendo Deus face a face. Fitando os olhos d’Ela é como se<br />
você olhasse num espelho para ver o Sol: o maravilhoso<br />
por excelência, a perfeição de todas as perfeições!”<br />
Daniel A.<br />
Daniel A.<br />
34<br />
Daniel A.<br />
Gabriel K.
John Harrison (CC3.0)<br />
Voltar a compreender e a amar o<br />
maravilhoso é uma verdadeira conversão<br />
Se todos os homens tivessem isso presente, o mundo<br />
seria outro. É incalculável o bem que os sacerdotes fariam<br />
se nas igrejas pronunciassem sermões sobre isso.<br />
Ademais, realçado por algo que a palavra do padre tem<br />
e a do leigo não, isto é, a graça do sacerdócio, salientado<br />
pelo púlpito, pela dignidade e pelas bênçãos especiais<br />
que Deus põe no edifício sagrado.<br />
Entretanto, já na remota época de minha infância a<br />
formação não era dada assim, mas se dizia: “Essas coisas<br />
são bobagens de infância, não pense nisso. Tudo<br />
quanto é maravilha é sonho. Você perde a partida da vida<br />
se pensar em coisas dessas. Seja prático! Para isso<br />
você precisa de duas coisas: ter saúde e ganhar dinheiro.<br />
Preocupe-se em ser saudável e fazer fortuna. Corra<br />
atrás do ouro! Não sonhe essas maravilhas. Que dinheiro<br />
ou que saúde elas lhe dão? Feche seu horizonte ao maravilhoso!<br />
Assim você terá o prazer e a riqueza.”<br />
Ora, esta não é a perfeita formação.<br />
Alguém objetará:<br />
“Está bem, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, mas se não nos empenharmos<br />
cem por cento em ganhar dinheiro, morremos mendigos.”<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou: “Olhai como crescem<br />
os lírios do campo. Não trabalham nem fiam, No entanto,<br />
Eu vos digo, nem Salomão em toda a sua glória jamais<br />
se vestiu como um só dentre eles” (Mt 6, 28-29). Portanto,<br />
confiai, porque isso se arranja. É possível recuperar<br />
a saúde ou a fortuna perdida. Entretanto, não se recupera<br />
o tempo perdido. É necessária uma graça muito<br />
grande para que uma alma, que se tenha deixado trancar<br />
nesses horizontes mais baixos, volte a compreender e<br />
a querer o maravilhoso. É uma verdadeira conversão.<br />
Tais considerações nos levam à ideia de que devemos<br />
pedir a Nossa Senhora essa inocência, para nós e para<br />
todas as pessoas, porque Deus é infinito no seu desejo de<br />
bem e quer abarcar com sua grandeza e bondade a Criação<br />
inteira.<br />
v<br />
(Extraído de conferências de 28/6/1969, 7/6/1974,<br />
29/5/1981, 12/10/1985)<br />
Kgbo (CC3.0)<br />
35
Flávio Lourenço<br />
Imaculada Conceição<br />
Museu Nacional de Villa<br />
Guinigi, Lucca, Itália<br />
A antítese mais completa do mal<br />
Exceção feita da humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, nenhuma criatura de Deus<br />
ressalta tão bem a antítese entre o bem e o mal do que Nossa Senhora. Porque n’Ela não há nenhum<br />
mal, essa oposição é muito mais forte.<br />
Por outro lado, a virtude que Lhe conferem a Imaculada Conceição, a confirmação em graça, enfim,<br />
tudo o mais é de tal maneira excelente que faz d’Ela a antítese mais completa do demônio. Não é dizer<br />
que Maria é tão santa quanto o demônio é ruim. A santidade d’Ela excede a perder de vista a maldade do<br />
demônio, nem é possível a comparação.<br />
Aliás, até mesmo nesta impossibilidade de comparação, o contraste se afirma grandiosamente. Ela é<br />
muito mais do que a “antidemônio”, porque é a Mãe Virgem do Salvador! Isto explica o inimicitias ponam,<br />
o calcanhar que esmaga a cabeça da serpente.<br />
(Extraído de conferência de 18/9/1992)