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Direito da Mineração cap. 27

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DIREITO DA

MINERAÇÃO

questões minerárias,

ambientais

e tributárias

Marcelo Azevedo

Paulo Honório de

Castro Júnior

Tiago de Mattos

William Freire

[Coords.]

editora


Copyright © 2017, D'Plácido Editora.

Copyright © 2017, Os autores.

Editor Chefe

Plácido Arraes

Produtor Editorial

Tales Leon de Marco

Capa, projeto gráfico

Letícia Robini de Souza

Diagramação

Bárbara Rodrigues da Silva

Christiane Morais de Oliveira

Editora D’Plácido

Av. Brasil, 1843, Savassi

Belo Horizonte – MG

Tel.: 31 3261 2801

CEP 30140-007

WWW.EDITORADPLACIDO.COM.BR

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida,

por quaisquer meios, sem a autorização

prévia do Grupo D’Plácido.

Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica

Direito da mineração: questões minerárias, ambientais e tributárias. FREIRE,

William; AZEVEDO, Marcelo; HONÓRIO, Paulo; MATTOS, Tiago de [Orgs.] -- Belo

Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.

Bibliografia.

ISBN: 978-85-8425-XXX-X

1. Direito Ambiental. I. Título. II. Autores

CDU 349 CDD 341.347


CFEM EM FACE DE REAJUSTES DE

PREÇO E VARIAÇÃO CAMBIAL

27

1. Introdução

Paulo Honório de Castro Júnior 1

Gabriela Cristina Mota Ribeiro 2

Os preços praticados nas exportações de commodities minerais,

sujeitas às cotações internacionais, sofrem variações, positivas e negativas.

Por força de contrato, tais variações afetam os preços, ensejando

ora um aumento de receitas de vendas e, por vezes, considerável

diminuição destas.

Quando a variação é positiva, a legislação tributária exige que

a empresa emita uma Nota Fiscal complementar, com o mesmo

CFOP da operação original. Por outro lado, quando a variação

é negativa, não há previsão na legislação tributária de emissão de

nenhum tipo de documento fiscal complementar. Ao contrário, há

expressa vedação. Por isso, o ajuste do valor da operação é estritamente

contábil (abatimentos).

Ocorre que, principalmente diante das variações negativas do

preço, muitas empresas que realizam a exportação de commodities

minerais têm enfrentado dificuldades para identificar a correta forma

do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de

Recursos Minerais - CFEM. E, aquelas que pioneiramente passaram

a realizar o ajuste do recolhimento da CFEM, têm sido alvo de au-

1

Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário – IMDT. Pós-Graduado

pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Coordenador e professor

em cursos de pós-graduação e extensão em Direito Tributário. Advogado.

2

Advogada. Graduanda em Ciências Contábeis.

643


tuações do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM,

sob a alegação de suposto recolhimento a menor da exação.

Por não terem documentos fiscais capazes de comprovar a

redução do faturamento da operação, essas empresas têm recolhido

CFEM a maior justamente sobre a variação do preço da commodity.

Além disso, a variação de preço é normalmente impactada pela

variação cambial. Surge, então, outro aspecto: como tratar as receitas

e despesas atreladas à oscilação do câmbio na apuração da CFEM?

Nesse contexto, o presente estudo investiga se, na variação negativa

de preço, ou seja, nas operações nas quais ocorra o ajuste com

a redução do preço final da mercadoria, é juridicamente correto o

reconhecimento de um pagamento a maior da CFEM, cujo efeito

seria o direito de crédito do minerador em face do DNPM, a ser

exercido mediante restituição ou compensação.

Isso porque os abatimentos nada mais são do que ajustes no

valor da operação de venda do minério, realizados após a circulação

da mercadoria, permitindo a escrituração contábil do real

faturamento bruto da operação. Trata-se de uma necessidade das

empresas que comercializam commodities, sujeitas à cotação no

mercado internacional.

No mesmo sentido está a necessidade de investigar se é

constitucional e legal cobrar a CFEM sobre receitas financeiras

auferidas diante da variação cambial ativa, porquanto sua base de

cálculo é o faturamento líquido da venda de minério, conceito

no qual não se inclui receitas de origem financeira, portanto,

não operacionais.

Ao final, abordaremos o tortuoso tema do regime de restituição

e compensação do royalty mineral, bem como o prazo disponível ao

minerador para exercer seu direito de crédito em face do DNPM.

2. Breves apontamentos sobre a CFEM: hipótese

de incidência e base de cálculo

Em observância ao art. 20, § 1º da Constituição Federal, a

Lei nº 7.990/1989 instituiu a CFEM, dispondo que a obrigação

de recolher a exação surge para o detentor do Direito Minerário,

quando verificada o aproveitamento econômico de recursos minerais,

configurando-se a sua hipótese de incidência até a última etapa do

processo de beneficiamento e antes de sua transformação industrial:

644


“Art. 6º A compensação financeira pela exploração de

recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico,

será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento

líquido resultante da venda do produto mineral, obtido

após a última etapa do processo de beneficiamento adotado

e antes de sua transformação industrial.”

Relativamente à base de cálculo, a Lei nº 7.990/1989 determina

que as alíquotas da CFEM variam de 0,2% a 3%, a depender do

minério explotado, incidindo sobre o faturamento líquido resultante

da venda do produto mineral, excluídos os tributos incidentes sobre

a sua comercialização, as despesas de transporte e de seguro.

A definição de faturamento líquido está disposta no art. 2º da

Lei nº 8.001/1990:

“Art. 2º Para efeito do cálculo de compensação financeira

de que trata o art. 6º da Lei nº 7.990, de 28 de dezembro

de 1989, entende-se por faturamento líquido o total das

receitas de vendas, excluídos os tributos incidentes sobre a

comercialização do produto mineral, as despesas de transporte

e as de seguros.” – (grifamos)

Ou seja, o faturamento líquido será igual a: (+) receita total

de vendas; (-) tributos incidentes na comercialização (ICMS, PIS e

Cofins); (-) despesas de transporte; (-) despesas de seguro; (=) faturamento

líquido (base de cálculo da CFEM).

Sendo que a “receita total de vendas” compreenderá, conforme

disposição legal: (+) faturamento normais do período (valor

inicial faturado); (+) diferenças positivas de faturamento (correções

de faturamentos feitos a menor); (-) devoluções de vendas

(vendas devolvidas pelos clientes); (-) descontos incondicionais e

abatimentos (correções de faturamentos feitos a maior); (=) receita

total de vendas.

3. Das operações de exportação de commodities

e da natureza jurídica da operação

Como exposto, tradicionalmente, os preços praticados nas vendas

de commodities minerais sofrem variações, positivas e negativas,

decorrentes do método de precificação de commodities. Por força do

mercado, tais variações afetam os preços, inclusive de forma retroativa.

645


Quando a variação é positiva, a legislação tributária exige que

a empresa emita uma Nota Fiscal complementar, com o mesmo

CFOP da operação original, vide, para fins ilustrativos, o art. 14,

II, Anexo V, Parte 1, do RICMS/2002 do Estado de Minas Gerais:

“Art. 14. A nota fiscal será também emitida nas hipóteses

abaixo e nos demais casos em que houver lançamento do

imposto, e para os quais não esteja prevista a emissão de

outro documento fiscal:

II - no caso de reajustamento de preço de que decorra

acréscimo do valor da mercadoria, observado o disposto

no § 2º deste artigo.”

Por outro lado, quando a variação é negativa, não há previsão na

legislação tributária de emissão de nenhum tipo de documento fiscal

complementar. Ao contrário, há expressa vedação 3 nos Regulamentos

de ICMS à emissão de Notas Fiscais nessa hipótese.

Nesses casos, o ajuste do valor da operação é estritamente

contábil, por meio do controle dos abatimentos de preço, enquanto

conta redutora de receita.

Isto é, faz parte do mercado de venda de commodities minerais

que a sua precificação seja feita pelo menos em duas etapas: (i) em

primeiro lugar, de forma provisória, no momento da emissão da

Nota Fiscal, considera-se o preço determinado pela cotação do dia;

e, (ii) em segundo lugar, posteriormente ao recebimento da mercadoria,

compara-se os preços provisórios praticados no momento da

emissão das Notas Fiscais com a cotação no mercado internacional,

bem como verificando a qualidade da mercadoria, realizando-se os

ajustes de preço, tanto para mais quanto para menos.

O preço futuro de uma commodity é determinado principalmente

pela relação entre a oferta e a demanda. Por exemplo, se a oferta de

petróleo aumenta, o preço de um barril de petróleo provavelmente

diminuirá. Por outro lado, se a demanda por petróleo aumenta,

durante um inverno rigoroso no hemisfério norte, é provável que

o preço do petróleo e do gás natural aumentem.

É necessário compreender que existe uma série de fatores

econômicos que afetam o preço de uma commodity. Fatores esses

3

Exemplificativamente, cita-se o disposto no RICMS/MG:

“Art. 15. Fora dos casos previstos neste Regulamento, é vedada a emissão de

nota fiscal que não corresponda a uma efetiva saída de mercadoria”.

646


que muitas vezes são certos, apesar de imensuráveis financeiramente

em uma análise apriorística.

Ou seja, a natureza jurídica dos ajustes de preço está diretamente

relacionada à metodologia atual de negociação e venda de

commodities em bolsas de mercadorias e futuros. Nada mais é do que

a formação do próprio preço da mercadoria.

3.1. A previsão contratual dos ajustes de preço

A grande maioria dos contratos de compra e venda de commodities

minerais condicionam o preço à segunda etapa do processo

de pagamento (precificação em duas fases), utilizando como índice

o valor determinado por bolsas de mercadorias e futuros ou publicações

relevantes, como o Metal Bulletin 4 .

Com uma simples análise dos contratos é possível constatar que

a primeira etapa de precificação proporcionará apenas uma expectativa

do valor a ser auferido com a operação. Nesse momento, o

preço estipulado não representa o real faturamento do comerciante

que, a depender do mercado, auferirá valor maior ao previamente

recebido, no caso do aumento do valor da commodity, ou terá que

reduzir a receita da operação contabilmente, diante da diminuição

do valor (controlada em conta redutora de receita).

3.2. O que é preço e a incorporação do

seu conceito do Direito Privado pela

legislação da CFEM

A formação do preço da commodity deve ser analisada em dois

momentos. O primeiro determina o preço base, na data de assinatura

do contrato, carregamento da mercadoria no porto ou emissão do

documento fiscal; e o segundo é o que identifica o valor definitivo,

após a entrega da mercadoria, ou em momento posterior a ser

pactuado pelas partes.

O preço nada mais é do que o valor de troca do bem ou do

serviço prestado. É exatamente o que se extrai do Direito Privado,

notadamente do art. 481 e seguintes do Código Civil/2002: “Art.

4

Metal Bulletin é uma agência internacional, sediada em Londres/UK, especializada

em fornecer informações para os mercados mundiais de aço, metais não

ferrosos e sucata.

647


481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir

o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.”

Em igual sentido, leciona Clovis Bevilaqua 5 : “O preço consiste em

soma de dinheiro ou valor fiduciário, que lhe equivale.”

Se preço é o que se pode dar em troca no mercado por determinado

bem, tangível ou intangível, é lógico concluir que, na

venda da commodity, a determinação final do preço ocorrerá apenas

no segundo momento da operação – na entrega da mercadoria/

momento determinado pelas partes – pois é quando ocorre a tradição

e torna-se possível aferir o valor do bem no mercado internacional

e a conferência da sua qualidade. Em outras palavras, é quando se

torna possível quantificar o aproveitamento econômico da commodity.

As partes, ao estabelecerem a cláusula de variação de preço,

apenas cumprem requisito estabelecido pelo mercado. Por ser uma

commodity, não cabe às partes contratantes a definição da sua cotação

internacional, mas cabe sim a elas incorporar ao contrato de compra

e venda esta definição, obtida em bolsas de mercadoria e futuros e

publicações oficiais, para definir o preço.

É que a variação da cotação internacional da commodity, desde

a emissão da Nota Fiscal original até o pagamento definitivo, é

premissa fática, a despeito da vontade das partes. Tal variação apenas

pode ser incorporada ao elemento “preço” do contrato de compra e

venda por meio de ajuste, o qual é expressamente autorizado tanto

pelo art. 486, como pelo art. 487 do Código Civil, que dispõe ser

lícito aos contratantes fixar preço em função de índices suscetíveis

de objetiva determinação:

“Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço

à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado

dia e lugar.

Art. 487. É licito às partes fixar o preço em função de

índices ou parâmetros desde que suscetíveis de objetiva

determinação.”

No primeiro caso, art. 486, incorpora-se ao contrato, no elemento

“preço”, o valor do bem conforme a sua cotação mercadológica

– que é exatamente o caso da compra e venda de commodities.

5

BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed.

Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1977, p. 298.

648


No segundo caso, art. 487, admite-se que o preço seja determinado

mediante parâmetro objetivo, o que obviamente abarca a cotação

internacional, divulgada em publicações oficiais e bolsas de mercadorias

e futuros.

Conforme Miguel Reale 6 , é certo que as partes podem eleger

novo e terceiro critério para a fixação do preço, ao lado da sua estimativa

feita por terceiro - taxa do mercado ou da bolsa, são suscetíveis

de objetiva determinação, por dia e lugar certo. Dessa forma,

a fixação do preço será obtida em função de índices ou parâmetros

aptos a decidir, de forma plena, efetiva e objetiva, o quantum do preço.

O critério consagra uma nova dinâmica de mercado, adaptando-se

à realidade negocial e mercadológica:

“No tocante à questão do preço, foi dada, por exemplo,

maior flexibilidade aos preceitos, prevendo-se, tal como

ocorre no plano do Direito Administrativo, a sua fixação

mediante parâmetros. Não é indispensável que o preço seja

sempre predeterminado, bastando que seja garantidamente

determinável, de conformidade com as crescentes exigências da

vida contemporânea. Tal modo de ver se impõe, aliás, pela

unidade da disciplina das atividades privadas, assente como

base da codificação.” – (grifamos).

Em igual sentido, lecionam Gustavo Tepedino et al 7 :

“Finalmente, há que ser certo o preço, mas não necessariamente

determinado. Basta que, pelo contrato, seja

determinável. A sua determinação pode se dar por quatro

maneiras diferentes. Primeiramente, e o que é mais comum,

podem as partes estipula-lo livremente, desde que não se

deixe tal prerrogativa ao arbítrio exclusivo de uma delas,

sob pena de se violar à potestatividade pura, disposta no

art. 122 e, especificamente, no capítulo da compra e venda,

no art. 489. Algumas vezes, contudo, limita-se, ou mesmo

suprime-se, o livre arbítrio das partes na fixação do preço,

quando impõe a autoridade pública um limite máximo

ao preço de determinados produtos, ou mesmo um valor

6

REALE, Miguel. O Projeto do Novo Código Civil, 2. ed. rev. e atual., São

Paulo, Saraiva, 1999, p. 72.

7

TEPEDINO, Gustavo. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição

da República, vol. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 140.

649


específico. Trata-se do tabelamento ou tarifamento, segunda

maneira de determinação do preço. A terceira forma

é o arbitramento por um terceiro, nomeado pelas partes

e cuja deliberação não cabe a elas rejeitar. Caso o arbitrador

não aceite a incumbência ou lhe seja impossibilitada

a execução, fica o contrato sem efeito, salvo se as partes

avençarem, no próprio contrato ou em ato ulterior a sua

substituição (v. comentários ao art. 485). Por fim, podem,

simplesmente, adotar o valor da coisa, segundo sua cotação no

mercado ou na bolsa em certo momento e lugar (v. comentários

ao art. 486).” – (grifamos).

O elemento preço, por sua vez, tal qual definido pelo Direito

Privado, é o que determina a receita auferida com a operação de

compra e venda de minério. E, uma vez que que o aproveitamento

econômico é justamente o critério eleito pelo legislador para

determinar a base de cálculo da CFEM, mensurado pela grandeza

“receita de venda” ajustada (art. 2º, da Lei nº 8.001/1990), não resta

dúvida que a legislação do royalty mineral incorporou o conceito

de preço do Direito Privado.

Humberto Ávila 8 ensina, no âmbito da relação entre Direito

Privado e Direito Tributário, que a legislação tributária, quando

faz referência a conceitos de Direito Privado, até pode modificar

o seu conteúdo semântico, desde que o faça expressamente. Não o

fazendo, prevalece, no silêncio da lei tributária, o conceito civilista

tal qual preconizado naquele campo jurídico:

“[...] o legislador tributário, quando não houver reserva

constitucional expressa ou implícita, pode modificar os

conceitos de Direito Privado, dentro dos limites constitucionais

e ontológicos e desde que haja um motivo

relevante para tanto. [...]. Se houver uma modificação, pelo

legislador tributário, de um conceito de Direito Privado,

essa modificação deve ser expressa. [...].

Se o legislador tributário optar por não fazer uma revogação

daquele conceito de Direito Privado, ele está optando

pelo silêncio, por uma “dependência conceitual”. E essa

“dependência conceitual”, na verdade, favorece aquele

8

ÁVILA, Humberto. Eficácia do Novo Código Civil na Legislação Tributária.

In: GRUPPENMACHER, Betina. (Org.). Direito Tributário e o Novo

Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, v. 1, p. 61-79.

650


“horizonte de Direito Privado”, de acordo com o qual

os particulares se auto-regulam.”

O mesmo se aplica ao caso ora analisado. O conceito civilista de

preço, que pode ser fixado conforme a cotação do bem no mercado

(tal qual ocorre no mercado de exportação de commodities minerais),

impacta a receita bruta realizada, que, por sua vez, é o elemento de

onde se parte para apurar a CFEM, nos termos do art. 2º, da Lei

nº 8.001/1990.

Em seus aspectos centrais, a ciência contábil não diverge do

conceito jurídico de receita. É o que se vê no Pronunciamento

elaborado pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) nº

30. Lê-se no preâmbulo explicitador do seu objetivo:

“A receita é definida na NBC TG ESTRUTURA

CONCEITUAL – Estrutura Conceitual para a Elaboração

e Apresentação das Demonstrações Contábeis

como aumento nos benefícios econômicos durante

o período contábil sob a forma de entrada de recursos

ou aumento de ativos ou diminuição de passivos que

resultam em aumentos do patrimônio líquido da entidade

e que não sejam provenientes de aporte de recursos

dos proprietários da entidade. As receitas englobam

tanto as receitas propriamente ditas como os ganhos.

A receita surge no curso das atividades ordinárias da

entidade e é designada por uma variedade de nomes,

tais como vendas, honorários, juros, dividendos e royalties.”

– (grifamos).

No capítulo destinado a definições, encontra-se no item 7 o

seguinte: “Receita é o ingresso bruto de benefícios econômicos durante o

período proveniente das atividades ordinárias da entidade que resultam no

aumento do seu patrimônio líquido, exceto as contribuições dos proprietários.”

O mesmo se extrai do Pronunciamento Contábil Básico CPC

nº 00:

“[...] receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante

o período contábil, sob a forma da entrada de recursos

ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que

resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam

relacionados com a contribuição dos detentores dos

instrumentos patrimoniais.” – (grifamos).

651


Em relação ao conceito jurídico, apesar de haver inúmeras

referências à “receita”, não há na lei uma norma que diga o que se

considera ser receita em geral. Não obstante, um ponto de partida

a se adotar é o de que a receita é um aumento da soma algébrica

dos direitos (ativos) e/ou redução de deveres (passivos) da sociedade,

representando um fator positivo acrescido ao patrimônio.

Ricardo Mariz de Oliveira 9 , balizado nos ensinamentos de

renomados mestres e especialistas brasileiros, como Aliomar Baleeiro,

Eduardo Domingos Bottallo, Geraldo Ataliba Rui Barbosa

Nogueira, Aires Fernandino Barreto, Marco Aurélio Greco, Sidney

Saraiva Apocalypse e José Luiz Bulhões Pedreira, traça enunciados

específicos, positivos e negativos, que devem estar presentes em tudo

o que se diga ser receita:

Enunciados positivos

1. Receita é um novo direito de qualquer

natureza e de qualquer origem, produzido

por qualquer causa ou fonte eficiente, desde

que pertencente ao próprio patrimônio,

e que não acarrete para o seu adquirente

qualquer nova obrigação.

2. Receita é um acréscimo de direito que

não acarrete qualquer prestação para o seu

adquirente, nem atribua a terceiro qualquer

direito contra ele.

3. Receita é um novo direito adquirido por

alguém, que representa obrigação para um

terceiro, a qual surge necessariamente no

mesmo momento da aquisição do direito,

mas cujo cumprimento ou extinção não

necessita ocorrer simultaneamente.

4. A redução ou extinção de obrigação, sem

pagamento ou qualquer outro comprometimento

de ativos, também pode ser considerada

receita se for possível identificar nela

uma forma de remuneração ou contraprestação

do patrimônio.

Enunciados negativos

1. Não é receita o ingresso de um

novo elemento positivo no ativo que

seja simples meio de pagamento, em

virtude do cumprimento de obrigação

por terceiro perante o titular do

patrimônio.

2. Não é receita o direito novo que

seja simples devolução de direito anteriormente

existente no ativo componente

do patrimônio, ou de outro que

juridicamente lhe seja equivalente, e

que apenas reponha o ativo e o patrimônio

ao estado anterior.

3. Não é receita o direito novo que,

por sua natureza e por definição legal,

represente capital social ou reserva de

capital da pessoa jurídica, ou que, por

sua natureza, corresponda a uma transferência

patrimonial.

4. Não é receita a redução ou extinção

de obrigação (passivo) que configurar

simples hipótese de transferência de

dívida para o patrimônio líquido.

9

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São

Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 102-105.

652


Com supedâneo nos elementos positivos e negativos dissecados

acima, podemos dizer, em síntese, conforme Ricardo Mariz 10 :

“[...] receita é qualquer ingresso ou entrada de direito

que se incorpore positivamente ao patrimônio e que represente

remuneração ou contraprestação de atos, atividades ou

operações da pessoa titular do mesmo, ou remuneração

ou contraprestação do emprego de recursos materiais,

imateriais ou humanos existentes no seu patrimônio ou

por ele custeados” – (grifamos).

No caso da venda de commodities minerais é óbvio que há apenas

uma receita realizada, que é aquela objeto da contrapartida pelo

adquirente representativa da sua obrigação (pagamento definitivo),

após a realização dos ajustes, negativos ou positivos.

Esse conceito de receita tanto foi incorporado pela legislação

da CFEM que, ao definir que a exação seria calculada em até 3%

sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto

mineral 11 , o legislador deixa claro que a CFEM apenas poderá incidir

sobre o aproveitamento econômico auferido, conforme dispõe o art.

1º, da Lei nº 7.990/1989: “O aproveitamento de [...] recursos minerais, por

quaisquer dos regimes previstos em lei, ensejará compensação financeira [...]”.

De maneira análoga à necessidade do recolhimento complementar

da CFEM diante do ajuste positivo de preço, após a emissão

da Nota Fiscal, está a necessidade do reconhecimento de crédito

por recolhimento a maior, diante da realização do ajuste negativo.

O critério objetivo da base de cálculo presente na norma jurídica

instituidora da CFEM, quanto à hipótese de venda, é um só:

o faturamento líquido. Não há qualquer previsão legal que obrigue

o minerador a recolher a CFEM sob uma expectativa de receita ou

sobre receita inexistente.

Conclui-se que, diante do estipulado pelas Leis nº

7.990/1989 e nº 8.001/1990, os conceitos de preço e de re-

10

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São

Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 158.

11

Art. 6º A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para

fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o

valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido

após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua

transformação industrial.

653


ceita, do Direito Privado, foram incorporados pela legislação da

CFEM, no sentido da receita realizada – faturamento líquido

- pelo minerador com a venda da mercadoria e representativa

da exata obrigação do comprador, o que pressupõe os ajustes

negativos e positivos.

3.3. Conclusão pelo recolhimento a maior no

ajuste negativo e direito de crédito

Pelo acima exposto, concluímos que a CFEM incide apenas

sobre a receita efetivamente auferida/realizada, que é justamente

aquela objeto da precificação final, após o recebimento e a conferência

da mercadoria pelo comprador.

E, uma vez que o recolhimento da CFEM pode se dar, por

razões operacionais, antes da precificação final da operação (em razão

da emissão da Nota Fiscal original meses antes), esse contribuinte

deterá um direito de crédito sobre o eventual valor recolhido a maior,

em razão de ajustes negativos de preço.

Justamente por competir ao minerador calcular a recolher a

CFEM, por sua conta e risco, incide à hipótese o regime de compensação

e restituição instituído pelo art. 66, da Lei nº 8.383/1991,

aplicável de forma expressa às receitas patrimoniais da União, conforme

exporemos em tópico próprio.

4. A incidência da CFEM não sofre a repercussão

de receitas e despesas financeiras

decorrentes de variação cambial

Igualmente imperativa é a necessidade do reconhecimento da

inconstitucionalidade e da ilegalidade da exigência da CFEM sobre

as receitas financeiras auferidas diante da variação cambial ativa,

porquanto sua base de cálculo é o faturamento líquido da venda de

minério, conceito no qual não se inclui receitas de origem financeira,

portanto, não operacionais 12 .

12

Nesse ponto cumpre reforçar que a formação do preço da commodity, com

eventual majoração do valor com base na cotação internacional de mercado,

em nada se confunde com a variação cambial ocorrida entre o período da

entrega e recebimento da mercadoria. Esses são fenômenos distintos que não

se equivalem. A primeira é receita de exportação e a segunda é uma receita

decorrente de exportação.

654


A própria estrutura constitucional da CFEM, enquanto uma participação

no resultado da atividade de mineração 13 , atrai a necessidade

de se expurgar da sua base qualquer resultado decorrente de atividade

financeira, como a receita auferida em razão da variação cambial.

Em outras palavras, a CFEM apenas incide sobre o aproveitamento

econômico de minério, e não sobre o aproveitamento

econômico obtido em operações financeiras.

Daí que, (i) sendo a CFEM um instrumento da União de participação

no resultado do aproveitamento econômico de minério, e

(ii) sendo a variação cambial positiva uma receita que não decorre

do aproveitamento econômico de minério, e sim de uma oscilação

do valor da moeda, qualificada por isso mesmo como receita não

operacional, a CFEM não deve incidir sobre o valor da variação

cambial positiva.

Assim, a variação cambial ativa deve ser expurgada do crédito

e do débito de CFEM, por representar receita não operacional, de

natureza financeira, que decorre da exportação, mas que com ela

não se confunde.

Igualmente, a variação cambial passiva, representativa de uma diminuição

da receita total do exportador, não poderá ser utilizada para

alargar o crédito decorrente da variação negativa do preço do minério.

O princípio aqui exposto deve ser utilizado para, em todas as

situações, expurgar-se o efeito financeiro da variação cambial nos

débitos e nos créditos de CFEM.

5. Do regime de compensação/restituição

da CFEM

Considerando o abordado acima, de que os ajustes negativos de

preço devem ser excluídos da receita bruta apurada pelas mineradoras

exportadoras de commodities e de que os ajustes feitos consubstanciam

mero método de precificação, bem como da não incidência

da CFEM sobre receita financeira obtida por variação cambial ativa,

13

É o que afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence, Relator do RE nº 228.800/

DF:

“Na verdade – na alternativa que lhe confiara a Lei Fundamental – o que a

L. 7.990/89 instituiu [...] não foi verdadeira compensação financeira: foi, sim,

genuína ‘participação no resultado da exploração’, entendido o resultado não como

o lucro do explorador, mas como aquilo que resulta da exploração [...].”

655


necessário tratarmos do direito de se creditar a esses títulos em relação

às variações positivas ocorridas e receitas financeiras obtidas nos

últimos 10 anos; e de fazê-lo a despeito de homologação por parte

do DNPM e demais restrições por ele impostas.

É importante salientar o pacífico entendimento de que a CFEM

não possui natureza tributária. Assim, as disposições do Código

Tributário Nacional (arts. 165 a 170-A) a respeito da restituição e

compensação não lhe são aplicáveis.

Em que pese a inaplicabilidade do regime tributário, trata-se

de exação cuja sistemática de lançamento é por homologação, tal

qual preconiza o art. 16, do Decreto nº 01/1991 14 .

Ocorre que, justamente por competir ao minerador calcular e

recolher a CFEM, por sua conta e risco, incide à hipótese o regime de

compensação e restituição instituído pelo art. 66, da Lei nº 8.383/1991,

aplicável de forma expressa às receitas patrimoniais da União.

Referido regime autoriza o contribuinte a efetuar diretamente

a compensação na sua apuração corrente, procedendo ao encontro

de contas sem prévia autorização por parte do Fisco:

“Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de

tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e

receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma,

anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória,

o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor

no recolhimento de importância correspondente a período

subsequente.

§ 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos,

contribuições e receitas da mesma espécie.

§ 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido

de restituição.

§ 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor

do tributo ou contribuição ou receita corrigido monetariamente

com base na variação da UFIR.

§ 4º As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio

da União e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

14

“Art. 16. A compensação financeira pela exploração de substâncias minerais

será lançada mensalmente pelo devedor. Parágrafo único. O lançamento será

efetuado em documento próprio, que conterá a descrição da operação que

lhe deu origem, o produto a que se referir o respectivo cálculo, em parcelas

destacadas, e a descriminação dos tributos incidentes, das despesas de transporte

e de seguro, de forma a tornar possível suas corretas identificações.”

656


expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do

disposto neste artigo. ” – (grifamos).

Dessa forma, compete ao próprio contribuinte calcular o

montante do crédito e efetuar diretamente a sua compensação com

débitos, da mesma espécie do crédito, em períodos subsequentes de

apuração.

Isso significa que o art. 66, da Lei nº 8.383/1991, dispensa a

prévia autorização ou homologação do crédito por parte do Fisco 15 .

A este compete apenas homologar, ou não, a apuração/compensação

realizada diretamente pelo contribuinte, dentro do prazo decadencial

disponível para a constituição do crédito fiscal.

Nesse sentido, o julgado abaixo, do Superior Tribunal de Justiça:

“II - Não há confundir a compensação prevista no art.

170 do Código Tributário Nacional com a compensação a

que se refere o art. 66 da lei 8.383/91. A primeira é norma

dirigida à autoridade fiscal e concerne à compensação

de créditos tributários, enquanto a outra constitui norma

dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do

lançamento por homologação.

III - A compensação feita no âmbito do lançamento por homologação,

como no caso, fica a depender da homologação da autoridade

fiscal, que tem para isso o prazo de cinco anos (CTN, art.

150, parágrafo 4.). Durante esse prazo, pode e deve fiscalizar o

contribuinte, examinar seus livros e documentos e lançar, de oficio,

se entender indevida a compensação, no todo ou em parte. [...].”

(Resp. 82.038/DF, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁ-

DUA RIBEIRO, SEGUNDA TURMA, julgado em

13/06/1996, DJ 01/07/1996, p. 24035) – (grifamos).

Trata-se de entendimento que foi pacificado pelo STJ, inclusive

na sistemática de recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC):

15

“[...] a Lei 8.383/91 não condicionou a compensação à prévia manifestação

do Fisco quanto ao crédito que o contribuinte pretende considerar, senão que,

ao revés, deixou claro que este último ‘poderá efetuar a compensação (...) no

recolhimento de importância correspondente a período subsequente’ (caput

do art. 66, in fine). Assim, [...] poderá a compensação acontecer, independentemente

de verificação anterior da Administração Fiscal do crédito utilizado

pelo sujeito passivo tributário”. (HORVATH, Estevão. Compensação e autolançamento.

RDT nº 67. Malheiros, p. 344/345).

657


“A Lei 8.383, de 30 de dezembro de 1991, ato normativo

que, pela vez primeira, versou o instituto da compensação

na seara tributária, autorizou-a apenas entre tributos da

mesma espécie, sem exigir prévia autorização da Secretaria

da Receita Federal (artigo 66).

Com o advento da Lei 9.069/95, as receitas patrimoniais

foram incluídas entre o rol de créditos compensáveis previstos

na Lei 8.383/91.

[...] Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC

e da Resolução STJ 08/2008.”

(Resp. 1137738/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEI-

RA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010)

– (grifamos).

A título ilustrativo, ressalta-se que o regime de compensação

instituído pelo art. 66, da Lei nº 8.383/1991, permanece aplicável

às Contribuições Previdenciárias, com a limitação do percentual de

compensação a 30% do valor a ser recolhido em cada competência

(art. 89, da Lei nº 8.212/1991).

Além da compensação, o § 3º, do supracitado art. 66, autoriza

que o contribuinte opte pela restituição em pecúnia do valor recolhido

indevidamente.

Em resumo, o ordenamento jurídico autoriza que o minerador

calcule o montante do crédito de CFEM do qual julga ser

titular e efetue diretamente a compensação com débitos vencidos 16

e vincendos da mesma exação, sem prévia autorização do DNPM.

Contudo, o DNPM, ao regulamentar o procedimento para

compensação de débitos de CFEM, editou a Portaria do Diretor-Geral

nº 157/1999, cujo art. 1º exige a prévia autorização do

Superintendente da localidade do minerador, em nítida violação ao

disposto no art. 66, da Lei nº 8.383/1991:

“Art. 1º Pelo pagamento indevido ou a maior da compensação

financeira de que trata o art. 6º da Lei nº 7.990/89,

16

O essencial é que o vencimento do débito que se pretende compensar seja

posterior ao indébito. Nesse sentido:

“COMPENSAÇÃO [...]. PARCELAS VENCIDAS E VINCENDAS [...].

Cabível, in casu, a compensação com valores vencidos e vincendos, pois a Lei

nº 8.383/91, ao referir parcelas vincendas, reporta-se aquelas a se vencerem

posteriormente à data da configuração do indébito.” (TRF4 – 1ª TURMA.

AC 2001.04.01.081660-8/PR, Juiz Fed. Leandro Paulsen, Abr./02).

658


o agente passivo poderá efetuar a compensação desse valor nos

recolhimentos seguintes, mediante prévia autorização do Chefe

do Distrito/DNPM competente conforme a localização

da área titulada.

§ 1º Entende-se por recolhimento ou pagamento indevido

ou a maior aquele proveniente de:

I – cobrança ou pagamento espontâneo da CFEM, quando

efetuado por erro, ou em duplicidade, ou sem que haja

débito a liquidar, em face da legislação pertinente;

II – erro na identificação do sujeito passivo, na determinação

do percentual aplicável, no cálculo do montante do

débito ou no preenchimento da guia de recolhimento.”

– (grifamos).

Ou seja, de acordo com a Portaria do Diretor-Geral nº

157/1999, antes de efetuar a compensação, o minerador precisa

submeter o respectivo pedido ao Superintendente da sua localidade,

demonstrando a liquidez e certeza do crédito que pretende utilizar

para compensar débitos de CFEM e obter decisão que reconheça

a existência e validade desse crédito.

Trata-se de flagrante ilegalidade parcial do caput do art. 1º,

da supracitada Portaria, uma vez que o regime de compensação

instituído pela Lei nº 8.383/1991 permite que a compensação

seja realizada diretamente pelo minerador, sem prévia autorização.

Isso, inclusive, coaduna-se perfeitamente com a sistemática

de lançamento por homologação, pertinente à CFEM, porquanto

o DNPM pode deixar de homologar a compensação realizada e

exigir o débito não compensado, desde que isso seja feito no prazo

decadencial de dez anos.

O art. 1º, da Portaria do Diretor-Geral nº 157/1999, instituiu mais

duas restrições ilegais ao regime de compensação da CFEM: (i) limitou

o percentual compensável por competência a 50% do valor apurado

como débito (§ 3º); e (ii) a compensação apenas será autorizada caso

o minerador esteja adimplente em relação aos recolhimentos mensais

da CFEM ou após o pagamento integral de débitos já constituídos,

assim considerado o principal e acessórios (§ 4º).

Quanto ao primeiro item acima, destaca-se que o Superior

Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica, construída no

específico contexto tributário, no sentido de serem válidas as res-

659


trições impostas pelos Entes Federados ao montante do crédito

compensável por competência 17 .

Entretanto, a validade das restrições ao montante compensável

apenas é reconhecida pelo STJ em virtude da expressa autorização

para tanto no art. 170, do CTN 18 , que é inaplicável à CFEM, sequer

por analogia. Daí ser ilegal a limitação imposta ao montante compensável,

de 50% do valor devido em cada competência.

Também é nitidamente ilegal a restrição consistente na inexistência

de débitos de CFEM para que a compensação seja autorizada

– inclusive sem exceção àqueles em discussão administrativa

ou inexigíveis por qualquer outro motivo (decisão judicial/liminar,

depósito, parcelamento, etc.).

Em primeiro lugar, é ilegal por inovar no ordenamento jurídico,

impondo restrição não prevista no art. 66, da Lei nº 8.383/1991,

em violação ao princípio da legalidade (art. 5º, II e 37, da CR/88).

Em segundo lugar, referida exigência configura sanção política

abusiva, por ser meio indireto de coagir o minerador ao recolhimento

de eventual débito de CFEM – exigível ou não –, bem como por

lhe impor, também indiretamente, a renúncia ao direito à discussão

17

“[...] COMPENSAÇÃO. [...]. LIMITAÇÕES INSTITUÍDAS PELAS LEIS

9.032/95 E 9.129/95. POSSIBILIDADE. [...].

9. Deveras, perfilho a tese de que, enquanto não declaradas inconstitucionais

as Leis 9.032/95 e 9.129/95, em sede de controle difuso ou concentrado, sua

observância é inafastável pelo Poder Judiciário, uma vez que a norma jurídica,

enquanto não regularmente expurgada do ordenamento, nele permanece válida,

razão pela qual a compensação do indébito tributário, ainda que decorrente

da declaração de inconstitucionalidade da exação, submete-se às limitações

erigidas pelos diplomas legais que regem a compensação tributária. [...].

15. O artigo 170, do CTN, legitima o ente legiferante a autorizar a compensação

de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos,

do contribuinte, estabelecendo, para tanto, condições e garantias para seu

exercício, donde se dessume a higidez da estipulação legal de limites para sua

realização. [...].” (REsp 796.064/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA

SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/11/2008) – (grifamos).

18

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja

estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a

compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos

ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará,

para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém,

cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao

mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”

660


judicial e administrativa, já que sequer se excepcionou os débitos

que são objeto de litígios em curso.

Há, nesses termos, uma vulneração ao direito fundamental

de livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV), bem como

imposição de obrigações patrimoniais com desrespeito à garantia

constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV).

A norma veiculadora da restrição em análise não resiste ao

teste de proporcionalidade, revelando-se instrumento de abuso de

poder, já que não passa no cânone da necessidade, porque o DNPM

dispõe do poder administrativo de cobrança – regulamentado pela

Portaria do Diretor-Geral nº 389/2010 –, e do rito da execução

fiscal – Lei nº 6.830/1980.

Impor ao minerador o recolhimento de todos os débitos de

CFEM existentes em seu nome para que sua compensação seja

processada é, sobretudo, medida desnecessária para a recuperação

desses créditos, ante a existência dos instrumentos administrativos

e judiciais supramencionados que já viabilizam à Administração

Pública o atingimento do mesmo fim.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, tradicionalmente,

afasta sanções políticas que configuram meio indireto para coagir o

contribuinte ao recolhimento de tributos (vide Súmulas nºs 70, 323

e 547), assim consideradas mediante teste de proporcionalidade 19 .

Outros exemplos de sanções políticas afastadas pelo Poder Judiciário,

que se amoldam ao caso ora em análise, são: (i) exigência

de Certidão Negativa de Débitos para transferência de domicílio

para o exterior e prática de diversos atos notariais/empresariais,

declaradas inconstitucionais pelo STF no julgamento das ADI’s nº’s

173/DF e 394/DF, de 2008; e (ii) a exigência de Certidão Negativa

de Débitos para levantamento de precatórios, em relação a qual o

TRF da 3ª Região afirmou consistir “em mecanismo coercitivo para

pagamento de débitos, o que é vedado” – AI nº 00894790920054030000,

DJe 04.10.2010.

De fato, o DNPM poderá fiscalizar a apuração do contribuinte

no prazo decadencial de dez anos, oportunidade em que seria possível

eventual glosa das compensações realizadas em desacordo com a

19

A exemplo do RE nº 413.782, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 03.06.2005,

que julgou inconstitucional norma catarinense que obrigava contribuintes com

débitos “em aberto” a emitir apenas notas fiscais avulsas, ao invés de talonários.

661


Portaria do Diretor-Geral nº 157/1999, contudo, não poderá negar

a compensação realizada dentro dos parâmetros legais.

Quanto ao prazo, considerando que o regime tributário não

é aplicável à CFEM, o prazo de cinco anos previsto no art. 168,

do CTN, para a restituição de tributos pagos indevidamente, não

incide à hipótese.

Também não se deve adotar os prazos previstos no Código

Civil 20 , tendo em vista que a CFEM não está sujeita ao regime de

direito privado, por consubstanciar relação jurídica de Direito Administrativo,

como já decidido pelo STJ em diversas oportunidades 21 .

Ocorre que não há prazo específico na legislação pertinente.

Diante disso, não sendo possível a existência de relação jurídica de

natureza fiscal/administrativa que seja imprescritível e considerando

a unidade do sistema jurídico, é necessário integrar essa lacuna

normativa, mediante aplicação de prazo já existente no subsistema

do Direito Administrativo.

A alternativa mais conservadora seria a aplicação do prazo de

cinco anos previsto no art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932, que

trata da prescrição do direito de ação, de qualquer natureza, contra

as Fazendas Públicas.

Mas a adoção dessa alternativa criaria uma disparidade, reveladora

de desigualdade, entre o prazo de dez anos para o DNPM fiscalizar e

constituir crédito de CFEM contra o minerador, e o prazo, que seria

de cinco anos, a este disponível para apurar recolhimento indevido a

idêntico título e se ver restituído pela Administração Pública.

Há simetria entre ambas as relações jurídicas: se, de um lado, o

DNPM possui prazo para aferir recolhimento a menor da CFEM

e exigir a diferença negativa (débito), por outro lado o minerador

também deve possuir o mesmo prazo para aferir recolhimento a

maior desta exação na sua escrita fiscal e exigir do DNPM a diferença

positiva (crédito).

20

“STJ Súmula nº 412 - 25/11/2009 - DJe 16/12/2009

Ação de Repetição de Indébito - Tarifas de Água e Esgoto - Prazo Prescricional

A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional

estabelecido no Código Civil.”

21

“A relação de direito material que dá origem à Compensação Financeira pela Exploração

de Recursos Minerais - CFEM é regida pelo Direito Administrativo, tornando inaplicável

as disposições de que trata o Código Civil, configurando os valores recolhidos a tal

título em receita patrimonial.” (REsp 1410507/CE, Rel. Ministro HUMBERTO

MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 30/10/2014).

662


Sendo de dez anos o prazo decadencial para a constituição de

débitos de CFEM, nos termos do art. 47, I, da Lei nº 9.636/1998,

nada mais lógico do que ser este o prazo disponível ao minerador

para pleitear a restituição da CFEM recolhida indevidamente.

Corrobora a tese ora exposta o fato de que o STJ vem decidindo,

para o período anterior à Lei nº 9.393/1998, quando inexistia

prazo específico para a cobrança da CFEM, que deveria este ser de

cinco anos, nos termos do Decreto nº 20.910/1932, por ser este o

prazo de que dispunha o minerador para acionar o DNPM, havendo

simetria entre as duas relações jurídicas:

“Aos créditos não tributários de natureza pública, a prescrição

rege-se pela lei que os institui, cujo ausência de previsão

expressa quanto à questão prescricional impõe a aplicação

do prazo previsto no Decreto n. 20.910/32, incidindo o

princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria.” 22

Em reforço à argumentação acima, ressalta-se que, no regime

tributário, a própria Receita Federal reconhece haver equivalência

entre a relação jurídica pertinente à constituição do crédito tributário

e aquela relacionada à restituição ao contribuinte que pagou

indevidamente o tributo.

É o caso, por exemplo, do Parecer Normativo SRF nº 6, de 4

de agosto de 2014, no qual se analisou o termo inicial do prazo de

cinco anos para que o contribuinte, pessoa física, retificasse a sua

Declaração de Imposto de Renda e pleiteasse a restituição de valores

indevidamente retidos na fonte: se a partir da retenção, por configurar o

recolhimento indevido, ou se em 31 de dezembro, data do ajuste anual.

No caso, entendeu-se que, se a Receita Federal reconhece que

a contagem do prazo de decadência do seu direito de lançar o IRPF

tem início em 31 de dezembro, o mesmo tratamento deveria ser

conferido à retificação da declaração do contribuinte (salvo às hipóteses

de retenção exclusiva na fonte), possibilitando-lhe a restituição

do valor indevidamente retido, por serem situações equivalentes:

“Com efeito, como bem foi enfatizado no Parecer Cosit

nº 48, de 1999, considerando que a Fazenda Pública tem

22

Resp. 1315298/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA

TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 24/02/2014.

663


prazo fixado para proceder ao lançamento, o contribuinte

deve dispor de igual prazo para retificar a declaração de

rendimentos, por se tratar de situações equivalentes. ”

Sobretudo, o próprio DNPM tradicionalmente afere em suas

fiscalizações recolhimentos indevidos a título de CFEM e, de ofício,

compensa-os com débitos apurados nos períodos subsequentes

(ainda que sem a correção do crédito). Nesse sentido, caso não se

admitisse que o minerador possui o prazo de dez anos para pleitear

a restituição da CFEM recolhida indevidamente, ter-se-ia a situação

esdrúxula de o próprio DNPM poder compensar, de ofício, um

crédito do minerador, quando o prazo para o exercício do direito

à compensação já teria expirado.

Portanto, o entendimento jurídico mais adequado à hipótese

é no sentido de que o minerador possui, à semelhança do DNPM,

o prazo de dez anos para a restituição/compensação dos valores

indevidamente recolhidos a título de CFEM.

6. Conclusões

A natureza jurídica dos ajustes de preço está diretamente relacionada

à metodologia atual de negociação e venda de commodities

em bolsas de mercadorias e futuros. Logo, a natureza jurídica da

operação é a formação do próprio preço da mercadoria/commodity.

A Lei nº 7.990/1989 é clara ao definir que a CFEM deverá

incidir sobre o faturamento líquido da operação. Exigir do contribuinte

a CFEM sobre um faturamento não auferido afronta, dentre

outros, o princípio da legalidade e do não confisco.

Cumpre salientar que os ajustes negativos realizados se inserem

contabilmente como redutores da “receita total de vendas” e

possuem a mesma natureza dos “faturamentos complementares”. A

única diferença entre eles é a parte beneficiada.

Ou seja, os “abatimentos” nada mais são do que ajustes no

preço da operação de venda do minério, realizados após a circulação

da mercadoria, permitindo a escrituração contábil do real

faturamento bruto da operação. Trata-se de uma necessidade das

empresas que comercializam commodities, sujeitas à cotação no

mercado internacional.

Adicionalmente, importante frisar que o ajuste do preço não

se confunde com a variação cambial. Essa última, pouco ou nada

664


influencia na formação do preço da commodity. Contudo, à semelhança

da primeira, sobre essa também não deve incidir a CFEM,

tendo em vista se tratar de receita financeira e não receita pelo

aproveitamento econômico de minério.

Sem a pretensão de esgotar o tema, é clara a conclusão do

presente estudo pela inconstitucionalidade e pela ilegalidade da

incidência da CFEM sobre a variação negativa do preço das commodities

minerais, bem como sobre a receita financeira auferida devido

à variação cambial ativa.

Por fim, endentemos que o minerador pode se creditar ou

requerer a restituição a título de CFEM em relação às variações

negativas de preço, bem como em relação às variações cambiais

ocorridas nos últimos 10 anos, a despeito de homologação por parte

do DNPM e demais restrições indevidamente impostas por meio

da Portaria do Diretor-Geral nº 157/1999.

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666


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