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histórias<br />
O fim do mundo<br />
que conhecemos antes<br />
A<br />
bri os olhos com uma vinheta acinzentada<br />
a me provocar. A primeira imagem que vi.<br />
Em instantes já não estava dentro do carro e<br />
podia ver o tapete vermelho estendido em<br />
direção ao olho. Museu Oscar Niemeyer.<br />
Tem algo estranho. Algo diferente. Não sei ao certo o que<br />
é. Exposição: O fim do mundo que conhecemos antes. De<br />
arrepiar!<br />
A primeira seção compilava a história do telefone. A<br />
partir da geração 10 da Apple e de um audacioso Galaxy<br />
S10+. Tinha uma versão chamada Big Bang Galaxy - A<br />
Explicação da Origem do Mundo na Palma da Sua Mão<br />
S10.10.10++. Outro aparelho da Apple tinha só um código<br />
de barras minúsculo como uma agulha em palheiro em<br />
que quase não se enxergava os milhares de números<br />
entre 0 e 1. Espremi os olhos, mas só decifrei os primeiros<br />
zeros. Um negócio chato!<br />
Jurava que na Boca Maldita tinha um orelhão que<br />
funcionava com baratas fichas de metais baratos. Fiquei<br />
encasquetado com aquela cena. Teria inventado o T<br />
Grandão? Seria a minha mente brilhante a criadora do<br />
celular com flip? Ou teria sido o engenheiro mestre a<br />
desenvolver o clássico Ericsson dos anos 50?<br />
Segunda sala. Dois banquinhos de igual tamanho e<br />
cores diferentes. Dois objetos misteriosos.<br />
Pareciam fones de ouvido, mas<br />
não eram. Também não os apocalípticos<br />
fios de um eletroencefalograma,<br />
embora parecessem bastante. Um<br />
barulho ensurdecedor e no projetor<br />
que ilumina a parede cenas de duas<br />
pessoas sentadas naquela mesma sala.<br />
Luzes corriam em cabos que conectam<br />
seus capacetes. Uma conversa sem abrir<br />
a boca.<br />
Ah! Entendi!!! Estou em uma exposição<br />
do futuro. Aí entendi o que o<br />
Cazuza quis dizer com um museu de grandes novidades.<br />
Ou estou preso em um episódio dos Jetsons, só que sem<br />
a parte legal dos Jetsons. Ou estou tendo uma alucinação<br />
de tanto assistir Black Mirror. Sabia que depois da décima<br />
sétima vez era exagero!<br />
Corredor longo daqueles clássicos para fazer uma<br />
foto cult. Só que misturado com a menina da boneca do<br />
site Assustador.com. Saí correndo de medo e entrei na<br />
primeira porta. Tinham duas pessoas sentadas de frente<br />
uma para outra a uma distância de um metro. Um deles<br />
tinha uma máscara de cirurgião. Se olhavam fixamente até<br />
que um espirrou. As gotículas voando no ar e acertando a<br />
janela de vidro que os isolava. No letreiro: Coronavírus -<br />
testes. E eu tremia.<br />
Coloquei a mão no bolso à procura do celular. Não<br />
estava. Em nenhum dos quatro. Calças ou jaqueta. E a<br />
sensação de calor que imitava uma fogueira viva em meus<br />
pés. Sem mais nem menos, um solavanco. Um olhar com<br />
uma vinheta acinzentada nas bordas e um barulho de<br />
freio a ar. O vidro do biarticulado encharcado de saliva. O<br />
alívio de quem estava a sonhar.<br />
Foto: divulgação<br />
Por Henrique Rigo<br />
58<br />
OUTUBRO 2020<br />
revistavoi.com.br