Gestão Hospitalar N.º 22 2020
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Editorial | Eduardo Sá Ferreira
Assembleia da República | O impacto da pandemia na democracia
Pandemia nos Açores | A resposta da Região Autónoma dos Açores
Médicos Dentistas | Médicos dentistas com competências de gestão
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GH Assembleia da República<br />
O IMPACTO DA PANDEMIA<br />
NA DEMOCRACIA<br />
Maria Antónia de Almeida Santos<br />
Presidente da CP Saúde<br />
As pandemias, ao longo da história, têm<br />
tido inegavelmente um denominador<br />
comum: o facto de serem todas elas<br />
algo que surge de uma forma abrupta,<br />
pela perturbação inesperada que traz<br />
à vida em si mesma e pelas alterações a que obriga a<br />
nível dos comportamentos e das formas de estar quotidianas.<br />
A atual pandemia radicalizou, porém, esta noção<br />
de “abrupto”. A essa radicalização não pode ser alheia a<br />
assimetria, na corrente pandemia, na reação (em todas<br />
as valências da palavra) dos vários países, comunidades<br />
e agregados políticos que constituem o conjunto das nações<br />
do mundo.<br />
Chega a ser até paradoxal. Dada a facilidade comunicacional<br />
ao dispor de todos nós atualmente, como foi possível<br />
que o vírus entrasse em modo pandémico de forma<br />
tão rápida? Desde já, pela inabilidade e pela incapacidade<br />
de articulação institucional à escala global. Habituado às<br />
progressivas descobertas científicas e médicas e até a uma<br />
confiança amplamente alicerçada na conquista tecnológica,<br />
o mundo viu-se, de forma súbita, confrontado com<br />
algo potencialmente letal, mesmo tendo tido, na maioria<br />
dos casos (sobretudo no ocidente) antecipadamente notícia<br />
do mesmo. Hoje, para perceber a noção de “abrupto”<br />
aplicada à pandemia, é preciso acentuar-lhe não só a<br />
dimensão do “desconhecido” do ponto de vista científico<br />
e médico-terapêutico, mas também a de algo que foi desvalorizado<br />
por incapacidade de coordenação global. A<br />
facilidade da mobilidade global, a par da vulnerabilidade<br />
social, acabou por revelar-se o maior móbil inicial da transmissão<br />
do vírus.<br />
A produção de conhecimento acerca da pandemia tem<br />
sido abundante e transversal a todas as áreas. Esta é a<br />
pandemia em que a humanidade se encontra num estádio,<br />
mais do que nunca, propício à reflexão. Nessa<br />
mesma reflexão, há dois conceitos que se destacam: o<br />
de “crise” e o de “oportunidade”. Não como sinónimos<br />
ou como antónimos, ou sequer polos, mas mais como<br />
pontos sequenciais. O primeiro como ponto de partida,<br />
pela descrição que faz da situação e daquilo que lhe deu<br />
origem. O segundo, pelas propostas orientadas sobretudo<br />
para a mudança e para um ponto de chegada em que<br />
estaremos não só melhor, do ponto de vista da saúde<br />
e da vida, mas melhores enquanto civilização, enquanto<br />
seres humanos e enquanto sociedade democrática.<br />
O primeiro passo da ciência em relação ao vírus que enfrentamos<br />
foi a sua identificação e catalogação. Covid-19<br />
foi o nome atribuído pela Organização Mundial da Saúde<br />
à doença provocada pelo novo coronavírus SARS-<br />
-CoV-2, passível de causar uma infeção respiratória grave,<br />
como a pneumonia. Foi identificado pela primeira vez em<br />
humanos, no final de 2019. Muito mais haverá para dizer,<br />
do ponto de vista virológico, clínico, científico e não só.<br />
Mas gostaria de realçar a expressão “catástrofe natural”,<br />
que ouvi pela primeira vez aplicada à Covid-19, ao ex-<br />
-presidente da Federal Reserve norte-americana que liderou<br />
antes e depois da crise financeira de 2008, em declarações<br />
à CNBC, em março do corrente ano. Mais recentemente,<br />
também o virologista alemão Christian Drosten,<br />
cientista de referência e assessor do governo alemão para<br />
os temas da Covid-19, se socorreu da mesma expressão,<br />
numa entrevista para a Cimeira Mundial da Saúde (CMS).<br />
Considero a expressão particularmente bem-sucedida<br />
por mais do que um motivo. Primeiro, porque ao referirse<br />
a uma “catástrofe”, projeta a importância da resposta<br />
sistémica e da responsabilidade conjunta que lhe é inerente.<br />
Segundo, porque enfatiza o facto óbvio de os vírus<br />
existirem, de facto, na natureza e de serem, também eles,<br />
um circunstancialismo da própria vida. Em suma, anula a<br />
vontade de culpar que tem sido manifestada por muitos<br />
responsáveis políticos nesta questão.<br />
Mas não só. Entender a Covid-19 como uma catástrofe<br />
natural é também realçar o seu caráter de processo disruptivo<br />
entre o ambiente natural e o sistema social. Obviamente,<br />
não é o mesmo que as catástrofes naturais que<br />
há séculos assolam o planeta, como os sismos, a erupção<br />
de vulcões, furacões ou cheias. Um pouco à semelhança<br />
das alterações climáticas, sendo distinta de todas as<br />
primeiras, partilha com elas um denominador comum: o<br />
facto de verem a sua intensidade e frequência ampliadas<br />
pela intervenção humana. O conhecimento sobre o vírus<br />
e a sua origem que a comunidade científica tem até<br />
agora, corrobora este facto. No caso em concreto da Covid-19,<br />
essa intervenção humana deu-se na cadeia ambiental,<br />
com as decorrentes perturbações na cadeia alimentar<br />
e na qualidade da mesma.<br />
Há também outro facto pertinente (também ele com uma<br />
particularidade) ao reconhecimento do caráter de catástrofe<br />
natural da Covid-19. É certo que nesta pandemia<br />
(tal como em outras), a vulnerabilidade das diferentes<br />
sociedades depende do grau de desenvolvimento das<br />
mesmas, sobretudo a nível das respostas estruturais profiláticas<br />
e da terapêutica. Tivemos um ótimo exemplo<br />
disso a propósito da aquisição de materiais de proteção<br />
individual em contexto global. No entanto, a invulnerabilidade<br />
já não é uma certeza nos países desenvolvidos e<br />
caracterizados por elevada riqueza e elevada capacidade<br />
tecnológica e financeira.<br />
Não era possível tentar perceber os efeitos da pandemia<br />
sem esta breve introdução. Importante, também, é delinear<br />
minimamente o conceito de saúde a que se recorre<br />
e qual a relação do mesmo com a democracia. Não<br />
sendo a intenção deste artigo, de todo, uma definição<br />
conceptual, opto por realçar aquilo que nesta matéria a<br />
pandemia veio evidenciar. Logo à partida, enfatizou que o<br />
universo da saúde é bem mais do que a mera inexistência<br />
de uma doença. É o resultado de uma conjugação de<br />
fatores que condiciona o nosso bem-estar, em toda a sua<br />
integralidade. Tivemos uma perceção nítida disto mesmo,<br />
no confinamento e a propósito das perturbações que<br />
este trouxe a nível da economia e a nível familiar e psico-comportamental.<br />
Se maiores índices de pobreza, desigualdade,<br />
desemprego e desânimo geral vão originar estados<br />
de saúde da população que se vão revelar a curto<br />
ou médio prazo e que vão ser prejudiciais, as perspetivas<br />
de saúde pública não podem permanecer alheias a esse<br />
facto e têm de incorporar essa mesma realidade na delineação<br />
do conceito de saúde.<br />
Quando falamos da relação entre saúde e democracia,<br />
é impossível desvalorizar o conceito de sustentabilidade<br />
democrática. Quando falamos de sustentabilidade, pensamos<br />
em sustentabilidade económica, social ou ambiental<br />
e sempre do ponto de vista que implica a gestão de um<br />
ou mais recursos que temos por finitos. No entanto, raramente<br />
falamos na sustentabilidade democrática de uma<br />
determinada sociedade. Talvez isso se deva à dificuldade<br />
em mensurar aquilo que seria uma “sustentabilidade democrática”.<br />
Como fazê-lo, então?<br />
Uma das formas inequívocas de fazê-lo é observar a relação<br />
entre a democracia e a saúde pública. A história ensina-nos<br />
que é a democracia o regime que consagra o direito<br />
à saúde numa Constituição, o único que verdadeiramente<br />
a concretiza como fundamental, se pensarmos<br />
que sem saúde não se vive ou, vive-se mal. Temos como<br />
exemplo a criação do nosso Serviço Nacional de Saúde<br />
(SNS) ou até o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro,<br />
criado na década de oitenta do século passado, em pleno<br />
processo de redemocratização do Brasil. O nosso SNS<br />
permitiu-nos que os resultados em saúde em Portugal se<br />
comparem, em todos os índices, aos dos países mais desenvolvidos.<br />
É inegável a conclusão de que as instituições<br />
e as práticas democráticas influenciam o desenvolvimento<br />
humano em várias valências, incluindo o bem-estar e }<br />
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