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Gestão Hospitalar N.º 23 2020

Editorial #Os dias que correm Opinião Doenças societais associadas ao Covid-19 Pandemia na Madeira A resposta da RAM à pandemia de Covid-19 Voz do Cidadão Doente oncológico e Covid-19 Opinião A ética em tempo de pandemia Estudo APAH Aprender com a Covid-19: A visão dos gestores de saúde em Portugal Estudo APAH O impacto da Covid-19 na atividade hospitalar do SNS Estudo APAH Acesso a cuidados de saúde em tempos de pandemia Estudo APAH A participação pública nos hospitais do SNS Saúde Militar Covid-19: as lições que só recordaremos na próxima pandemia Opinião A pandemia antecipou a mudança tecnológica em décadas Espaço ENSP “Barómetro Covid-19 - Opinião social”: o que pensam os portugueses em tempo de Covid-19? Saúde Pública Comunicação em saúde em tempos de pandemia Desenhos Diário de uma pandemia Direito Biomédico Discussão jurídica em torno da utilização de nanotecnologia(s) no combate à Covid-19 Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence Prémio Healthcare Excellence: edição Covid-19 Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence Atuação preventiva em ERPI Gestão Prescrição: mais valor em saúde em Portugal Investigação O impacto da transformação digital e a liderança no futuro da saúde Publicação APAH Apresentação do livro “Um olhar sobre a evolução da gestão hospitalar em Portugalˮ de José Nogueira da Rocha Publicação APAH Value Based Health Care em Portugal Estudo APAH Acessibilidade ao medicamento hospitalar Iniciativa APAH | Prémio Coriolano Ferreira 2020 Desafios e contributos da especialização em administração hospitalar na esfera da pandemia Iniciativa APAH | Fórum do Medicamento Reflexão sobre o modelo de acesso ao medicamento hospitalar Iniciativa APAH | Bolsa Capital Humano A urgência mais urgente dos cuidados de saúde Academia Digital APAH Todos juntos, na construção de uma saúde de excelência!

Editorial #Os dias que correm
Opinião Doenças societais associadas ao Covid-19
Pandemia na Madeira A resposta da RAM à pandemia de Covid-19
Voz do Cidadão Doente oncológico e Covid-19
Opinião A ética em tempo de pandemia
Estudo APAH Aprender com a Covid-19: A visão dos gestores de saúde em Portugal
Estudo APAH O impacto da Covid-19 na atividade hospitalar do SNS
Estudo APAH Acesso a cuidados de saúde em tempos de pandemia
Estudo APAH A participação pública nos hospitais do SNS
Saúde Militar Covid-19: as lições que só recordaremos na próxima pandemia
Opinião A pandemia antecipou a mudança tecnológica em décadas
Espaço ENSP “Barómetro Covid-19 - Opinião social”: o que pensam os portugueses em tempo de Covid-19?
Saúde Pública Comunicação em saúde em tempos de pandemia
Desenhos Diário de uma pandemia
Direito Biomédico Discussão jurídica em torno da utilização de nanotecnologia(s) no combate à Covid-19
Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence Prémio Healthcare Excellence: edição Covid-19
Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence Atuação preventiva em ERPI
Gestão Prescrição: mais valor em saúde em Portugal
Investigação O impacto da transformação digital e a liderança no futuro da saúde
Publicação APAH Apresentação do livro “Um olhar sobre a evolução da gestão hospitalar em Portugalˮ de José Nogueira da Rocha
Publicação APAH Value Based Health Care em Portugal
Estudo APAH Acessibilidade ao medicamento hospitalar
Iniciativa APAH | Prémio Coriolano Ferreira 2020 Desafios e contributos da especialização em administração hospitalar na esfera da pandemia
Iniciativa APAH | Fórum do Medicamento Reflexão sobre o modelo de acesso ao medicamento hospitalar
Iniciativa APAH | Bolsa Capital Humano A urgência mais urgente dos cuidados de saúde
Academia Digital APAH Todos juntos, na construção de uma saúde de excelência!

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OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO <strong>2020</strong><br />

Edição Trimestral<br />

N<strong>º</strong> <strong>23</strong><br />

GESTÃO<br />

HOSPITALAR<br />

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA aSSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES<br />

“Uma caricatura dos dias que correm”, marcadores sobre papel. Expressão criativa no âmbito do projeto “Diário de Quarentena”,<br />

do Centro <strong>Hospitalar</strong> Psiquiátrico de Lisboa<br />

dias<br />

Os<br />

dias<br />

correm<br />

que


GH OPhghgh<br />

GH SUMÁRIO<br />

OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO <strong>2020</strong><br />

4<br />

Editorial<br />

#Os dias que correm<br />

GESTÃO<br />

HOSPITALAR<br />

PROPRIEDADE<br />

APAH - Associação Portuguesa<br />

de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es<br />

Parque de Saúde de Lisboa Edíficio, 11 - 1<strong>º</strong> Andar<br />

Avenida do Brasil, 53<br />

1749-002 Lisboa<br />

secretariado@apah.pt<br />

www.apah.pt<br />

DIRETOR<br />

Alexandre Lourenço<br />

DIRETORA-ADJUNTA<br />

Bárbara Sofia de Carvalho<br />

COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />

Catarina Baptista, Miguel Lopes<br />

COORDENAÇÃO TÉCNICA<br />

Alexandra Santos<br />

EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO<br />

Bleed - Sociedade Editorial e Organização<br />

de Eventos, Ltda<br />

Av. das Forças Armadas, 4 - 8B<br />

1600 - 082 Lisboa<br />

Tel.: 217 957 045<br />

info@bleed.pt<br />

www.bleed.pt<br />

PROJETO GRÁFICO<br />

Sara Henriques<br />

DISTRIBUIÇÃO<br />

Gratuita<br />

PERIODICIDADE<br />

Trimestral<br />

DEPÓSITO LEGAL N.<strong>º</strong><br />

16288/97<br />

ISSN N.<strong>º</strong><br />

0871- 0767<br />

TIRAGEM<br />

2.000 exemplares<br />

IMPRESSÃO<br />

Grafisol, Lda<br />

Rua das Maçarocas<br />

Abrunheira Business Center, 3<br />

2710-056 Sintra<br />

Esta revista foi escrita segundo as novas regras<br />

do Acordo Ortográfico<br />

Estatuto Editorial disponível em www.apah.pt<br />

6<br />

10<br />

14<br />

18<br />

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100<br />

Opinião<br />

Doenças societais associadas ao Covid-19<br />

Pandemia na Madeira<br />

A resposta da RAM à pandemia de Covid-19<br />

Voz do Cidadão<br />

Doente oncológico e Covid-19<br />

Opinião<br />

A ética em tempo de pandemia<br />

Estudo APAH<br />

Aprender com a Covid-19: A visão dos gestores de saúde em Portugal<br />

Estudo APAH<br />

O impacto da Covid-19 na atividade hospitalar do SNS<br />

Estudo APAH<br />

Acesso a cuidados de saúde em tempos de pandemia<br />

Estudo APAH<br />

A participação pública nos hospitais do SNS<br />

Saúde Militar<br />

Covid-19: as lições que só recordaremos na próxima pandemia<br />

Opinião<br />

A pandemia antecipou a mudança tecnológica em décadas<br />

Espaço ENSP<br />

“Barómetro Covid-19 - Opinião social”: o que pensam os portugueses em tempo<br />

de Covid-19?<br />

Saúde Pública<br />

Comunicação em saúde em tempos de pandemia<br />

Desenhos<br />

Diário de uma pandemia<br />

Direito Biomédico<br />

Discussão jurídica em torno da utilização de nanotecnologia(s) no combate<br />

à Covid-19<br />

Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence<br />

Prémio Healthcare Excellence: edição Covid-19<br />

Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence<br />

Atuação preventiva em ERPI<br />

<strong>Gestão</strong><br />

Prescrição: mais valor em saúde em Portugal<br />

Investigação<br />

O impacto da transformação digital e a liderança no futuro da saúde<br />

Publicação APAH<br />

Apresentação do livro “Um olhar sobre a evolução da gestão hospitalar em Portugalˮ<br />

de José Nogueira da Rocha<br />

Publicação APAH<br />

Value Based Health Care em Portugal<br />

Estudo APAH<br />

Acessibilidade ao medicamento hospitalar<br />

Iniciativa APAH | Prémio Coriolano Ferreira <strong>2020</strong><br />

Desafios e contributos da especialização em administração hospitalar na esfera<br />

da pandemia<br />

Iniciativa APAH | Fórum do Medicamento<br />

Reflexão sobre o modelo de acesso ao medicamento hospitalar<br />

Iniciativa APAH | Bolsa Capital Humano<br />

A urgência mais urgente dos cuidados de saúde<br />

Academia Digital APAH<br />

Todos juntos, na construção de uma saúde de excelência!<br />

3


GH editorial<br />

Alexandre Lourenço<br />

Presidente da APAH<br />

#Os dias que correm<br />

Esta edição da <strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong> chega<br />

no final de <strong>2020</strong>.<br />

A pandemia trouxe-nos demasiado sofrimento<br />

e solidão para tantos de nós.<br />

Não podemos deixar de evocar a memória<br />

de todos aqueles que nos deixaram durante este<br />

ano, devido à Covid-19 ou não. Os efeitos da pandemia<br />

exigiram muito, dos doentes, dos familiares e dos<br />

amigos. Não podemos deixar de destacar aqueles que<br />

deram o melhor de si, neste momento tão difícil. Particularmente<br />

aqueles que cuidam dos doentes e dos<br />

mais frágeis.<br />

O prémio Healthcare Excellence foi este ano atribuído<br />

ao projeto de atuação preventiva em lares do ACES<br />

Douro Sul. A não perder a descrição em nome próprio<br />

deste importante projeto.<br />

A excelência da opinião chega-nos, entre outros, pelas<br />

penas de António Correia de Campos - “Doenças<br />

societais associadas ao Covid-19”, Paula Martinho da<br />

Silva - “A ética em tempos de pandemia”, Victor Rodrigues<br />

- “Doente oncológico e a Covid-19”, e Carlos<br />

Penha Gonçalves - “Covid-19: as lições que só recordaremos<br />

no pós-pandemia”. Dora Melo, distinguida<br />

com o Prémio Coriolano Ferreira <strong>2020</strong>, elabora sobre<br />

os desafios e contributos da especialização em administração<br />

hospitalar na esfera da pandemia.<br />

Nesta GH publicamos resumos de cinco estudos promovidos<br />

pela APAH este ano: 1) Aprender com a<br />

Covid-19: A visão dos gestores de saúde em Portugal;<br />

2) O impacto da Covid-19 na atividade hospitalar do<br />

SNS; 3) Acesso a cuidados de saúde em tempos de<br />

pandemia, estudo de opinião; 4) A participação pública<br />

nos hospitais do SNS; 5) Acessibilidade ao medicamento<br />

hospitalar. O grupo de trabalho da <strong>Gestão</strong> da<br />

Informação em Saúde, coordenado por Teresa Magalhães,<br />

publica “O impacto da transformação digital e<br />

a liderança no futuro da saúde”. O espaço ENSP traz<br />

os dados do “Barómetro Covid-19 - Opinião social: o<br />

que pensam os portugueses em tempo de Covid-19?”.<br />

Para além dos estudos, sugerimos dois novos livros<br />

APAH lançados este trimestre: “Um olhar sobre a<br />

evolução da gestão hospitalar em Portugal” de José<br />

Nogueira da Rocha e “Value Based Health Care em<br />

Portugal” de Francisco Rocha Gonçalves.<br />

Para 2021, lançamos a Bolsa Capital Humano em Saúde<br />

e o convite para frequentarem os cursos da Academia<br />

APAH Digital.<br />

Um ano difícil fica para trás, o Natal de <strong>2020</strong> será<br />

claramente diferente de tudo o que vivenciámos até<br />

agora. Contudo, a pureza do Natal mantém-se. Este é<br />

um período de reflexão, esperança e de renascimento.<br />

Neste sentido, o Natal não muda em nada.<br />

Os crentes podem orar para que tudo melhore. Os<br />

não crentes também. Talvez se justifique a esperança<br />

de que, com base neste ano, possamos ser sagrados<br />

entre nós para que o homem não seja o lobo de si<br />

mesmo. A pandemia não é o único desafio. A exclusão,<br />

a pobreza, as barreiras à saúde, a guerra e as alterações<br />

climáticas não vão desaparecer.<br />

Numa mensagem de Natal, um colega alemão dizia-<br />

-me que em vez de nos focarmos nas coisas más, será<br />

importante fazer as coisas um pouco melhor a cada<br />

dia. É isso que procuramos a cada dia nesta ideia que<br />

é a Associação Portuguesa de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es.<br />

É esse pensamento que transporta a equipa<br />

que produz a excelência de conteúdos desta GH.<br />

Em nome desta equipa: um Feliz Natal e um Ótimo<br />

2021. Ã<br />

4


GH OPINIÃO<br />

DOENÇAS SOCIETAIS<br />

ASSOCIADAS AO COVID 19<br />

António Correia de Campos<br />

Sócio Honorário APAH<br />

Numa situação tão complexa como é a<br />

desta pandemia é natural que a doença<br />

principal arraste outras morbilidades, de<br />

natureza societal. Identificámos algumas,<br />

propomos métodos para a sua prevenção<br />

e tratamento:<br />

Ignorância, inconsciência, medo e revolta<br />

Boa parte dos portugueses tem percorrido em oito meses<br />

estes quatro caminhos. No início todos desconhecíamos<br />

a doença, mesmo a DGS, o CDC, o ECDC e a OMS.<br />

Informação científica escassa, não contestada por pares,<br />

tergiversante e até contraditória. Seguiu-se a inconsciência,<br />

a doença só acontecia aos outros e parecia facilmente<br />

abatível, a fazer fé nas curvas da primeira vaga. Aos poucos<br />

chegou o medo, em outubro. Começámos a registar<br />

conhecidos, amigos e familiares entre os doentes. Depois<br />

chegou a revolta, não contra a doença, o que poderia mobilizar<br />

comportamentos, mas contra as medidas sociais<br />

desagradáveis e economicamente deletérias. O próximo<br />

passo será a fase da negação, como acontece nas doenças<br />

fatais.<br />

Subir ao Céu mediático para descer ao Inferno opinativo<br />

Eis o que está a acontecer a Graça Freitas ou a qualquer<br />

outra pessoa diariamente exposta. Cansámo-nos dela, dos<br />

números e das conferências. Tudo cansa, sobretudo cansa<br />

mais depressa o que rapidamente sobe na apreciação<br />

popular. Admiramos a sua resiliência, tal como a de Marta<br />

Temido. Surgem spin doctors a recomendar outros rostos.<br />

Chegámos ao ponto em que mil casos ou quinze mortos<br />

a mais ou a menos em cada dia, quase nos deixam insensíveis.<br />

No Reino Unido e em outros países terminaram as<br />

conferências, agora só há números secos. Se tal exemplo<br />

seguisse o Governo seria imediatamente acusado de sonegar<br />

informação. Lembremo-nos das cobras e lagartos<br />

que choveram há semanas sobre os semáforos de risco.<br />

Basta ver como reagiram alguns concelhos à sua inclusão<br />

num lote alargado de risco, cada um tendo bons argumentos<br />

para se julgar maltratado pela inclusão e estigma.<br />

Proliferação de cientistas:<br />

Epidemiologistas, matemáticos, estatistas, virologistas, infeciologistas,<br />

psicossociólogos, especialistas de comunicação<br />

de crise. Do nada surgem dezenas de cérebros privilegiados,<br />

ditosa Pátria que tantos e tão bons filhos tem!<br />

E quando pensávamos sofrer de um tremendo défice de<br />

médicos de saúde pública, eis que eles surgem ao Norte,<br />

ao Centro, ao Sul, apenas faltando os tão necessários para<br />

inquéritos e seguimento dos infetados e confinados, a<br />

ponto de se terem que mobilizar profissões próximas,<br />

alunos finalistas e suspeitos confinados. Noticiaristas e<br />

fundistas, oráculos das redes sociais, comentadores políticos<br />

pseudo-independentes são agora professores de epidemiologia<br />

e administração de saúde nacional e internacional.<br />

Esta overdose, mais opinativa que analítica, começa<br />

a cansar. E ainda se queixam de estarem fartos da Dr.ª<br />

Graça Freitas!<br />

Reducionismo fenomenológico<br />

A novidade da epidemia, apesar da sua repetição em ciclos<br />

longos, desconcerta-nos. Pensámos que o problema<br />

estaria resolvido em junho e afinal não estava; esperávamos<br />

a segunda vaga em Janeiro e ela surgiu em setembro;<br />

admitíamos que países que cuidam bem de toda a<br />

gente, com toda a tecnologia disponível, bem organizados<br />

e bem providos de pessoal bem pago como o Reino<br />

Unido, Alemanha, França, Áustria e até a Suécia estariam<br />

ao abrigo da rudeza de uma segunda vaga e afinal estavam<br />

tão desprotegidos como nós, mais indisciplinados no<br />

confinamento, menos preocupados com os mais idosos<br />

e afinal ultrapassam-nos em indicadores negativos. Continuamos<br />

a não compreender a doença e sobretudo a co-<br />

munidade onde ela grassa. Pensávamos que reacendia só<br />

nos pobres e afinal propaga-se como pólvora nas famílias<br />

da classe média alta; admitíamos que só morriam os mais<br />

velhos e afinal houve mortes de jovens adultos e de cidadãos<br />

em idade ativa; receávamos a propagação rápida nas<br />

escolas e afinal o contágio faz-se pela cerveja na rua. A realidade<br />

perturba-nos, não conseguimos extrair-lhe todas<br />

as regras, tornou-se impossível reduzi-la aos nossos modelos<br />

e arrumá-la na estante.<br />

Rolar de cabeças como terapêutica<br />

Pensávamos que a gestão da pandemia era para homens<br />

de barba rija e afinal o protagonismo foge para mulheres.<br />

Temos comentadores a pedirem semanalmente a cabeça<br />

da Ministra da Saúde e ela resiste incólume; os mercadibilistas<br />

a exigirem mercado, sem realmente o oferecerem<br />

e este a fugir-lhes para o público; os privados a clamarem<br />

pelo banquete e afinal a comida é-lhes distribuída com<br />

parcimónia; as cassandras a anunciarem que para a semana<br />

será a rutura das UCI e pessoal e material teimando<br />

em resistir; ordens profissionais, os liberais e os operadores<br />

privados a banirem a palavra “serviço”, trocando-a<br />

por “sistema” e os resistentes, entre eles o Governo, a in-<br />

sistirem na designação constitucional e legal de Serviço Nacional<br />

de Saúde. Em vez de se unir, o País tende a dividir-se,<br />

tal como o uso da máscara nos EUA distingue os democratas<br />

dos republicanos. O País está agora mais áspero.<br />

Ignorância da história como alibi<br />

O homem contemporâneo tende a pensar que controla a<br />

história, e que as pandemias do passado eram dramáticas,<br />

por ignorância do mecanismo biológico e por escassez<br />

de tecnologia. Puro engano. As pandemias continuam a<br />

ter mais que uma vaga; já não é só o rei e a corte que mudam<br />

de terra ou se confinam, são agora quase todos os<br />

portugueses, com e sem casa, mas sempre com família e<br />

amigos que aprenderam a defender-se, embora reproduzindo<br />

na qualidade da defesa os desníveis sociais que<br />

determinam a sua saúde. Ninguém está a salvo da infeção<br />

hoje, como não estava há 100 ou há 400 anos.<br />

O horror ao vazio da política<br />

Se a oposição tende a colaborar, os gerifaltes tendem a<br />

surgir. Se o opositor adota postura responsável, saltam<br />

as ordens profissionais, os comentadores dos gráficos, os<br />

professores de pacotilha, os críticos do processo que não<br />

do fim, os céticos da imagem clamando por novos mode- }<br />

6 7


GH OPINIÃO<br />

“<br />

PODERÁ O GOVERNO QUEIXAR-SE<br />

DE FALTA DE APOIO POLÍTICO,<br />

AO LONGO DA CRISE?<br />

NÃO PARECE. SEMPRE TEVE O PR<br />

QUASE A SEU LADO OU MESMO<br />

À SUA FRENTE, OFERECENDO<br />

O PEITO ÀS BALAS. SEMPRE TEVE<br />

UMA OPOSIÇÃO COOPERANTE<br />

E CONSTRUTIVA QUE MUITOS<br />

CONSIDERAM DÓCIL DE MAIS.<br />

”<br />

los comunicacionais, apontando inconsistências, contradições<br />

e até erros. O comentário mais comum hoje é a crítica<br />

à suposta falta de planeamento da segunda vaga. Como<br />

se fosse possível planear o imprevisto, o quotidiano<br />

mutante, disciplinar o vírus a atuar apenas nos dias ímpares,<br />

ou fazer surgir da noite para o dia profissionais cuja<br />

gestação exige dez anos. Em circunstâncias normais os<br />

políticos lideram as opiniões, agora são as opiniões, avulsas<br />

e erráticas, que pretendem liderar os políticos.<br />

A deriva ideológica<br />

Durante décadas assistiu-se à deriva do Estado para o<br />

mercado. Os liberais venceram a primeira batalha, convencendo<br />

o centro político de que as leis de mercado,<br />

a sua mão invisível, seriam mais eficazes que mil normativos.<br />

O resultado foi a financeirização da economia, a<br />

concentração absurda da riqueza, o aumento brutal das<br />

desigualdades, a fragilização do contrato social e da paz<br />

entre nações. O setor privado na saúde teve entre nós<br />

terreno livre para avançar. Cada avanço de 100 camas<br />

hospitalares privadas retira quarenta médicos e cento e<br />

cinquenta enfermeiros ao SNS, impossibilitado de competir<br />

em salários, amenidades e conforto. Durante oito<br />

meses o privado descartou doentes suspeitos de contágio,<br />

fechou serviços, beneficiou do lay-off. Depois, sentindo<br />

o apelo do mercado, saiu do seu quartel de inverno<br />

e tenta avançar as suas tropas pelo planalto central. Estão<br />

disponíveis, pois então! Talvez nem sempre na realidade,<br />

mas na retórica não há reservas. E da reserva se passa<br />

facilmente à queixa e da queixa ao ataque.<br />

Mas afinal que saídas temos em frente de nós? Como gerir<br />

a atual incerteza, como vencer a crise? O que nos falta<br />

para termos mais sucesso?<br />

Será que nos faltam recursos, nomeadamente financeiros?<br />

Sempre faltaram, ao longo da história, mas desta vez<br />

não há razão de queixa. Claro que temos escassos recursos<br />

nossos, mas a ocasião permite endividamento e até<br />

garante doações. Não será daí que virá o nosso capital<br />

de queixa.<br />

Teremos falta de organização? Sim. Somos proverbialmente<br />

desorganizados, bons improvisadores, mas em<br />

matéria de saúde pública até não nos podemos queixar.<br />

Uma grande reforma, há quase 50 anos elevou a nossa<br />

saúde pública ao patamar das melhores. E também não<br />

nos queixamos de inconsistência regional. A centralização<br />

quase feroz do nosso sistema de autoridade sanitária, não<br />

consente derivas regionais, municipais ou locais. Comando<br />

e controlo foram sempre a regra. Vantagens perversas<br />

de não termos ainda regionalizado a nossa administração.<br />

Sofreremos de falta de planeamento? Sim todos sabemos<br />

que sofremos, mas aqui a nossa preguiça planeadora foi<br />

irrelevante. Em três meses pode-se redigir um plano, mas<br />

leva-se três anos ou mais a executá-lo. Caem no vazio<br />

as acusações de falta de plano entre ondas pandémicas.<br />

Impossível materialmente planear bem, quando todos os<br />

dias a mente está concentrada em apagar fogos. Necessitávamos<br />

de supermulheres ou superhomens nessa fase e<br />

apenas temos pessoas comuns.<br />

Poderá o Governo queixar-se de falta de apoio político,<br />

ao longo da crise? Não parece. Sempre teve o PR quase<br />

a seu lado ou mesmo à sua frente, oferecendo o peito às<br />

balas. Sempre teve uma oposição cooperante e construtiva<br />

que muitos consideram dócil de mais. Tem certamente<br />

agora contra si uma onda de media e comentadores.<br />

Mas não consta que possam governar pelos jornais ou<br />

pelo écran de plasma.<br />

O que falta então?<br />

Faltam recursos humanos em profissões corporativamente<br />

capturadas, durante décadas, pelo controlo malthusiano<br />

de efetivos, predados pela medicina privada, desencorajados<br />

por baixos salários públicos e atraídos à emigração<br />

por retribuições decentes, oferecidas pela confortável<br />

Europa. E recursos desses levam cinco a dez anos a sentir<br />

os efeitos das políticas públicas. Temos escassos 300 médicos<br />

de SP numa especialidade envelhecida e desprestigiada.<br />

Só agora elevada, por excesso, aos píncaros da respeitabilidade.<br />

Faltou energia no passado para desbaratar<br />

o atavismo natural que dificulta a delegação de competências,<br />

a oposição quase violenta da Ordem dos Médicos<br />

a alterações do skill mix, a crónica tolerância ao pluriemprego,<br />

e a coragem para tratar como diferente a dife-<br />

rente exigência de empenho laboral das profissões de<br />

saúde. Perdeu-se mais uma oportunidade.<br />

Falta insuflar energia às tropas. Comandantes cansados e<br />

polarizados na informação que julgam a pedra filosofal da<br />

sua sobrevivência, generais com baixa moral apesar de<br />

respeitados, quadros médios esquecidos e executantes<br />

remunerados com palmas e loas, carecem de influxos de<br />

energia. Substituí-los será erro ainda maior, é forçoso criar<br />

espírito de corpo, afago de camisola para penetrar o ego,<br />

passar do simbólico ao efetivo.<br />

Falta autonomia de decisão nos níveis intermédios do sistema,<br />

autoridade para negociar e intercambiar recursos,<br />

capacidade para contratar apoio externo em momentos<br />

mais críticos, margem de manobra que não termine em<br />

responsabilidade disciplinar e civil por desrespeito de normas<br />

desenhadas para tempos normais e não para a guerra<br />

atual.<br />

Falta uma mais profunda ligação entre a Saúde e a Segurança<br />

Social: derrubar os silos existentes, cruzar e fertilizar<br />

culturas administrativas diferentes, por vezes rivais; reconhecer<br />

que há apenas um governo e não dois, uma só<br />

administração, um só orçamento, uma só função pública<br />

e, na base de tudo, uma só e única cidadania.<br />

Falta disciplina aos cidadãos? Não creio. Quando toca a<br />

rebate todos superamos com generosidade os nossos<br />

pequenos escrínios de egoísmo. Como fizemos na primeira<br />

onda e iremos fazer na segunda. A disciplina aprende-se<br />

na tropa, tem que ser consentida e não imposta.<br />

Consentimento implica informação, sem ela há apenas<br />

subserviência. Boa informação, não excessiva nem repetitiva,<br />

exige comunicação de alta qualidade. Os tempos que<br />

correm são exigentes. Não basta debitar números, fazer<br />

pregações, muito menos lições de moral. Mensagem sóbria,<br />

sem paternalismo nem maternalismo, menos frequente<br />

na presença física e mais rica na exposição oficiosa.<br />

E quando a curva se voltar a achatar, ter a humildade de<br />

admitir que ela pode de novo subir, afastando alívios prematuros<br />

e apressados regressos ao normal.<br />

Sei que tudo o que descrevo é muito e muito difícil. Esse<br />

é o nosso desafio. Ã<br />

8


GH pandemia na madeira<br />

A RESPOSTA DA RAM<br />

À PANDEMIA DE COVID 19<br />

Pedro Ramos<br />

Secretário Regional da Saúde e Proteção Civil<br />

do Governo Regional da Madeira<br />

Com muito prazer escrevo este artigo para<br />

a Revista <strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong>, procurando<br />

contribuir para o contínuo desenvolvimento<br />

da gestão de serviços de saúde<br />

em Portugal, foco desta revista e da Associação<br />

Portuguesa de Administração <strong>Hospitalar</strong> desde<br />

há 37 anos, agora num contexto de pandemia, vivenciado<br />

desde 2019.<br />

Vou procurar caraterizar a forma como a resposta à<br />

pandemia de Covid-19 foi pensada, preparada, organizada,<br />

debatida e implementada numa região que, por<br />

ser insular, tem particularidades próprias (que na nossa<br />

perspetiva ajudaram a controlar a pandemia da Covid-19<br />

na primeira onda e, posteriormente, na segunda)<br />

(Gráfico 1), mas também que se antecipou no desenvolvimento,<br />

desde janeiro de <strong>2020</strong>, de uma estrutura de<br />

comando, coordenação e controlo, envolvendo a saúde<br />

e a proteção civil, articulando com todas as entidades<br />

públicas e privadas, e na definição de uma estratégia de<br />

atuação alinhada com o Plano Regional de Emergência<br />

de Proteção Civil da Madeira (PREPCRAM).<br />

Na RAM, a pandemia não foi negligenciada, o que terá<br />

feito a diferença. Fomos pioneiros em muitas das medidas<br />

que adiante falaremos, cujo impacto foi potenciado<br />

pela priorização da prevenção e proteção da saúde pública,<br />

pela proatividade e antecipação.<br />

Seguimos atentamente a evolução da pandemia e as medidas<br />

adotadas no mundo, na Europa e no país. Estivemos<br />

particularmente atentos à forma como os países<br />

Asiáticos controlavam a sua evolução, com medidas<br />

preventivas no contexto comunitário.<br />

Em situações de catástrofe, a metodologia a adotar deverá<br />

ser diferenciada, porque as situações excecionais<br />

obrigam a medidas excecionais, sempre que a vida das<br />

pessoas esteja em jogo. Importa sempre preservar o direito<br />

à vida e não se pode falar em perda de direitos,<br />

liberdades e garantias nestas circunstâncias. Isto aplica-se<br />

a esta situação de exceção, que levou inclusive à declaração<br />

do Estado de Alerta na RAM (a 12 de março de<br />

<strong>2020</strong>), ao acompanhamento dos sucessivos Estados de<br />

Emergência decretados no país e à manutenção do Estado<br />

de Calamidade.<br />

A Madeira seguiu a metodologia de resposta à catástrofe<br />

MRMI - Medical Response to Major Incidents, da qual<br />

tem sido dinamizadora desde 2010, em todo o país, tendo<br />

já realizado 20 cursos e formado mais de 1.500 profissionais<br />

de áreas estratégicas e operacionais (da área<br />

Médica, de Enfermagem, da Proteção Civil, PSP, GNR, das<br />

Forças Militares, gestores, psicólogos, assistentes operacionais,<br />

técnicos de medicina legal, entre outros). O modelo<br />

MRMI tem sido eficaz e eficiente na organização da<br />

resposta a outros acidentes que assolaram a RAM nos<br />

últimos 10 anos, como foram as inundações, os incêndios,<br />

a queda de uma árvore e a queda de um autocarro.<br />

Esta calamidade tem, contudo, particularidades: pode<br />

atingir os responsáveis pela resposta (os profissionais de<br />

saúde e proteção civil) e, mais do que noutras situações,<br />

os outcomes dependem da responsabilidade do cidadão.<br />

Assim, priorizou-se a proteção destes profissionais, bem<br />

como, o informar, educar e alertar a população para a<br />

responsabilidade cívica. O sucesso é coletivo e, para tal,<br />

contribui cada cidadão com o seu comportamento.<br />

Todos temos de ter consciência da calamidade que vivemos<br />

e, passado quase um ano, surpreendem declarações<br />

de resistência a medidas que têm como objetivo<br />

proteger a população e permitir a recuperação da economia,<br />

como é o exemplo do uso das máscaras.<br />

As decisões tomadas têm um fundamento sanitário, e<br />

não político, como muitos querem fazer pensar. Esta<br />

ideia tem constituído um obstáculo na liderança da resposta<br />

à pandemia e implementação da estratégia de defesa<br />

da Saúde Pública.<br />

A Madeira iniciou a preparação da sua resposta em dezembro<br />

de 2019, acompanhando a evolução da pneumonia<br />

identificada em Wuhan, seguindo as orientações<br />

emanadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS),<br />

Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças<br />

e, posteriormente, Direção Geral da Saúde (DGS).<br />

Foi criada uma Linha de Emergência - SRS24 Madeira,<br />

ativa a partir de 27 de janeiro, e apresentado o Plano Regional<br />

de Resposta a Infeções Emergentes: 2019-nCoV,<br />

a 3 de fevereiro. Deste plano consta a definição estratégica<br />

e a articulação prevista entre as várias entidades<br />

com ação neste domínio (públicas, privadas, militares, de<br />

segurança e outras), em alinhamento com o PREPCRAM.<br />

Durante o mês de fevereiro, formaram-se os profissionais<br />

envolvidos e a Administração Pública da RAM para a<br />

conceção de planos de contingência, reorganizando, em<br />

simultâneo, o Serviço Regional de Saúde (SRS), ao nível<br />

dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) e dos Cuidados<br />

<strong>Hospitalar</strong>es (CH).<br />

Foi criada uma comissão dedicada à Covid, que se encarregou<br />

da elaboração do plano de resposta das unidades<br />

de saúde. Foram encerradas urgências ao nível dos<br />

CSP e aumentada a resposta nos CH, criando zonas de<br />

triagem e triagem avançada, de modo a filtrar os casos<br />

suspeitos à entrada.<br />

A 12 de março, foi declarado o Estado de Alerta na RAM,<br />

um dia antes da declaração de pandemia pela OMS e,<br />

seguidamente, foram introduzidos na RAM o controlo<br />

de temperatura e inquérito epidemiológico nas portas<br />

de entradas. Posteriormente, ainda em março de <strong>2020</strong>,<br />

foram encerrados portos e marinas e condicionado o trânsito<br />

nos aeroportos, com redução dos voos semanais.<br />

Protegeram-se os grupos vulneráveis e os profissionais,<br />

encerrando escolas, restringindo visitas e saídas dos lares<br />

e ainda impedindo a mobilidade dos profissionais de saúde<br />

entre o sistema público, convencionado, privado e social.<br />

Na fase inicial, a resposta foi articulada com as forças militares,<br />

contando com a colaboração do Comando Operacional<br />

e da Zona Militar da Madeira, para o transporte<br />

de material e para a criação de tendas de triagem no Hospital<br />

Dr. Nélio Mendonça.<br />

Foi criada uma Unidade de Emergências em Saúde Pública,<br />

coordenada pelo único médico de Saúde Pública<br />

da RAM, contando com a colaboração de mais 40 profissionais<br />

da área da Medicina Geral e Familiar, Enfermeiros<br />

e Internos de Formação Geral e Específica, que colaboram<br />

no tracing e tracking e na gestão dos casos suspeitos<br />

e confirmados.<br />

Privilegiou-se o digital para a comunicação no SRS - a telessaúde,<br />

teleconsulta, teleentrevista, telemedicina, webinars,<br />

linhas telefónicas de apoio para o cidadão em geral,<br />

para o idoso, para a criança, para a grávida, na área da<br />

oncologia, da psicologia, da nutrição, e apoio à gestão<br />

da medicação. Procurou-se chegar a todos, de forma<br />

diferenciada, mantendo a ligação com os serviços de<br />

saúde. Fomos ao encontro dos utentes, usando as novas<br />

tecnologias.<br />

Criámos plataformas regionais de registo e gestão de dados,<br />

como a aplicação MadeiraSafe desenvolvida para vigilância<br />

epidemiológica e monitorização de viajantes e }<br />

10 11


GH pandemia na madeira<br />

Gráfico 1: Taxa de incidência de Covid-19 por /100000hab, por Semana (S10-S47), em Portugal e na RAM.<br />

Gráfico 2: Distribuição do número de testes de PCR de Covid-19 efetuados na RAM por Semana (S9-S47).<br />

ainda a S-Alerta, dedicada à gestão dos casos positivos<br />

pelas autoridades de saúde.<br />

Introduzimos o uso de máscaras na comunidade em abril<br />

de <strong>2020</strong>. Fomos pioneiros no país, seguindo o exemplo<br />

dos países Asiáticos e de alguns países Europeus que, mais<br />

recentemente, a recomendaram nos espaços fechados,<br />

a fim de conferir maior proteção à população, a par do<br />

distanciamento social, da etiqueta respiratória e da higienização<br />

das mãos. Julgamos ter sido esta uma medida relevante<br />

para a contenção da propagação do vírus, nesta<br />

fase inicial.<br />

Com estas medidas, chegámos a 1 de julho com 92 casos<br />

confirmados e apenas dois ativos, razão pela qual entendemos<br />

proceder gradualmente ao desconfinamento,<br />

como forma de proteger a população e recomeçar as<br />

atividades essenciais na recuperação da economia, muito<br />

afetada pelo confinamento.<br />

Desconfinámos, porque tínhamos condições para cumprir<br />

com as recomendações da OMS: um SRS robusto,<br />

com capacidade de testagem e tratamento e ainda poucos<br />

casos de doença.<br />

Como nos preparámos para a segunda onda?<br />

Com a mesma determinação e dedicação com que enfrentamos<br />

a primeira onda, com antecipação, proatividade<br />

e com uma articulação multissectorial efetiva.<br />

Abrimos as fronteiras gradualmente. Reivindicámos que<br />

os viajantes fizessem teste na origem, no entanto, tal<br />

não foi considerado pelas entidades reguladoras. Em alternativa,<br />

criámos um centro de rastreio nos aeroportos<br />

do Funchal e de Porto Santo, garantindo toda a logística<br />

para avaliação dos viajantes e recolha de amostras para<br />

teste de PCR, à chegada. Em complemento, contratualizámos<br />

laboratórios em Portugal continental (cerca de<br />

33), para testagem dos viajantes nestas origens. Trata-se<br />

de um investimento estimado em 20 milhões de euros<br />

(até ao final de dezembro).<br />

Retomaram-se as atividades comerciais, de forma faseada,<br />

entre abril e maio, com a exigência de planos de<br />

contingência. Retomámos também a atividade da saúde,<br />

com a imposição de testes antecedendo todos os<br />

procedimentos invasivos (cirúrgicos, imagiológicos, obstétricos,<br />

oncológicos, nefrológicos) e internamentos em<br />

unidades de saúde, casas de saúde mental e área social.<br />

Estabeleceu-se uma nova estratégia de testagem, dada a<br />

capacidade instalada para a realização de testes de PCR<br />

(Gráfico 2).<br />

Após a primeira fase, em que se testavam os casos suspeitos<br />

apenas e, posteriormente, os contactos de alto<br />

risco, criámos vários “momentos zero”, para caraterizar<br />

as áreas da saúde, educação, proteção civil, centros de<br />

acolhimento, estruturas residenciais para pessoas idosas,<br />

equipas de apoio domiciliar e reclusos.<br />

À data, os resultados dos testes foram todos negativos.<br />

Preparou-se a resposta à Covid-19 e à gripe, através da<br />

definição do Plano para o Outono-Inverno, com a antecipação<br />

da vacinação contra a gripe, alargamento da mesma<br />

a novos grupos prioritários e reforço da capacidade das<br />

unidades de saúde em internamento e cuidados intensivos.<br />

Reorganizámos novamente o SRS, ao nível dos CSP e<br />

CH, com a criação de circuitos para doentes respiratórios<br />

e não respiratórios, Covid e Não-Covid, e outros.<br />

Implementámos medidas mais restritivas ao nível da comunidade,<br />

com a obrigatoriedade do uso de máscara<br />

em todos os espaços públicos e, ao nível das escolas,<br />

abrangendo as crianças a partir dos 6 anos.<br />

A testagem foi também reforçada e, nas áreas da saúde,<br />

social, proteção civil e educação, introduziram-se testes<br />

à chegada e repetição entre o 5<strong>º</strong> e o 7<strong>º</strong> dia, após a realização<br />

de viagens para fora da RAM.<br />

Em articulação com os hoteleiros, garantiu-se o alojamento<br />

para os casos positivos, quando não-residentes<br />

ou residentes, que não têm condições para o adequado<br />

isolamento no domicílio familiar.<br />

Continuámos a formação e a preparação dos nossos<br />

profissionais para a resposta a pandemia, na perspetiva<br />

dinâmica que a mesma impõe.<br />

Adotámos as novas recomendações da DGS para o diagnóstico<br />

e para a testagem, com a adoção dos testes rápidos<br />

de antigénio, em especial na investigação de surtos.<br />

E, entretanto, a pandemia continua, com mais casos, mais<br />

internamentos, mais doentes nos cuidados intensivos e,<br />

infelizmente, mais óbitos.<br />

Temos de continuar a priorizar as medidas preventivas<br />

e temos de as cumprir escrupulosamente, sob pena<br />

de sermos responsáveis pela perpetuação da pandemia,<br />

com maior morbilidade e mortalidade. Temos de<br />

ser agentes de saúde pública, de continuar a nos proteger,<br />

para podermos proteger os outros, principalmente<br />

os mais vulneráveis.<br />

Que aprendemos?<br />

Ao fim de 10 meses, muito! E continuamos a aprender,<br />

pois este vírus é pouco previsível, na sua contagiosidade,<br />

como no seu impacto a médio e longo prazo.<br />

Muitas exigências e possibilidades são evidentes:<br />

• É preciso liderança efetiva;<br />

• É possível reorganizar a resposta do sistema de saúde;<br />

• É necessário proteger os profissionais e os mais vulneráveis;<br />

• É necessário ter equipamentos de proteção individual<br />

que permitam a segurança nos cuidados;<br />

• É necessário dar formação a todos e estabelecer planos<br />

de contingência;<br />

• É possível dinamizar a atividade assistencial, com precaução<br />

acrescida e proteção dos profissionais e utentes;<br />

• É necessário comunicar com recurso a novas tecnologias<br />

de informação e comunicação;<br />

• É necessário ter linhas de comunicação direta para os<br />

utentes;<br />

• É necessário reforçar a capacidade de resposta dos sistemas<br />

de saúde, em internamento e cuidados intensivos;<br />

• É necessário ter capacidade de testagem, de tracing,<br />

tracking e isolamento seguro dos doentes e contactos;<br />

• É necessário preparar atempadamente a resposta para<br />

as situações exceção, em articulação com os privados,<br />

sempre que necessário;<br />

• É necessário investir na saúde e na área social (na Madeira,<br />

esse investimento foi na ordem dos 117 MME -<br />

85 ME em <strong>2020</strong> e 33 MME em 2021).<br />

Termino com a mensagem final de que o sucesso da resposta<br />

à pandemia, antes da descoberta e da possibilidade<br />

de utilização de uma vacina, depende dos cidadãos e<br />

do seu comportamento em sociedade. Comportamentos<br />

socias inadequados, não oferecem mais segurança,<br />

mas sim favorecem a disseminação do vírus. Ã<br />

12 13


GH voz do cidadão<br />

DOENTE ONCOLÓGICO<br />

E COVID 19<br />

Vitor Rodrigues<br />

Liga Portuguesa Contra o Cancro (Presidente), Faculdade<br />

de Medicina da Universidade de Coimbra (Professor Associado)<br />

Foi há (“já” ou “apenas”) meio ano que a<br />

pandemia por Covid-19 se instalou no nosso<br />

país. Meses de surpresa, aflição, mas<br />

com progressiva habituação a uma situação<br />

completamente nova.<br />

As primeiras informações indicavam que os doentes com<br />

maior probabilidade de desenvolver Covid-19 mais grave<br />

seriam as pessoas com hipertensão, patologia pulmonar,<br />

obesidade, diabetes, cancro - na realidade, estes grupos<br />

de doentes revelaram-se como mais suscetíveis ao agravamento<br />

da situação após infeção por SARS-CoV-2, seja<br />

na doença isolada, seja como comorbilidade. Mas sempre<br />

com a idade como fator prognóstico independente muito<br />

importante.<br />

Mas o “doente oncológico” corresponde a um grupo<br />

muito heterogéneo, com localizações anatómicas muito<br />

diferentes, características anatomopatológicas independentes,<br />

estádios da doença muito dispares, sob esquemas<br />

terapêuticos muito diversificados, em situação clínica<br />

de atividade, progressão, remissão ou “livres de doença”,<br />

também eles frequentemente com variadas comorbilidades<br />

decorrentes de outras patologias pré-existentes ou<br />

concomitantes ou decorrentes da sua doença oncológica<br />

particular ou do indispensável tratamento específico.<br />

A “clássica” classificação das fases de pandemia em, sumariamente,<br />

fases de emergência, retoma, recuperação e<br />

normalização pode servir para enquadrar os diferentes aspetos<br />

em análise<br />

A fase de “emergência” implicou, imediatamente, um<br />

enorme rebate assistencial a nível dos cuidados hospitalares,<br />

mas que foi rapidamente seguida de apreciável reorganização<br />

e, até, normalização. Basearam-se na Norma<br />

9/<strong>2020</strong> emanada pela Direção Geral de Saúde 1 , a qual<br />

introduziu esclarecimentos sobre medidas de prevenção<br />

e controlo, organização de prestação de cuidados, rastreio<br />

de SARS-CoV-2 em doentes oncológicos e gestão<br />

de doentes oncológicos com Covid-19. Resumidamente,<br />

preconizou a separação entre unidades de saúde que tratariam<br />

estes e aqueles, a diminuição da presença física dos<br />

doentes oncológicos (e acompanhantes) nas instituições<br />

de saúde, a criação de circuitos físicos separados, o “rastreio”<br />

prévio aos procedimentos terapêuticos, e o adiar<br />

da conduta terapêutica se houvesse existência de infeção<br />

individual. Em suma, Separar, Adiar e Tratar (se inevitável).<br />

Estes procedimentos tiveram, como objetivo último, proteger<br />

os doentes em tratamento - com doença ativa, naturalmente<br />

com maior risco de gravidade global e específica<br />

pela sua condição de doença. Esta rápida reorganização<br />

do serviço assistencial em oncologia foi auxiliada pela<br />

boa qualidade científica, técnica e organizativa que este<br />

setor da saúde tem a nível português e europeu.<br />

Desenvolveram-se, com alguma rapidez, mecanismos de<br />

minimização de risco, com procedimentos como o maior<br />

acompanhamento dos doentes na sua comunidade (acompanhamento<br />

por telefone, utilização de telemedicina,<br />

envio de medicamentos de dispensa hospitalar para o<br />

domicílio ou para a farmácia comunitária de proximidade,<br />

reforço do apoio emocional, colaboração dos cuidados<br />

de saúde primários, reforço dos apoios sociais), esforço<br />

complementado através de uma importante contribuição<br />

de diversas instituições sociais, autarquias e entidades<br />

representativas do setor do medicamento, entre tantas<br />

outras, a nível local e regional.<br />

O rebate também se verificou a nível dos cuidados de<br />

saúde primários, embora com maior prejuízo da sua atividade<br />

diária, extensível aos cuidados integrados e domiciliários,<br />

fruto do seu natural locus de atividade.<br />

Já as Juntas Médicas para atribuição e verificação da incapacidade<br />

foram totalmente suspensas.<br />

Ainda no 2<strong>º</strong> trimestre de <strong>2020</strong>, iniciaram-se as fases de<br />

“retoma” e de “recuperação”, naturalmente em diferentes<br />

velocidades por cada um dos sectores da oferta de<br />

cuidados, sobretudo nas instituições hospitalares do Serviço<br />

Nacional de Saúde. Estes foram retomando progressivamente<br />

a maioria da atividade terapêutica e da realização<br />

dos exames complementares de diagnóstico, sempre<br />

com foco particular na segurança do doente e dos profissionais<br />

de saúde, através da institucionalização de circuitos<br />

físicos e “rastreio molecular” dos doentes, retoma significativa<br />

do rastreio populacional do cancro da mama em<br />

Junho 2 , manutenção, quando necessário e/ou adequado,<br />

da dispensa de proximidade dos medicamentos.<br />

Por fim, a fase de “normalização” continua um pouco distante.<br />

A pandemia continua entre nós - sem grande possibilidade<br />

de perspetivar o seu fim, os recursos humanos e<br />

tecnológicos são manifestamente insuficientes (tal como<br />

já o eram antes) e o rebate assistencial tem sido enorme.<br />

Para enquadrar melhor a situação do doente e do manuseamento<br />

da doença oncológica deveremos ter sempre<br />

em mente que os melhores resultados na abordagem<br />

desta patologia decorrem da associação entre diagnóstico<br />

precoce e tratamento atempado e de qualidade. É<br />

a sua “colaboração” que tem permitido uma melhoria<br />

contínua e sustentada dos vários indicadores de saúde,<br />

sociais, emocionais.<br />

O impacto da pandemia foi, tem sido e será muito significativo,<br />

exigindo medidas direcionadas para o sub-grupo<br />

em que cada um está inserido, de modo a minimizar os<br />

seus efeitos.<br />

Verificou-se que o “doente oncológico” é uma entidade<br />

extremamente diversificada, pois depende de múltiplas<br />

determinantes (como já referido), requerendo análise individualizada<br />

quanto aos seus fatores de risco, à sua suscetibilidade,<br />

à necessidade adicional de proteção clínica,<br />

emocional e social.<br />

A análise dos fatores preditores de maior gravidade e de<br />

letalidade e mortalidade do doente oncológico tem evidenciado<br />

que (além da idade) os tumores líquidos têm,<br />

em geral, pior prognóstico que os tumores sólidos. Que<br />

fatores como a idade, consumo de tabaco, número e tipo<br />

de comorbilidades, estado geral, cancro ativo e marcadores<br />

imunológicos e inflamatórios específicos desta<br />

patologia parecem conduzir também a um agravamento<br />

do estado de saúde do doente oncológico infetado por<br />

SARS-CoV-2, bem como a uma maior letalidade. Não é<br />

completamente claro se serão fatores independentes ou<br />

não. A necessidade de continuar os estudos é premente,<br />

para compreender melhor a causalidade e prever o impacto<br />

futuro.<br />

O rastreio populacional de cancro da mama está quase<br />

normalizado, pois assenta em procedimentos operacionais<br />

e técnicos pouco dependentes dos cuidados de<br />

saúde primários (embora intrinsecamente coordenados<br />

com eles). A utilização de unidade fixas ou móveis de<br />

rastreio e de aferição dedicadas permitem uma operacionalização<br />

mais fácil e ágil. Os circuitos de referenciação<br />

hospitalar são bem conhecidos e funcionaram sempre<br />

com bastante eficiência.<br />

O rastreio populacional de cancro do colo do útero tem<br />

tido grande dificuldade de retoma. Como é baseado operacionalmente<br />

nos centros de saúde, e estando estes sujeitos<br />

a enorme sobrecarga decorrente da pandemia, é na- }<br />

14 15


GH voz do cidadão<br />

“<br />

A VELOCIDADE DE RECUPERAÇÃO<br />

NA ÁREA DA SAÚDE VAI SER<br />

DETERMINANTE PARA ALIGEIRAR<br />

OU AUMENTAR O EXPETÁVEL<br />

AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO,<br />

QUANTIFICÁVEL ATRAVÉS DE<br />

INDICADORES PADRONIZADOS.<br />

”<br />

tural que não sejam, estes cuidados, a prioridade maior.<br />

O rastreio populacional de cancro colorretal, em situação<br />

operacional semelhante ao do rastreio cancro do colo do<br />

útero, tem um estrangulamento adicional, pois uma pesquisa<br />

de sangue oculto nas fezes positivo obriga a uma colonoscopia<br />

(com sedação), procedimento que obriga, adicionalmente,<br />

a critérios de segurança adicionais.<br />

Embora tenha existido retoma e recuperação significativas<br />

no global, continua a verificar-se uma significativa diminuição<br />

da referência hospital diferenciada, nomeadamente<br />

pelo brutal rebate havido na realização de exames<br />

complementares de diagnóstico e a realização de consultas<br />

programadas nos cuidados de saúde privados e nos<br />

sectores privado, convencionado e social. 3<br />

Os cuidados integrados, nomeadamente os domiciliários,<br />

foram também atingidos em algum grau. A necessidade<br />

de distanciamento físico, a diminuição em recursos humanos<br />

em equipas já diminutas, o foco primordial em outras<br />

atividades, são elementos preocupantes.<br />

Outro aspeto também muito importante tem sido o<br />

grande receio da população em recorrer aos cuidados de<br />

saúde, seja pela falta de confiança na segurança nos seus<br />

espaços físicos, seja pela insuficiência da sua oferta, seja<br />

pela tendência em adiar a realização de consultas, de exames<br />

e, mesmo, de tratamentos. São fatores determinantes<br />

para, sobretudo a médio e longo prazo, uma diminuição<br />

da sobrevivência, agravamento da qualidade de vida<br />

e aumento da mortalidade. A velocidade de recuperação<br />

na área da saúde vai ser determinante para aligeirar ou<br />

aumentar o expetável agravamento da situação, quantificável<br />

através de indicadores padronizados e de qualidade.<br />

Sendo o diagnóstico de cancro um elemento altamente<br />

perturbador na vida da pessoa atingida, a sociedade investiu,<br />

há cerca de uma década, num conjunto de “direitos<br />

oncológicos” (comuns a outras patologias que conduzem<br />

a incapacidades significativas), para minorar os efeitos<br />

não-clínicos desta patologia, sob o ponto de vista social,<br />

económico, financeiro, laboral. Esses “benefícios” podem<br />

ser acedidos por doentes apenas e após a emissão de<br />

um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, por uma<br />

Junta Médica. No entanto, o início da pandemia provocou<br />

uma paragem total nesses serviços, com uma retoma -<br />

quase simbólica - no mês de junho. A sua recuperação<br />

tem sido muito difícil, e, como o diagnóstico da doença<br />

continua a ser feito, o número de doentes que desespera<br />

à espera da recuperação das atividades das Juntas Médicas<br />

aumenta em vários milhares todos os meses, situação<br />

inaceitável num sistema de saúde robusto e insustentável<br />

para os doentes.<br />

Assim, é necessário:<br />

1. Reforçar a confiança da população no seu sistema de<br />

saúde, nomeadamente na estrutura e segurança do Serviço<br />

Nacional de Saúde (e do Sistema Nacional de Saúde);<br />

2. Reiniciar os rastreios de bases populacional, mantendo<br />

os seus critérios de qualidade, e, através de um planeamento<br />

realista e sustentável, aumentar progressivamente<br />

a sua cobertura geográfica e populacional, tendo sempre<br />

em atenção a capacidade de drenagem dos casos duvidosos<br />

e positivos;<br />

3. Retomar, recuperar e normalizar a realização de exames<br />

complementares de diagnóstico e da atividade assistencial<br />

a todos os níveis;<br />

4. Investir no Serviço Nacional de Saúde, seja em recursos<br />

humanos seja em recursos tecnológicos, com planeamento<br />

estratégico e organização, aumentando a eficiência e<br />

diminuindo o desperdício;<br />

5. Aumentar a colaboração com os setores privado e social<br />

para apressar a recuperação da atividade adiada e atrasada;<br />

6. Ter uma especial atenção às situações de stress laboral,<br />

económico e financeiro dos vários setores da população<br />

que foram atingidos pela pandemia;<br />

7. Retomar, recuperar e normalizar a realização de Juntas<br />

Médicas, com recurso a procedimentos provisórios que<br />

permitam a emissão atempada de Atestados de Incapacidade<br />

Multiusos;<br />

8. Continuar os estudos científicos, com dados padronizados,<br />

de qualidade e acessíveis a todos os investigadores.<br />

A sociedade tem de se capacitar que o investimento em<br />

saúde tem um retorno enorme, seja a nível individual seja<br />

a nível coletivo. Ã<br />

1. Norma 9/<strong>2020</strong> DGS.<br />

2. No caso particular do rastreio de cancro da mama na região norte, aquele continuará<br />

suspenso até que seja assinada a renovação do protocolo entre a Administração<br />

Regional de Saúde do Norte e o Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa<br />

Contra o Cancro.<br />

3. Estudos Moia e GSK.<br />

16


GH opinião<br />

A ÉTICA EM TEMPO<br />

DE PANDEMIA<br />

Paula Martinho da Silva<br />

Investigadora e especialista Bioética, IBC UNESCO - Portugal<br />

Passado quase um ano sobre o começo da<br />

pandemia, é já um lugar comum dizer-se<br />

que “vivemos tempos estranhos”.<br />

António Muñoz Molina, num artigo publicado<br />

no jornal “El País” 1 ainda não tinha<br />

passado um mês do primeiro confinamento, já constatava<br />

que “A perspetiva do tempo é tão limitada quanto<br />

a do espaço. (...) Nas páginas da agenda, as datas dos<br />

compromissos que não cumprimos foram deixadas<br />

para trás, e um novo espaço em branco agora cobre<br />

aqueles que foram programados para as próximas semanas<br />

ou meses”.<br />

Vivemos um tempo de tal forma estranho que aquele<br />

novo espaço em branco é diariamente preenchido ora<br />

com tédio, ora com tarefas rotineiras, ora com medo, ora<br />

com esperança. As poucas coisas que trazem mudança<br />

positiva vêm da Ciência e da Medicina. Um passo adiante<br />

todos os dias, faz com que alguns factos sobre os quais<br />

refletimos na conferência, em outubro e que está na origem<br />

deste texto já foram, passados dois meses, ultrapassados<br />

por novos factos e, consequentemente, dando origem<br />

a novas reflexões.<br />

Vivemos tempos complexos e únicos, mas em que somos<br />

convocados para questões antigas, sem data. Nesta<br />

ambivalência, há que ponderar sobre aquilo que nos falta<br />

discutir, tendo presente que as decisões que tomarmos<br />

hoje afetarão toda a sociedade e a forma como refletirmos<br />

sobre elas determinará, em muitos casos, o modelo<br />

de sociedade que queremos seguir.<br />

As complexas relações entre a ética, a ciência, a política,<br />

o legislador: O lugar de cada um nesta discussão<br />

Nunca se ouviu tanto falar em confiar na Ciência. “Trust<br />

in Science” tornou-se, no debate eleitoral americano dos<br />

últimos meses, uma arma política.<br />

Estamos conscientes que a Ciência conta, a Medicina con-<br />

ta, mas até que ponto estamos conscientes de que a Ética<br />

também tem de contar?<br />

Os termos "Bioética e Política", "Biopolítica" são utilizados<br />

em diferentes ocasiões ao abordar diferentes fases<br />

de compreensão da gestão e regulação de assuntos relativos<br />

ao progresso e desenvolvimento da biomedicina<br />

e das biotecnologias. A relação entre bioética e política<br />

surgiu principalmente da crescente discussão da bioética<br />

no fórum público. Passo a passo, o âmbito original da<br />

bioética, a reflexão sobre as questões éticas suscitadas<br />

pelas novas tecnologias na saúde, ciência e biomedicina<br />

em geral levou à sua crescente politização.<br />

Nos EUA nove farmacêuticas que desenvolvem vacinas<br />

contra o Covid-19 assinaram um acordo com vista a garantir<br />

que a investigação e a produção do fármaco seguirá<br />

os elevados standards éticos e os princípios científicos face<br />

à pressão política.<br />

“Cremos que este compromisso ajudará a garantir a confiança<br />

do público no rigoroso processo científico e normativo<br />

mediante o qual se avaliam as vacinas Covid-19 e,<br />

em última instância, se possam aprovar.”<br />

Umas duas semanas antes, leio no The New York Times<br />

que o The New England Journal of Medicine pediu, no seu<br />

editorial a substituição de uma liderança política “perigosamente<br />

incompetente.” 2 Durante os seus 208 anos<br />

de história esta prestigiada publicação médica sempre se<br />

manteve totalmente apartidária, nunca tendo apoiado ou<br />

condenado nenhum candidato político.<br />

Edmund Pellegrino enquadrou devidamente esta questão:<br />

“quando a ética entra na praça pública pode coexistir<br />

com a política, ou Maquiavel tem razão quando diz que a<br />

política não tem lugar para a ética? Podem interagir sem<br />

que um capitule para o outro?” 3<br />

No momento de tomar decisões políticas e legislativas há<br />

necessariamente que ponderar. Ponderar sobre qual é o<br />

conjunto de mínimos partilhados na sociedade e refletir<br />

sobre os interesses em jogo, sobre os valores em causa,<br />

sobre o que é mais adequado ao momento em que a decisão<br />

é tomada.<br />

Este tipo de decisões já não pode considerar-se monopólio<br />

de ninguém. Hão-de ser os cidadãos, com a sua<br />

participação e deliberação, quem terá de as tomar.<br />

Cada vez mais a ética, a ciência e a política procuram coexistir.<br />

E, desde logo, no nosso país as instâncias éticas estiveram<br />

ativas.<br />

Destaco a posição do Conselho Nacional de Ética para<br />

as Ciências da Vida (CNECV) no seu parecer “Situação<br />

de emergência de saúde pública pela pandemia Covid-<br />

-19 - aspetos éticos relevantes.” 4 Nele, é dito que “A necessidade<br />

de tomar decisões, numa escalada necessariamente<br />

modelada pelo próprio desenvolvimento da situação<br />

pandémica, confronta-se com princípios, valores e direitos<br />

das pessoas e da sociedade em geral. Algumas das<br />

medidas prescritas poderão mesmo colidir com princípios<br />

bioéticos tidos como adquiridos, como é o caso do<br />

respeito pela autonomia e, através dela, a tutela da liberdade<br />

individual.<br />

Nessas decisões confrontam-se, de modo inelutável, a segurança<br />

pública com a liberdade individual, a autonomia<br />

pessoal com o bem comum e o interesse público e convocam-se<br />

valores de cooperação e solidariedade, de integridade<br />

e de respeito pela vulnerabilidade, em diferentes<br />

níveis e com distintas expressões.<br />

A fundamentação ética das decisões e das medidas que<br />

as executam deve atender a princípios que balizem apropriadamente<br />

a sua aplicação e assegurem a sua sustentação<br />

social.”<br />

Face a este contexto e circunstâncias, o CNECV emitiu<br />

considerações em torno dos seguintes valores éticos fundamentais<br />

na tomada de decisões:<br />

• Atenção à vida e à dignidade humana;<br />

• Ponderação ética permanente e continuada das medidas<br />

instituídas;<br />

• Informação atualizada, rigorosa, clara, completa e transparente;<br />

• Reforço da solidariedade;<br />

• Utilização de recursos de saúde; }<br />

18 19


GH opinião<br />

• Proteção dos profissionais da saúde;<br />

• Reforço da participação da ciência;<br />

• Afirmação de valores de justiça social e de equidade.<br />

Temas antigos, hoje revisitados:<br />

O consentimento informado na população envelhecida<br />

A epidemia veio destapar uma realidade que todos nós<br />

conhecíamos, com que muitos lidam diariamente, mas<br />

que até aqui era secundarizada e, de certa forma, escondida:<br />

o facto de existir uma população numerosa envelhecida<br />

a viver em condições complexas, com autonomia<br />

diminuída (tanto a nível da capacidade como económica),<br />

sem voz.<br />

Em França, em julho passado foi votado no Senado o<br />

que designaram por “o quinto ramo” da Segurança Social,<br />

tendo em vista a autonomia das pessoas idosas e incapacitadas<br />

e que contempla, por exemplo, um novo leque de<br />

créditos consagrados ao alojamento das pessoas idosas<br />

para que seja possível viverem mais tempo em sua casa. 5<br />

Sobre este tema poderíamos falar em diversas perspetivas,<br />

desde a abordada por Adela Cortina, 6 ao constatar<br />

que a pandemia veio trazer ao de cima a “gerontofobia”,<br />

palavra (ainda) inexistente, mas que pretende designar o<br />

temor, aversão ou desprezo face aos idosos, quando observa<br />

o alívio de muitos “de que uma grande parte dos<br />

falecidos por causa do vírus tenham sido anciãos.”<br />

Mas a questão, para mim, que permanece para além da<br />

pandemia é a da autonomia da vontade dos mais velhos,<br />

tão multifacetada, tão deliberadamente dependente, tão<br />

negligenciada quando falamos das decisões em saúde.<br />

Tomar decisões sobre recursos escassos<br />

Em muitos casos as decisões sobre o estabelecimento de<br />

prioridades acarretam decisões trágicas sobre as quais a<br />

sociedade deveria definir os seus limites morais, pelo que<br />

estas decisões deveriam corresponder a deliberações democraticamente<br />

informadas, nas quais participassem todos<br />

os atores envolvidos. Neste sentido, a bioética emerge<br />

como capaz de promover o diálogo entre o mundo da<br />

medicina e a comunidade. O princípio de que “os iguais<br />

devem ser tratados por igual” pode já não ser possível<br />

ser aplicado, somos obrigados a desenhar uma estratégia<br />

protocolizada de atuação que permita a distribuição o<br />

mais equitativa possível dos recursos. 7<br />

Parece-nos claro que, para determinar o racionamento<br />

de um recurso a um paciente sobre outro, não podemos<br />

adotar um único valor fundamental, requerendo-se o que<br />

alguns denominam por “marco ético multivalor” dependendo<br />

do recurso e do contexto da atuação médica.<br />

A este propósito, o da necessidade de fundamentar as<br />

decisões políticas tendo por base valores éticos fundamentais,<br />

muitas questões necessitam de uma reflexão ética<br />

profunda: Quem serão, em cada país os destinatários<br />

da 1ª fase de uma vacina? Os mais expostos ao vírus, os<br />

mais idosos ou os com doenças de riscos? E se todos estes,<br />

em que percentagem? Deve-se priorizar na faixa onde<br />

se pode reduzir mais mortes prematuras ou sequelas<br />

graves da doença? Ou ter também em conta o impacto<br />

social e económico ou dar prioridade aos mais desfavorecidos?<br />

Os Governos querem proteger os seus cidadãos,<br />

mas não haverá uma obrigação maior com o resto da<br />

população do planeta? 8 Qual o critério da idade para admissão<br />

nos cuidados intensivos? O critério da terceira idade<br />

que começa aos 65 anos? Ou a idade biológica, cronológica<br />

ou a social? Ou o critério deverá ser o de considerar<br />

caso a caso, tendo em conta a situação clínica e as<br />

expetativas objetivas de cada paciente? Quem e como se<br />

decidem estes critérios? São iguais para todos os hospitais?<br />

Como é que os cidadãos os enfrentam?<br />

Temas novos:<br />

A investigação clínica na era Covid<br />

O tema da investigação em novos medicamentos e vacinas<br />

para combate à pandemia deverá ser também analisada<br />

tendo em vista a sua aplicação em futuras pandemias.<br />

Destaco alguns aspetos como os da prioridade no<br />

combate ao Covid (a publicação de medidas excecionais<br />

que vigorarão durante o período de risco para a saúde<br />

pública a adotar pelos promotores, centros de ensaio clínico<br />

e equipas de investigação; a prioridade na avaliação,<br />

por parte do INFARMED dos ensaios clínicos destinados<br />

a tratar ou prevenir a doença). A urgência existe, mas<br />

nunca se poderá confundir velocidade com precipitação<br />

sob pena de se comprometer a resposta adequada à pandemia.<br />

Não percamos também a ocasião para comunicar<br />

com o cidadão (nunca o cidadão falou tanto em ensaios<br />

clínicos, todos conhecem o que é a fase III e o que é uma<br />

reação adversa, mas poucos saberão que há sempre uma<br />

comissão de ética por trás, e que os participantes têm<br />

de ser escrupulosamente protegidos) sobre investigação<br />

científica e, sobretudo, sobre os critérios para a distribuição<br />

das vacinas. 9<br />

Para hoje e para o futuro: consciencializar os cidadãos<br />

para as decisões em saúde<br />

Nunca falámos tanto em Ciência.<br />

Mas… passada a pandemia, vamos continuar a debater<br />

os nossos problemas?<br />

Ou, como Houellebecq “não despertaremos depois do<br />

confinamento num novo mundo: será mesmo ligeiramente<br />

pior?” 10<br />

Afirmamos querer proteger os nossos idosos, mas... modificaremos<br />

algumas atitudes assim que passe a crise?<br />

Queremos proteger a investigação, mas… continuaremos<br />

a confiar na Ciência?<br />

Queremos glorificar os profissionais de saúde, mas…<br />

continuaremos a pensar neles no nosso dia a dia?<br />

Vamos continuar a pensar na questão dos recursos escassos<br />

ou vamos descansar até surgir a próxima crise?<br />

Num artigo que começa por dizer que “as democracias<br />

funcionam melhor onde se reforçam os códigos de conduta<br />

que a comunidade assume”, Adela Cortina deixa-nos<br />

duas mensagens que tudo resumem a minha reflexão:<br />

“O medo sempre manteve a vinha de alguma forma, principalmente<br />

nas sociedades de massa, formadas por um<br />

conjunto de indivíduos atomizados, aos quais se unem<br />

interesses específicos, neste caso o interesse pela sobrevivência.<br />

É por isso que hoje se repete o slogan: “Todos<br />

nós navegamos no mesmo barco, devemos estar unidos.”<br />

E com certeza é assim. Mas o elo fugaz do interesse temporal<br />

é muito fraco para enfrentar com a altura humana o<br />

desafio social e económico, que já está sendo incubado, e<br />

exigirá muito mais capital ético para enfrentá-lo do que a<br />

convicção de que não é egoisticamente conveniente para<br />

nós afundar o navio. A agregação de indivíduos atomizados<br />

não é suficiente, é necessário um “nós.” 11<br />

“Necessitamos de uma declaração geral de dependência<br />

universal, um escudo universal para a humanidade”, como<br />

utopicamente refere Peter Sloterdijk? 12 Ou, como outros<br />

sugerem, necessitamos de preparar a “catástrofe esclarecida”<br />

sobre o futuro da humanidade (alterações climáticas,<br />

catástrofes naturais e tecnológicas, nuclear, pandemias)?<br />

O que sucederá no futuro dependerá, em boa medida da<br />

forma como exerçamos a nossa liberdade, se desde um<br />

“nós” inclusivo ou desde uma agregação de átomos. Ã<br />

1. António Muñoz Molina, Presente de indicativo, El País, 3 de abril de <strong>2020</strong>.<br />

2. The New York Times, 7 de outubro de <strong>2020</strong>.<br />

3. Pellegrino, Edmund., “Bioethics and Politics: “Doing Ethics” in the public square”,<br />

Journal of Medicine and Philosophy, 2006, 31:569-584, p. 570.<br />

4. Consultável em https://www.cnecv.pt/pt/comunicacoes/tomada-de-posicao<br />

5. Béatrice Jérôme, “Sécu”: la cinquième branche, “coquille vide”?, Le Monde, 3 de<br />

julho de <strong>2020</strong>.<br />

6. Adela Cortina, Desenmascarar la gerontofobia, El País, 22 de julho de <strong>2020</strong>.<br />

7. Neste sentido, Carles Martin-Fumadó, Esperanz l. Gómez-Durán, Màrius Morlans-Molina,<br />

“Consideraciones éticas y médico-legales sobre la limitación de recursos<br />

y decisiones clínicas en la pandemia de la Covid-19”, Revista Española de Medicina<br />

Legal, <strong>2020</strong>; 46(3):119-126.<br />

8. Veja-se, a este propósito a entrevista a Ezekiel Emanuel, Universidade da Pensilvânia,<br />

no artigo “A quién vacunamos primero?”, El País, 5 de setembro de <strong>2020</strong>.<br />

9. A este propósito, muito relevante a entrevista a Jorge Soares, A prioridade é<br />

uma precedência, mas todos terão direito a ser vacinados, Público de 27.11.<strong>2020</strong>.<br />

10. Jean-Pierre Dupuy, “Si nous sommes la seule cause des maux qui nous frappent,<br />

notre responsabilité devient démesurée”, Le Monde, 4 de julho de <strong>2020</strong>.<br />

11. Adela Cortina, Los desafios del coronavírus, El País, 15 de maio de <strong>2020</strong>.<br />

12. Peter Sloterdijk, El regresso a la frivolidade no va a ser fácil, El País, 2 de maio<br />

de <strong>2020</strong>.<br />

20 21


GH estudo apah<br />

APRENDER COM A COVID 19:<br />

A VISÃO DOS GESTORES<br />

DE SAÚDE EM PORTUGAL<br />

Itziar Fernández Francesc Roca Jesús María Fernández<br />

HIRIS Care<br />

A<br />

pandemia da Covid-19 espalhou-se pelo<br />

mundo e atingiu a maioria dos países<br />

de forma intensa e persistente. Os<br />

nossos sistemas de saúde foram postos<br />

à prova como nunca, expondo vulnerabilidades<br />

e falhas, mas também evidenciando a capacidade<br />

resolutiva e criativa dos profissionais de saúde e gestores.<br />

Assim, nos últimos meses, eles multiplicaram esforços<br />

e foram capazes de resolver uma situação crítica em<br />

tempo recorde com os recursos disponíveis. No entanto,<br />

não podemos permitir que esta situação se repita e pôr<br />

todo o peso, mais uma vez, no heroísmo dos profissionais<br />

de saúde. É o momento de identificar os pontos fracos,<br />

aprender com os acertos e, nomeadamente, com os erros<br />

e, ao fazê-lo, reconstruir um sistema que, apesar de<br />

apresentar uma grande margem de melhoria, demonstrou<br />

grande capacidade de resposta.<br />

A Hiris Care, juntamente com a APAH e a Teva Pharma,<br />

iniciou este processo de aprendizagem com o estudo<br />

"Aprender com a Covid-19: A visão dos gestores<br />

de saúde em Portugal", com base em 34 entrevistas em<br />

profundidade aos administradores de saúde de todo o<br />

país com o objetivo de avaliar a resposta do sistema de<br />

saúde português durante a pandemia. A fase de campo<br />

foi conduzida ao longo de setembro de <strong>2020</strong>, pelo que<br />

reflecte a experiência da primeira vaga, numa altura em<br />

que ainda não se previa a segunda com tanta intensidade.<br />

Agora, graças ao estudo, pôde identificar-se e avaliar as<br />

alterações realizadas no sistema de saúde, tanto na estru-<br />

tura como nos processos, e, por conseguinte, tirar lições<br />

valiosas para o futuro.<br />

Poderíamos destacar que uma das chaves do êxito em<br />

Portugal, muito positivamente avaliada durante o inquérito,<br />

foi o plano de contingência comum e o trabalho em<br />

equipa que começou já em fevereiro e foi promovido<br />

por todos os agentes envolvidos na resposta à Covid-19<br />

a nível nacional. Como parte desse plano global, realizaram-se<br />

rápidas adaptações nos centros hospitalares, tais<br />

como a adequação de infraestruturas, a medicalização de<br />

áreas dedicadas a outros usos, a readaptação de espaços<br />

e circuitos de trabalho, bem como o fluxo de pessoas e<br />

materiais, com o objetivo de atender o excesso de pacientes<br />

Covid-19 e garantir a proteção dos pacientes e<br />

dos profissionais de risco.<br />

Ademais, dentro desse plano de contingência comum,<br />

os inquiridos destacaram também o trabalho dos laboratórios,<br />

que permitiram ampliar e acelerar o trabalho de<br />

diagnóstico e rastreio, facilitando o controlo quase em<br />

tempo real do número de casos e infeções. O estudo<br />

mostra a satisfação e o agradecimento dos gestores de<br />

saúde pela atitude e o trabalho dos fornecedores e da<br />

indústria farmacêutica. Eles sublinham a sua prestimosa<br />

colaboração desde o início, garantindo a continuidade<br />

do abastecimento de medicamentos e equipamentos<br />

essenciais, sob a coordenação da INFARMED, disponibilizando<br />

os seus próprios serviços logísticos de distribuição<br />

e aplicações digitais ao sistema de saúde para facilitar a entrega<br />

ao domicílio de medicamentos, resolvendo, assim,<br />

os problemas de rutura da cadeia de abastecimento que<br />

ocorreram no início da pandemia a nível mundial.<br />

No que diz respeito ao trabalho de cuidados e proteção<br />

de pacientes e profissionais de saúde dentro dos hospitais,<br />

os inquiridos destacaram a criação e montagem de<br />

dois circuitos de cuidados, que permitiu minimizar as infeções<br />

dentro dos centros hospitalares. Para fazer face<br />

a essa nova organização, houve uma rápida e ordenada<br />

redistribuição das equipas de profissionais de saúde nos<br />

hospitais, o que revela uma demonstração de flexibilidade<br />

e adaptabilidade de todos os profissionais. Além disso,<br />

o Ministério da Saúde permitiu agilizar a contratação de<br />

pessoal, o que facilitou a rápida integração de uma nova<br />

equipa de profissionais de saúde, tanto licenciados como<br />

estudantes de medicina e enfermagem, com contratos<br />

renováveis de quatro meses. Cabe destacar o papel<br />

muito importante dos profissionais de enfermagem, assumindo<br />

por vezes funções avançadas de enfermagem. Do<br />

mesmo modo, técnicos de cuidados assumiram funções<br />

tradicionais de enfermagem, e muitos profissionais de especialidades<br />

cirúrgicas foram destinados ao cuidado de<br />

pacientes respiratórios menos graves.<br />

Devido ao afluxo maciço de novos casos Covid, os centros<br />

hospitalares tiveram também de remarcar consultas<br />

para evitar o colapso. Contudo, para compensar esta falta<br />

de atendimento in situ, o sistema de saúde português surpreendeu<br />

com o seu avançado processo de digitalização<br />

e a sua capacidade de oferecer cuidados via telemedicina,<br />

se não perfeitos, pelo menos altamente profissionais e<br />

eficazes, nomeadamente tendo em conta que os hospitais<br />

tiveram de multiplicar a sua atividade durante os primeiros<br />

meses da pandemia.<br />

O sistema de saúde português deu prioridade ao cuidado<br />

tanto físico como emocional dos pacientes e dos seus<br />

familiares. Assim, em paralelo com a incorporação de profissionais<br />

e mudanças nas infraestruturas e processos dentro<br />

dos centros hospitalares, criaram-se unidades de apoio<br />

psicológico e psiquiátrico para cuidar tanto dos pacientes<br />

como dos seus familiares. Essas unidades também atenderam<br />

os profissionais de saúde, que durante estes meses<br />

assumiram cargas de trabalho excessivas. Prestou-se também<br />

apoio aos lares sociais, ministrando formação em<br />

medidas de higiene e proteção aos seus profissionais e<br />

dotando-os de equipamentos de proteção e testes de<br />

diagnóstico necessários. Em todo o território, nomeadamente<br />

nas regiões autónomas, valoriza-se o papel de<br />

apoio prestado pela Proteção Civil, pelo Corpo de Bombeiros<br />

e pelas autoridades municipais em termos de informação<br />

à população, serviços de transporte de pacientes<br />

e de material, e apoio aos lares sociais ou pessoas que<br />

vivem sós, entre outras intervenções.<br />

Apesar da gravidade da situação gerada pela pandemia<br />

da Covid-19, o estudo mostra que Portugal se destacou<br />

“<br />

CABE DESTACAR O PAPEL<br />

MUITO IMPORTANTE DOS<br />

PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM,<br />

ASSUMINDO POR VEZES<br />

FUNÇÕES AVANÇADAS<br />

DE ENFERMAGEM. DO MESMO<br />

MODO, TÉCNICOS DE CUIDADOS<br />

ASSUMIRAM FUNÇÕES<br />

TRADICIONAIS DE ENFERMAGEM.<br />

”<br />

pela sua rapidez, capacidade de decisão, aprendizagem<br />

contínua e esforço coletivo. O trabalho em equipa, pôr<br />

em segundo plano os objetivos individuais para prestar<br />

atendimento como um sistema, a redistribuição de<br />

funções entre especialidades, bem como a motivação e<br />

vontade dos profissionais de saúde foram fundamentais<br />

para enfrentar esta pandemia. Contudo, existem ainda<br />

desafios significativos para o futuro, tais como o cuidado<br />

de pacientes "esquecidos" durante a Covid, a recuperação<br />

da capacidade financeira e de investimento do sistema de<br />

saúde, a protocolização de cuidados via telemedicina e<br />

presenciais no futuro, mais agilidade administrativa, a consolidação<br />

de planos de preparação e de contingência para<br />

combater novas vagas, o aumento da sensibilização de<br />

certos grupos populacionais para a autoproteção, e a preparação<br />

do sistema para uma campanha de vacinação em<br />

massa e para o rastreio de casos e infeções. Por isso, é essencial<br />

aprender com os erros e acertos e não baixar a<br />

guarda no controlo da pandemia, que parece que ainda<br />

não nos deixou. Só um sistema forte, eficaz e coordenado,<br />

com suficiente reforço de orçamento e de profissionais,<br />

será capaz de pôr fim a esta epidemia sanitária e<br />

proteger-nos de um futuro que, sem dúvida, será cheio<br />

de incertezas. Ã<br />

O relatório completo do estudo está disponível em:<br />

https://apah.pt/noticia/aprendendo-com-a-covid-19-a-visao-dosgestores-de-saude-em-portugal/<br />

22 <strong>23</strong>


GH estudo apah<br />

O IMPACTO DA COVID 19<br />

NA ATIVIDADE HOSPITALAR<br />

DO SNS<br />

Manuel Delgado Hugo Lopes João Completo Francisco do Carmo<br />

IASIST Portugal<br />

Março-setembro 2019 Março-setembro <strong>2020</strong> Dif. (N) Dif. (%)<br />

Consultas Médicas <strong>Hospitalar</strong>es<br />

Primeiras 2.007.466 1.537.173 -470.293 -<strong>23</strong>%<br />

Subsequentes 4.980.035 4.450.469 -529.566 -11%<br />

Total 6.987.501 5.987.642 -999.859 -14%<br />

Tabela 1<br />

∆ Março-setembro 2019-<strong>2020</strong><br />

Primeiras consultas Consultas subsequentes Total<br />

Cluster A -40,8% -35,1% -37,4%<br />

Cluster B -26,1% -14,2% -18,2%<br />

Cluster C -27,1% -11,3% -16,2%<br />

Cluster D -24,1% -11,3% -15,1%<br />

Cluster E -19,4% -11,2% -13,4%<br />

Cluster F -12,5% 3,1% -0,6%<br />

Cluster P -26,4% 9,1% 5,7%<br />

Tabela 2<br />

A<br />

pandemia da SARS-CoV-2 provocou<br />

uma alteração sensível na atividade<br />

dos nossos hospitais públicos. A mobilização<br />

de recursos, materiais e humanos,<br />

para potenciar a resposta aos<br />

doentes Covid, fez com que a atividade normal disponibilizada<br />

aos outros doentes fosse sensivelmente reduzida.<br />

Para além desta concentração de esforços, registou-se<br />

igualmente uma redução significativa na procura expressa,<br />

neste momento ainda não quantificável na totalidade,<br />

e cujas causas remetem para a atitude receosa de muitos<br />

doentes que preferiram adiar ou mesmo cancelar as<br />

marcações que tinham agendadas. O sinal desta atitude<br />

manifestou-se objetivamente nos serviços de urgência,<br />

que viram a afluência de doentes reduzir-se em cerca de<br />

35% de Março a Setembro deste ano, comparativamente<br />

a período homólogo anterior.<br />

O nosso propósito, neste artigo, é analisar o impacto efetivo<br />

da Covid-19 nas principais linhas de atividade hospitalar,<br />

a saber: consultas externas, internamento, intervenções<br />

cirúrgicas, urgências e transplante de órgãos. Complementarmente,<br />

analisaremos também o impacto registado<br />

na assiduidade dos profissionais de saúde.<br />

Metodologia<br />

Utilizamos para este estudo os dados disponibilizados pela<br />

ACSS através do Portal da Transparência, comparando<br />

a atividade hospitalar dos meses de março a setembro<br />

dos anos de 2019 e <strong>2020</strong>.<br />

Apresentaremos dados globais da rede dos hospitais públicos,<br />

nalguns casos por meses, e os valores acumulados<br />

para os sete meses referidos. Distinguiremos os resultados<br />

dos hospitais por Clusters, de acordo com a classificação<br />

adotada pela ACSS, quanto à dimensão e complexidade.<br />

Aqui, o objetivo será perceber se ocorreram diferenças de<br />

comportamento significativas entre os hospitais, atribuíveis<br />

a fatores geográficos ou alicerçadas em decisões institucionais.<br />

No que diz respeito às dimensões de análise, foram<br />

selecionadas as seguintes: Consultas Externas, Urgências,<br />

Internamento, Intervenção Cirúrgicas, Transplantação de<br />

Órgãos, Número de trabalhadores por Grupo Profissional<br />

e Assiduidade.<br />

Resultados<br />

Consultas Externas<br />

As consultas médicas reduziram-se em 14% na comparação<br />

homóloga entre março e setembro dos anos de<br />

2019 e <strong>2020</strong>, o que se traduziu em menos um milhão de<br />

consultas realizadas. O impacto nas primeiras consultas<br />

(-<strong>23</strong>%) foi superior ao verificado nas consultas subsequentes<br />

(-11%), o que permite concluir que foram mais prejudicados<br />

doentes ainda sem confirmação diagnóstica e,<br />

assim, sem terapêutica instituída (Tabela 1).<br />

As quedas mais acentuadas nas consultas registaram-se nos<br />

meses de abril (-35%) e maio (-31%), notando-se uma recuperação<br />

generalizada a partir de junho, ainda que sempre<br />

com registos inferiores aos meses homólogos de 2019.<br />

Realce-se, pela positiva, o bom comportamento dos hospitais<br />

do Cluster F (IPOs) e do Cluster P (psiquiátricos) no<br />

que respeita às segundas consultas, em que se regista um<br />

aumento que indicia que esses doentes mantiveram o<br />

acompanhamento clínico necessário (Tabela 2).<br />

Março-setembro 2019 Março-setembro <strong>2020</strong> Dif. (N) Dif. (%)<br />

Atendimentos em urgência<br />

Geral 2.731.321 1.908.770 -822.551 -30%<br />

Pediátrica 687.503 294.846 -392.657 -57%<br />

Obstétrica 248.709 183.211 -65.498 -26%<br />

Psiquiátrica 3.885 3.116 -769 -20%<br />

Total 3.671.418 2.389.943 -1.281.475 -35%<br />

Triagem de Manchester<br />

Vermelho 11.170 8.769 -2.401 -21%<br />

Laranja 334.496 <strong>23</strong>9.403 -95.093 -28%<br />

Amarelo 1.569.626 1.006.173 -563.453 -36%<br />

Verde 1.222.738 791.416 -431.322 -35%<br />

Azul 52.740 54.462 1.722 3%<br />

Branco 96.946 85.325 -11.621 -12%<br />

S/ triagem 375.365 204.394 -170.971 -46%<br />

Total 3.663.081 2.389.942 -1.273.139 -35%<br />

Tabela 3<br />

Urgências<br />

O acesso aos serviços de urgência é, como se sabe, livre,<br />

e depende, na grande maioria dos casos, da decisão do<br />

próprio doente ou pessoa próxima. Excetuam-se deste<br />

cenário os acidentes com mais gravidade e as situações<br />

críticas mais agudas em que o envolvimento de terceiros<br />

ou do INEM são comuns.<br />

Verificamos que o volume global de observações urgentes<br />

caiu 35% entre março e setembro de <strong>2020</strong>, face ao<br />

mesmo período do ano anterior, ou seja, cerca de 1,3 milhões<br />

de atendimentos a menos. Foi nas urgências de pediatria<br />

que essa redução foi mais expressiva (-57%) e, pelo<br />

contrário, nas urgências de psiquiatria que se registou a<br />

menor diminuição (-20%).<br />

Perspetivando a urgência geral, a que representa maior<br />

volume de casos, a quebra da procura foi de 30%, ou seja,<br />

menos 822 mil observações que no ano anterior. Importa<br />

referir que o perfil da procura por níveis de gravidade<br />

(aplicando o protocolo da triagem de Manchester) se<br />

manteve constante, contrariando a tese, muitas vezes divulgada,<br />

de que quando a procura de urgência diminui ela<br />

se torna mais pertinente. Neste caso, como aliás acontece<br />

sempre que se registam aumentos nas taxas moderadoras,<br />

a procura pode diminuir temporariamente, mas a }<br />

24 25


GH estudo apah<br />

∆ Março-setembro 2019-<strong>2020</strong><br />

Geral Pediátrica Obstétrica Psiquiátrica Total<br />

Janeiro 2% -2% 2% 9% 1%<br />

Fevereiro 2% -1% 7% 10% 1%<br />

Março -34% -54% -28% -39% -38%<br />

Abril -45% -77% -39% -36% -51%<br />

Maio -36% -72% -30% -27% -43%<br />

Junho -28% -63% -<strong>23</strong>% -10% -34%<br />

Julho -24% -49% -<strong>23</strong>% -75% -28%<br />

Agosto -<strong>23</strong>% -41% -22% 52% -25%<br />

Setembro -<strong>23</strong>% -38% -21% -2% -26%<br />

Tabela 4<br />

Tabela 7<br />

Taxa Ocupação<br />

(2019)<br />

Janeiro 84,0% 85,0%<br />

Fevereiro 85,2% 88,0%<br />

Março 82,6% 67,6%<br />

Abril 80,7% 57,1%<br />

Maio 79,6% 62,4%<br />

Junho 79,6% 67,6%<br />

Julho 81,6% 69,5%<br />

Taxa Ocupação<br />

(<strong>2020</strong>)<br />

∆ Março-setembro 2019-<strong>2020</strong><br />

Convencionais Ambulatório Urgentes Total<br />

Cluster A -49% -43% - -44%<br />

Cluster B -32% -36% -9% -33%<br />

Cluster C -27% -28% -14% -27%<br />

Cluster D -29% -39% -8% -34%<br />

Cluster E -26% -34% -15% -30%<br />

Cluster F -9% -30% -27% -18%<br />

Cluster P - - - -<br />

Tabela 8<br />

Março-julho 2019 Março-julho <strong>2020</strong> Dif. (N) Dif. (%)<br />

Número de doentes saídos<br />

Especialidade Médica 147.366 119.274 -28.092 -19%<br />

Especialidade Cirúrgica 166.465 122.733 -43.732 -26%<br />

Total 313.831 242.007 -71.824 -<strong>23</strong>%<br />

Tabela 5<br />

∆ Março-julho 2019-<strong>2020</strong><br />

Especialidade Médica Especialidade Cirúrgica Total<br />

Cluster A 52% -55% 10%<br />

Cluster B -16% -25% -21%<br />

Cluster C -17% -24% -21%<br />

Cluster D -20% -27% -24%<br />

Cluster E -22% -29% -26%<br />

Cluster F -16% -17% -17%<br />

Cluster P -37% - -37%<br />

Tabela 6<br />

Abril-junho 2019 Abril-Junho <strong>2020</strong> Dif. (N) Dif. (%)<br />

Atividade Trimestral de Transplantação<br />

Coração 9 5 -4 -44%<br />

Pâncreas 6 6 0 0%<br />

Rim 131 56 -75 -57%<br />

Fígado 65 41 -24 -37%<br />

Pulmão 14 12 -2 -14%<br />

Tabela 9<br />

∆ 2019-<strong>2020</strong><br />

Coração Pâncreas Rim Fígado Pulmão<br />

Janeiro-março 25% -20% -12% -13% 31%<br />

Abril-junho -44% 0% -57% -37% -14%<br />

Total -12% -13% -35% -26% 7%<br />

Tabela 10<br />

sua distribuição por níveis de gravidade mantém-se constante<br />

(Tabela 3).<br />

Registou-se, portanto, uma atitude de receio por parte da<br />

população face ao recurso às urgências, que afetou não<br />

apenas as situações simples, mas também os casos mais<br />

graves, excetuando acidentes de trabalho e rodoviários,<br />

que terão diminuído por razões ligadas ao confinamento<br />

e à redução dos contactos sociais e da mobilidade.<br />

No que diz respeito à análise mensal, verifica-se que são,<br />

novamente, os meses de abril (-51%) e maio (-43%) de<br />

<strong>2020</strong> aqueles onde se regista uma diminuição mais acentuada<br />

no número de urgências, face aos meses homólogos<br />

anteriores, com especial influência da urgência Pediátrica<br />

(-77% e -72%, respetivamente) (Tabela 4).<br />

Internamento<br />

Os doentes internados diminuíram também de forma<br />

acentuada entre os meses de março a julho. Foram menos<br />

cerca de 72 mil altas, menos <strong>23</strong>% face ao período<br />

homólogo do ano anterior (Tabela 5).<br />

Tendo sido a área cirúrgica responsável por 60% da<br />

diminuição das altas, com especial destaque para os<br />

meses de abril (-48%) e maio (-35%), as maiores quebras<br />

registaram-se nos Hospitais do Cluster E (Hospitais<br />

Centrais), com uma redução do internamento em 29%<br />

(Tabela 6).<br />

Consequentemente, as taxas de ocupação das camas dos<br />

hospitais públicos apresentaram em <strong>2020</strong>, valores médios<br />

mensais que variaram entre 57% (abril) e 70% (julho),<br />

enquanto no ano anterior, e para os mesmos meses, os<br />

valores rondaram os 80%. Como nestas taxas estão já<br />

incluídos os doentes Covid, fica clara a acentuada diminuição<br />

dos níveis de resposta dos nossos hospitais e o<br />

elevado incremento dos custos fixos por doente tratado<br />

(Tabela 7).<br />

Intervenções cirúrgicas<br />

As intervenções cirúrgicas registaram uma redução glo-<br />

bal de 30% face ao período homólogo anterior, sendo<br />

as de regime ambulatório as que registaram uma quebra<br />

mais acentuada (-34%), o que surpreende face ao circuito<br />

específico desses doentes e à dispensa de internamento.<br />

Suspeita-se que, com a reorganização estrutural para fazer<br />

face aos casos de Covid, os profissionais de saúde afetos<br />

ao ambulatório, nomeadamente enfermeiros e médicos<br />

(anestesistas), tenham sido realocados, o que, consequentemente,<br />

influenciou a atividade de cirurgia de ambulatório.<br />

Quando comparado por Cluster de Hospitais, observa-se<br />

que foram os hospitais dos Clusters A (-44%), D (-34%)<br />

e E (-30%) aqueles que mais diminuíram o número de<br />

intervenções cirúrgicas entre março e setembro de <strong>2020</strong>,<br />

face ao período homólogo anterior (Tabela 8).<br />

Transplantação de órgãos<br />

Embora na transplantação de órgãos a informação disponível<br />

seja trimestral, também aqui se registaram diminuições<br />

expressivas em todo o tipo de transplantes, tendo<br />

em conta o ocorrido no 2<strong>º</strong> trimestre do ano, à exceção<br />

do pâncreas em que, como no ano anterior, se realizaram,<br />

nesse trimestre, seis transplantes.<br />

Considerando o período abril a junho de <strong>2020</strong>, face ao<br />

mesmo período de 2019, no transplante Renal, o mais frequente,<br />

a redução foi de 57%, o que significa menos 75<br />

doentes transplantados. No Fígado, o número de transplantes<br />

realizados reduziu-se 37% (menos 24), no Coração<br />

44% (menos 4) e no Pulmão 14% (menos 2) (Tabela 9).<br />

Analisando a transplantação por trimestres homólogos,<br />

verifica-se que, com exceção do Pulmão onde se observa<br />

um “saldo” positivo (+7% de transplantes), houve uma<br />

diminuição generalizada na atividade de transplantação<br />

dos restantes órgãos (Tabela 10).<br />

Existência de trabalhadores por grupo profissional<br />

Este é dos poucos indicadores onde existe informação<br />

até Outubro de <strong>2020</strong>. Assim sendo, e considerando o<br />

período março-outubro de <strong>2020</strong>, face a 2019, os pro- }<br />

26 27


GH estudo apah<br />

∆ Março-outubro 2019-<strong>2020</strong><br />

Médicos s/ internos Médicos Internos Enfermeiros TSS * TDT * Restantes Total<br />

Cluster A -0,5% -6,3% 12,1% 2,1% 6,9% 5,6% 6,5%<br />

Cluster B 0,7% 1,1% 5,4% -1,5% 7,9% 7,5% 5,5%<br />

Cluster C 2,0% 2,5% 6,0% 0,5% 6,3% 7,1% 5,6%<br />

Cluster D 3,8% 5,8% 5,3% -0,9% 4,3% 6,4% 5,4%<br />

Cluster E -0,2% -1,5% 5,1% 0,1% 2,8% 5,7% 3,7%<br />

Cluster F 0,8% 8,3% 5,6% 0,9% 6,9% 3,5% 4,3%<br />

Cluster P 3,8% 1,2% 11,1% 1,3% 1,7% 5,2% 6,3%<br />

Tabela 11: * TSS (técnicos superiores de saúde), * TDT (técnicos de diagnóstico e terapêutica).<br />

Tabela 12<br />

Tabela 13<br />

fissionais por categoria ou grupo, registaram sempre um<br />

aumento de efetivos: Médicos sem internos, mais 4%;<br />

Médicos Internos, mais 4%; Enfermeiros, mais 8%, apenas<br />

para citar os grupos mais relevantes de cuidados diretos.<br />

Em termos globais esse aumento foi de 7%, ficando assim<br />

claro que, ao contrário do que algumas análises pretendem<br />

demonstrar, o número de efetivos foi superior ao<br />

verificado em meses homólogos do ano anterior. Esta<br />

evidência não é incompatível com a análise comparativa<br />

entre meses do corrente ano que indiciam, por exemplo,<br />

uma redução do número de médicos de um mês para o<br />

mês seguinte. Esta segunda evidência é conjuntural, face<br />

ao balanço entre saídas por aposentação ou por outra<br />

causa, e as novas admissões por concurso, raramente<br />

coincidentes, o que pode provocar reduções temporárias<br />

de efetivos. Mas o essencial é constatar que os hospitais<br />

dispunham de mais profissionais em todas as categorias<br />

Março-outubro 2019 Março-outubro <strong>2020</strong> Dif. (N) Dif. (%)<br />

Ausência ao Trabalho por Tipologia (Dias)<br />

Assistência a familiares 19.7<strong>23</strong> 17.585 -2.138 -11%<br />

Doença 982.533 1.519.966 537.433 55%<br />

Greve 71.609 3.167 -68.442 -96%<br />

Outras 1.090.718 1.309.574 218.856 20%<br />

Total 2.164.583 2.850.292 685.709 32%<br />

∆ Março-outubro 2019-<strong>2020</strong><br />

Assistência a familiares Doença Greve Outras Total<br />

Cluster A -33% 71% -100% 61% 59%<br />

Cluster B -21% 45% -95% 24% 31%<br />

Cluster C -8% 45% -98% 12% 24%<br />

Cluster D -<strong>23</strong>% 54% -95% 33% 38%<br />

Cluster E -1% 67% -94% 16% 34%<br />

Cluster F -13% 56% -99% 28% 35%<br />

Cluster P -14% 28% -84% 32% 27%<br />

do que no ano anterior, no mesmo período.<br />

Quando analisado por Clusters, verifica-se que, para além<br />

dos hospitais do Cluster A, com pouca expressão na rede<br />

hospitalar, apenas nos hospitais Centrais (Cluster E) se<br />

observa uma diminuição, ainda que ligeira, do número de<br />

médicos s/ internos (-0,2%) e do número de médicos<br />

internos (-1,5%), pese embora tenha havido no cômputo<br />

geral um aumento de 3,7% do número de profissionais.<br />

Ainda assim, foi igualmente neste Cluster que se verificou<br />

o menor reforço de profissionais entre março e outubro<br />

de <strong>2020</strong>, face a 2019 (Tabela 11).<br />

Assiduidade<br />

Os riscos de contágio nos hospitais por Covid parecem<br />

ter determinado um aumento significativo de ausências<br />

ao trabalho em todos os grupos profissionais (mais 32%),<br />

entre março e outubro de <strong>2020</strong>, face a igual período de<br />

2019. O número de dias de ausência por doença aumentou<br />

entre março e outubro deste ano 55% face a igual<br />

período do ano anterior. Simultaneamente, a necessidade<br />

de ficar em casa para apoio a descendentes face ao encerramento<br />

das escolas parece ter tido também um peso<br />

importante nas ausências registadas (os “outros motivos”<br />

aumentaram 20%). Pelo contrário, as faltas por greve<br />

reduziram-se em 96%, de acordo com a interrupção da<br />

luta sindical neste período de crise pandémica, bem assim<br />

como se reduziram as ausências por apoio a familiares<br />

(Tabela 12).<br />

No que diz respeito ao número de dias de ausência por<br />

grupo de hospital, verifica-se que, para além do Cluster<br />

A com pouca relevância estatística, os Clusters D (+38%)<br />

e E (+34%) estão entre aqueles onde o número é mais<br />

elevado (Tabela 13).<br />

Conclusões<br />

Parece evidente que a pandemia da Covid-19 provocou<br />

uma acentuada diminuição da atividade dos hospitais em<br />

todas as suas “linhas de produção”, quer na atividade programada<br />

quer na atividade urgente.<br />

As razões para essa ocorrência poderão estar relacionadas<br />

com o contingente dos doentes COVID e as suas<br />

necessidades, por um lado, e com as decisões tomadas<br />

do lado da oferta e do lado da procura, face aos riscos da<br />

pandemia, por outro lado.<br />

Face à evolução da pandemia nos países europeus e à<br />

sobrelotação das estruturas hospitalares, que eram já visíveis<br />

em países como a Itália e a Espanha, as autoridades<br />

de saúde e as administrações hospitalares adotaram atitudes<br />

preventivas para evitar os riscos de rutura do sistema<br />

hospitalar, com medidas que envolveram a adaptação<br />

de instalações e equipamentos para doentes Covid,<br />

a separação e distanciamento de circuitos de doentes e<br />

o cancelamento de consultas, de cirurgias e de internamentos<br />

programados.<br />

Como agora se percebe, essa atitude evitou de facto a<br />

rutura dos serviços, mas revelou-se excessiva face ao desenvolvimento<br />

da procura Covid.<br />

Este cenário foi potenciado pelos próprios doentes com<br />

consultas e cirurgias programadas que, por sua iniciativa,<br />

ou não compareceram ou cancelaram a sua ida aos hospitais,<br />

por receio de contágio.<br />

Não é possível, com a informação até agora disponível,<br />

perceber se essa redução na resposta hospitalar, teve<br />

efeitos significativos para a vida de muitos doentes, mas é<br />

de supor que o adiamento do atendimento e dos tratamentos<br />

e exames poderá ter tido um impacto, quer no<br />

agravamento das condições de saúde de muitos doentes,<br />

quer mesmo no aumento da mortalidade.<br />

Iremos analisar, numa segunda etapa deste estudo, o impacto<br />

da falta de resposta hospitalar em algumas doenças<br />

crónicas, quer na frequência das consultas de especialidade,<br />

quer no consumo da medicação apropriada. Ã<br />

28


GH estudo apah<br />

ACESSO A CUIDADOS<br />

DE SAÚDE EM TEMPOS<br />

DE PANDEMIA<br />

António Gomes<br />

Diretor Geral da GfK Metris<br />

A<br />

dificuldade no acesso a cuidados<br />

de saúde é, historicamente, uma<br />

queixa dos portugueses. A pandemia<br />

agudizou esta situação.<br />

Esta é uma das conclusões de um inquérito<br />

realizado à população portuguesa pela GfK Metris,<br />

sobre o acesso a cuidados de saúde durante a pandemia<br />

Covid-19, bem como sobre a atuação dos diferentes<br />

agentes envolvidos na gestão da crise (do Governo aos<br />

Profissionais e Instituições de Saúde).<br />

Este inquérito, realizado através de entrevista direta e pessoal,<br />

foi realizado entre os dias 28 de agosto e 8 de setembro.<br />

Ou seja, numa altura entre o declínio da chamada<br />

“1.ª vaga” da pandemia (que, em rigor, nunca chegou<br />

a terminar) e em vésperas do aumento do número de casos<br />

para a atual “2.ª vaga”. Neste contexto, encontramos<br />

uma população portuguesa completamente sensibilizada<br />

para a pandemia Covid-19 (7,2 milhões de portugueses<br />

consideram-na “muito importante” e dois terços declaram-<br />

-se “informados” sobre a mesma), e aderente às medidas<br />

de prevenção de contágio, com a quase totalidade a afirmar<br />

a lavagem frequente das mãos e o uso de máscara<br />

como comportamentos adotados (embora o distanciamento<br />

social fora do círculo familiar mais próximo seja<br />

menos prevalente).<br />

Estes cuidados face à pandemia contam uma história de<br />

impacto pessoal da mesma no quotidiano dos portugueses:<br />

além da grande maioria entender que a pandemia<br />

representa um grande risco para si e para a sua comunidade,<br />

metade dos portugueses afirmam que esta situação<br />

fez diminuir os rendimentos do seu agregado. Os portugueses<br />

consideram que o SNS estava mal preparado para<br />

lidar com a pandemia, em particular no que diz respeito<br />

a equipamentos e instalações (quase 5 milhões de portugueses<br />

apontam esta falha). Ainda assim, fazem uma avaliação<br />

muito positiva do papel dos profissionais de saúde<br />

(de longe, os agentes com melhor avaliação da atuação,<br />

com 81% dos portugueses a considerarem-na “positiva”<br />

ou “extremamente positiva”). O Governo, por seu turno,<br />

tem uma taxa de aprovação mais reduzida: embora metade<br />

dos portugueses considere que a atuação global do<br />

Executivo foi positiva durante a pandemia, quando a análise<br />

recai sobre medidas mais específicas, como o investimento<br />

extraordinário na saúde durante a pandemia ou o<br />

investimento em medidas sociais (apoio ao desemprego,<br />

lay-off, etc.), a avaliação dos portugueses é mais moderada<br />

(nem negativa nem positiva).<br />

O receio no acesso a cuidados de saúde<br />

Apertando o enfoque para a área da Saúde, verificamos<br />

que também aqui a pandemia ergueu entraves aos portugueses<br />

no acesso a cuidados de saúde. Merece nota,<br />

contudo, que estas barreiras podem ser organizadas em<br />

dois grandes grupos: por um lado, barreiras autoimpostas,<br />

relacionadas com a visão das instituições de saúde como<br />

centros de potencial contágio, e consequente receio de<br />

recurso às mesmas; e por outro lado, barreiras resultantes<br />

de cancelamentos ou adiamentos de atos clínicos. Observaremos<br />

com maior detalhe ambas as situações, referindo<br />

contudo desde já que, não obstante o impacto real<br />

destas barreiras na vida dos portugueses, a opinião dos<br />

mesmos é ainda assim positiva e algo otimista.<br />

4,4 milhões de portugueses (correspondendo a 54% da<br />

população) sentem-se confortáveis ou seguros para aceder<br />

a cuidados de saúde, contra 1,4 milhões (17%) que<br />

se sentem inseguros (gráfico 1). Pensando concretamente<br />

na hipotética necessidade de terem de recorrer a cuidados<br />

de saúde, as posições moderam-se: só 2% (ainda assim,<br />

161.000 portugueses) rejeitam aceder a cuidados de<br />

saúde. Na posição diametralmente oposta, isto é, a de aceder<br />

a cuidados de saúde à mínima necessidade, temos<br />

3,3 milhões de portugueses, com os restantes 4,7 milhões<br />

(58% da população) a admitirem racionar o seu acesso a<br />

instituições de saúde (com 2,9 milhões a referirem que<br />

“só se o caso fosse grave”) (gráfico 2).<br />

Gráfico 1<br />

Gráfico 2<br />

Tempos de espera: uma exacerbação de uma condição<br />

crónica do SNS<br />

Receio à parte, qual é a experiência efetiva dos portugueses<br />

no acesso a cuidados de saúde? Pensando em situações<br />

de doença inesperada (isto é, não contando com consultas<br />

programadas ou situações relacionadas com uma<br />

doença crónica), verificamos que 8% dos portugueses<br />

sentiram-se doentes durante a pandemia, e que destes<br />

aproximadamente dois terços recorreram a cuidados de<br />

saúde quando tal aconteceu. Isto significa que 210.000<br />

portugueses sentiram-se doentes durante este período<br />

e não procuraram cuidados médicos. Quando lhes era<br />

perguntado pelas razões para não terem recorrido a assistência<br />

médica, as respostas dividem-se entre a desvalorização<br />

da gravidade da ocorrência (“não era grave”) e<br />

o explícito receio de se deslocar a instituições de saúde.<br />

Aproximadamente metade destes inquiridos admitem<br />

que em situações normais (leia-se, fora da pandemia) teriam<br />

procurado assistência médica.<br />

Pensando em atos médicos previamente marcados (consultas,<br />

exames, etc.), verificamos que embora a maioria<br />

das marcações tenha sido cumprida, em 38% dos casos<br />

essas marcações acabaram por não ocorrer (representando<br />

692.000 atos), na maioria dos casos por cancelamento<br />

ou adiamento (quase nunca por receio dos próprios<br />

doentes/utentes).<br />

Estes casos de cancelamento ou adiamento vêm agudizar<br />

o principal problema identificado pelos portugueses<br />

no SNS: as listas de espera (6,9 milhões concordam que<br />

são um entrave ao acesso a cuidados de saúde). É de<br />

notar que muitos destes atos médicos estavam já sujeitos<br />

a longas listas de espera, e que, no caso concreto destes<br />

doentes, já estariam marcados muito antes do início da<br />

pandemia, tendo agora sido adiados para um futuro ainda<br />

indefinido, efetivamente privando doentes do acesso a<br />

cuidados ou meios de diagnóstico por um período muito<br />

alargado, com consequências eventualmente graves em<br />

pelo menos alguns dos casos. Além disso, há que considerar<br />

o efeito cumulativo da pandemia nestas listas de<br />

espera: não só estes doentes ficam privados do acesso a<br />

atos médicos de que necessitam, como também novos<br />

doentes entram para listas de espera ainda mais preenchidas,<br />

criando um efeito que promete atrasar diagnósticos<br />

e tratamentos por muito tempo além do término da<br />

situação pandémica.<br />

Por ora, entre ocorrências pontuais deixadas por tratar e<br />

atos clínicos previamente marcados que não chegaram a<br />

ocorrer, 902.000 portugueses ficaram privados do acesso<br />

a cuidados de saúde.<br />

Embora esta disrupção possa ter um impacto negativo<br />

na saúde da população, os portugueses, em larga medida,<br />

compreendem e concordam com as razões destes adiamentos/cancelamentos.<br />

Mesmo assim, foram apresentadas<br />

soluções para mitigar este impacto: 8 a 9 em cada 10<br />

portugueses concordam que deveria existir instituições<br />

e serviços exclusivos Covid-19 e não-Covid-19, que os<br />

horários de atendimento deveriam ser alargados, e que<br />

o acesso a cuidados de saúde deveria ser, sempre que<br />

as circunstâncias o permitam, feito por marcação prévia.<br />

Doentes crónicos - o mesmo tratamento<br />

Aproximadamente 2 milhões de portugueses declararam<br />

sofrer de uma ou mais doenças crónicas. 12% destes doentes<br />

(<strong>23</strong>3.000) sentiram um agravamento da sua doença<br />

durante o período de pandemia, tendo 76% desses recorrido<br />

a cuidados médicos (ou seja, uma percentagem<br />

ligeiramente superior aos não-doentes crónicos), e os<br />

restantes, correspondendo a 56.000 casos, que não procurando<br />

cuidados médicos, apontaram para tal as mesmas<br />

razões que os não-doentes crónicos: uns desvalorizaram<br />

a gravidade, e outros assumiram receio de contágio. }<br />

30 31


GH estudo apah<br />

“<br />

9% DOS PORTUGUESES (775.000)<br />

TIVERAM MARCADA UMA<br />

CONSULTA DE TELEMEDICINA,<br />

COM A MAIORIA A TER JÁ SIDO<br />

REALIZADA. CONTUDO,<br />

NESTES CASOS, A QUASE<br />

TOTALIDADE DOS CONTACTOS<br />

(95%) FOI REALIZADA<br />

POR TELEFONE.<br />

”<br />

Olhando para atos clínicos previamente marcados relacionados<br />

com a sua doença crónica, o cenário é semelhante<br />

ao da restante população: 38% das marcações acabaram<br />

por não ocorrer, por cancelamento ou adiamento.<br />

Tudo contabilizado, quase 400.000 doentes crónicos em<br />

Portugal deixaram de aceder a cuidados médicos relacionados<br />

com a sua patologia.<br />

Oportunidades para o futuro: a emergência (lenta)<br />

do consultório digital<br />

Se, em algumas áreas da sociedade, a pandemia forçou um<br />

desenvolvimento acelerado das potencialidades tecnológicas<br />

ao nível da ligação entre pessoas e entidades (basta<br />

pensar, como exemplos, no teletrabalho ou na explosão<br />

do e-commerce), esse efeito mostra-se, até ver, mais modesto<br />

na área da Saúde.<br />

9% dos portugueses (775.000) tiveram marcada uma consulta<br />

de telemedicina, com a maioria a ter já sido realizada.<br />

Contudo, nestes casos, a quase totalidade dos contactos<br />

(95%) foi realizada por telefone, redundando numa<br />

utilização ainda pouco efetiva da tecnologia disponível.<br />

De resto, as reações do lado dos doentes/utentes não se<br />

podem classificar de efusivas: aqueles que tiveram uma<br />

consulta à distância mostram-se moderadamente agradados<br />

com a mesma, mas mesmo assim, 80% destes doentes<br />

dizem que preferiam ter sido vistos presencialmente<br />

(em alternativa ou em complemento à teleconsulta). Entre<br />

aqueles que a quem não foi oferecida a possibilidade<br />

de uma consulta à distância, a maioria diz que também<br />

não teria interesse nessa solução.<br />

Mesmo assim, os portugueses descortinam aspetos positivos<br />

neste contacto à distância, concordando nas vantagens<br />

do prolongamento deste modelo além dos tempos<br />

de pandemia. Esta posição é especialmente prevalente<br />

entre doentes crónicos, que veem aqui uma boa alternativa<br />

a consultas de seguimento ou contactos pontuais<br />

com o médico, reduzindo assim as deslocações.<br />

Um alargamento para fora deste contexto mais estrito,<br />

contudo, obrigará a uma maior aposta nas soluções de<br />

contacto, de modo a encurtar a distância qualitativa entre<br />

o contacto presencial e este novo modelo de consultório<br />

digital.<br />

Acesso a medicação assegurado<br />

A merecer nota mais positiva está o acesso a medicação<br />

durante a pandemia. Não só pelo facto de não ter ocorrido<br />

uma rutura efetiva do stock, mas também pela forma<br />

mais facilitada de acesso do doentes às suas prescrições.<br />

A possibilidade de pedir ou renovar receituário à distância<br />

(por telefone, por email, com comunicação direta para as<br />

farmácias de bairro) veio agilizar o processo, mantendo<br />

ao mesmo tempo os doentes em segurança, ao limitar as<br />

suas deslocações às unidades de saúde.<br />

Da mesma forma, 60% dos doentes crónicos (228.000)<br />

que anteriormente recebiam medicação no hospital, puderam<br />

passar a recolhê-la nas farmácias de bairro. Esta<br />

medida foi quase universalmente aplaudida, com os doentes<br />

a destacarem a maior comodidade, segurança e de<br />

poder evitar a deslocação ao hospital.<br />

Estas medidas são vistas como muito positivas para a gestão<br />

da doença, fazendo para os portugueses sentido que<br />

se mantenham após pandemia.<br />

Ficha técnica<br />

O Universo deste estudo é constituído pelos indivíduos<br />

com 18 e mais anos, residentes em Portugal continental.<br />

A amostra final foi constituída por 1.009 indivíduos,<br />

selecionados através do método de quotas, com base<br />

numa matriz que cruzou as variáveis sexo, idade, instrução<br />

(homens), ocupação (mulheres), região e habitat/dimensão<br />

dos agregados populacionais, de forma a assegurar<br />

a proporcionalidade face à população portuguesa (a<br />

margem de erro é de 3,1% para um intervalo de confiança<br />

de 95%). Os dados foram posteriormente ponderados<br />

para o universo da população em estudo, 8.251<br />

milhões de indivíduos.<br />

A informação foi recolhida através de entrevista direta<br />

e pessoal, em total privacidade, com base num questionário<br />

estruturado, elaborado pela equipa do projeto e pela<br />

GfK Metris.<br />

Os trabalhos de campo decorreram entre os dias 28 de<br />

agosto a 8 de setembro de <strong>2020</strong>, e foram realizados por<br />

entrevistadores recrutados e treinados pela GfK Metris,<br />

que receberam uma formação adequada às especificidades<br />

deste estudo. Ã<br />

NINGUÉM PODE<br />

ENFRENTAR OS DESAFIOS<br />

DE SAÚDE SOZINHO<br />

Medtronic Integrated Health Solutions apoia<br />

os hospitais portugueses no alívio do gap de<br />

capacidade pós Covid-19<br />

MAXIMIZAR a capacidade do sistema através<br />

de soluções que aumentam e melhoram a oferta.<br />

MINIMIZAR o impacto nos doentes através de soluções<br />

que otimizam a prestação de cuidados.<br />

32<br />

UCXXXXXXXXX UC202111707 PT PT ©<strong>2020</strong> Medtronic. Todos os os direitos reservados.


GH estudo apah<br />

A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA<br />

NOS HOSPITAIS DO SNS 1<br />

Mauro Serapioni<br />

Investigador sénior, Centro de Estudos Sociais,<br />

Universidade de Coimbra<br />

Alfredo Campos<br />

Investigador júnior, Centro de Estudos Sociais,<br />

Universidade de Coimbra<br />

O<br />

tema da participação pública tem assumido<br />

uma grande relevância nos países<br />

ocidentais, tanto pelas iniciativas promovidas<br />

pelas instituições públicas, como<br />

pela demanda de maior envolvimento<br />

por parte das associações e grupos organizados da sociedade<br />

civil (Crisóstomo e Santos, 2018). Este intenso debate<br />

está presente ativamente nos sistemas de saúde desde<br />

a década de 1980. Várias organizações internacionais<br />

e mesmo a Organização Mundial da Saúde têm vindo a<br />

exortar os governos nacionais e regionais para a necessidade<br />

de desenvolver espaços públicos, ancorados na sociedade<br />

civil, como lugares apropriados para a democratização<br />

dos sistemas de saúde. De entre os inúmeros argumentos<br />

apontados pela literatura a favor da participação<br />

dos cidadãos na tomada de decisões em saúde, vale mencionar<br />

os seguintes (Serapioni, 2018):<br />

• Valoriza o saber e a experiência dos pacientes, melhorando<br />

a qualidade das decisões dos resultados de saúde;<br />

• Contribui para o incremento da responsabilidade e da<br />

transparência nos serviços de saúde;<br />

• Aumenta o empoderamento do paciente;<br />

• Fortalece as atividades de promoção da saúde;<br />

• Reforça a representatividade dos grupos mais vulneráveis.<br />

Mas como deve ser desenhada e implementada a participação<br />

nas instituições de saúde? A experiência neste<br />

campo mostra que, apesar de algumas boas intenções e<br />

esforços apreciáveis, o grau de institucionalização da participação<br />

ainda está longe de ser satisfatório (Conklin et<br />

al., 2015). As literaturas internacionais têm apontado os<br />

seguintes pontos críticos da participação em saúde:<br />

• Problema de representatividade dos mecanismos de<br />

participação, que não conseguem envolver os grupos vulneráveis<br />

(Li et al., 2015);<br />

• Necessidade de criar espaços deliberativos mais democráticos<br />

capazes de aumentar a legitimidade das decisões<br />

(Fung, 2015);<br />

• Insuficientes avaliações da efetividade das experiências<br />

de participação (Serapioni, 2018).<br />

A participação nos hospitais: experiências internacionais<br />

No que diz respeito à participação pública nas instituições<br />

hospitalares, é importante destacar as poucas experiências<br />

divulgadas internacionalmente. A literatura consultada<br />

geralmente relata as iniciativas de participação nos sistemas<br />

locais de saúde, sem evidenciar especificamente o<br />

envolvimento das associações e de utentes nos hospitais.<br />

Entre as experiências identificadas, é interessante realçar<br />

um estudo comparativo realizado no âmbito da União<br />

Europeia, no qual participou também Portugal, junto com<br />

República Checa, França, Alemanha, Polónia, Espanha e<br />

Turquia, cujo objetivo era analisar o envolvimento de representantes<br />

de doentes na gestão da qualidade (Groene<br />

et al., 2014). O resultado, além de destacar um baixo nível<br />

de participação, não evidenciou uma associação positiva<br />

entre envolvimento e a implementação de atividades de<br />

cuidado focadas nos doentes. Outro estudo avaliou a<br />

efetividade da participação dos ‘Comités de stakeholders’<br />

na tomada de decisões sobre políticas, em seis hospitais<br />

flamengos, na Bélgica (Malfait et al., 2018). Os resultados<br />

indicaram a debilidade dos Comités e apontaram as<br />

seguintes recomendações: as discussões devem tratar<br />

também de questões operacionais e não somente de<br />

assuntos estratégicos que silenciam a voz dos representantes<br />

dos utentes; os comités devem ser apoiados externamente<br />

por associação de doentes; devem dispor de<br />

mais autonomia; e os participantes devem aprimorar a<br />

própria formação. É interessante também a experiência<br />

dos Comités Consultivos Mistos (CCM) operantes nos<br />

hospitais e nos distritos de saúde da região Emilia-Romagna,<br />

em Itália (Serapioni e Duxbury, 2012), que evidenciou<br />

dois pontos críticos em relação à representatividade: o<br />

primeiro diz respeito ao risco dos representantes das associações<br />

de doentes nos CCM se preocuparem apenas<br />

pelas condições de saúde dos próprios membros e não<br />

dos interesses de todos os utentes; o segundo destaca<br />

um tema bem conhecido na literatura internacional e diz<br />

respeito à baixa participação dos jovens nos conselhos<br />

de saúde.<br />

Objetivos e método do estudo<br />

Este artigo apresenta os resultados de um estudo sobre<br />

participação pública nos hospitais do Serviço Nacional de<br />

Saúde (SNS) de Portugal, através dos seus Conselhos<br />

Consultivos (CC). Os principais objetivos do estudo foram<br />

compreender o nível de implantação dos CC e identificar,<br />

na perspetiva dos Presidentes das Instituições <strong>Hospitalar</strong>es<br />

(IH), as áreas e atividades com maior potencial de<br />

participação das associações de utentes (em Portugal comumente<br />

definidas Comissões de utentes). O estudo foi<br />

realizado através de um inquérito online enviado a todos<br />

os Presidentes das IH do SNS. Do total de 49 inquéritos<br />

enviados aos Presidentes das IH, foram respondidos<br />

45 (cerca de 91%). Destes, 45 foram considerados para<br />

a análise da existência dos CC, mas somente 33 (67%)<br />

foram tidos como válidos para a inclusão na globalidade<br />

da análise, tendo sido completados em sua maior parte.<br />

Resultados<br />

A primeira parte do inquérito propunha-se recolher informações<br />

acerca da presença e funcionamento dos CC, assim<br />

como as perceções sobre o seu nível de atuação. Na<br />

maioria das IH (34 de 45, ou seja, em 75,6%) existe o CC,<br />

mas somente em 16 delas (35,6%), existe com mandato<br />

em vigor. Em 18 IH (40%) existe sem mandato em vigor, e<br />

em 11 (24,4%) o CC nunca foi constituído (Fig. 1). }<br />

Figura 1: Configuração dos conselhos consultivos.<br />

34 35


GH estudo apah<br />

Figura 2: Opiniões sobre papel das associações dos utentes.<br />

Na maioria das IH (74,1%) os CC incluem representantes<br />

dos utentes, mas não recebem nenhum tipo de facilitação<br />

e ajuda de custos para incentivar a participação nas IH.<br />

Relativamente ao número de reuniões dos CC, importa<br />

assinalar o alto número de respostas - 57% em 2018 e<br />

cerca de 60% em 2019 - que indicaram que não reuniram<br />

nenhuma vez. Este insuficiente nível de atuação é<br />

confirmado pela limitada participação dos CC nas atividades<br />

previstas pelo Decreto-Lei <strong>23</strong>3/2005 e 18/2017. De<br />

facto, os CC “apreciam os planos de atividades”, somente<br />

em 22 IH, “emitem recomendações para o melhor<br />

funcionamento das IH” em 21 IH, e “apreciam o relatório<br />

anual sobre reclamações, sugestões e elogios dos<br />

utentes” apenas em 11 IH. Estes dados indicam a urgente<br />

necessidade de aumentar tanto o número das reuniões,<br />

como o envolvimento do CC nas atividades de planeamento,<br />

avaliação e de consulta, assim como previsto na<br />

normativa nacional.<br />

Inquiridos sobre o “nível de influência que geralmente<br />

exercem as propostas do CC” e a capacidade dos CC<br />

de “representar os interesses e direitos dos utentes”, os<br />

respondentes dividiram-se em duas partes iguais, nas duas<br />

perguntas: 50% avaliou positivamente o papel dos CC e<br />

50 % negativamente.<br />

A segunda parte do inquérito procurou recolher as perceções<br />

dos Presidentes sobre o envolvimento dos representantes<br />

dos utentes e as modalidades de participação<br />

nas IH. Neste sentido, as perguntas orientadas a conhecer<br />

as opiniões sobre o papel das associações de utentes<br />

deram respostas interessantes. Os Presidentes concordaram<br />

com o envolvimento dos representantes das associações<br />

nas atividades referidas na figura 2.<br />

Porém, a maioria (54,6%) não concorda com a hipótese<br />

de “conferir maior poder as comissões de utentes para<br />

tomar decisões”. Esta oposição é ainda maior nas IH com<br />

CC com mandato em vigor (69,3%), do que nas IH onde<br />

existe um CC sem mandato em vigor (53,3%), e nas IH<br />

onde os CC nunca foram implantados (20%) (Fig. 3).<br />

Estes dados exigiriam uma investigação adicional para compreender<br />

por que, em unidades onde já existem conselhos<br />

de saúde, os Presidentes mostram menos interesse<br />

em aumentar o poder dos comités de utentes, a fim de<br />

identificar a quais possíveis fatores essa opinião pode estar<br />

relacionada. Pode ser o resultado da experiência adquirida<br />

com os CC em funcionamento ou pode depender do fato<br />

de os Presidentes considerarem que os CC não são suficientemente<br />

representativos dos cidadãos em geral?<br />

Outro bloco de perguntas do inquérito teve como objetivo<br />

captar as perceções dos Presidentes sobre a hipótese<br />

de envolver as associações de utentes em alguns<br />

momentos e etapas do processo de decisão nas IH. Os<br />

resultados apontam para um elevado consenso dos respondentes<br />

(acima de 70%) quanto ao envolvimento das<br />

associações de utentes nos seguintes aspetos do processo<br />

de decisão (Figura 4):<br />

Somente em dois aspetos do processo de decisão, os Presidentes<br />

manifestaram um baixo nível de interesse para implicar<br />

as associações de utentes, nomeadamente na participação<br />

nas “decisões sobre (re)organização dos serviços dos<br />

hospitais” (28,1%) e nas “comissões de ética das IH” (28,1%).<br />

Em relação às estratégias de <strong>Gestão</strong> da Qualidade promovidas<br />

pelas instituições hospitalares, o inquérito pretendeu<br />

recolher as opiniões dos Presidentes acerca de um<br />

possível envolvimento das associações de utentes nas atividades<br />

voltadas à melhoria e avaliação da qualidade dos<br />

serviços de saúde. Neste prisma destacam-se duas atividades<br />

em que, na opinião da maioria dos respondentes,<br />

as associações de utentes deveriam ser ‘sempre’ ou ‘geralmente’<br />

envolvidas, isto é, nos ‘projetos de melhoria da<br />

qualidade’ (51,6%) e na ‘discussão de resultados de melhoria<br />

da qualidade’ (58%).<br />

Inquiridos sobre como fortalecer a participação dos utentes<br />

nas IH, os Presidentes assinalaram (em ordem de importância<br />

e podendo optar por mais de uma resposta),<br />

os fatores reportados na figura 5. A maioria das respostas<br />

identifica o importante papel dos profissionais e dos dirigentes<br />

na promoção da participação nas IH. Este dado<br />

confirma os resultados de outras investigações nacionais<br />

e internacionais (De Freitas, 2017; Boivin, et al., 2014)<br />

No final do inquérito foi inserida uma pergunta aberta<br />

com a finalidade de obter opiniões sobre o que poderia<br />

Figura 3: Opinião sobre papel das associações segundo a situação dos CC.<br />

contribuir para reforçar a participação dos representantes<br />

dos utentes e pessoas com doença nos processos de<br />

decisão das IH. De uma primeira análise das <strong>23</strong> sugestões<br />

e propostas apontadas conseguimos diferenciar os<br />

aspetos críticos do envolvimento das associações nas IH<br />

em duas categorias:<br />

• As que, na opinião de 13 Presidentes, dependem da<br />

cultura institucional ainda não suficientemente preparada<br />

para valorizar a perspetiva de doentes e utentes, realçando,<br />

em particular, as atitudes e as resistências dos profissionais,<br />

mas também dos dirigentes;<br />

• As que, de acordo com o parecer de 10 respondentes,<br />

se relacionam com as limitações e dificuldades de atuação<br />

das mesmas associações de utentes.<br />

Conclusões<br />

Os resultados do inquérito oferecem uma nítida imagem<br />

da limitada atuação dos CC nas IH do SNS, quer pelo<br />

número de reuniões, quer pela insuficiência de atividades<br />

desenvolvidas. Os resultados, portanto, proporcionam ricas<br />

informações para promover atividades de sensibilização<br />

sobre participação pública nas IH. Neste prisma, a administração<br />

das IH tem um papel importante a desempenhar<br />

na qualificação e consolidação da participação pública,<br />

podendo:<br />

• Criar novos CC;<br />

• Impulsar a renovação dos CC atualmente sem mandato<br />

em vigor; }<br />

36 37


GH estudo apah<br />

• Incrementar o número de reuniões;<br />

• Incentivar a participação dos representantes dos utentes<br />

nas atividades previstas pela normativa nacional;<br />

• Garantir ajudas de custo e outras facilitações;<br />

• Promover atividades de informação e formação, para profissionais,<br />

administradores, e membros das Ligas de Amigos,<br />

sobre as potencialidades e vantagens da participação nas IH.<br />

Como ressalta a literatura internacional, a participação é um<br />

fenómeno social muito complexo que envolve muitas dimensões:<br />

económicas, socias, políticas e culturais. As responsabilidades<br />

dos insucessos e da insuficiente participação<br />

realizada em nível internacional assentam tanto no sistema<br />

de saúde - ainda baseado numa organização não suficientemente<br />

aberta às demandas do ambiente social - como nas<br />

insuficientes formas de protagonismo social e de prática participativa<br />

implementadas pelas associações.<br />

Inquiridos sobre como fortalecer a participação dos utentes<br />

nas IH, os Presidentes assinalaram (em ordem de importância<br />

e podendo optar por mais de uma resposta), os fatores<br />

reportados na figura 5. A maioria das respostas identifica<br />

o importante papel dos profissionais e dos dirigentes na<br />

promoção da participação nas IH. Este dato confirma os resultados<br />

de outras investigações nacionais e internacionais<br />

(De Freitas, 2017; Boivin, et al., 2014). Realçam interessantes<br />

pontos críticos que põem em causa tanto a responsabilidade<br />

de profissionais e gestores (aspetos institucionais) como as<br />

dificuldades que encontram associações de utentes nas atividades<br />

de representação e defesa dos direitos dos cidadãos.<br />

Porém, o primeiro passo para iniciar a mudança é responsabilidade<br />

do sistema de saúde, neste caso das IH. É neste<br />

processo de intervenção promovido pela APAH que se inserem<br />

os resultados deste estudo. Ã<br />

1. Os autores agradecem a colaboração de Margarida Santos e de Sofia Crisóstomo<br />

do “Programa MAIS PARTICIPAÇÃO, melhor saúde”, na fase de elaboração<br />

do inquérito e na discussão dos resultados preliminares. Agradecem também a cooperação<br />

constante de Miguel Lopes, Secretário Geral da APAH, e da equipa da<br />

secretaria, durante a fase da pesquisa de campo.<br />

• Boivin, A; Lehoux, P; Burgers, J; Grol, R (2014), What Are the Key Ingredients for<br />

Effective Public Involvement in Health Care Improvement and Policy Decisions?<br />

A Randomized Trial Process Evaluation, The Milbank Quarterly, 92, 2, 319-350.<br />

• Crisóstomo, S.; Santos, M. (2018), Participação pública na saúde: das ideias à ação<br />

em Portugal, Revista Crítica de Ciências Sociais, 117, 167-186.<br />

• Conklin, A; Morris, Z; Nolte, E (2015), What is the Evidence Base for Public<br />

Involvement in Health-Care Policy? Results of a Systematic Scoping Review, Health<br />

Expectations, 18(2), 153-165.<br />

• De Freitas, C (2017), Editorial. Public and patient participation in health policy, care<br />

and research Porto Biomedical Journal; 2(2):31-32.<br />

• Fung, A (2015), Putting the Public Back into Governance: The Challenges of Citizen<br />

Participation and Its Future, Public Administration Review, 75(4), 513-522.<br />

• Groene, O. (2014), Involvement of patients or their representatives in quality management<br />

functions in EU hospitals: implementation and impact on patient-centred<br />

care strategies, International Journal for Quality in Health Care; Volume 26, Number<br />

S1: pp. 81-91.<br />

• Li, K; Abelson, J; Giacomini, M; Contandriopoulos, D (2015), Conceptualizing the<br />

Use of Public Involvement in Health Policy Decision-Making, Social Science & Medicine,<br />

138, 14-21.<br />

• Malfait, S. et al. Patient and public involvement in hospital policy-making: Identifying<br />

key elements for effective participation. Health Policy (2018).<br />

• Serapioni, M (2018), Participação pública nos sistemas de saúde. Uma introdução,<br />

Revista Crítica de Ciências Sociais, 117, 91-98.<br />

• Serapioni, M; Duxbury, N (2012), Citizens' Participation in the Italian Healthcare<br />

System: The Experience of the Mixed Advisory Committees, Health Expectations.<br />

Figura 5: Fatores que fortalecem a participação nas IH.<br />

Figura 4: Opinião sobre envolvimento associações de utentes nos processos de decisão das IH.<br />

38


GH SAÚDE MILITAR<br />

COVID 19: AS LIÇÕES<br />

QUE SÓ RECORDAREMOS<br />

NA PRÓXIMA PANDEMIA<br />

Carlos Penha Gonçalves<br />

Coronel Médico-Veterinário (Reserva)<br />

A<br />

pandemia que hoje vivemos é em muitos<br />

aspectos inédita, mas tem antecedentes.<br />

Na década passada era clara,<br />

entre os especialistas, a percepção da<br />

possibilidade e eminência de um fenómeno<br />

com a dimensão da pandemia de coronavírus<br />

que está a ocorrer em <strong>2020</strong>-21. De facto, foi inusitada<br />

a frequência de surtos epidémicos e ameaças de pandemias<br />

que assolaram regiões de dimensões sub-continentais<br />

nos primeiros anos do século XXI. Muitas destas doenças<br />

infecciosas emergentes são causadas por agentes<br />

zoonóticos que se transmitem dos animais aos seres humanos.<br />

Foram os casos da Síndrome Respiratória Aguda<br />

Grave (SARS, 2002-2003), Gripe das Aves (H5N1, 2005),<br />

Gripe Suína (gripe pandémica H1N1, 2009), Síndrome<br />

Respiratória do Médio Oriente (MERS, 2013), Ébola<br />

(2014-2016), Zika (2015-2016), Febre Amarela (2016) e<br />

novamente Ébola (2018-<strong>2020</strong>). Estas emergências de<br />

Saúde Pública foram marcantes pela magnitude do impacto<br />

negativo na economia e capacidade de indução de<br />

medo nas populações, mas de modo mais preocupante<br />

evidenciaram importantes fragilidades dos sistemas de<br />

resposta existentes.<br />

Cooperação internacional<br />

Assumindo com clareza que estes desafios são globais<br />

algumas iniciativas foram tomadas no plano internacional<br />

para aprofundar planos e procurar soluções. Talvez a<br />

mais proeminente seja a Global Health Security Agenda<br />

inicialmente promovida pela Administração Obama (em<br />

2014), a que Portugal aderiu desde a primeira hora, e<br />

que entretanto tem seguimento (até 2024) no contexto<br />

da Organização das Nações Unidas/OMS. Esta iniciativa<br />

tem como objectivo capacitar os Países (e seus territórios)<br />

para cumprir as exigências do Regulamento Sanitário<br />

Internacional, especialmente no que diz respeito<br />

à implementação de capacidades de vigilância epidemiológica.<br />

Estas capacidades são necessárias ao cumprimento<br />

da obrigação que os Países têm de notificar surtos<br />

de doenças infecciosas com potencial pandémico e<br />

de reportar à ONU/OMS dados sobre a incidência de<br />

doenças consideradas Emergências de Saúde Pública<br />

Internacionais.<br />

A Global Health Security Agenda visa apoiar os Países<br />

através do estabelecimento de redes internacionais de<br />

laboratórios, órgãos de gestão internacional para partilha<br />

de materiais e reagentes necessários à resposta a<br />

epidemias, sistemas de informação epidemiológica e<br />

treino de pessoal para operar em laboratórios de bio-<br />

-segurança e em equipas de vigilância epidemiológica<br />

de emergência. Desde 2014 esta ação beneficiou mais<br />

de uma centena de Países na avaliação das suas capacidades<br />

de resposta a emergências epidemiológicas e<br />

também no incremento das capacidades de vigilância<br />

epidemiológica em países com menos recursos. No entanto,<br />

foi confrangedor assistir à tibieza da cooperação<br />

internacional durante a primeira, e mais incerta, fase da<br />

pandemia que gerou uma incompreensível sensação de<br />

"salve-se quem puder" no acesso ao mercado internacional<br />

dos recursos materiais necessários. O mesmo se<br />

parece estar a desenhar no acesso às vacinas, com os<br />

países ricos a "reservarem" a sua quota e os países mais<br />

desprotegidos sem capacidade negocial. Ou seja, a competição<br />

subjugou a cooperação e, a expectativa de que<br />

o combate teria de ser global desvaneceu-se e deu lugar<br />

a divergentes e conflituantes estratégias de proteção<br />

de interesses nacionais. Foi também notória a falta de<br />

um mecanismo internacional com autoridade/capacidade<br />

de regulação da resposta a emergências, o qual, por<br />

semelhança de argumentos, dificilmente existirá quando<br />

eclodir a próxima pandemia. Apesar da inexorável<br />

trajetória para um mundo interdependente, a pandemia<br />

Covid-19 demonstrou a necessidade de identificar<br />

capacidades "core" nacionais, que devem ser mantidas<br />

como fator de independência e autonomia na resposta<br />

a emergências epidémicas.<br />

Alerta e resposta<br />

Considerando os antecedentes acima descritos havia<br />

suficiente informação sobre a possibilidade de uma pandemia<br />

e é legítimo perguntar, então porque é que "ninguém"<br />

estava preparado para responder (a tempo e horas)<br />

à Covid-19, enquanto assistíamos à disseminação da<br />

doença de um país a outro? Porque é que "todos" foram<br />

surpreendidos? Porque é que não havia capacidade de<br />

diagnóstico, porque é que não havia máscaras, porque<br />

é que não havia equipamentos de proteção individual,<br />

porque é que não houve controlo nas fronteiras? Tudo<br />

tinha sido pensado, equacionado e em muitos casos até<br />

planeado. Porque é que não funcionou? É aceitável argumentar<br />

que muitos países não têm capacidade instalada<br />

para operar sistemas de vigilância epidemiológica com<br />

penetração territorial e populacional suficiente para controlar<br />

doenças de alta transmissibilidade, como é o caso<br />

da Covid-19. Mas esse não é o caso dos países mais desenvolvidos<br />

que apesar da robustez dos seus sistemas<br />

estão a ser devastadoramente atingidos pela doença.<br />

No crucial período inicial de expansão pandémica houve,<br />

pelo menos ao nível comunicacional, uma clara desvalorização<br />

da dimensão da ameaça que se iria pôr aos<br />

países ocidentais, possivelmente com o intuito de evitar<br />

a indução de medo na população ou estragos para a<br />

economia. Mas as hesitações em assumir o desafio neste<br />

período crucial, não permitiram que em muitos países<br />

desenvolvidos os sistemas de resposta fossem "municiados"<br />

com pessoal treinado e materiais apropriados para<br />

responder à ameaça da pandemia. Nuns casos os planos<br />

de preparação existiriam mas não foram ativados<br />

atempadamente e noutros casos o planeamento e treino<br />

terão sido manifestamente insuficientes, apesar de<br />

todos os avisos ao longo da última década.<br />

As não-decisões na ativação de planos de preparação }<br />

40 41


GH SAÚDE MILITAR<br />

aos primeiros sinais de uma potencial ameaça pandémica,<br />

falharam a janela de oportunidade para protelar a<br />

introdução e disseminação da doença e, muito rapidamente<br />

evoluímos (pelo menos na Europa e nas Américas)<br />

para as fases de contenção da transmissão e de<br />

mitigação dos seus efeitos. Existem nesta circunstância<br />

muitas atenuantes, pois é certo que se tratava de uma<br />

doença desconhecida e de um agente viral novo com<br />

transmissibilidade inusitadamente elevada. Mas, quando<br />

era já evidente a ameaça pandémica, houve claramente<br />

condicionalismos e critérios extra-sanitários que retardaram<br />

o acionamento dos sistemas de detecção e<br />

vigilância e a implementação de contra-medidas. Esses<br />

condicionalismos vão provavelmente manter-se e fazem<br />

antever que na próxima pandemia esta lição aprendida<br />

sobre o acionamento dos alertas e a precocidade da ativação<br />

da resposta poderá ser amargamente esquecida.<br />

Colaboração multissectorial<br />

Muitos se perguntam porque é que na fase de mitigação,<br />

a dinâmica da pandemia ultrapassou tão rapidamente a<br />

capacidade de resposta dos sistemas de saúde mais robustos<br />

do mundo. Terá havido nalguns países decisões e<br />

posicionamentos menos acertados que em parte serão<br />

compreensíveis à luz da incerteza da situação e da sua<br />

enorme escala. Todavia o conhecimento acumulado na<br />

esfera da biosegurança e da biodefesa preconizava que o<br />

desenvolvimento de sistemas de detecção precoce (early<br />

detection), o treino de equipas de campo para investigação<br />

epidemiológica e as reservas de material e equipamento<br />

eram factores-chave para a eficácia dos planos de<br />

contingência e contenção. Estava também bem definido<br />

que a eficiência dos sistemas de repostas deveriam estar<br />

baseados na articulação de diversos departamentos da<br />

Administração do Estado e no emprego coordenado da<br />

grande diversidade de competências técnicas e de meios<br />

materiais. Sabia-se que eram requeridos mecanismos de<br />

coordenação e cooperação multissectorial para potenciação<br />

de meios já existentes de modo a coaptá-los às<br />

necessidades levantadas pela pandemia.<br />

Surpreendentemente, a grande maioria dos países apenas<br />

procurou gerir a sua resposta tendo como instrumento<br />

quase único os seus sistemas de saúde. Outros<br />

sectores da sociedade foram chamados em fases mais<br />

adiantadas do processo mas, em grande parte do mundo<br />

ocidental a implementação das decisões epidemiológicas<br />

ficou sobretudo a cargo de uma saúde pública<br />

que já estava muito sobrecarregada. Por exemplo, os<br />

sectores académicos, da defesa e da proteção social<br />

foram apenas envolvidos pontualmente, muitas vezes<br />

recorrendo a solicitações inusitadas. Vários sectores<br />

da sociedade incluindo atores locais intervieram muita<br />

vezes por modus próprio revelando a pouca eficiência<br />

dos mecanismos disponíveis de coordenação intersectorial.<br />

A Covid-19 deixou claro que a cooperação intersectorial<br />

entre departamentos do estado e com atores<br />

locais e não estatais deve ser planeada e treinada.<br />

Mas devemo-nos perguntar se na próxima pandemia a<br />

transversalidade entre sectores vai funcionar. Teremos<br />

agora algum tempo para estabelecer um modus operandi<br />

na gestão das respostas de emergência e definir<br />

mecanismos para ultrapassar a cultura de isolacionismo<br />

dos departamentos do Estado. Se o planeamento desta<br />

cooperação não for estimulada, então seguramente esqueceremos<br />

a lição de que a organização do emprego<br />

das competências e dos meios disponíveis é o modo<br />

mais eficaz de enfrentar uma emergência.<br />

Emprego dos sistemas de saúde<br />

Foram muito poucos os que fizeram notar que o emprego<br />

dos sistemas de saúde teve racionalidade pouco<br />

clara. Há quem se interrogue porque é que a rede de<br />

cuidados primários não foi envolvida na resposta à pandemia<br />

e pelo contrário foi reduzida a sua atividade. É<br />

contra-intuitivo usar na primeira linha os hospitais mais<br />

diferenciados e os meios mais sofisticados sem o apoio<br />

de uma cadeia de triagem que despistasse os assintomáticos<br />

e retivesse os casos ligeiros. A pressão sobre a<br />

primeira linha, que afinal era a última linha, prolongou-se<br />

degradando a resiliência hospitalar de tal modo que o<br />

combate à pandemia se centra agora em impor medidas<br />

restritivas de circulação, mobilidade e convívio social<br />

tendo como referência as estimativas de capacidade disponível<br />

em cuidados intensivos. Ou seja, esta estratégia<br />

hipotecou nas primeiras fases os recursos humanos e<br />

materiais mais preciosos dos sistemas de saúde deixando-os<br />

sem munições para um combate que ainda não<br />

sabemos quanto tempo vai durar. A justificação por esta<br />

opção poderá ser simples: a rede de cuidados saúde primários<br />

não estava treinada, não estava equipada e não<br />

foi preparada para poder prestar um apoio eficaz na<br />

referenciação e acompanhamento dos casos. Será que<br />

na próxima pandemia os profissionais e as estruturas da<br />

saúde comunitária estarão devidamente apetrechadas<br />

para intervirem desde o primeiro momento?<br />

A reduzida capacidade de diagnóstico laboratorial molecular<br />

foi uma limitação importante na implementação de<br />

medidas de contenção da pandemia. Em muitos países<br />

houve dificuldades no acesso a reagentes. Mas noutros,<br />

incluindo Portugal, a impreparação do sistema de saúde<br />

para realizar testes moleculares foi evidente. A rede<br />

dos sistemas de saúde e em particular os serviços de<br />

Patologia Clínica dos hospitais demonstraram reduzida<br />

competência no diagnóstico molecular e na operação<br />

em condições de bio-segurança exigidas durante esta<br />

pandemia. Esta situação é tanto mais intrigante quanto,<br />

pelos menos em Portugal, existe um grande número de<br />

biólogos moleculares que estão sub-aproveitados e facilmente<br />

poderiam ser recrutados para os serviços hospitalares<br />

proporcionando competências e qualidade no<br />

diagnóstico molecular em toda a rede hospitalar. Esperemos<br />

pois, que antes da próxima pandemia a orgânica<br />

interna dos serviços de patologia clínica se empenhem<br />

“<br />

A PANDEMIA QUE VIVEMOS<br />

TEM DIMENSÃO HISTÓRICA<br />

E FICARÁ REGISTADA COMO<br />

UMA DAS GRANDES PANDEMIAS<br />

QUE AFECTARAM A HUMANIDADE,<br />

DEIXANDO-NOS MUITAS LIÇÕES.<br />

SERÁ QUE SERÃO APRENDIDAS?<br />

SERIA BOM QUE NÃO<br />

AS ESQUECÊSSEMOS.<br />

”<br />

em incorporar as competências da biologia molecular<br />

capacitando os hospitais para executar de modo autónomo<br />

diagnósticos moleculares que serão cada vez mais<br />

a marca de qualidade da patologia clínica e de anatomia<br />

patológica do século XXI.<br />

Um último aspecto da atuação da saúde refere-se às metodologias<br />

de controlo epidemiológico que são o principal<br />

instrumento da saúde pública. Em 1926, Francisco<br />

Castro Bicho afirma na sua tese de doutoramento da<br />

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que<br />

"A luta contra as doenças infecciosas resume-se na participação<br />

dos casos, no isolamento dos doentes, na vigilância<br />

dos contactos e na desinfecção, além de algumas<br />

outras medidas gerais de profilaxia".<br />

Quase cem anos depois a abordagem é muito similar,<br />

nomeadamente no que se refere às atividades de contact-tracing<br />

e vigilância de isolamentos e quarentenas. É<br />

no mínimo decepcionante que já dentro da terceira década<br />

do século da informação, pudéssemos contar tão<br />

pouco com as mais modernas tecnologias de informação<br />

para combater uma doença que ameaça a saúde da<br />

humanidade, a economia global e a estabilidade social à<br />

escala planetária.<br />

A pandemia que vivemos tem dimensão histórica e ficará<br />

registada como uma das grandes pandemias que afectaram<br />

a humanidade, deixando-nos muitas lições. Será que<br />

serão aprendidas? Seria bom que não as esquecêssemos,<br />

porque como disse George Santayana "os que esquecem<br />

o passado estão condenados a repeti-lo". Ã<br />

42 43


GH opinião<br />

A PANDEMIA ANTECIPOU<br />

A MUDANÇA TECNOLÓGICA<br />

EM DÉCADAS<br />

João Pedro Marques<br />

Head of Integrated Health Solutions na Medtronic Portugal<br />

Mudam-se os tempos, mudam-se as<br />

vontades! A pandemia trouxe desafios<br />

sem precedentes e uma necessidade<br />

sem precedentes de uma<br />

transformação tecnológica.<br />

Desde o primeiro dia de pandemia<br />

É por reconhecer isso que a Medtronic tem estado, desde<br />

o dia 1, ao lado dos profissionais de saúde no combate<br />

ao Covid-19. Não nos limitámos à doação de material<br />

de proteção, à continuidade de apoio técnico em cirurgias<br />

e de fornecimento das nossas tecnologias. Fizemos<br />

mais! Disponibilizámos as especificações técnicas de uma<br />

categoria de ventiladores, para possibilitar que outras empresas,<br />

em caso de disponibilidade, pudessem ajudar a<br />

fazer face à enorme procura e, através da nossa área de<br />

Integrated Health Solutions (IHS), desenvolvemos duas soluções<br />

para apoiar os hospitais e o SNS no esforço para<br />

garantir cuidados de saúde a todos os doentes. Uma<br />

visa a monitorização remota de doentes com Covid em<br />

isolamento domiciliário. Outra, é uma plataforma tecnológica<br />

que pretende ajudar a ultrapassar as dificuldades de<br />

coordenação de cuidados, comunicação, partilha de conhecimento<br />

e tomada de decisão entre profissionais de<br />

saúde que estão à distância. Ambas foram disponibilizadas<br />

gratuitamente durante a fase de crise.<br />

A nova era onde o digital é predominante<br />

O “novo normal” é uma realidade complexa que tem<br />

obrigado a uma adaptação rápida de todos. A forma como<br />

IHS redefiniu a sua proposta de valor tem uma dupla<br />

dimensão: do lado da oferta, através do aumento a capa-<br />

cidade de resposta e, do lado da procura, pela redução<br />

da pressão sobre o sistema através da alteração da forma<br />

de prestação de cuidados.<br />

No que respeita à oferta, ajudamos os hospitais a tirar<br />

máximo partido dos recursos existentes, humanos,<br />

equipamentos e infraestrutura. Por exemplo, através de<br />

soluções para o bloco operatório, suportadas em inteligência<br />

artificial e localização em tempo real, que permitem<br />

programar de forma mais eficiente a atividade diária,<br />

melhorar a experiência do utente e família, reduzir o<br />

stress dos profissionais e dar à gestão uma previsão a 6,<br />

9 ou 12 meses da evolução da lista de espera cirúrgica<br />

e respetivos custos associados, através da simulação de<br />

diferentes cenários.<br />

No que respeita à procura, o objetivo é reduzir visitas desnecessárias<br />

aos hospitais, através do redesenho e digitalização<br />

de percursos e da prestação de cuidados à distância.<br />

Também nesta dimensão, apoiamos o hospital a<br />

aumentar a atividade em ambulatório e a reduzir os tempos<br />

médios de internamento, as complicações e readmissões.<br />

Aqui, a introdução de soluções integradas como os<br />

processos clínicos eletrónicos, adaptáveis e flexíveis, para<br />

digitalização de percursos clínicos, monitorização pré<br />

e pós cirúrgicos, comunicação entre a equipa clínica e o<br />

utente, e disponibilização de informação para capacitação<br />

do doente e cuidadores, são uma realidade cada vez<br />

mais premente.<br />

Outro exemplo, é criação de unidades de monitorização<br />

remota de doentes com dispositivos cardíacos ou bombas<br />

de insulina. São oportunidades disponíveis tecnologicamente,<br />

que permitem dirigir o esforço dos profissionais<br />

de saúde para os doentes que mais precisam, quando<br />

mais precisam, e libertá-los de atividades que não<br />

criam valor.<br />

Esta é uma das mais valias da inovação tecnológica, contribuir<br />

simultaneamente para a melhoria na prestação de<br />

cuidados, a sustentabilidade dos sistemas de saúde e a<br />

satisfação dos profissionais de saúde.<br />

O sucesso de uma solução em saúde tem de ser medido<br />

pelo valor criado, pela melhoria dos outcomes (clínicos,<br />

processo, satisfação de utentes e profissionais) e pela redução<br />

de custos.<br />

Sustentadas em quatro pilares, lean, digital, agile, e conhecimento<br />

em saúde, as soluções que temos implementado<br />

com sucesso integram:<br />

• <strong>Gestão</strong> da mudança, centrada nos utentes e profissionais<br />

de saúde;<br />

• Redesenho e digitalização de processos e percursos clínicos;<br />

• Adoção de soluções de IT, incluindo desenvolvimento<br />

de conteúdos e fluxos de informação, que permitem medir<br />

e perseverar no tempo as mudanças e o valor criado.<br />

Mas a adoção de algumas soluções tecnológicas implica<br />

também uma mudança de paradigma na contratualização<br />

pública. Uma contratação inovadora centrada no valor<br />

criado e não no custo, onde o risco é partilhado, e não<br />

fica apenas na esfera do hospital. Desta forma será possível<br />

continuar a integrar a inovação tecnológica no SNS<br />

de forma sustentável.<br />

O essencial: componente humana<br />

Por último gostaria de sublinhar, neste contexto tecnológico<br />

e digital, a componente humana, a confiança, empatia<br />

e compaixão que caracteriza e vincula a relação entre<br />

os profissionais de saúde e os doentes. As soluções<br />

tecnológicas que abordamos têm, no contexto da prestação<br />

de cuidados de saúde, um desafio que vai muito<br />

além da eficiência.<br />

A complexidade inerente a um contexto onde o equilibro<br />

entre a tecnologia e a vertente humana são fundamentais.<br />

E no equilíbrio entre as duas componentes estará<br />

o futuro, porque é também nesta harmonia que<br />

nós na Medtronic conseguimos alcançar a nossa missão<br />

de aliviar a dor, restabelecer a saúde e prolongar a vida<br />

dos doentes. Ã<br />

44 45


GH espaço ensp<br />

"BARÓMETRO COVID 19<br />

OPINIÃO SOCIAL": O QUE<br />

PENSAM OS PORTUGUESES<br />

EM TEMPO DE COVID 19?<br />

Ana Rita Pedro Ana Gama Ana Marta Moniz Patrícia Soares Pedro Laires Sónia Dias<br />

Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA),<br />

Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP) & Comprehensive Health Research Centre (CHRC)<br />

O<br />

surgimento da SARS-CoV-2 e, consequentemente,<br />

da Covid-19 foi um fenómeno<br />

inédito nas nossas sociedades<br />

atuais, completamente imprevisível, para<br />

o qual ninguém estava preparado.<br />

É atualmente incontornável que esta pandemia veio trazer<br />

novos desafios à comunidade global e à humanidade,<br />

reforçando o papel da Saúde Pública na sociedade. Os<br />

Governos foram obrigados a tomar decisões estratégicas<br />

e políticas sem precedentes, um pouco por todo o<br />

mundo. As principais medidas de combate a esta pandemia<br />

- nomeadamente o distanciamento social, o confinamento,<br />

a quarentena e o isolamento - tiveram, e ainda<br />

têm, um enorme impacto na vida dos cidadãos, que têm<br />

tentado adequar-se a esta nova forma de viver em sociedade.<br />

Um dos grandes desafios prende-se com o facto<br />

de esta pandemia afetar todas as populações e grupos<br />

da sociedade, embora de forma diferente, acentuando<br />

ainda mais as já existentes desigualdades sociais e em<br />

saúde nas nossas sociedades.<br />

Face à ausência de informação oficial sobre como os cidadãos<br />

estão a vivenciar a pandemia e os seus efeitos<br />

reais na vida do quotidiano, a Escola Nacional de Saúde<br />

Pública da Universidade NOVA de Lisboa (ENSP/NO-<br />

VA) lançou, em março, o projeto de investigação “Baró-<br />

metro Covid-19: Opinião Social - O que pensam os portugueses<br />

em tempo de Covid-19?” (https://barometrocovid-19.ensp.unl.pt/opiniao-social/).<br />

Procurando dar voz<br />

aos cidadãos, o projeto pretende acompanhar a evolução<br />

da pandemia provocada pela Covid-19 e identificar as perceções<br />

da população sobre as medidas adotadas neste período<br />

e o seu impacto na sua saúde, bem-estar e quotidiano.<br />

Através de um inquérito online dirigido à população, pretende-se<br />

monitorizar, ao longo das semanas, as opiniões,<br />

perceções e comportamentos das pessoas quanto a algumas<br />

áreas fundamentais da Saúde Pública no momento<br />

atual. Analisam-se questões relacionadas com as medidas<br />

veiculadas pelas autoridades de saúde, a capacidade de<br />

resposta dos serviços de saúde e do governo face à pandemia,<br />

as principais fontes de informação sobre a Covid-<br />

-19 utilizadas, as medidas individuais de proteção adotadas,<br />

o impacto das medidas nas atividades do seu quotidiano,<br />

a rede social de apoio, os estilos de vida e consumos,<br />

o impacto na saúde física e mental, a perceção de risco<br />

face à Covid-19 e a utilização dos serviços de saúde neste<br />

período. O questionário, de preenchimento individual e<br />

anónimo, pode ser respondido por cada participante apenas<br />

uma vez ou regularmente. Tratando-se de um questionário<br />

dinâmico e adaptável a cada momento da evolução<br />

da pandemia e das respostas das autoridades de<br />

saúde, periodicamente o questionário é complementado<br />

com blocos temáticos de perguntas adequados à fase da<br />

pandemia que o país atravessa. Do mesmo modo, algumas<br />

perguntas vão sendo suspensas por se considerar que<br />

em dado momento não são as mais pertinentes.<br />

Com cerca de 190 mil respostas obtidas ao longo de 15 semanas<br />

de recolha de dados, o Barómetro Covid-19: Opinião<br />

Social permitiu analisar de forma rápida a situação<br />

atual e identificar tendências ao longo do período de confinamento,<br />

das primeiras fases de desconfinamento e da<br />

evolução dinâmica da pandemia, tornando-se numa base<br />

de informação para políticas e áreas prioritárias de ação.<br />

Dois meses após o início do confinamento, o Barómetro<br />

Covid-19: Opinião Social confirmou uma intensificação<br />

das sociais com potencial impacto na saúde. Uma análise<br />

dos dados mostrou que foram os grupos socialmente mais<br />

vulneráveis os que mais sofreram um agravamento da sua<br />

situação social e económica, com uma em cada quatro<br />

pessoas com menos de 650€ de rendimento (agregado<br />

familiar) a reportar ter perdido totalmente o seu rendimento,<br />

enquanto que nas categorias de rendimentos<br />

superiores a 2500€, apenas 6% das pessoas perderam<br />

o rendimento. O Barómetro Covid-19: Opinião Social<br />

mostrou também que os grupos socialmente mais vulneráveis<br />

foram os que ficaram mais expostos ao risco de<br />

contrair Covid-19. Durante o período de confinamento<br />

foi nos escalões de rendimento mais baixos que se verificou<br />

a maior proporção de pessoas a ter de ir para o<br />

local de trabalho para exercer a sua atividade: 54% das<br />

pessoas que ganhava menos de 650€ teve de se deslocar<br />

para o local de trabalho, enquanto que 75% das pessoas<br />

com rendimentos superiores a 2500€ desenvolveram a<br />

sua atividade profissional em teletrabalho. Estas diferenças<br />

foram ainda mais acentuadas no que respeita ao nível<br />

de escolaridade, com os dados a mostrarem que foram<br />

as pessoas menos escolarizadas as que podem ter estado<br />

mais expostas: 76% das pessoas com escolaridade até ao<br />

9<strong>º</strong> ano tiveram de ir para o local de trabalho durante o<br />

período de confinamento, enquanto que esta proporção<br />

foi de 26% nas pessoas com ensino superior.<br />

O impacto da pandemia foi também sentido de forma<br />

desigual nos diferentes grupos etários. O Barómetro Covid-19:<br />

Opinião Social expôs que as gerações em idade<br />

ativa (até aos 45 anos) foram os grupos etários mais afetados<br />

pela suspensão da atividade profissional, com a perda<br />

de rendimentos mais significativa e que mais tiveram<br />

de desempenhar a sua atividade no local de trabalho.<br />

O Barómetro Covid-19: Opinião Social analisou e deu<br />

também a conhecer a evolução da utilização dos serviços<br />

de saúde durante a pandemia. Nas primeiras semanas de<br />

confinamento, das pessoas que reportaram ter necessitado<br />

de uma consulta médica, mais de metade (57,6%) não<br />

a teve, ou porque os serviços a desmarcaram (35,2%),<br />

Gráfico 1<br />

ou porque o próprio preferiu não ir (22,4%). O medo<br />

de contrair Covid-19 surge como a principal razão para<br />

preferir não ir à consulta (Gráfico 1).<br />

Ao analisar esta questão em função do escalão de rendimento,<br />

observou-se um gradiente social em que, tendencialmente,<br />

os escalões mais baixos revelaram proporções<br />

maiores de pessoas que, tendo necessidade, não<br />

tiveram consulta.<br />

Quando questionadas sobre a necessidade de ir à urgência<br />

em tempos de Covid-19, dos 5,1% (n=254) que reportaram<br />

ter sentido esta necessidade, mais de um terço<br />

decidiu não ir (34%), situação que foi mais frequente nos<br />

idosos. Também quando questionadas sobre a necessidade<br />

de fazer um tratamento num serviço de saúde em tempos<br />

de Covid-19, dos 7% que referiu ter precisado de fazer<br />

um tratamento (n=350), cerca de 34% não o fez porque<br />

o serviço desmarcou e 28% porque o próprio decidiu<br />

não fazer, e apenas 37% o fez. De referir ainda que<br />

foram mais as mulheres e os idosos quem reportou não<br />

ter feito tratamento. Porém, a partir da primeira fase do<br />

desconfinamento, começámos a assistir a uma inversão<br />

da tendência, com cada vez mais pessoas a reportarem<br />

ter tido consultas médicas e a recorrerem às urgências<br />

em caso de necessidade.<br />

O Barómetro Covid-19: Opinião Social identificou precocemente<br />

efeitos negativos da pandemia ao nível da<br />

saúde mental. Nas primeiras semanas de confinamento,<br />

um quarto dos respondentes considerou sentir-se agitado,<br />

ansioso, em baixo ou triste “todos os dias” ou “quase<br />

todos os dias”. Também 55% dos participantes admitiu<br />

que se sentia assim “alguns dias” (Gráfico 2). }<br />

46 47


GH espaço ensp<br />

Gráfico 2<br />

Revelou ainda que o impacto da pandemia ao nível da<br />

saúde mental estava a ser sentido de forma desigual, considerando<br />

o sexo e a idade da população. As mulheres<br />

e o grupo etário que tende a ser mais ativo profissionalmente<br />

(com idade entre 26 e 65 anos) reportaram<br />

mais sentirem-se ansiosos ou tristes durante o período<br />

de confinamento.<br />

Ainda sobre a saúde mental da população, uma análise<br />

mais aprofundada, destacou-se que 38% dos inquiridos<br />

revelou sentir-se mais agitado ou ansioso comparativamente<br />

com o período antes da pandemia. Também<br />

quase um terço reportou problemas relacionados com<br />

o sono, 25% sentiu que não conseguia fazer tudo o que<br />

tinha de fazer e <strong>23</strong>% referiu estar sempre a pensar em<br />

Covid-19. Em suma, 82% dos respondentes sentiu pelo<br />

menos um efeito negativo na sua saúde mental, desencadeado<br />

pelo período que se viveu em confinamento.<br />

Foram os homens quem mais frequentemente reportou<br />

não ter sentido nenhuma alteração em relação ao período<br />

anterior (25% dos homens, em comparação com 14%<br />

das mulheres).<br />

Em relação ao que as pessoas fizeram para lidar melhor<br />

com a situação, de forma muito destacada, salienta-se o<br />

facto de os respondentes terem mantido o contacto com<br />

os familiares e amigos, mesmo que à distância (80%). Mais<br />

de metade dos respondentes procurou manter rotinas<br />

para os seus dias e aproveitou o tempo também para<br />

fazer coisas que gostava. Cerca de 45% referiu que limitou<br />

a quantidade de informação que via sobre Covid-19.<br />

Mas uma parte dos inquiridos também sentiu dificuldade<br />

para lidar com os tempos de distanciamento social e isolamento.<br />

No entanto, uma percentagem considerável de<br />

participantes revelou que aumentou os comportamentos<br />

nocivos para a saúde, com 16% a admitir comer mais<br />

doces, gorduras ou comidas mais calóricas e 8% a reconhecer<br />

fumar mais ou beber mais álcool.<br />

No que respeita à ansiedade relacionada com estes comportamentos,<br />

verificou-se que quem reportou comportamentos<br />

prejudiciais para a saúde reportou sentir-se ansioso<br />

com mais frequência. No sentido inverso, as pessoas<br />

que praticaram atividade física e quem ocupou o tempo<br />

em casa também com atividades que lhe davam prazer<br />

foram quem referiu sentir-se menos vezes ansioso. Adicionalmente,<br />

verificaram-se diferenças entre mulheres e<br />

homens no que toca às estratégias adotadas para lidar<br />

com a situação. Foram mais as mulheres que mantiveram<br />

contacto com a família e amigos, mesmo que à distância,<br />

que procuraram manter rotinas e que limitaram a quantidade<br />

de informação que viam sobre Covid-19. Contudo,<br />

também foram as mulheres que afirmaram consumir<br />

mais alimentos hipercalóricos. Os homens aproveitaram,<br />

mais do que as mulheres, o tempo em casa também para<br />

fazerem coisas de que gostavam (Gráfico 3).<br />

O Barómetro Covid-19: Opinião Social também seguiu a<br />

evolução da expectativa que as pessoas tinham sobre o<br />

tempo que demoraria para que as suas vidas voltassem à<br />

normalidade. O número de pessoas que esperavam que<br />

a sua vida voltasse ao normal dentro de 1 a 3 meses baixou<br />

consideravelmente à medida que o tempo foi passando,<br />

de 60% para 20%. Adicionalmente, o número de<br />

pessoas que julgavam que demoraria mais de 3 meses, ou<br />

que não sabiam quanto tempo demoraria para que a vida<br />

Gráfico 3<br />

voltasse ao normal teve um aumento de cerca de 75%.<br />

A natureza dinâmica do Barómetro Covid-19: Opinião<br />

Social permitiu que se adaptasse a uma nova fase da pandemia<br />

e que continuasse a crescer, tendo sido, recentemente,<br />

um dos projetos financiados pela Fundação para a<br />

Ciência e a Tecnologia - programa “Research 4 Covid-19”.<br />

O questionário online que, entre março e julho de <strong>2020</strong>,<br />

monitorizou as perceções e comportamentos dos portugueses<br />

perante a pandemia da Covid-19, entrou agora<br />

numa nova etapa, focada nos grupos mais vulneráveis da<br />

população e nas desigualdades sociais e em saúde, com<br />

o objetivo de contribuir para reaproximar o cidadão dos<br />

cuidados de saúde. O projeto mantém o inquérito online<br />

com participação periódica e contempla ainda o reforço<br />

de redes de investigação internacionais, nomeadamente<br />

através do “Termômetro Covid-19: Opinião Social Brasil”,<br />

e parcerias com instituições de prestação de cuidados de<br />

saúde, associações de doentes e representantes das profissões<br />

de saúde.<br />

Dada a natureza do Barómetro Covid-19: Opinião Social,<br />

um estudo que recolhe, junto das pessoas, a sua perceção<br />

neste período de crise provocada pela Covid-19, prevê-se<br />

que este continue a contribuir para a vida dos portugueses.<br />

Pretende-se formar uma base de conhecimento a três níveis:<br />

• Ao nível da decisão politica, para a formulação, manutenção<br />

e/ou reformulação de medidas das autoridades de<br />

saúde e que se constitua uma base de suporte às decisões<br />

por estas veiculadas;<br />

• Ao nível da decisão de gestão, para, através da análise<br />

de dados mais localizada, a formulação de decisões ao nível<br />

da gestão das unidades de cuidados de saúde;<br />

• Ao nível individual, para a promoção da literacia em<br />

saúde dos cidadãos, potenciando as decisões individuais<br />

informadas.<br />

Para tal, até ao final da pandemia pretende-se continuar a:<br />

• Monitorizar os efeitos da evolução da Covid-19 na população,<br />

na perspetiva dos cidadãos;<br />

• Identificar vulnerabilidades sociais e em saúde resultantes<br />

do confinamento;<br />

• Identificar e contribuir para operacionalização de estratégias<br />

que melhorem o acesso aos serviços e reduzam desigualdades;<br />

• Contribuir para a reaproximação do cidadão aos serviços;<br />

• Otimizar a resposta do SNS às próximas fases.<br />

O questionário pode ser respondido em:<br />

https://rb.gy/z2a1fa Ã<br />

48 49


GH saúde pública<br />

COMUNICAÇÃO EM SAÚDE<br />

EM TEMPOS DE PANDEMIA<br />

Gustavo Tato Borges<br />

Vice-presidente da Associação Nacional<br />

dos Médicos de Saúde Pública<br />

Ao longo dos tempos, o ser humano<br />

sempre sentiu necessidade de comunicar,<br />

necessidade de partilhar informação<br />

e, por vezes, de registar algo para<br />

a posteridade. Encontramos exemplos<br />

dessa necessidade em vários locais como nas pinturas<br />

rupestres, nas paredes dos monumentos de tempos antigos,<br />

em pinturas, papiros e outros documentos escritos.<br />

E essa partilha, por vezes, precisava de ser mais rápida,<br />

tendo alguns povos utilizado sinais de fumo como meio<br />

de transmissão de um alerta entre povoações vizinhas.<br />

Esta necessidade tornou-se uma vantagem evolutiva, permitindo<br />

que os seres humanos se organizassem, ajudassem<br />

e contribuíssem para a melhoria e proteção da sua<br />

comunidade, promovendo mais união, mais proteção e<br />

melhor qualidade de vida. Comunicar ganhou uma importância<br />

significativa e começou a ter várias aplicações<br />

na vida de cada um.<br />

A aplicação da Comunicação à área da Saúde levou ao<br />

desenvolvimento de uma forma de intervenção da Saúde<br />

Pública: a Comunicação em Saúde. Esta diz respeito ao<br />

estudo e utilização de estratégias de comunicação para informar<br />

e para influenciar as decisões dos indivíduos e das<br />

comunidades no sentido de promoverem a sua saúde.<br />

Esta área de intervenção da Saúde Pública procura capacitar<br />

os cidadãos para que tomem decisões conscientes e<br />

protejam e promovam a sua saúde.<br />

O processo de comunicação envolve um emissor, um<br />

canal, uma mensagem e um recetor e é fundamental que<br />

o emissor utilize uma linguagem e um canal adequados<br />

ao recetor. Se a mensagem emitida pelo emissor utilizar<br />

uma linguagem que o recetor não entenda ou um canal<br />

que não se adeque, por mais correta que seja, a mensagem<br />

acaba por não chegar ao destinatário, tornando o<br />

processo comunicacional disfuncional. Para o sucesso de<br />

todo este processo, importa saber qual a mensagem que<br />

se pretende transmitir, a quem nos queremos dirigir e de<br />

que forma, adaptando a mensagem ao público-alvo. Por<br />

exemplo, se pretendemos comunicar algo a um público<br />

jovem, será mais adequado utilizar as redes sociais e uma<br />

linguagem mais informal, mas se o objetivo é chegar a<br />

uma população mais velha, os órgãos de comunicação<br />

social, por exemplo o telejornal ou os jornais, e uma linguagem<br />

mais formal serão mais eficazes.<br />

Ao longo da pandemia, em Portugal, temos assistido a<br />

muitas tentativas de comunicação mas que não foram<br />

chegando ao recetor (o cidadão). Mensagens complexas,<br />

técnicas, com palavreado científico, mutas vezes desconhecido<br />

da população geral, divulgação de números e estatísticas,<br />

que criaram muito ruído e várias interpretações<br />

erradas. Um exemplo recente prende-se com a proporção<br />

de casos cuja transmissão se explica por transmissão<br />

familiar. A DGS divulgou que aproximadamente 66% dos<br />

casos tinham transmissão familiar. Começaram-se a ouvir<br />

vozes contra o confinamento porque obrigava as pessoas<br />

a permanecer no seu agregado familiar, o local de maior<br />

risco de contágio. Mas, nos últimos dias, foi noticiado que<br />

era desconhecida a fonte de contágio em mais de 80% de<br />

todos os casos. Ora, esta informação acaba por demonstrar<br />

que apenas 10% de todos os casos comprovadamente<br />

ocorrem no seio familiar. A população, quando recebe<br />

esta mensagem nova, acaba por não conseguir destrinçar<br />

onde está o maior risco de transmissão e qual a melhor<br />

forma de se proteger. Isto para não entrar no campo das<br />

contradições (não se usa máscara/é obrigatório uso de<br />

máscara, não se podem realizar concertos/podem realizar-se<br />

ajuntamentos sindicais, entre outras).<br />

Tem-se tornado claro, ao longo destes 11 meses de pandemia<br />

(8 meses em Portugal) que Portugal não delineou<br />

um plano de comunicação específico para esta situação.<br />

Com a definição de mensagens chave para enviar para a<br />

população, com a promoção da utilização de meios de<br />

comunicação adaptados às diferentes faixas etárias (criação<br />

de vídeos no TikTok, promoção de mensagens por<br />

influencers no Instagram de forma atempada, publicação<br />

de recomendações oficiais com linguagem acessível, etc.),<br />

com o envio de alertas para a população sobre quais as<br />

situações de maior risco para a infeção por Covid-19.<br />

Em vez de um plano que capacitasse as pessoas, o Governo<br />

e a DGS basearam a sua estratégia de comunicação<br />

em conferências de imprensa técnico-políticas, numa<br />

linguagem técnica e na emissão de mensagens que,<br />

apesar da boa vontade dos nossos dirigentes, não foram<br />

capazes de chegar aos destinatários.<br />

Mas Comunicação em Saúde não envolve apenas a comunicação<br />

com a população. Engloba também a comunicação<br />

com e entre instituições. E também aqui se verificou<br />

que o sucesso de comunicação foi limitado. Apesar<br />

da criação de uma ferramenta, específica para a Covid-19,<br />

de monitorização de doentes e de comunicação entre<br />

profissionais de saúde, ainda hoje continuam dúvidas entre<br />

os colegas sobre altas de utentes colocados em isolamento<br />

profilático (com várias situações de utentes a terem<br />

alta antes dos 14 dias previstos), dúvidas sobre o documento<br />

que justifica as faltas de um cidadão que fez teste<br />

por sintomas mas veio negativo, dúvidas sobre a forma<br />

como o doente deve ser introduzido na plataforma pelos<br />

hospitais, de forma a ser acompanhado pelo seu Médico<br />

de Família, dúvidas sobre declarações de alta para os alunos<br />

poderem regressar às aulas e até dúvidas sobre se<br />

um utente pode mesmo ter alta ao fim de 10 dias após o<br />

diagnóstico ou o início de sintomas.<br />

Outro dos problemas vividos todos os dias pelos utentes<br />

e pelos profissionais de saúde, são as mensagens contraditórias<br />

emitidas por diferentes atores do SNS. A Linha<br />

SNS24, os Médicos de Família, os Médicos de Saúde Pública<br />

e os Médicos <strong>Hospitalar</strong>es, muitas vezes, não falavam<br />

da mesma forma, enviando mensagens contraditórias para<br />

os seus utentes que não sabem como atuar perante<br />

uma nova situação que lhes virou o mundo do avesso. E<br />

a comunicação entre hospitais, para uma mais efetiva gestão<br />

do número de camas de internamento geral e de cuidados<br />

intensivos, apenas conheceu melhorias quando alguns<br />

hospitais ficaram atolados de doentes e não os conseguiam<br />

atender nem encaminhar para outro serviço, criando<br />

caos em alguns hospitais do país.<br />

Esta pandemia veio demonstrar algo extremamente importante:<br />

é fundamental pensar e elaborar um plano de<br />

comunicação nacional. Um plano de comunicação centrado<br />

nos cidadãos que unifique as mensagens a transmitir,<br />

que defina quais os canais apropriados para chegar às diferentes<br />

faixas etárias de forma relevante, que adeque a sua<br />

linguagem para que os cidadãos a entendam e, cada vez<br />

mais, tomem decisões que permitam promover a sua saúde.<br />

Um plano de comunicação entre os diferentes atores<br />

do SNS, que permita uma atuação concertada, uma união<br />

em torno das mensagens a transmitir (com uma linguagem<br />

unificada e clara), uma articulação rápida entre os CSP e<br />

os Hospitais para um melhor atendimento dos cidadãos e<br />

fomente um sentido de união e cooperação entre todos,<br />

trabalhando em conjunto em prol da população.<br />

Sem a definição, a priori, de um plano de comunicação<br />

efetivo e global, que unifique o SNS e seja orientado<br />

para o cidadão e para a melhoria da articulação dos serviços,<br />

a mensagem que queremos transmitir vai ser alvo<br />

de muito ruído, resultando numa enorme dificuldade de<br />

compreensão, não atingindo o seu objetivo maior: elucidar<br />

o cidadão e promover a melhoria dos níveis de<br />

saúde da população. Ã<br />

50 51


3<br />

4<br />

5<br />

1<br />

DIÁRIO DE UMA<br />

QUARENTENA<br />

6<br />

Os trabalhos apresentados foram realizados<br />

no contexto do projeto “Diário de Quarentena”,<br />

um instrumento de intervenção<br />

do Centro <strong>Hospitalar</strong> Psiquiátrico de Lisboa<br />

com utentes em ambulatório cujo objetivo<br />

era a gestão das suas atividades de vida diária e manutenção<br />

do bem-estar. Cada diário foi dividido em atividades<br />

de autocuidados, atividades produtivas e de lazer, de forma a<br />

conseguir que cada utente tivesse um desempenho satisfatório<br />

na sua rotina diária. Algumas das atividades refletiam-<br />

-se em desafios de expressão criativa, com temáticas focadas<br />

na capacidade de gestão emocional e de resiliência nesta<br />

era de pandemia.<br />

Outros dos desenhos que expomos, foram publicados no<br />

livro “A história contada pelos nossos super-heróis”, editado<br />

pelo IPO de Coimbra para assinalar o dia Mundial da<br />

Criança de <strong>2020</strong>. Ã<br />

2<br />

1. Teresa S., "Como me sinto em confinamento", acrílico e pasteis sobre tela 2. João Nobre Loureiro, filho da TSDT Joana<br />

Catarina F. Nobre, Laboratório de Patologia Clínica 3. Beatriz Freire, sobrinha da Enf.ª Catarina Venda Silva, Hospital de Dia<br />

4. Maria G. N., "O meu jardim interior", pastel seco e caneta sobre papel 5. Maria B. M., "O que vejo da minha janela", óleo<br />

sobre tela 6. Margarida Sousa, filha da Enf.ª Isabel Maria P. Lopes, Bloco Operatório 7. Ricardo C., "Em tempos de pandemia",<br />

marcadores sobre papel 8. Gustavo Valério, filho da Assistente Social Célia Maria M. Tinoco, Serviço Social.<br />

7<br />

8<br />

52<br />

53


GH direito biomédico<br />

DISCUSSÃO JURÍDICA<br />

EM TORNO DA UTILIZAÇÃO<br />

DE NANOTECNOLOGIA S<br />

NO COMBATE À COVID 19<br />

Eduardo António da Silva Figueiredo<br />

Investigador Associado do Centro de Direito Biomédico,<br />

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra<br />

Afirmou Bryan Walsh que, ao longo<br />

da história, “nada ceifou mais vidas<br />

humanas do que as doenças infectocontagiosas”<br />

1 . O vírus Sars-CoV tem<br />

sido responsável por uma das maiores<br />

pandemias que a humanidade já vivenciou. Sempre cabe<br />

relembrar, porém, que a Covid-19 não é, infelizmente, a<br />

única pandemia com que temos de conviver hodiernamente.<br />

Há muitas outras “pandemias” que, sendo bem<br />

mais antigas e tão ou mais preocupantes, não devem,<br />

agora, ser esquecidas ou ignoradas, como é o caso da<br />

guerra e dos conflitos armados, das violações generalizadas<br />

e sistemáticas de direitos humanos, da(s) pobreza(s),<br />

da desigualdade e da iniquidade, do(s) totalitarismo(s), da<br />

corrupção e do populismo iliberal.<br />

No quadro da “nanobiotecnociência” 2 , uma das maiores<br />

pandemias com que temos de lidar é, indubitavelmente,<br />

a profunda crise para que tem resvalado a ciência e a<br />

narrativa em torno do avanço científico-tecnológico. Aos<br />

poucos, radicalizam-se os argumentos - fruto, essencialmente,<br />

da multiplicação de reações “tecnofílicas” e “tecnofóbicas”<br />

ao progresso - e ganha terreno um conjunto<br />

de abordagens discursivas de matriz schmittiana que elevam<br />

o investigador e o cientista ao estatuto de “amigo”<br />

ou de “inimigo”, muitas das vezes a partir da mobilização<br />

de tópoi contraditórios, que bem revelam a complexida-<br />

de em torno do apelidado “dilema do duplo uso”.<br />

De um lado, está a ciência ao serviço da sociedade e do<br />

planeta, prosseguindo finalidades louváveis e socialmente<br />

valorizadas; do outro, a ciência perversa que viabiliza<br />

a prática de atos nefastos e capazes de colocar em causa<br />

os mais básicos e fundamentais direitos e liberdades<br />

da pessoa - e até, quem sabe, a própria sobrevivência<br />

da espécie humana e das demais espécies que compartilham<br />

connosco este planeta, já hoje largamente ameaçado<br />

3 . E note-se, mesmo quando a utilização da tecnociência<br />

é destinada à prossecução de fins socialmente<br />

louvados ou louváveis - como a proteção da saúde, do<br />

ambiente ou do bem-estar humano - a verdade é que os<br />

inúmeros riscos envolvidos (desconhecidos ou, pelo<br />

menos, incertos) obrigam os indivíduos a tomar as suas<br />

decisões sob um “véu de ignorância” (J. Rawls), não raras<br />

vezes propiciador de uma “heurística do medo” (Hans<br />

Jonas), a qual, nos últimos tempos, se tem apresentado<br />

numa versão cada vez mais radicalizada e claramente<br />

desrazoável, ameaçando impedir o avanço tecnocientífico<br />

e, dessa forma, o usufruto das vantagens que daí<br />

podem advir.<br />

O(s) contributo(s) da nanotecnociência no combate<br />

à pandemia da Covid-19<br />

Num texto publicado na revista Nature Nanotechnology,<br />

em abril de <strong>2020</strong>, Kostas Kostarelos afirma que sempre<br />

ensinou aos seus estudantes que “os vírus são as nanopartículas<br />

mais belas, espertas e capazes” 4 . São de destacar,<br />

como refere o reputado Professor da Universidade<br />

de Manchester, as suas impressionantes caraterísticas estruturais<br />

e os seus diferentes esquemas biológicos para<br />

transferir o seu material genético para células-alvo, infetando-as<br />

e forçando-as a expressar determinadas proteínas.<br />

No entanto, com o significativo agravamento da pandemia<br />

Covid-19, Kostarelos admite sentir-se algo culpado<br />

pelo seu profundo fascínio relativamente aos vírus. Afinal<br />

de contas, questiona o Professor, “como é que nanopartículas<br />

tão belas podem criar tanta perda, destruição e<br />

devastação humana? Como é que tanta beleza à nanoescala<br />

se pode transformar, de um momento para o outro,<br />

numa fera selvagem indomável em larga escala?” 5<br />

Estamos em crer que a perplexidade de Kostarelos é,<br />

atualmente, partilhada pela maior parte das pessoas. As<br />

nanopartículas não devem, no entanto, ser encaradas<br />

como um inimigo comum. Bem pelo contrário! Em boa<br />

verdade, a nanotecnociência poderá revelar-se essencial<br />

no combate à atual pandemia. Contornando, mas não<br />

esquecendo, os inúmeros produtos nanoestruturados<br />

que se têm revelado fundamentais, inter alia, na proteção<br />

dos profissionais de saúde que estão na linha da frente<br />

do combate à pandemia, limitaremos a nossa análise ao<br />

domínio da nanomedicina, enquanto “conjunto de práticas<br />

(médico-farmacológicas) de prevenção, diagnóstico<br />

e tratamento de diferentes enfermidades, que requerem<br />

a utilização de tecnologias baseadas na interação entre o<br />

corpo humano e os materiais, estruturas e dispositivos<br />

cujas propriedades se definem à nanoescala.” 6<br />

Uma das mais eficazes estratégias no combate à pandemia<br />

é, sem dúvida, a deteção prematura das pessoas infetadas<br />

pelo Sars-CoV (e note-se, uma percentagem elevada<br />

dos casos de infeção diz respeito a portadores assintomáticos<br />

ou que apenas revelam sintomas leves ou<br />

quase impercetíveis da doença). Neste contexto, os sistemas<br />

de nanodiagnóstico - os quais emergem do desenvolvimento<br />

de sistemas de análise e imagem para deteção<br />

de enfermidades no momento mais precoce possível, }<br />

54 55


GH direito biomédico<br />

“<br />

A IDENTIFICAÇÃO ANTECIPADA<br />

ROGAMOS<br />

DAS PESSOAS INFETADAS<br />

PODERÁ NÃO SÓ PREVENIR<br />

E IMPEDIR O ALASTRAMENTO<br />

DA DOENÇA E AUXILIAR-NOS<br />

NA IDENTIFICAÇÃO DE FOCOS<br />

DE CONTÁGIO, MAS TAMBÉM<br />

PROMOVER E FACILITAR<br />

O TRATAMENTO DE QUEM<br />

JÁ PADECE DA ENFERMIDADE.<br />

tanto in vivo, como in vitro 7 - podem apresentar inúmeras<br />

potencialidades. Veja-se, por exemplo, o desenvolvimento<br />

de testes para detetar o vírus SARS-CoV, os quais<br />

são criados com recurso a nanobiossensores fabricados à<br />

base de ouro manipulado à nanoescala e se caraterizam<br />

pelo seu caráter económico e elevada precisão. 8 A identificação<br />

antecipada das pessoas infetadas poderá não só<br />

prevenir e impedir o alastramento da doença e auxiliarnos<br />

na identificação de focos de contágio, mas também<br />

promover e facilitar o tratamento de quem já padece da<br />

enfermidade. 9 E note-se, alguns contributos neste domínio<br />

têm sido dados pelo nosso Laboratório Internacional<br />

Ibérico de Nanotecnologia, sediado em Braga.<br />

Por outro lado, podem também revelar-se de extrema<br />

utilidade os sistemas de nanoterapia, i.e. “sistemas ativos<br />

que contêm estruturas de reconhecimento para transportar<br />

e libertar medicamentos exclusivamente em células<br />

ou zonas afetadas por algum tipo de patologia”. 10 No<br />

fundo, as nanopartículas poderão surgir como elementos<br />

fundamentais no transporte e direcionamento dos agentes<br />

terapêuticos às células afetadas. A utilização de vetores<br />

nanoestruturados não só permite que se conduza<br />

o agente terapêutico a certas partes do corpo que, de<br />

outra forma, seriam inalcançáveis, mas também garante<br />

que o mesmo será transportado apenas às partes do corpo<br />

em que seja necessário (com exclusão, portanto, das<br />

demais). O resultado será uma maior eficácia e segurança<br />

dos tratamentos utilizados. 11 É essa a razão pela qual<br />

a nanotecnologia está a ser empregue, embora não de<br />

forma exclusiva (os vetores virais continuam a ser os mais<br />

utilizados), por algumas equipas que têm trabalhado arduamente<br />

com vista ao desenvolvimento de uma vacina<br />

para combater a Covid-19.<br />

Breve roteiro para uma discussão jurídica<br />

1. Desde logo, é absolutamente imperioso assegurar<br />

que são respeitadas todas as normas (internas e internacionais)<br />

vigentes em matéria de ensaios clínicos. Não<br />

é admissível que, por momento algum, a urgência do<br />

combate à pandemia, nomeadamente no que se refere<br />

ao desenvolvimento de uma vacina, justifique comportamentos<br />

que possam fazer esquecer o vetor normativo-axiológico<br />

do primado da pessoa humana sobre os<br />

interesses da ciência e da sociedade como um todo,<br />

o qual se destina a salvaguardar a dignidade dos participantes<br />

e o respeito escrupuloso pelos seus direitos<br />

fundamentais e humanos. Sem prejuízo da necessidade<br />

de alguma desburocratização ao longo do processo<br />

de investigação e de experimentação, os participantes<br />

devem continuar a ser devidamente esclarecidos da natureza,<br />

dos objetivos, dos riscos e dos benefícios dos ensaios<br />

clínicos e devem consentir livremente quanto à sua<br />

participação nos mesmos. As entidades reguladoras na<br />

matéria devem, mais do que nunca, zelar pelo cumprimento<br />

destas normas, assegurando a validade científica<br />

das investigações e o respeito pela vida, integridade pessoal,<br />

autonomia e privacidade de todos os participantes.<br />

2. No que respeita à identificação, avaliação, gestão e<br />

comunicação do risco, defendemos uma resposta precaucional<br />

intrinsecamente proporcional, baseada no respeito<br />

por um imperativo de diligência devida - na linha,<br />

aliás, de Edgar Morin quando afirmava que “conhecer<br />

e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente<br />

certa, mas dialogar com a incerteza”. 12 Não podendo desenvolver<br />

este tópico além do essencial, destacaremos<br />

a importância (1) da observação de todos os standards<br />

ético-jurídicos fixados à escala nacional e internacional<br />

(por exemplo, o respeito pelos princípios de boas práticas<br />

clínicas, o qual deve ser assegurado por entidades<br />

administrativas independentes; a ponderação rigorosa de<br />

riscos e benefícios; o respeito pelo direito a um consentimento<br />

livre e esclarecido; o controlo ético e administrativo<br />

dos ensaios clínicos; o reconhecimento de um<br />

imperativo de fornecimento gratuito e compassivo; a<br />

efetivação do direito à compensação por danos); (2) da<br />

adoção de abordagens safe-by-design, as quais devem ser<br />

norteadas pela chamada “gestão positiva do erro”; (3)<br />

do desenvolvimento de mecanismos e sistemas de vigilância<br />

e monitorização da saúde dos indivíduos que, nesta<br />

altura atípica, se encontrem anormalmente expostos<br />

a nanomateriais (logrando-se identificar, o mais rápido<br />

possível, quaisquer indícios da verificação de potenciais<br />

efeitos tóxicos ou reações adversas); (4) da implementação<br />

de mecanismos de “nanodiálogo” que favoreçam a<br />

comunicação do risco. Enfim, é imperioso que se adote<br />

uma estratégia precaucional não paralisante, mas cautelosa<br />

ou de “pequenos passos” (Barbosa de Melo).<br />

3. Por fim, no que respeita à prestação do necessário<br />

consentimento esclarecido, pode questionar-se como<br />

será possível que alguém seja devidamente informado -<br />

ou, indo ainda mais longe, esclarecido! - sobre os riscos<br />

da utilização de materiais nanoestruturados em vários<br />

objetos, produtos ou dispositivos médico-farmacológicos<br />

essenciais para combater a pandemia, quando os<br />

mesmos não são conhecidos (limitação qualitativa na<br />

comunicação do risco) ou, sendo-o, se encontram envoltos<br />

em incógnitas e imprecisões quanto à probabilidade<br />

de que venham a materializar-se ou à natureza<br />

e extensão dos seus efeitos sobre a saúde humana (limitação<br />

quantitativa na comunicação do risco)? Parece-<br />

-nos que a solução só poderá passar pela defesa de uma<br />

espécie de consentimento esclarecido possível, isto é,<br />

cada pessoa deve ser devidamente esclarecida de todos<br />

os riscos que sejam conhecidos, graves e antecipáveis<br />

(quer sejam mais usuais ou mais raros), de preferência<br />

tendo em conta as circunstâncias específicas do caso<br />

concreto. E o que fazer relativamente aos riscos desconhecidos<br />

ou apenas parcialmente conhecidos? Bem,<br />

nesses casos, o paciente deve ser convenientemente<br />

esclarecido acerca das maiores ou menores limitações<br />

qualitativas e quantitativas do conhecimento científicotecnológico<br />

na comunicação desse(s) risco(s), consentindo<br />

o indivíduo, no fundo, com o facto de não poder<br />

ser esclarecido, na totalidade ou em parte, relativamente<br />

ao(s) mesmo(s) (e só e apenas em relação a esses!).<br />

Muitos dirão que um tal entendimento vem fazer pesar<br />

sobre os participantes e pacientes um incomportável<br />

ónus, colocando-os na posição de principais responsáveis<br />

pelos danos causados por efeitos tóxicos e reações<br />

adversas que, eventualmente, venham a sofrer. Não nos<br />

parece, porém, que seja concebível uma solução mais<br />

vantajosa, já que, salvo melhor juízo, ninguém está em<br />

melhores condições do que a própria pessoa para tomar<br />

decisões que, visando a melhoria do seu estado de<br />

saúde e do seu bem-estar, possam, no entanto, revelarse<br />

potencialmente danosas.<br />

Temos uma longa e dura batalha pela frente. Apesar<br />

de “cautela” ser, sem dúvida alguma, uma palavra que<br />

não pode ser olvidada nos tempos que correm, rogamos<br />

a todos os leitores que não se deixem dominar<br />

por uma incontrolada “heurística do medo”. Como em<br />

tantos outros momentos da história, conseguiremos<br />

vencer esta dura batalha. E lembrem-se, não precisamos<br />

de combater a Covid-19 sozinhos... a ciência e a (nano)<br />

tecnologia estão aí para nos ajudar! Ã<br />

“<br />

A TODOS OS LEITORES<br />

QUE NÃO SE DEIXEM DOMINAR<br />

POR UMA INCONTROLADA<br />

“HEURÍSTICA DO MEDO”.<br />

COMO EM TANTOS OUTROS<br />

MOMENTOS DA HISTÓRIA,<br />

CONSEGUIREMOS VENCER ESTA<br />

DURA BATALHA. E LEMBREM-SE,<br />

NÃO PRECISAMOS DE COMBATER<br />

A COVID-19 SOZINHOS.<br />

” ”<br />

1. Walsh, Bryan, “Covid-19: the history of pandemics”, in BBC Future, 26 de março<br />

de <strong>2020</strong>, disponível em: https://www.bbc.com/future/article/<strong>2020</strong>0325-covid-<br />

19-the-history-of-pandemics. Acesso em 6 de novembro de <strong>2020</strong>.<br />

2. Pyrrho, Monique/Schrram, Fermin Roland, Nanotecnociência e humanidade,<br />

Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016.<br />

3. Feito Grande, Lydia, El sueño de lo posible: bioética y terapia génica, Madrid:<br />

Comillas, 1999.<br />

4. Kostarelos, Kostas, “Nanoscale nights of Covid-19”, in Nature Nanotechnology,<br />

vol. 15, <strong>2020</strong>, pp. 343-344.<br />

5. Idem.<br />

6. Buisan Espeleta, Lydia, “Sobre la toxicidad de las nanopartículas en el ámbito de<br />

la nanomedicina”, in Bioética y Nanotecnología (coord. por María Casado), Navarra:<br />

Thomson Reuters, 2010.<br />

7. Pérez Álvarez, Salvador, “Paradigmas meta-jurídicos de la nanomedicina”, in Revista<br />

de Derecho y Genoma Humano, n.<strong>º</strong> 37, 2012.<br />

8. Para mais exemplos, vide Campos, Estefânia et al., “How can nanotechnology<br />

help to combat Covid-19? Opportunities and urgent need”, in Journal of Nanobiotechnology,<br />

vol. 18, <strong>2020</strong>, disponível em: https://jnanobiotechnology.biomedcentral.<br />

com/articles/10.1186/s12951-020-00685-4. Acesso em 6 de novembro de <strong>2020</strong>.<br />

9. Veja-se, neste contexto, o disposto no art. 4.<strong>º</strong>/d) do mais recente Decreto do<br />

Presidente da República com vista à declaração de estado de emergência, o qual<br />

foi assinado, referendado e publicado a 6 de novembro de <strong>2020</strong> (Decreto do Presidente<br />

da República n.<strong>º</strong> 51-U/<strong>2020</strong>, publicado em Diário da República n.<strong>º</strong> 217/<br />

<strong>2020</strong>, 1.<strong>º</strong> Suplemento, Série I de <strong>2020</strong>-11-06).<br />

10. Pérez Álvarez, Salvador, “Paradigmas meta-jurídicos de la nanomedicina”, Op. Cit.<br />

11. Jain, Kewal K., Handbook of Nanomedicine, 3rd Edition, Switzerland: Humana<br />

Press, 2017.<br />

12. Morin, Edgar, Cabeça bem-feita (trad. por Eloá Jacobina), Rio de Janeiro: Bertrand<br />

Brasil, 2008.<br />

56 57


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

PRÉMIO HEALTHCARE EXCELLENCE<br />

EDIÇÃO COVID 19<br />

Troféus Healthcare Excellence <strong>2020</strong>.<br />

No passado dia 21 de outubro, decorreu a<br />

reunião de finalistas do Prémio Healthcare<br />

Excellence, uma iniciativa que a Associação<br />

Portuguesa de Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es (APAH) muito se orgulha<br />

de promover desde 2014, em parceria com a Biofarmacêutica<br />

AbbVie, e que este ano premiou projetos implementados<br />

na luta contra a Covid-19.<br />

O Healthcare Excellence existe para distinguir projetos<br />

de melhoria da qualidade dos serviços prestados aos<br />

utentes que tenham produzido uma melhoria do acesso,<br />

da eficiência, da segurança, ou dos resultados obtidos na<br />

prestação de cuidados de saúde. Além de reconhecer as<br />

boas práticas, a iniciativa pretende acima de tudo promover<br />

a sua partilha e incentivar a sua propagação.<br />

O Prémio Healthcare Excellence - Edição Especial<br />

Covid-19 é também uma forma de agradecimento e<br />

reconhecimento a todas as equipas que têm batalhado<br />

na linha da frente contra a pandemia, dando provas de<br />

uma enorme capacidade de resiliência e coragem.<br />

Lições, sinergias e bons projetos em tempos de<br />

pandemia<br />

A crise sanitária originada pela Covid-19 provocou mudanças<br />

ímpares na sociedade e na nossa própria rotina.<br />

A consciência cívica dos cidadãos e as medidas de distanciamento<br />

social impostas pelo governo foram e são<br />

essenciais para evitar uma maior propagação do vírus e<br />

a sobrecarga de um Serviço Nacional de Saúde (SNS),<br />

já por si fragilizado depois de anos de subfinanciamento.<br />

Mas esta pandemia é também uma oportunidade para<br />

retirarmos algumas lições. Não podemos continuar a<br />

ignorar a necessidade de mais financiamento na Saúde<br />

e de que é imperativo valorizar o papel dos profissionais<br />

de saúde.<br />

Outra aprendizagem que a pandemia nos trouxe está<br />

relacionada com a contínua necessidade de criar sinergias<br />

no setor da saúde, através da estreita colaboração<br />

entre todos os seus intervenientes, mas não só... A contribuição<br />

de outros setores fundamentais e da própria<br />

sociedade civil foram fulcrais para que o SNS fosse capaz<br />

de dar resposta num momento tão crítico como este<br />

e de assegurar a saúde e o bem-estar das populações.<br />

De norte a sul do país, em plena pandemia, multiplicaram-se<br />

os projetos desenvolvidos pela Academia, pelas<br />

autarquias e juntas de freguesia, organizações não governamentais,<br />

associações de doentes, instituições de solidariedade<br />

social… Projetos e boas práticas em saúde que<br />

não vieram substituir, mas sim complementar o SNS, oferecendo<br />

novas soluções para a melhoria da qualidade dos<br />

serviços prestados aos utentes. Muitos destes projetos<br />

têm mesmo o potencial de serem replicados e, sem dúvida<br />

alguma, merecem ser mantidos no futuro.<br />

Projeto de atuação preventiva em lares do ACES<br />

Douro Sul venceu edição <strong>2020</strong><br />

A 7ª edição do Prémio Healthcare Excellence recebeu<br />

um total de 70 candidaturas oriundas de norte a sul do<br />

país e de vários setores da sociedade. Todas as candidaturas<br />

foram avaliadas por um júri independente a quem<br />

coube a seleção dos melhores projetos que passaram<br />

à fase final.<br />

O júri da 7.ª edição da iniciativa foi presidido por Delfim<br />

Rodrigues, Vice-Presidente da APAH, e integrou também<br />

Ricardo Mestre, vogal da Administração Central do Sistema<br />

de Saúde; Ricardo Mexia, presidente da Associação<br />

Nacional dos Médicos de Saúde Pública e Dulce Salzedas,<br />

jornalista da Sociedade Independente de Comunicação.<br />

Entre os 8 finalistas da edição <strong>2020</strong> estiveram projetos<br />

do Agrupamento de Centros de Saúde do Douro Sul<br />

(ACES Douro Sul), do Centro <strong>Hospitalar</strong> e Psiquiátrico<br />

de Lisboa, do Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de São<br />

João, do Health Cluster Portugal, do Hospital Garcia de<br />

Orta, do Hospital Senhora da Oliveira - Guimarães, da<br />

Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla e dos Serviços<br />

Partilhados do Ministério da Saúde.<br />

O vencedor do Prémio Healthcare Excellence - Edição<br />

Especial Covid-19 foi o ACES Douro Sul pela criação<br />

da APLar - Atuação Preventiva em estruturas residenciais<br />

para idosos (ERPI). A equipa multidisciplinar<br />

formada pelo ACES Douro Sul foi criada para acompanhar<br />

os lares no contexto de pandemia, realizando<br />

visitas às estruturas, identificando as não conformidades,<br />

avaliando as necessidades e apresentando recomendações,<br />

com o intuito de reduzir o impacto da Covid-19<br />

nos utentes e profissionais de saúde. Desta equipa fazem<br />

parte médicos especializados em Saúde Pública,<br />

enfermeiros especializados em saúde comunitária, técnicos<br />

de saúde ambiental, entre outros profissionais.<br />

No total, a “APLar” interveio em 36 lares de oito concelhos<br />

do distrito de Viseu, envolvendo 1.169 profissionais,<br />

que prestam cuidados a cerca de 1.600 utentes. Nas<br />

muitas visitas realizadas, a equipa do ACES Douro Sul<br />

realizou ainda formações teóricas e práticas em áreas<br />

tão diversas como: procedimentos básicos de organização<br />

das estruturas, utilização de equipamentos de proteção<br />

individual, cumprimento da etiqueta respiratória e<br />

higienização dos espaços e equipamentos.<br />

A primeira menção honrosa foi atribuída ao Centro<br />

<strong>Hospitalar</strong> Universitário de São João, que desenvolveu<br />

uma plataforma de monitorização, em tempo real,<br />

das infeções por Covid-19 com caracterização pelas<br />

diferentes áreas e previsão para sete dias de novas infeções,<br />

doentes internados e óbitos. Este modelo preditivo<br />

tem permitido ao centro hospitalar ajustar os planos<br />

de contingência em resposta direta à pandemia e traçar<br />

cenários sobre a necessidade de recursos a alocar.<br />

Dada a qualidade dos trabalhos apresentados, o júri sentiu<br />

a necessidade de atribuir uma segunda menção honrosa,<br />

que foi entregue aos Serviços Partilhados do Ministério<br />

da Saúde pelo projeto Autoreport & Trace Covid-19.<br />

O projeto consiste em duas soluções integradas<br />

de um serviço totalmente digital, que por um lado permite<br />

o registo dos sintomas por parte dos cidadãos e, por<br />

outro, a vigilância e monitorização dos utentes diagnosticados<br />

ou suspeitos de Covid-19. Esta ferramenta inteligente<br />

tem servido de apoio à intervenção por parte do<br />

corpo clínico e das autoridades de saúde. Desde abril, já<br />

se registaram no sistema mais de 1,5 milhões de utentes,<br />

que foram monitorizados por cerca de 75 mil profissionais<br />

de saúde, que recolheram mais de 2,8 milhões de<br />

vigilâncias por telefone.<br />

“Esta foi uma edição muito especial, num contexto<br />

muito diferente, mas que não se poderia deixar de se<br />

realizar. Tal como nos anos anteriores, não poderíamos<br />

deixar de premiar o que de melhor se faz em Portugal”,<br />

afirmou Alexandre Lourenço, Presidente da APAH, na<br />

reunião final do Prémio Healthcare Excellence. Ã<br />

Fotos da Just News, disponíveis em:<br />

8.ª Conferência de Valor da APAH: Inovar e liderar na incerteza<br />

(justnews.pt)<br />

Vencedor <strong>2020</strong>: ACES Douro Sul.<br />

1.ª Menção Honrosa: Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de São João.<br />

2.ª Menção Honrosa: Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.<br />

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GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

ATUAÇÃO PREVENTIVA<br />

EM ERPI<br />

Edite Carvalho Pinto<br />

Enfermeira Especialista em Saúde Comunitária,<br />

Vogal Enfermagem Conselho Clínico e de Saúde<br />

e Presidente Direção de Enfermagem<br />

João Paulo Barreira<br />

Enfermeiro Especialista em Saúde Comunitária,<br />

Coordenador da Unidade de Cuidados<br />

na Comunidade de Lamego<br />

Rui Amândio Clemencio<br />

Técnico de Saúde Ambiental,<br />

Unidade de Saúde Pública<br />

Com o reconhecimento do impacto da<br />

Covid-19 nas Estruturas Residenciais Para<br />

Idosos (ERPI) em vários países europeus<br />

como Itália, Espanha e França, aliado ao<br />

conhecimento dos dados a nível nacional,<br />

foi constituída uma equipa de atuação preventiva nas<br />

ERPI, a qual se designou por “APLar”, com o objetivo<br />

geral de acompanhar estas Estruturas em contexto de<br />

doença provocada pelo vírus SARS-CoV-2, na área de<br />

influência do Agrupamento de Centros de Saúde Douro<br />

II-Douro Sul. As ações traçadas pela Equipa foram no<br />

âmbito de Verificar, Informar/Sensibilizar, Instruir/Treinar<br />

e Recomendar Correções, onde foram identificadas<br />

as não conformidades e necessidades de formação,<br />

apresentadas as recomendações e realizada formação<br />

tendo sido alvo de intervenção todas as 36 ERPI, com<br />

um total de 1169 profissionais, que prestam cuidados<br />

a 1600 utentes. Como resultados foi possível otimizar<br />

os cuidados prestados e a gestão de equipamento de<br />

proteção individual, promover a quebra na cadeia de<br />

transmissão por infeção de SARS-CoV-2 e reduzir o<br />

nível de stress por parte dos prestadores de cuidados.<br />

Como o impacto de Covid-19 em termos de morbilidade<br />

e letalidade é maior em pessoas com mais de<br />

65 anos e com várias comorbilidades, especialmente as<br />

doenças cardiovasculares, patologia respiratória crónica<br />

ou diabetes, é natural que os utentes das Estruturas<br />

Residenciais Para Idosos (ERPI) sejam considerados em<br />

situação de risco acrescido e de maior disseminação da<br />

infeção (DGS, <strong>2020</strong>).<br />

Nesse contexto, a Administração Regional de Saúde do<br />

Norte (ARSN) considerando a pandemia e a situação<br />

que se estava a vivenciar em algumas ERPI da Região<br />

Norte, solicitou que fossem definidas estratégias de in-<br />

tervenção neste tipo de estruturas, em cada Agrupamento<br />

de Centros de Saúde (ACeS).<br />

Esta emergência em saúde Pública conduziu à formação<br />

de uma equipa de atuação preventiva nas ERPI designada<br />

por “APLar”, com o objetivo geral de acompanhamento<br />

em contexto de doença provocada pelo vírus<br />

SARS-CoV-2, localizadas na área de abrangência do<br />

ACeS Douro II - Douro Sul (Armamar, Lamego, Moimenta<br />

da Beira, Penedono, São João da Pesqueira, Sernancelhe,<br />

Tabuaço e Tarouca).<br />

A referida equipa é multidisciplinar, abrangendo várias<br />

categorias profissionais (Médicos Especialistas em Saúde<br />

Publica, Enfermeiros Especialistas em Saúde Comunitária<br />

e Técnicos de Saúde Ambiental), Unidades Funcionais<br />

e estruturas hierárquicas do ACeS.<br />

Neste sentido, as ações traçadas pela Equipa compreenderam<br />

a verificação, informação/sensibilização, instrução/treino<br />

e recomendação de correções aos responsáveis pelas<br />

Instituições e Prestadores de Cuidados, nomeadamente:<br />

• Aplicação dos procedimentos constantes na Orientação<br />

009/<strong>2020</strong> da DGS;<br />

• Implementação do Plano de Contingência;<br />

• Procedimentos em caso suspeito;<br />

• Procedimentos em caso confirmado;<br />

• Formas de transmissão e medidas preventivas de disseminação<br />

da infeção;<br />

• Medidas de etiqueta respiratória;<br />

• Técnica da higiene das mãos;<br />

• Avaliação de temperatura;<br />

• Medidas de distanciamento dos utentes;<br />

• Alimentação, horários e espaços;<br />

• Atividades lúdicas;<br />

• Organização de horários e atividades dos profissionais;<br />

• <strong>Gestão</strong> de EPI;<br />

• Colocação e remoção de EPI;<br />

• Limpeza das superfícies e equipamentos;<br />

• Circuitos de roupa utilizada pelos utentes e profissionais;<br />

• Circuitos de louça utilizada pelos utentes e profissionais;<br />

Circuito de resíduos;<br />

Metodologia<br />

Para a colheita dos dados foi criado um questionário,<br />

pois é um instrumento que engloba uma série ordenada<br />

de perguntas que devem ser respondidas pelos elementos<br />

da amostra a inquirir. Deve ser objetivo, limitado em<br />

extensão e estar acompanhado de instruções, esclarecendo<br />

o propósito da sua aplicação (Carvalho, 2009).<br />

A metodologia utilizada foi a aplicação presencial de um<br />

questionário, elaborado pela APLar, onde foram identificadas<br />

as não conformidades, necessidades de formação<br />

e, apresentadas as recomendações. As questões estão<br />

relacionadas com a instituição, manuseamento de equipamento<br />

de proteção individual, procedimentos relacionados<br />

com o controlo ambiental, elaboração de sugestão<br />

de procedimentos e identificação de necessidade de<br />

formação e respetiva realização.<br />

Toda a atividade foi desenvolvida em estreita articulação<br />

com a Diretora Executiva do ACeS, Conselho Clínico e<br />

da Saúde e Coordenação da Unidade de Saúde Pública<br />

(USP). A fundamentação da priorização de atuação teve<br />

como base:<br />

• O conhecimento dessas Instituições por parte da USP,<br />

no acompanhamento efetuado decorrente das funções<br />

inerentes à Unidade;<br />

• O prévio conhecimento destas instituições com a aplicação<br />

de um questionário online, onde se procurou produzir<br />

um retrato geral das condições estruturais e de<br />

funcionamento, bem como do Plano de Contingência<br />

de cada uma, num momento tão particular e exigente<br />

como este;<br />

• A contribuição de uma equipa composta por Enfermeiros<br />

(as) de várias Unidades Funcionais do ACeS<br />

Douro Sul, que se encontravam a realizar colheita de<br />

espécimes para teste de diagnóstico Covid-19 a utentes<br />

e profissionais dessas instituições.<br />

Foram alvo de intervenção todas as 36 ERPI existentes<br />

na área de abrangência do ACeS, com um total de<br />

1.169 profissionais, que prestam cuidados a 1.600 utentes,<br />

num total de 41 visitas presenciais. A atividade da<br />

APLar nas ERPI aqui descrita apenas se reporta aos meses<br />

de abril, maio e junho, ocorrendo de uma forma<br />

mais intensiva e sempre presencial.<br />

Posteriormente e até aos dias de hoje, a intervenção passou<br />

a ser mais espaçada, presencial ou não presencial,<br />

existindo visitas de seguimento, de acordo com o aparecimento<br />

de casos positivos, a avaliação de necessidade<br />

por parte da Equipa ou por solicitação da Instituição.<br />

Resultados Obtidos<br />

A apresentação dos resultados foi realizada de acordo }<br />

60 61


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

Sim Não Não<br />

Observável<br />

1. Instituição<br />

Está presente Diretora Técnica e ou Clínica 25 11 0 69,4<br />

Está presente outro elemento da Direção ou Substituto 20 14 2 55,6<br />

Está presente um Profissional de Saúde <strong>23</strong> 13 0 63,9<br />

Medidas de organização de trabalhadores/atividades de acordo<br />

com normas em vigor<br />

19 5 12 52,8<br />

Tabela 1: Instituição.<br />

% de<br />

Cumprimento<br />

“<br />

AS AÇÕES TRAÇADAS PELA EQUIPA<br />

COMPREENDERAM A VERIFICAÇÃO,<br />

INFORMAÇÃO/SENSIBILIZAÇÃO,<br />

INSTRUÇÃO/TREINO E<br />

RECOMENDAÇÃO DE CORREÇÕES<br />

AOS RESPONSÁVEIS PELAS<br />

INSTITUIÇÕES E PRESTADORES<br />

DE CUIDADOS.<br />

”<br />

com a estrutura do questionário, nomeadamente os aspetos<br />

relacionados com a Instituição, o manuseamento<br />

de EPI`s, os procedimentos relacionados com o controlo<br />

ambiental, a elaboração de sugestão de procedimentos<br />

de controlo ambiental e a identificação de necessidade<br />

e realização de formação.<br />

Relativamente à Instituição, verificou-se um grau elevado<br />

de compromisso e de preocupação com esta<br />

problemática, em 69,4% das instituições verificou-se o<br />

acompanhamento por elemento pertencente à Direção<br />

Técnica e ou Clínica.<br />

Relativamente aos EPI´s, constatou-se a existência de<br />

equipamentos para prestação de cuidados básicos em<br />

91,7%, no entanto, para prestação de cuidados a utentes<br />

com Covid-19, apenas existiam em 63,9% das instituições.<br />

Por outro lado, foi encontrada uma dificuldade<br />

acrescida na correta sequência de remoção do EPI<br />

(5,6%), bem como a zona específica para realizar essa<br />

remoção (41,7%).<br />

No capítulo do Controlo Ambiental, verificou-se que já<br />

existia a definição de local para isolamento de utentes<br />

com Covid-19 (94,4%) e de circuitos, o que demonstra<br />

um elevado grau de cumprimento na generalidade das }<br />

Tabela 2: Equipamento de Proteção Individual (EPI's).<br />

Sim Não Não<br />

Observável<br />

2. EPI´s<br />

Estão armazenados corretamente 26 10 0 72,2<br />

Existe solução alcoólica ou possibilidade 26 10 0 72,2<br />

de lavagem das mãos, em locais estratégicos<br />

Existe stock mínimo para prestação de cuidados <strong>23</strong> 13 0 63,9<br />

a utentes com Covid-19<br />

Existe zona específica para colocação 19 17 0 52,8<br />

Existe zona específica para remoção 15 21 0 41,7<br />

Existem para prestação de cuidados<br />

33 3 0 91,7<br />

(DGS norma 07/<strong>2020</strong>)<br />

Existem para prestação de cuidados a menos 28 8 0 77,8<br />

de 1 metro (DGS norma 07/<strong>2020</strong>)<br />

Os profissionais executam a sequência<br />

22 0 14 61,1<br />

de colocação<br />

Os profissionais executam a sequência<br />

2 20 14 5,6<br />

de remoção<br />

Os profissionais realizam uma gestão correta<br />

mediante a situação<br />

16 6 14 44,4<br />

3. Controlo Ambiental<br />

Existe circuito de alimentação/refeições em cumprimento<br />

das normas em vigor<br />

Existe circuito de resíduos em cumprimento das normas<br />

em vigor<br />

Existe circuito de roupa limpa e suja em cumprimento<br />

das normas em vigor<br />

Existem medidas de distanciamento de utentes e/ou camas<br />

e cadeirões (N. DGS 09/<strong>2020</strong>)<br />

Previsto espaço delineado para isolamento de múltiplos<br />

utentes Covid-19 positivo<br />

Previsto espaço delineado para isolamento de utentes<br />

Covid-19 positivo<br />

A estrutura física é compatível com a criação de circuitos<br />

(roupa)<br />

A estrutura física é compatível com a criação de circuitos<br />

(alimentação)<br />

A estrutura física é compatível com a criação de circuitos<br />

(resíduos)<br />

Tabela 3: Controlo Ambiental.<br />

Sim Não Não<br />

Observável<br />

28 8 0 77,8<br />

26 10 0 72,2<br />

22 14 0 61,1<br />

12 24 0 33,3<br />

16 20 0 44,4<br />

34 2 0 94,4<br />

30 3 3 83,3<br />

31 3 2 86,1<br />

32 3 1 88,9<br />

% de<br />

Cumprimento<br />

% de<br />

Cumprimento<br />

62 63


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

Sim Não Não<br />

Observável<br />

4. EPI´s - Covid<br />

Estão armazenados corretamente 1 4 0 20,0<br />

Existe contentor/recipiente para material usado/contaminado 4 1 0 80,0<br />

(RH GIII)<br />

Existe solução alcoólica ou possibilidade de lavagem das mãos 5 0 0 100,0<br />

Existe zona específica para colocação 2 3 0 40,0<br />

Existe zona específica para remoção 1 4 0 20,0<br />

Existem para prestação de cuidados (DGS norma 07/<strong>2020</strong>) 5 0 0 100,0<br />

Os profissionais executam a sequência de colocação 3 1 1 60,0<br />

Os profissionais executam a sequência de remoção 0 4 1 0,0<br />

Os profissionais realizam uma gestão correta mediante a<br />

situação<br />

1 4 0 20,0<br />

Tabela 4: EPI´s - Covid.<br />

% de<br />

Cumprimento<br />

Tabela 5: Controlo Ambiental - Covid.<br />

Sim Não Não<br />

Observável<br />

5. Controlo Ambiental - Covid<br />

Espaço delineado para isolamento de utentes Covid-19 positivo 3 2 0 60,0<br />

Existe circuito de alimentação/refeições em caso de utentes 4 1 0 80,0<br />

Covid-19 positivo<br />

Existe circuito de resíduos em caso de utentes Covid-19 3 2 0 60,0<br />

positivos<br />

Existe circuito de roupa limpa e suja em caso de utentes 4 1 0 80,0<br />

Covid-19 positivo<br />

Procedimento com alimentação/refeições e louça em caso de 3 2 0 60,0<br />

utentes Covid-19 positivo<br />

Procedimento com arrastadeiras, urinóis e bacias de higiene 1 1 3 20,0<br />

em utentes Covid-19 positivo<br />

Procedimento relativo a resíduos em caso de utentes Covid-19 3 2 0 60,0<br />

positivo<br />

Tratamento da roupa suja em conformidade com a norma<br />

09/<strong>2020</strong> da DGS (Covid-19)<br />

5 0 0 100,0<br />

% de<br />

Cumprimento<br />

“<br />

instituições. Constatamos que a maior dificuldade foi a la, verifica-se que em praticamente todas as estruturas<br />

cidade e novidade, quer pela mudança que foi necesimplementação<br />

de medidas de distanciamento (33,3%). visitadas foram definidas medidas corretivas/sugestões<br />

sário implementar em tão curto espaço de tempo, deparando-se<br />

ainda com constrangimentos a nível finan-<br />

Relativamente às estruturas visitadas onde existiam uten- de melhoria, relativamente aos circuitos de roupa, refeições,<br />

resíduos, isolamento de utentes e organização<br />

ceiro e um quadro de pessoal limitado com baixas habi-<br />

MAS, PODEMOS AFIRMAR<br />

tes portadores de Covid-19, verificou-se que relativamente<br />

ao armazenamento adequado, à gestão correta do trabalho.<br />

litações e resiliência à mudança.<br />

de acordo com a situação e à existência de uma zona Durante estas visitas foi realizada formação, em áreas tão<br />

Apesar dos dados não refletirem este aspeto, ao longo QUE AS ERPI VISITADAS PELA APLAR<br />

específica para remoção, eram requisitos que não estavam<br />

cumpridos em quatro estruturas, mas em todas instituição, na utilização dos equipamentos de proteção<br />

mento da capacidade instalada originalmente, que per<br />

diversas como procedimentos básicos de organização da<br />

dos anos existiu em muitas destas estruturas um alarga-<br />

REALIZARAM UM ESFORÇO ENORME<br />

elas existiam os EPI`s adequados, bem como solução individual, em procedimentos relacionados com o controlo<br />

ambiental, nos circuitos para prestação de cuidados<br />

buindo em dificuldades acrescidas no cumprimento das<br />

si exigia uma redefinição de espaços e circuitos, contri-<br />

alcoólica para lavagem das mãos.<br />

DE ADAPTAÇÃO A ESTAS NOVAS<br />

Relativamente aos procedimentos para Controlo Ambiental,<br />

a utentes com Covid-19, no cumprimento da etiqueta<br />

melhores práticas na prestação de cuidados.<br />

CONDIÇÕES E NECESSIDADES<br />

onde existiam já utentes portadores de Co-<br />

respiratória e higienização dos espaços e equipamentos.<br />

Entre as maiores dificuldades encontradas destacou-se a<br />

vid-19, todas as Instituições já tinham definidas medidas Conclusões<br />

utilização dos EPI, nomeadamente os relacionados com PROVOCADOS PELO VÍRUS<br />

e procedimentos específicos, principalmente a nível de As Estruturas Residenciais Para Idosos (ERPI) não estavam<br />

preparadas para situações de utentes com doenças<br />

da sua remoção, principalmente após a saída de locais os procedimentos de segurança a cumprir no momento<br />

alimentação e roupa (80%).<br />

SARS-COV-211.<br />

Conforme se comprova da análise dos dados da tabe-<br />

transmissíveis como o Covid-19, quer pela sua especifi-<br />

contaminados ou potencialmente contaminados.<br />

”<br />

}<br />

64 65


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

Sim % de Cumprimento<br />

6. Sugestão de Procedimentos para controlo Ambiental - Covid<br />

Alimentação/refeições em caso de utentes Covid-19 positivos 34 94,4<br />

Alimentação/refeições em cumprimento das normas em vigor 36 100,0<br />

Isolamento de utentes 36 100,0<br />

Organização de trabalho adequada a prevenir a propagação da infeção<br />

32 88,9<br />

por SARS-CoV-2<br />

Resíduos em caso de utentes Covid-19 positivos 35 97,2<br />

Resíduos em cumprimento das normas em vigor 35 97,2<br />

Roupa limpa e suja em caso de utentes Covid-19 positivos 35 97,2<br />

Roupa limpa e suja em cumprimento das normas em vigor 36 100,0<br />

Tabela 6: Sugestão de Procedimentos para controlo Ambiental - Covid.<br />

7. Formação<br />

Armazenamento de EPI´s 35 97,2<br />

<strong>Gestão</strong> correta de EPI´s , segundo a norma 07/<strong>2020</strong> da DGS 34 94,4<br />

Higienização de espaços, superfícies e objetos 35 97,2<br />

Momento de Lavagem das mãos 33 91,7<br />

Passagem de zona contaminada para zona limpa 33 91,7<br />

Sequência de colocação e remoção de EPI´S 33 91,7<br />

Tabela 7: Formação.<br />

“<br />

AS ESTRUTURAS RESIDENCIAIS<br />

PARA IDOSOS (ERPI) NÃO ESTAVAM<br />

PREPARADAS PARA SITUAÇÕES<br />

DE UTENTES COM DOENÇAS<br />

TRANSMISSÍVEIS COMO O COVID-19,<br />

QUER PELA SUA ESPECIFICIDADE<br />

E NOVIDADE, QUER PELA<br />

MUDANÇA QUE FOI NECESSÁRIO<br />

IMPLEMENTAR EM TÃO CURTO<br />

ESPAÇO DE TEMPO.<br />

”<br />

66<br />

Sim<br />

% de Cumprimento<br />

Em Instituições com casos positivos verificou-se uma dificuldade<br />

acrescida na transição de zona contaminada<br />

para zona limpa, bem como na reorganização espacial<br />

após o aparecimento de casos de doença.<br />

Mas, podemos afirmar que as ERPI visitadas pela APLar<br />

realizaram um esforço enorme de adaptação a estas novas<br />

condições e necessidades provocados pelo vírus<br />

SARS-CoV-2, colocando um desafio acrescido à respetiva<br />

Direção, Diretor Técnico (geralmente Assistente<br />

Social) e aos Profissionais de Saúde (geralmente o Enfermeiro,<br />

e noutras situações, o Técnico de Saúde Ambiental,<br />

o Fisioterapeuta, o Psicólogo, o Nutricionista, ou<br />

o Geróntologo) indo de encontro a Menezes (2012), o<br />

qual refere que a gestão emerge nas organizações a<br />

partir da necessidade de trabalhar a capacidade de lidar<br />

com imprevistos e com a adaptação a mudanças.<br />

No cerne dessas mudanças encontra-se a prevenção das<br />

infeções associadas a cuidados de saúde (IACS), tendo<br />

como estratégia primordial as precauções básicas ou<br />

precauções padrão que devem ser utilizadas para todos<br />

os doentes onde se incluem a higienização das mãos, o<br />

uso de equipamento de proteção individual (EPI), a higiene<br />

respiratória, a localização do doente e o controlo<br />

ambiental (Siegel et al., 2007).<br />

Os resultados obtidos nos cuidados de saúde com o desenvolvimento<br />

de ações dirigidas à prevenção e ao controle<br />

das IACS, influenciam sem dúvida a redução dos índices<br />

de morbilidade e mortalidade dos utentes, a redução<br />

dos custos das Instituições (ex: melhor gestão dos Equipamentos<br />

de Proteção Individual), bem como a melhoria da<br />

segurança, quer dos utentes quer dos profissionais.<br />

A criação da APLar, a qual em termos concetuais, podemos<br />

definir como um conjunto de profissionais com formações<br />

e/ou atribuições distintas, que visualizam o problema/objeto<br />

de estudo ou intervenção sob ângulos diferentes,<br />

explorando-o e enriquecendo-o (Santos et al.,<br />

2007) e que se auto constrói progressivamente, e cresce<br />

como um conjunto harmonioso e verdadeiramente<br />

interessado (Garcia, 2007).<br />

A sua intervenção foi ajustada por uma atitude pedagógica,<br />

englobando a realização de formação teórica e prática<br />

sobre as precauções básicas ou precauções padrão<br />

para a prevenção das IACS, validação de procedimentos<br />

em vigor, recomendação de medidas corretivas/sugestões<br />

de melhoria, principalmente no âmbito do controlo<br />

ambiental, tendo em conta os constrangimentos específicos<br />

de cada Instituição, quer relativamente à estrutura<br />

física quer aos recursos humanos e materiais, ou seja as<br />

soluções encontradas para eliminar ou reduzir as não<br />

conformidades ou riscos são específicas para aquela<br />

instituição, foram encontradas em conjunto, tendo em<br />

conta os recursos disponíveis.<br />

Com estas intervenções foi possível colocar o foco na<br />

pessoa vulnerável, otimizar os cuidados prestados e a<br />

gestão de EPI, contribuir para a quebra na cadeia de<br />

transmissão por infeção de SARS-CoV-2 e reduzir o nível<br />

de stress por parte dos prestadores de cuidados.<br />

Assim, podemos afirmar que, mediante os custos associados<br />

e os resultados obtidos, seria um projeto com<br />

muito potencial de replicação em outros ACeS, com<br />

ganhos em saúde reais e mensuráveis, contribuindo para<br />

a otimização dos cuidados prestados pelas ERPI. Ã<br />

• Carvalho, J. E. (2009). Metodologia do trabalho científico: “Saber-Fazer” da investigação<br />

para dissertações e teses. Lisboa: Escolar Editora.<br />

• Direção Geral da Saúde (2007). Programa nacional de prevenção e controlo de<br />

infecção associada aos cuidados de saúde. Ministério da Saúde, Lisboa.<br />

• Direção Geral da Saúde (<strong>2020</strong>). Norma 09/<strong>2020</strong> de 11/03/<strong>2020</strong> - Covid-19:<br />

Fase de Mitigação - Procedimentos para Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI)<br />

(,…). Ministério da Saúde, Lisboa.<br />

• Garcia V. (2007). A Visão Interdisciplinar e Multidisciplinar dos Profissionais na<br />

Área da Saúde. World Gate. Brasil.<br />

• Instituto da Segurança Social (2007). Estrutura Residencial para Idosos - Manual de<br />

Processos-Chave. Modelos de Avaliação da Qualidade das Respostas Sociais. Ministério<br />

do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, lisboa.<br />

• Menezes M.J. (2012). Estilo democrático de gestão no contexto organizacional:<br />

Perspectivas. Administração de Empresas. Revista/ Faculdades Integradas. Curitiba.<br />

• Santos S., Lunardi, V., Eerdmman A., Calloni H. (2007). Interdisciplinaridade: a pesquisa<br />

como eixo de formação/profissionalização na saúde/enfermagem. Revista Didáctica<br />

Sistêmica. Rio Grande.<br />

• Siegel, J. D., Rhinehart, E., Jackson, M., Chiarello, L. (2007), Guideline for Isolation<br />

Precautions: Preventing Transmission of Infectious Agents in Health Care Settings.<br />

https://doi.org/10.1016/j.ajic.2007.10.007<br />

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GH gestão<br />

PRESCRIÇÃO: MAIS VALOR<br />

EM SAÚDE EM PORTUGAL<br />

Francisco Rocha Gonçalves<br />

Coordenador do GT em VBHC da APAH,<br />

Diretor no Grupo Luz Saúde<br />

A<br />

APAH, através do seu grupo de trabalho<br />

em valor em saúde, avaliou o<br />

sentimento de uma amostra de conveniência<br />

de administradores hospitalares,<br />

médicos, farmacêuticos, consultores e<br />

outros stakeholders, quanto à possibilidade de implementação<br />

com sucesso - ie., com resultados úteis para os doentes<br />

- de projetos de gestão de saúde baseada em valor (value-<br />

-based health care, vg, VBHC) em Portugal.<br />

Este artigo sintetiza os principais achados, sendo que as respostas<br />

individuais foram anónimas e que o resultado, por<br />

ser um “envelope” de todas as respostas, não representa<br />

necessariamente a visão específica de algum dos respondentes.<br />

Houve duas vagas de entrevistas, sendo a primeira<br />

mais genérica para verificar quão difundidos os principais<br />

pilares do VBHC (integração de cuidados; medição de custos<br />

e outcomes; transformação digital; contratos baseados<br />

em valor) estão em Portugal. Na segunda volta, os respondentes<br />

foram confrontados com perguntas mais dirigidas<br />

para identificar projetos concretos com melhores perspetivas<br />

de impacto, aceitação e exequibilidade. Os resultados<br />

abaixo são uma avaliação conjunta dos dois momentos.<br />

Do painel identificado, para a primeira vaga de questões<br />

- em geral abertas - responderam 15 pessoas. O texto seguinte<br />

sintetiza, em narrativa, as visões e opiniões desse<br />

agregado. Não houve situações em que algum texto de<br />

um participante fosse contrário e conflituasse com a visão<br />

de outros. Há um alinhamento, cobrindo aspetos diferentes<br />

e complementares do percurso, pelo que esta opção<br />

narrativa é conveniente para explorar as respostas.<br />

Na segunda vaga de questões, em que foram colocadas<br />

várias opções de resposta (e campos abertos para quem<br />

quisesse aduzir os seus contributos), responderam 18 pessoas.<br />

Este conjunto foi sobretudo usado na construção<br />

deste texto, no ponto 3.9 e seguintes.<br />

Contexto<br />

À medida que os sistemas de saúde, de todo o Mundo,<br />

enfrentam a Covid-19, e se preparam para a travessia duma<br />

crise económica, começam a desenhar-se novos cenários<br />

para o nosso futuro, com base nas tendências e forças<br />

anteriores a <strong>2020</strong>, a que se juntaram novos fenómenos.<br />

Estas forças externas, e a própria natureza interna dos<br />

sistemas de saúde, desgastam-nos e ultrapassam os respetivos<br />

limites de capacidade de resposta. Mas também se<br />

abrem oportunidades de reconstrução dos sistemas, baseados<br />

em novos paradigmas, que enfrentam os grandes<br />

temas atuais: onde alavancar a resiliência necessária (dos<br />

sistemas, e das pessoas) e a inovação para crescer num<br />

contexto tendencialmente restritivo? Não haverá lugar para<br />

a destruição criativa? Qual o papel dos atores tradicionais?<br />

Que novos intervenientes serão necessários?<br />

Sendo certo que uma travagem da economia deixa marcas<br />

irrecuperáveis, como podemos compensar com novas<br />

ou velhas medidas a indústria da saúde? Que atores<br />

são mais relevantes? Estas são algumas questões que temos<br />

de antecipar. Resume-se a seguir os resultados da auscultação<br />

dos membros do grupo de trabalho VBHC e<br />

outros stakeholders selecionados, para obter uma ideia<br />

mais próxima das realidades onde podemos intervir de<br />

modo consequente.<br />

Resultados<br />

A auscultação nos termos descritos permitiu elaborar uma<br />

representação do estado do VBHC em Portugal e construir<br />

uma listagem de objetivos a prosseguir no imediato,<br />

bem como os projetos de VBHC que os podem suportar.<br />

Neste sentido, este trabalho oferece um contributo<br />

prático para a orientação do trabalho das instituições de<br />

saúde em Portugal.<br />

Por onde evoluir em VBHC em Portugal?<br />

O conceito tem forma de evoluir e de se tornar útil aos<br />

objetivos de qualidade e sustentabilidade do sistema de<br />

saúde. Podemos ter aqui, de acordo com as respostas,<br />

três caminhos. Primeiro, assumir um olhar organizativo e<br />

apontar áreas em crise na cadeia de valor da saúde (pontos<br />

internos ou externos às instituições onde haja pressão<br />

financeira, de acesso, falta de recursos, ou outra), o qual<br />

possa indicar a necessidade de uma alteração de paradigma.<br />

Segundo, e de acordo com o espírito VBHC, pode-se<br />

identificar áreas de patologia de grande impacto ou em<br />

unmet need - são exemplos, a oncologia, as doenças reumáticas,<br />

a diabetes, as doenças infeciosas, a hipertensão<br />

arterial ou a resistência aos antimicrobianos. Terceiro, há<br />

áreas funcionais que embora não respeitem a “um ciclo<br />

de cuidados” são apoios essenciais na implementação de<br />

projetos, como o diagnóstico, alguns prestadores de cuidados,<br />

ou as atividades de rastreio.<br />

Portanto, o VBHC pode evoluir e ter um papel em Portugal,<br />

mantendo o objetivo de endereçar “condições” e<br />

ciclos completos de cuidados, sendo que essas áreas terapêuticas<br />

vão provavelmente corresponder às apostas<br />

habituais em matéria de volume de cuidados e burden of<br />

disease. A priorização de área advirá do estado de necessidade<br />

de cada promotor relativamente a cada uma delas,<br />

para maximização do impacto e da motivação - porventura<br />

por estar em pressão no sistema. Reconhece-se também, a<br />

título de must have na implementação de qualquer projeto,<br />

a integração de elementos funcionais como, por exemplo,<br />

o diagnóstico, o hospital de dia ou o bloco operatório.<br />

Como avançar?<br />

Dificilmente uma equipa ou uma instituição implementará<br />

um programa completo em autarcia. Assim, é necessário<br />

trabalhar com diversos stakeholders internos e<br />

externos. A forma de cooperarem terá de prosseguir<br />

diálogo, transparência e busca de soluções win-win. Ou<br />

seja, já não é cada um a tentar otimizar a sua agenda, é<br />

o trabalharem uma agenda comum. Os projetos não só<br />

têm de obedecer a um bom plano, como serem bem<br />

implementados e geridos. Estas competências em matéria<br />

de gestão de projetos não existem internamente na<br />

maioria das instituições, sobretudo públicas, do sistema<br />

de saúde português. Contudo, as falhas na implementação<br />

são o “vale da morte” para a maioria das ideias<br />

em saúde em Portugal. Por isso, formação de qualidade,<br />

possivelmente com apoio externo, bons workshops de<br />

lançamento do projeto e competências para o gerir ao<br />

longo do tempo, são apostas de investimento não só para<br />

iniciativas em VBHC, como para outros projetos das instituições<br />

de saúde em Portugal, que se recomenda fortemente.<br />

Uma proposta mais ambiciosa, mas muito promissora, é<br />

a construção de uma iniciativa de parceria público-privada,<br />

numa linha análoga à da Innovative Medicines Initiative,<br />

tendo em vista o apoio/incentivo às práticas de value-based<br />

healthcare e value-based procurement em Portugal. A<br />

iniciativa teria como parceiros nucleares agentes do setor<br />

Estado - e.g., Infarmed, SPMS, ANI - e da Indústria - e.g.,<br />

APIFARMA, APORMED, APOGEN. Estas parcerias podem<br />

também envolver prestadores privados (via APHP)<br />

e seguradores (via APS). Por exemplo, as partes contribuíram<br />

de forma equitativa (i.e., 50% público, 50% privado)<br />

para um fundo destinado especificamente ao financiamento,<br />

por via de concursos competitivos e em áreas<br />

selecionadas, a projetos-piloto de VBHC e VBP que contem<br />

com consórcios completos (i.e., fornecedores, prestadores,<br />

pagadores, doentes).<br />

Instituições como associações de doentes, a APAH ou<br />

outras podem apoiar com know how e competências de }<br />

68 69


GH gestão<br />

“<br />

O PATHWAY PODE SER UM MAPA<br />

ESPECIALMENTE RICO,<br />

QUE ALÉM DE INDICAR PERCURSOS,<br />

OFERECE INFORMAÇÃO<br />

ADICIONAL PARA TOMADA<br />

DE DECISÃO E PARA ESTUDO<br />

A CADA MOMENTO.<br />

”<br />

implementação estes projetos.<br />

As organizações estão preparadas?<br />

Em geral não estão. Pelo menos, enquanto conjunto. Seguramente,<br />

nessas organizações há pessoas preparadas e<br />

com vontade de prosseguir projetos. Será necessário confiar<br />

nestes a responsabilidade pelos primeiros pilotos, que<br />

vão contaminar positivamente a organização como um<br />

todo. Recorde-se que esta aprendizagem do conceito se<br />

faz por ensino e demonstração, e também por reconhecimento<br />

dos resultados e envolvimento das pessoas.<br />

Mais ainda, um grupo profissional que tem de estar envolvido<br />

desde a primeira hora, pelos motivos acima, são<br />

as equipas clínicas.<br />

Que obstáculos existem? Como os suprimir?<br />

Foram identificados vários, sendo agrupados nos seguintes:<br />

temas de financiamento e contratação; temas de autonomia<br />

das instituições, sobretudo em matéria de RH.<br />

Primeiro, quanto ao financiamento, indo ao encontro de<br />

um pilar fundamental do VBHC, se houvesse relação de<br />

objetivos ligados à centralidade do doente com os mecanismos<br />

de financiamento, seria um importante fator de<br />

incentivo. Segundo, trata-se de procurar eficácia e eficiência<br />

na gestão, pois quanto à autonomia e a mecanismos<br />

de gestão de recursos humanos, sabemos que é impossível<br />

recrutar as pessoas certas no momento certo, ou remunerar<br />

diferentemente de modo a incentivar, ou ajustar<br />

quadros de pessoal em caso de reestruturação. Esta é<br />

uma barreira significativa à reconfiguração da orgânica e<br />

das carteiras de serviços dos hospitais.<br />

Quanto à forma de abordar estes temas, as propostas vão<br />

em três linhas complementares. Primeiro, atividades de<br />

formação, quer mais introdutórias, quer por recurso a<br />

metodologias de formação-ação para combinar ação com<br />

pedagogia. Segundo, fazer provas de conceito, acompanhar<br />

as experiências que estão em curso e publicar/analisar<br />

os resultados. Em terceiro lugar, explorar os mecanismos<br />

já existentes no país, direcionando-os para o tema<br />

do financiamento e/ou referenciação de doentes com base<br />

em VBHC como, por exemplo, os centros de referência<br />

da Direção Geral de Saúde ou os contratos com a<br />

Administração Central do Sistema de Saúde.<br />

Como reconhecer as vantagens?<br />

Para os inquiridos, a informação e o conhecimento são<br />

um resultado crítico para responder a esta pergunta. É<br />

com estes recursos que se vai educar os públicos, ou seja,<br />

os profissionais e os doentes, pois ambos são importantes<br />

para a implementação com sucesso de projetos. Adicionalmente,<br />

importa valorizar essa informação e conhecimento<br />

(os insights derivados da análise dos dados) nos<br />

processos de tomada de decisão, para benefício destes e<br />

para melhor reconhecimento junto dos clínicos das vantagens<br />

do VBHC.<br />

Como abordar a questão da construção dos pathways?<br />

Em Portugal há muito a fazer neste capítulo e não há uma<br />

experiência difundida. Há projetos com bons resultados<br />

na construção de dezenas de pathways por patologia,<br />

mas apenas em determinadas instituições públicas e em<br />

privados. Assim, enquanto ferramenta de uso corrente,<br />

ainda não é uma realidade nos hospitais nacionais.<br />

Os inquiridos referem também que tão importante quanto<br />

conceber estes documentos, é monitorar o seu uso.<br />

De facto, esse é o propósito fundamental da sua elaboração<br />

- é controlar a variabilidade indesejada, através de<br />

documentos de consenso académico e científico que posicionem<br />

os cuidados no estado da arte e os tenham contextualizados<br />

num determinado percurso administrativo<br />

e multidisciplinar, holisticamente concebido.<br />

Por outro lado, o pathway pode ser um mapa especialmente<br />

rico, que além de indicar percursos, oferece informação<br />

adicional para tomada de decisão e para estudo<br />

a cada momento, fruto do trabalho inicial, do desenvolvimento<br />

de conteúdos e do esforço de aprendizagem ao<br />

longo do tempo. Assim, os utilizadores confiarão mais<br />

neste instrumento, como um guia de navegação, melhorando<br />

a adesão.<br />

Qual o papel das TIC? O que se espera destas ferramentas?<br />

As opiniões colhidas podem resumir-se em dois pontos.<br />

Primeiro, precisamos de TIC funcionantes para ter bons<br />

resultados de VBHC. Ou seja, elas têm de ser efetivos<br />

apoios à decisão, à eficiência e à qualidade dos cuidados.<br />

E têm que servir para construir valor na perspetiva dos<br />

doentes, ou seja, têm de ter um impacto diferencial positivo<br />

- aferido na perspetiva dos resultados e/ou da sustentabilidade<br />

dos sistemas. Estes resultados tipicamente<br />

implicam medir a satisfação dos doentes e dos utilizadores<br />

com estas ferramentas.<br />

Qual o papel dos incentivos a profissionais envolvidos?<br />

É unânime a visão de que os incentivos/compensações fazem<br />

parte de uma relação laboral saudável e consequente,<br />

independentemente da sua forma e se estamos em<br />

contexto VBHC ou noutro. A natureza desses incentivos<br />

é que não é consensual nos exemplos oferecidos pelos<br />

respondentes - mas não será o aspeto mais relevante. Importa<br />

associar incentivo (genericamente definido) a objetivos,<br />

para guiar a ação e eliminar as contradições entre os<br />

incentivos existentes à data.<br />

No caso específico de explorar a prescrição do VBHC<br />

quanto ao uso de incentivos para melhor alinhar as prioridades<br />

dos profissionais, em direção aos outcomes que<br />

interessam ao doente, há algumas considerações sobre<br />

como poderiam funcionar.<br />

Assim, numa primeira linha, encarando como prémios e recompensadas<br />

(dinheiro, reconhecimento, progressão na<br />

carreira, formação financiada, etc.) podem estar alinhados<br />

com a implementação com sucesso de projetos<br />

VBHC, com determinados outcomes atingidos e contratualizados<br />

e/ou com os resultados medidos junto dos<br />

doentes sobre as intervenções/planos de cuidado sobre<br />

eles executados. Deve ser sempre incluída e privilegiada<br />

a perspetiva dos doentes.<br />

Noutra linha, o incentivo também pode advir - aqui relaciona-se<br />

com o que foi dito a propósito da medição de<br />

resultados - da comparabilidade de resultados. Assim, os<br />

exercícios de benchmarking e a transparência voltam a ser<br />

fundamentais, desta vez para motivação e apoio à execução<br />

das tarefas. Este tipo de exercício vale pelo efeito<br />

catalisador que as comparações promovem.<br />

Que prioridades têm as instituições neste momento?<br />

Foram sugeridas 10 possibilidades de resposta, e ainda<br />

deixada uma caixa em branco para outras sugestões. As<br />

opções pré-definidas foram: aproveitar para reconfigurar<br />

o hospital na sua orgânica; aumentar a escala da minha<br />

operação; aumentar a produtividade; aumentar a qualidade<br />

geral dos serviços prestados; aumentar a satisfação reportada<br />

pelos doentes; explorar formas de integração<br />

com entidades externas; financiar investimento; lidar com<br />

a (des)motivação dos RH; manter uma operação com o<br />

orçamento equilibrado; recuperar listas de espera.<br />

Estas opções estão alinhadas com preocupações do momento<br />

e algumas, deliberadamente, são possíveis linhas<br />

de força para o futuro mais afastado. A ideia é verificar<br />

duas dimensões: por um lado, se as prioridades das instituições<br />

estão mais focadas em temas de resolução mais<br />

imediata ou mais diferida; e, por outro, se esses temas<br />

têm relação com programas de VBHC.<br />

Analisando os extremos verifica-se que o Top 3 são: o aumento<br />

da qualidade geral dos serviços prestados; a recuperação<br />

das listas de espera; o aproveitar para reconfigurar<br />

o hospital. Secundariamente, aparecem o aumento da<br />

produtividade e a motivação dos recursos humanos (embora<br />

este tenha sido a 1ª opção de alguns, mostrando que<br />

é um tema sensível). No outro extremo, as três menos<br />

votadas foram: o aumento de escala (crescimento da ins- }<br />

70 71


GH OPhghgh gestão<br />

tituição); financiar investimento; explorar integração com<br />

entidade externas.<br />

Ou seja, por um lado há um conjunto de prioridades definida<br />

e as instituições sabem o que querem. Por outro lado,<br />

parecem ser preocupações focadas no rescaldo e ressurgimento<br />

após a paragem forçada da atividade económica<br />

geral, o enfrentamento da fase inicial da crise epidémica<br />

e da alteração grave da normalidade das operações<br />

hospitalares. A questão é se o VBHC pode contribuir com<br />

respostas para estes temas e quais. Com certeza que cada<br />

tópico pode e deve ser melhor explorado, talvez com entrevistas<br />

em profundidade, mas neste artigo importa dar uma<br />

caracterização e pistas para estes trabalhos posteriores.<br />

O VBHC tem aqui algum papel?<br />

A manutenção ou aumento dos níveis gerais de qualidade,<br />

num contexto de significativa rutura e reinvenção da<br />

atividade operacional, é um desafio em qualquer contexto.<br />

Estabelecer modos permanentes de trabalhar, contemplando<br />

a realidade de prevenir a infeção por SARS-<br />

CoV-2, tratar estes doentes e todos os demais, é outra<br />

face habitualmente referida nos tempos atuais.<br />

O VBHC, por se focar em optimizar outcomes que importam<br />

aos doentes, através da adequada integração de<br />

cuidados, pela exploração das possibilidades do estado<br />

da arte com as equipas clínicas na liderança destes projetos,<br />

endereça a preocupação de mais qualidade perfeitamente.<br />

A questão da diminuição de custos tem que ver<br />

com a eliminação de fontes de desperdício - e são várias<br />

já documentadas nas últimas décadas - por variabilidade<br />

indesejada de resultados e/ou de consumo de recursos<br />

desnecessários. Assim, a preocupação com a produtividade<br />

está igualmente contemplada numa abordagem<br />

VBHC ao Mundo pós-Covid-19. Contudo, como se explicou<br />

é igualmente capaz para responder a desafios de<br />

curto prazo. Assim, justifica-se ter uma estrutura de outcomes<br />

e unidades focadas em condições clínicas, até para<br />

responder melhor a problemas imediatos, com qualidade<br />

e produtividade.<br />

O VBHC normalmente foca-se no médio e longo prazo,<br />

por ser esse o horizonte natural não só na abordagem à<br />

nossa saúde, mas também à generalidade dos investimentos<br />

nesta cadeia de valor. Assim, o aproveitar as crises para<br />

reconfigurar e fazer ressurgir as instituições, com base em<br />

premissas que assegurem melhor a centralidade do doente<br />

no processo de cuidados, é fundamental neste momento.<br />

Que projetos VBHC são importantes?<br />

O grupo, que podia escolher livremente (havia umas sugestões,<br />

mas também uma caixa aberta para que os respondentes<br />

pudessem explicar tudo quanto fosse relevante)<br />

escolheu um conjunto de projetos para enfrentar o<br />

contexto e prosseguir os objetivos acima descritos. A seguir,<br />

apresenta-se o Top 5, por ordem de número de votos<br />

de respondentes:<br />

1. Um programa de medição de custos e outcomes numa<br />

patologia a escolher;<br />

2. Grupo de trabalho interno, com ou sem peritos externos,<br />

para planear e gerir implementação;<br />

3. Grupo de trabalho interno e/ou externo, ou em rede<br />

com outras instituições, para desenhar um pathway duma<br />

patologia;<br />

4. Obter evidência de que o VBHC funciona e sobre os<br />

resultados que gera;<br />

5. Desenvolver o sistema informático para dar resposta às<br />

necessidades do VBHC;<br />

Ou seja, preferem-se projetos de entrada clara no tema,<br />

que permitem abordagens estruturadas e riscos calculados,<br />

embora indo todas no bom sentido por incluírem aspetos<br />

de medida e a perspetiva de mudar o que for necessário<br />

para oferecer um melhor serviço aos doentes. Outros<br />

são complementares: por exemplo, não faz sentido a<br />

aposta no sistema informático sem ter uma visão do que<br />

se pretende deste, mas já faz sentido tê-lo em perspetiva<br />

pois vai ser requisitado assim que o VBHC entrar em tração<br />

nas instituições.<br />

Por fim, os projetos menos votados (ou não votados de<br />

todo) são os que envolvem articulação com pagadores<br />

(Governo ou seguradoras), o trabalho com o Governo<br />

(DGS, ACSS, INFARMED, etc.) para implementar projetos<br />

e as candidaturas ao P<strong>2020</strong> ou H<strong>2020</strong>.<br />

Que parceiros posso/devo acionar?<br />

De novo, os projetos não se realizam sem uma rede de<br />

parceiros, tal como a atividade na cadeia de valor da saúde.<br />

Por isso, as respostas variam em três direções. Primeiro,<br />

houve respostas de conjunto, ou seja, não identificam<br />

parceiros específicos porque acham importante assinalar<br />

o carácter holístico da cadeia de valor. Segundo, assinalam<br />

a indústria farmacêutica para as partilhas de risco e para<br />

alinhar este parceiro com os interesses dos doentes. Terceiro,<br />

referem o papel de outras unidades de saúde, para<br />

colher outcomes e para fazer exercícios de benchmark.<br />

Ou seja, o painel reconhece o carácter interdependente<br />

da indústria de cuidados de saúde, e destaca alguns parceiros<br />

potenciais, para projetos específicos.<br />

Conclusão<br />

Este artigo resume os achados de uma auscultação estruturada<br />

a uma comunidade de stakeholders em saúde,<br />

reunidos sob o tópico do valor em saúde, na APAH.<br />

Concluímos pela pertinência da perspetiva conhecida como<br />

VBHC, tanto na gestão de curto prazo, como na de<br />

longo prazo, nas instituições da cadeia de valor da saúde<br />

em Portugal.<br />

Também verificámos que o estado de divulgação do conceito<br />

de VBHC em Portugal é crescente, muito por via<br />

de pessoas e instituições que testam o conceito e divulgam<br />

os resultados. É um processo orgânico que pode ser<br />

apoiado pela academia, empresas e instituições. A APAH<br />

escolheu fazê-lo e neste momento agradece os contributos<br />

recebidos.<br />

Concluiu-se que o contexto atual, independentemente<br />

das dificuldades do momento e da sua duração, é também<br />

uma oportunidade para mudar. Esta mudança em<br />

algumas instituições poder ser um momento de reconfiguração<br />

e noutras uma ocasião para introduzir programas<br />

de custeio ou monitorização de atividades. Em implementação<br />

de VBHC, o importante, depois de constituídas as<br />

equipas e assegurada a liderança clínica para o projeto, é<br />

ter um objetivo e um projeto ligados, para prosseguir. Os<br />

Grupo de trabalho em Valor<br />

em Saúde da APAH<br />

Coordenador: Francisco Rocha Gonçalves.<br />

Membros: Andreia Borges; Cláudia Santos;<br />

Cláudia Vaz; David Guerreiro; Filipa Baptista;<br />

Filipa Fixe; Filipa Serra; Filipe Costa;<br />

Helena Farinha; Inês Joaquim; Isabel Guerra;<br />

Joana Camilo; Joana Cunha; Joana Sousa;<br />

João Fonseca; João Leal; João Oliveira;<br />

Luis Menezes; Luis Soares; Madalena Melo;<br />

Márcio Joel; Maria Barros; Martinha Garcia;<br />

Patrícia Redondo; Paulo Cortes;<br />

Pedro Gomes; Ponciano Oliveira;<br />

Rui Guimarães; Serafim Guimarães;<br />

Tatiana Silvestre; Tiago Reis Marques.<br />

recursos, nomeadamente a disponibilidade das pessoas<br />

para projetos além da sua atividade profissional, a par do<br />

tema das recompensas, são provavelmente mais fáceis de<br />

resolver que os grandes temas da autonomia. O VBHC<br />

é uma ferramenta para sinalizar a importância destes recursos<br />

e objetivos.<br />

Os projetos concretos que cada instituição vier a escolher<br />

prosseguir advirão assim, das suas necessidades e das suas<br />

prioridades. O mais importante é empreender um caminho<br />

de riscos, custos e resultados calculados e divulgar as<br />

aprendizagens no final. Assim, terá sido uma oportunidade<br />

em qualquer cenário. Ao contrário de grandes investimentos,<br />

em obras ou IT, o investimento em projetos de<br />

VBHC envolve sobretudo horas de RH e devolvem quase<br />

imediatamente mais satisfação aos profissionais, mais<br />

envolvimento nas tomadas de decisão e informação útil a<br />

diversos fins, além dos imediatos. Por isso, a sua mais valia<br />

resulta clara rapidamente.<br />

Por fim, os doentes são a razão de ser da indústria de<br />

cuidados de saúde e são os principais beneficiários da reflexão<br />

que este grupo empreendeu.<br />

O grupo mostrou, como se esperava, um conhecimento<br />

profundo da situação do sistema de saúde português e<br />

de possíveis soluções. Através de uma metodologia colaborativa<br />

construímos uma estrutura de prioridades que<br />

agora se oferece, bem como a sua reflexão sobre o potencial<br />

do VBHC em Portugal.<br />

Em breve este grupo oferecerá outros contributos, possivelmente<br />

na linha da aprendizagem deste painel: formação;<br />

evidência/sistematização de boas práticas; e capacidades<br />

técnicas e estratégicas para apoiar projetos através<br />

dos seus membros. Ã<br />

72 73


GH Investigação<br />

O IMPACTO DA TRANSFORMAÇÃO<br />

DIGITAL E A LIDERANÇA<br />

NO FUTURO DA SAÚDE<br />

Teresa Magalhães<br />

Professora Convidada e Administradora <strong>Hospitalar</strong><br />

NOVA National School of Public Health, Public Health<br />

Research Centre, Universidade NOVA de Lisboa,<br />

Comprehensive Health Research Centre (CHRC)<br />

Afonso Pedrosa<br />

Diretor do Serviço de Inteligência de Dados<br />

- Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário São João<br />

Carlos Sousa<br />

Direcção de Sistemas e Tecnologias<br />

de Informação - Hospital da Cruz Vermelha<br />

Rita Veloso<br />

Vogal Conselho Administração<br />

- Centro <strong>Hospitalar</strong> Póvoa de Varzim<br />

- Vila do Conde, EPE<br />

Zita Espirito Santo<br />

Coordenadora do Gabinete de <strong>Gestão</strong> de Projetos,<br />

Investimentos e Património - Centro <strong>Hospitalar</strong> e<br />

Universitário de Coimbra, EPE<br />

A<br />

transformação digital, o que é?<br />

A transformação digital (TD) é vista<br />

ainda por muitos como um tabu, algo<br />

que não se sabe muito bem ainda o<br />

que quer dizer e que deixa muitos<br />

com dúvidas de: afinal do que estamos a falar?<br />

Este artigo pretende ser uma ajuda a desmistificar este tema<br />

e também uma primeira abordagem para alinharmos<br />

ideias e partilharmos conhecimento entre este grupo de<br />

trabalho de gestão de informação em saúde (GTGIS) da<br />

APAH e para e o universo de leitores da <strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong><br />

que se pretende detalhar em números futuros.<br />

Podemos dizer que a TD é entendida como o uso da<br />

tecnologia para aumentar de forma significativa a performance<br />

das instituições, quer internamente, quer na sua<br />

relação com os seus clientes, através de novos modelos<br />

de negócio que a tecnologia digital permite.<br />

Espera-se, assim, melhorar a experiência dos clientes através<br />

do digital em todos os pontos de contacto no ciclo<br />

de vida dessa experiência, passando cada vez mais a dispormos<br />

de ecossistemas digitais onde o real e o virtual<br />

se encontram usando a robótica, genética, IA e outras<br />

Miguel Cabral de Pinho<br />

Médico Assistente de Saúde Pública no Agrupamento<br />

de Centros de Saúde (ACES) Maia/Valongo,<br />

Administração Regional de Saúde do Norte, I.P.<br />

tecnologias a nosso favor. São tempos que inauguram<br />

uma nova civilização, novas formas de ser, viver, trabalhar,<br />

governar e imaginar.<br />

E qual é o potencial para as organizações de saúde?<br />

O desperdício nas organizações de saúde, é um tema<br />

recorrentemente falado e que segundo a OCDE pode<br />

ocorrer em três vertentes: os doentes não receberem<br />

os cuidados necessários, os recursos poderem ser reduzidos<br />

ou melhor alocados obtendo a mesma qualidade<br />

de prestação de cuidados, e os recursos serem desviados<br />

para outros pontos que não diretamente a prestação de<br />

cuidados. 1<br />

Segundo vários estudos 20% dos gastos em saúde é desperdício,<br />

existindo aqui uma enorme oportunidade de<br />

realocar este desperdício em atividades que realmente<br />

façam a diferença. 2,3<br />

Relativamente às doenças crónicas (DC) 1 em cada 4 pessoas<br />

na União Europeia sofre de DC e o seu tratamento<br />

representa um enorme peso nas estruturas de saúde e<br />

no apoio social. 4 Em Portugal, 3.9 milhões de portugueses<br />

(57,8%) reportaram ter pelo menos uma DC. 5 É conhecido<br />

que 80% dos riscos de DC podem ser reduzidos se<br />

optarmos por estilos de vida saudáveis quer na alimentação<br />

quer no ambiente onde vivemos e trabalhamos. E<br />

sabemos também que 70 a 80% do orçamento da saúde<br />

é gasto para tratar DC, mais de 115 biliões de euros por<br />

ano na União Europeia. Cerca de 97% deste orçamento<br />

é dedicado para tratamento, gestão das DC e administração<br />

dos cuidados de saúde. Ficando apenas 3% dedicado<br />

a promoção da saúde e prevenção da doença. 4<br />

Muitas das doenças podem ser prevenidas e outras podem<br />

ser atrasadas no seu aparecimento.<br />

Reduzir o peso da doença é um dos objetivos que nos<br />

une: governantes, administradores, profissionais de saúde,<br />

associações de doentes e cidadãos de uma forma geral.<br />

Permitindo realocar noutras atividades, nomeadamente<br />

em prevenção da doença e promoção da saúde, investigação<br />

e melhoria de eficiência das organizações em particular,<br />

através do uso da tecnologia.<br />

É, portanto, essencial que a mudança se faça, mas é incontornável<br />

afirmar que o modo como tradicionalmente<br />

prestávamos cuidados de saúde mudou. E esta mudança<br />

tem vindo a ser feita ao longo dos anos. A chave está em<br />

criar valor, a tecnologia tem de criar valor para os profissionais<br />

e para os doentes, temos de a perceber e temos<br />

de conseguir medir.<br />

Tal como se ouve tantas vezes dizer: só conseguimos gerir<br />

aquilo que conseguimos medir!<br />

Assim, quando falamos de TD falamos nesta capacidade<br />

de gerar valor e gerir a mudança. A TD e o caminho para<br />

a saúde digital não se faz apenas porque existe tecnologia.<br />

Sendo a transformação dos comportamentos uma das<br />

vertentes mais difíceis de alcançar. 6<br />

A cultura é o fator de sucesso mais importante na TD<br />

e há que desenvolver empatia na forma como mostramos<br />

e apresentamos o produto a quem ele se destina:<br />

Profissionais ou doentes - através da criação de novos<br />

modelos de prestação de cuidados (saúde digital), transformação<br />

dos processos internos, tornando-os ágeis, gerando<br />

maior eficiência e monitorização e transformar a<br />

experiência do doente.<br />

Mas qual a importância dos líderes digitais?<br />

Para tal um dos fatores chave é que os líderes entendam<br />

esta TD como estratégica.<br />

No congresso da IDC Directions 2019 referia Serge Findling<br />

na apresentação inaugural que apenas 46% das empresas<br />

estão determinadas em ter estratégias claras para<br />

esta transformação e veem o enorme potencial em seguir<br />

este caminho. E que as restantes estavam distraídas, o barco<br />

vai passar por elas e só por mero acaso o vão apanhar.<br />

Na área da saúde, num inquérito recente nos EUA, apenas<br />

7% das empresas de saúde e farmacêuticas disseram<br />

que se tornaram digitais, em comparação com 15% das<br />

empresas de outros setores. 7<br />

Mesmo a nível governamental a estratégia tem de passar<br />

por aqui, não é por acaso que passou a existir uma Secretaria<br />

de Estado para a Transição Digital e um Ministério<br />

da Economia que se passou a chamar de Economia e }<br />

74 75


GH Investigação<br />

“<br />

A APOSTA NA TELESSAÚDE<br />

NÃO SE RESTRINGE À<br />

IMPLEMENTAÇÃO DE NOVAS<br />

TECNOLOGIAS NOS PROCESSOS<br />

CLÍNICO-ADMINISTRATIVOS<br />

OU AQUISIÇÃO DE SOLUÇÕES<br />

MUITAS VEZES ISOLADAS<br />

LEVANDO A DUPLICAÇÃO<br />

OU PERDA DE INFORMAÇÃO.<br />

”<br />

Transição Digital. Ninguém quer ficar para trás. Em 2018<br />

no índice da UE de e-government, Portugal posicionou-se<br />

numa posição até então nunca conseguida, em 29.<strong>º</strong>, mas<br />

perdeu alguns lugares em <strong>2020</strong>, descendo para 35<strong>º</strong>. 8,6<br />

Medidas como o Simplex vieram trazer novas formas de<br />

todos interagirmos com os serviços públicos administrativos,<br />

o “cidadão digital”.<br />

Este é um tema que tem vindo a assumir cada vez maior<br />

importância também ao nível da academia 9 e nos webinar<br />

promovidos pelos SPMS e APAH através do seu GTGIS 10<br />

e um dos pontos referidos foi exatamente a necessidade<br />

de liderança digital (LD) e de liderança em telessaúde,<br />

telelíderes. E esta também se ensina.<br />

A Healthcare Information and Management Systems Society<br />

(HIMSS) descreve a LD do futuro como:<br />

“Leadership in the future is not about having all the right<br />

answers. It is about asking the right questions, empowering<br />

and inspiring questions, that motivate the team or<br />

group to learn, to work toward meaningful goals that are<br />

aspirational.” 11,12<br />

Reconhecemos que a LD e de forma particular a saúde<br />

digital em telessaúde, é sem dúvida, um dos maiores facilitadores<br />

(ou inibidores) da necessária mudança nas Organizações<br />

mas, mais importante, nas Pessoas. Talvez uns<br />

tenham despertado mais cedo do que outros, e outros<br />

tenham sido despertados pela situação atual em que nos<br />

encontramos. Talvez uns estivessem mais preparados do<br />

que outros e estamos certos de que não partimos todos<br />

do mesmo ponto de partida nesta matéria.<br />

Mas quem será afinal um telelíder? Um telelíder é, acima<br />

de tudo, uma Pessoa. Uma Pessoa que pauta pela<br />

transparência, pela união, capaz de se adaptar de forma<br />

ágil ao meio e às Pessoas que o envolvem, é simples e assume<br />

compromissos com os seus profissionais e os seus<br />

utentes e comunidade. Está constantemente à procura<br />

de entrega de valor e fá-lo de uma forma humilde. Define<br />

claramente os objetivos dos seus projetos e assume uma<br />

comunicação eficaz promovendo o feedback às equipas<br />

sem reservas. Apela e promove o pensamento “fora da<br />

caixa”, mesmo quando este implica falhar, incentivando a<br />

autonomia das suas equipas e a sua participação nas decisões.<br />

No final, um telelíder é “apenas” uma Pessoa cujo<br />

propósito é, através da tecnologia e processos ágeis,<br />

melhorar a experiência das suas Pessoas.<br />

Todos concordaremos que a aposta na telessaúde não se<br />

restringe à implementação de novas tecnologias nos processos<br />

clínico-administrativos ou aquisição de soluções<br />

muitas vezes isoladas levando a duplicação ou perda de informação.<br />

Exige antes um esforço e uma vontade de todos<br />

para mudar: mudar a forma como instituições, profissionais,<br />

doentes e cuidadores se relacionam entre si; mudar<br />

para uma cultura cada vez mais digital, colaborativa e<br />

de partilha.<br />

E tudo isto requer Telelíderes. E estes precisam-se!<br />

É necessário, portanto, uma equipa forte e robusta constituindo-se<br />

como fator crítico de sucesso na liderança da<br />

saúde digital do futuro para além das outras áreas da TD.<br />

O que é afinal a saúde digital?<br />

A saúde digital é uma das áreas da TD na área da saúde<br />

que impacta diretamente na forma como prestamos cuidados.<br />

Num consenso muito recente sobre a definição<br />

de Saúde Digital, a HIMSS define-a da seguinte forma:<br />

“Digital health connects and empowers people and populations<br />

to manage health and wellness, augmented by<br />

accessible and supportive provider teams working within<br />

flexible, integrated, interoperable and digitally-enabled<br />

care environments that strategically leverage digital tools,<br />

technologies and services to transform care delivery.” 11<br />

E qual é, afinal, o impacto e o valor da saúde digital para as<br />

pessoas? Como pode a saúde digital transformar os sistemas<br />

de saúde envolvendo as pessoas neste processo tanto<br />

na promoção e prevenção como na gestão da doença?<br />

Referimos, anteriormente, que um dos objetivos é reduzir<br />

o peso da DC através de uma melhor gestão da doença,<br />

apostando na prevenção da doença e na promoção da<br />

saúde. A saúde digital engloba, no seu conceito, a telessaúde<br />

e, dentro desta, a telemedicina e telemonitorização<br />

e, através das tecnologias que já estão disponíveis, é uma<br />

poderosíssima ferramenta para atingirmos resultados em<br />

saúde e eficiência para o sistema de saúde. A criação de<br />

valor e de evidência nesta área é absolutamente essencial<br />

para podermos envolver profissionais e doentes.<br />

Foi recentemente publicado a nível internacional um trabalho<br />

de investigação realizado pelo grupo de investigação<br />

da Professora Dulce Brito do Centro <strong>Hospitalar</strong> de<br />

Lisboa Norte, o qual evidencia resultados excelentes na<br />

telemonitorização de doentes com insuficiência cardíaca,<br />

concluindo que a telemonitorização reduziu 12 meses de<br />

hospitalização por todas as causas de mortalidade, bem<br />

como, hospitalizações por insuficiência cardíaca, quando<br />

comparado com o tratamento tradicional. 13<br />

Este e outros bons exemplos que já temos no terreno são<br />

o futuro e, enquanto APAH, iremos brevemente, no nosso<br />

programa de aceleração digital em e-learning (Academia<br />

APAH - Go Digital), dar voz e partilhar estes projetos.<br />

Que tecnologias suportam a TD na área da saúde?<br />

Decidir em quais as tecnologias emergentes que vale a<br />

pena investir e liderar a mudança costuma ser a parte<br />

mais difícil na TD. Além disso, a adaptação à era digital<br />

exige uma mudança em direção a uma mentalidade flexível<br />

e de risco. Significa abrir mão de processos de negócio<br />

desatualizados e confiar que a disrupção trará grandes resultados.<br />

Algumas das tendências que podem beneficiar<br />

com a TD são:<br />

• Big data na área de saúde: dispor da capacidade de cruzamento<br />

de vários tipos de dados do processo clínico pode<br />

trazer vários benefícios, desde o conhecimento profundo<br />

do negócio até à melhoria dos processos, por<br />

exemplo, na redução de erros de medicação;<br />

• Tratamento de pacientes com realidade virtual: permitir<br />

que profissionais e utentes possam aprender com a simulação<br />

da realidade, é uma tendência com uma utilidade real;<br />

• O crescimento de dispositivos médicos móveis: capacidade<br />

de monitorização e interação entre paciente e profissional<br />

e ambiente - a internet of things (IoT);<br />

• Análise preditiva: ajuda a prever cenários que possam<br />

ser importantes. Um bom exemplo é a aplicação desta<br />

tecnologia na análise da evolução da atual pandemia;<br />

• As maravilhas da IA: chatbots e assistentes de saúde virtuais<br />

são exemplos de tecnologia baseada em IA com a<br />

qual os pacientes se estão a familiarizar. Os chatbots podem<br />

preencher uma infinidade de funções, desde representantes<br />

de atendimento ao cliente a ferramentas de<br />

diagnóstico e até mesmo terapeutas;<br />

• Tecnologias de workflow ou agentes inteligentes, que<br />

monitorizam os registos e correlacionam escalas e resultados,<br />

notificando os profissionais, em sintonia com as<br />

NOC, guidelines e resultados esperados. E de igual forma,<br />

as tecnologias point-of-care e bedside por via mobile, que já<br />

elevavam muito a segurança dos doentes. Hoje podemos<br />

escalar para outros níveis o seu potencial!<br />

Será através desta visão holística e da utilização combinada<br />

de metodologias, normas e técnicas inovadoras, que<br />

poderemos materializar uma medicina de precisão, personalizada<br />

e preventiva em áreas como imagens médicas,<br />

descoberta de medicamentos e genómica.<br />

O IoT enquanto tecnologia interliga-se com várias componentes,<br />

faz parte de um ecossistema mais vasto, fala-se<br />

inclusive e cada vez mais na “internet de tudo” e não das<br />

coisas. É a base para algo muito maior que sem esta<br />

possibilidade era impossível falar-se em TD, permite por<br />

exemplo fazer hospitalização domiciliária com monitorização<br />

contínua. Falamos também dos relógios digitais que<br />

cada vez usamos mais e têm incorporados estes devices<br />

que permitem gerir a nossa saúde sobre diversos aspetos.<br />

Dentro do hospital os dispositivos de IoT podem medir<br />

regularmente a temperatura, a pressão arterial, os níveis<br />

de oxigénio de um doente e estar integrado com o processo<br />

clínico eletrónico, diminuindo o erro do registo de<br />

dados e fazendo-o de uma forma atempada. As capacidades<br />

são infinitas!<br />

Num estudo da Gartner, 86% das empresas entrevistadas ligadas<br />

à prestação de cuidados responderam terem uma arquitetura<br />

de IoT a funcionar em grande parte das suas áreas. 14<br />

De referir que a expetativa de crescimento é em 2025 de<br />

duas vezes mais em termos de devices ligados, e em termos<br />

de dados gerados é de seis vezes mais, é enorme a<br />

potencialidade do que podemos fazer com estes dados. 14<br />

É por aqui que temos de fazer a diferença, não interessa<br />

ter o device para lembrar o profissional de desinfetar<br />

as mãos se depois não conseguimos medir, se não<br />

conseguirmos mudar comportamentos, se não conseguirmos<br />

criar inteligência em cima destes dados e influ- }<br />

76 77


GH Investigação<br />

enciar resultados. Vemos efetivamente o ecossistema do<br />

IoT com um grande potencial para as organizações de<br />

saúde, mas mais do que ligar devices, é criar valor, ligamos<br />

pessoas, ligamos devices mas têm de coexistir com as<br />

outras componentes, em particular com a componente<br />

analítica e a segurança e ser pensada desde raiz como<br />

parte integrante na construção de edifícios hospitalares.<br />

Tal como se tem um projeto de segurança ou de energia,<br />

esta também deve ser pensada como tal, como também<br />

se valorizava num seminário da ENSP (<strong>2020</strong>) e dos quais<br />

já existem excelentes exemplos pelo mundo. 15 A outra<br />

questão que se coloca é a privacidade e segurança de<br />

tudo o que envolve tecnologias na transformação digital.<br />

As questões da cibersegurança<br />

Em saúde, podemos dizer que a gestão do risco assume<br />

uma dimensão tridimensional. Para além do risco clínico e<br />

não-clínico, temos mais recentemente a perspetiva digital,<br />

expressa na dimensão de cibersegurança.<br />

Nunca como agora, a cibersegurança foi tão relevante<br />

para salvaguardar a excelência da prática de cuidados,<br />

motivada pelo crescendo de processos de TD.<br />

A dimensão desmaterializada que suporta o registo de<br />

cuidados, a tomada de decisão, a segurança do doente, a<br />

conformidade legal e outras, pressupõe a existência de<br />

mecanismos que assegurem a confidencialidade, integridade<br />

e disponibilidade da informação clínica e administrativa.<br />

Ao que acresce a importância do não repúdio, ou<br />

seja, a autenticidade de uma mensagem ou artefacto de<br />

informação, produzido no sistema de informação eletrónico.<br />

Este atributo ganhou preponderância por via do Regulamento<br />

Geral de Proteção de Dados (RGPD), dada<br />

a necessidade de se assegurar que a integridade dos dados<br />

está protegida e que o emissor (p. ex. instituição de<br />

saúde) e o recetor (p. ex. doente, tribunal), não têm qualquer<br />

motivo para negar ou repudiar determinada informação<br />

sobre o repositor digital.<br />

Para esta missão, as organizações de saúde podem recorrer<br />

e beneficiar de novas tecnologias como a IA e machine<br />

learning, para reforçar e automatizar os próprios<br />

mecanismos de cibersegurança, no respetivo ecossistema<br />

de informação clínica e organizacional.<br />

Sublinha-se que a par da dimensão tecnológica, os processos<br />

e as pessoas são fator de sucesso também na cibersegurança.<br />

Uma cultura de partilha, sem sofismas ou a<br />

nomeação de novos agentes com o médico responsável<br />

pela informação, o encarregado de proteção dados ou o<br />

responsável pela segurança informática, representam diferenciadores<br />

de mudança, cruciais para uma cultura organizacional<br />

amadurecida e capaz de responder às ameaças<br />

ao ecossistema de informação digital.<br />

Conclusão<br />

Falámos de TD, de LD, de saúde digital, de telessaúde, de<br />

tecnologias de suporte e de cibersegurança. O futuro está<br />

aqui, é agora e depende de todos nós, administradores e<br />

profissionais de saúde liderar esta TD. Como dissemos<br />

ninguém quer ficar para trás.<br />

Sublinhar também o papel da monitorização da adoção<br />

destas tecnologias, ou a medição dos resultados, na medida<br />

da proposta de valor subjacente ao investimento ou<br />

ROI Social. A monitorização de boas práticas em tempo<br />

real ou a avaliação do impacto da adoção das guidelines<br />

nos outcomes clínicos sustentam, como nunca até aqui, a<br />

melhoria contínua e conferem uma nova dimensão a<br />

qualquer framework de acreditação organizacional.<br />

A APAH e este grupo de trabalho consideram uma questão<br />

prioritária, a divulgação, transmissão de conhecimento<br />

e o ensino através da academia APAH. Estes temas aqui<br />

abordados já podem ser acompanhados nos nossos diferentes<br />

canais, YouTube com os webinars de TD na saúde,<br />

e na Academia da APAH com o programa de aceleração<br />

tecnológica na saúde. Ã<br />

1. OECD. “Tackling wasteful spending on health”. OECD Publishing, Paris. 2017.<br />

http://dx.doi.org/10.1787/9789264266414-en<br />

2. WHO. Health systems financing: the path to universal coverage. Geneva: World<br />

Health Organization. 2010.<br />

3. Berwick, DM; Hackbarth, AD. “Eliminating waste in US health care”. JAMA.<br />

307: 1513. 2012.<br />

4. CHRODIS. Implementing good practices for chronic diseases. <strong>2020</strong>.<br />

http://chrodis.eu/about-us/<br />

5. INSA. Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico 2013-2016. Instituto Nacional<br />

de Saúde Doutor Ricardo Jorge. 2015. http://repositorio.insa.pt/bitstream/<br />

10400.18/5748/4/INSA-info-doenca-cronica-PT.pdf<br />

6. UN. “E-Government survey <strong>2020</strong>: Digital government in the decade of act”. Department<br />

of Economic and Social Affairs. United Nations, New York. ISBN: 978-<br />

-92-1-1<strong>23</strong>210-3. <strong>2020</strong>.<br />

7. Vatash, P., “Digital Intelligence Briefing: 2018 Digital Trends”. Adobe. 2018. https:/<br />

wwwimages2.adobe.com/content/dam/acom/au/landing/DT18/Econsultancy-<br />

-2018-Digital-Trends.pdf<br />

8. ONU. “Estudo sobre governo eletrónico da organização das nações unidas: Orientar<br />

o governo eletrónico para apoiar a transformação digital rumo a sociedades<br />

sustentáveis e resilientes”. Departamento de Assuntos Económicos e Sociais. Organização<br />

das Nações Unidas (versão em língua portuguesa). ISBN: 978-92-1-<br />

-1<strong>23</strong>205-9. 2018.<br />

9. Martins, H., “Bring on the (digital) revolution: how to bootstrapp a country on<br />

digital health”. 1<strong>º</strong> Seminário Digital Public Health. ENSP. <strong>2020</strong>.<br />

https://www.youtube.com/watch?v=-6GDwp0lLjE<br />

10. MartinsS, H., “Liderança Digital ENESIS 20-22”. SPMS/APAH. <strong>2020</strong>. https://apah.<br />

pt/pec-events/transformacao-digital-implicacoes-na-saude-4-o-webinar-apahspms/<br />

11. Snowdon, A., “Digital Health: A Framework for Healthcare Transformation”.<br />

HIMSS. <strong>2020</strong>.<br />

https://cloud.emailhimss.org/digital-health-a-framework-for-healthcare-transformation<br />

12. Kane, G.C.; Phillips, A.N., Copulsky, J., Andrus, G., “How Digital Leadership Is(n’t)<br />

Different: Leaders must blend traditional and new skills to effectively guide their organizations<br />

into the future”. MIT Sloan Management Review. Mar 2019.<br />

13. Nunes-Ferreira, A. et al., “Non-invasive telemonitoring improves outcomes in<br />

heart failure with reduced ejection fraction: a study in high-risk patients”. ESC Heart<br />

Failure. Published online in Wiley Online Library (wileyonlinelibrary.com) DOI:<br />

10.1002/ehf2.12999. <strong>2020</strong>.<br />

14. Gupta, A., Sharpington, K., “Forecast Analysis: Healthcare Providers Internet of<br />

Things Endpoint Electronics and Communications Revenue, Worldwide”. Gartner.<br />

2019. ID: G00441628.<br />

15. ENSP, "O impacto do IoT na arquitetura <strong>Hospitalar</strong>". 4<strong>º</strong> Seminário de Arquitetura<br />

<strong>Hospitalar</strong>. Disciplina de Tecnologias e Equipamentos <strong>Hospitalar</strong>es. ENSP. <strong>2020</strong>.<br />

78


GH PUBLICAÇÃO APAH<br />

APRESENTAÇÃO DO LIVRO<br />

"UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO DA<br />

GESTÃO HOSPITALAR EM PORTUGAL"<br />

DE JOSÉ NOGUEIRA DA ROCHA<br />

António Correia de Campos<br />

Sócio Honorário APAH<br />

Este livro engana muito. A princípio julga-se<br />

que é um trabalho sobre leis orgânicas de<br />

hospitais, com todo um cortejo de fastidiosas<br />

descrições que possam vir à ideia. E<br />

não é. Depois, pensa-se que é uma autobiografia<br />

e não é. Haverá quem possa pensar que o autor<br />

pretende falar no que jamais teria alcançado, vingar-se da<br />

adversidade, procurar protagonismo serôdio, lutar contra<br />

fantasmas do passado. E não é nada disso. E haverá ainda<br />

quem possa pensar que se trata de uma vindicta política,<br />

o autor ter-se-ia afastado da política muito cedo e agora<br />

com a inimputabilidade do peso dos anos, considerar-se-<br />

-ia livre para dizer o que pensa no seu íntimo. Olha quem!<br />

Não conheço ninguém mais reservado que José Nogueira<br />

da Rocha, nem mais cuidadoso e comedido em posições<br />

que possam ferir outros, nem mais distante da espuma<br />

dos dias, nem mais afastado da intriga malsã. Não,<br />

nada disso!<br />

Claro que o livro trata de hospitais e discute a sua organização.<br />

Claro que o autor relata um pouco da sua vida, não<br />

muito e sempre dizendo mais de si através do que pensa<br />

dos seus mentores e modelos, do que confessando-se ao<br />

leitor anónimo. Claro que quem foi tudo o que quis na vida,<br />

alto funcionário, administrador-geral do maior hospital<br />

do País, legislador influente, docente respeitado e marcante,<br />

diretor-geral de duas grandes unidades, presidente do<br />

SUCH, deixando na lei uma boa parte do que refletira,<br />

sempre com proverbiais cautelas, quem granjeou admirações<br />

à esquerda e à direita, acima e abaixo do seu estatuto,<br />

não tem necessidade de mais protagonismo.<br />

O livro ajuda a pensar através do desfiar do passado.<br />

Ajuda a escolher através de métodos da gestão empresarial<br />

que imprimem racionalidade em terrenos onde ela<br />

é quotidianamente desmontada pelo imprevisto, como<br />

exemplarmente mostra em capítulos finais. Ajuda a respeitar<br />

o presente através da tranquila análise de 53 anos<br />

de vida social, económica e política de enormes mudanças.<br />

Ajuda a admirar figuras que sucessivamente nos mereceram<br />

primeiro, desconfiança, a seguir, temor reverencial,<br />

depois, autoridade técnica, mais tarde, respeito pelo<br />

serviço da coisa pública, e logo a seguir, admiração intelectual,<br />

simpatia, adesão sem reservas, homenagem e finalmente<br />

saudade. Figuras que esta nossa privilegiada geração<br />

reconhece terem sido essenciais no seu exemplo de<br />

vida pública: poderiam ter sido banqueiros ou prósperos<br />

dirigentes de empresa, entraram remediados e remediados<br />

saíram. Poderiam ter sido políticos de sucesso, limitaram-se<br />

a cumprir o dever de servir com devoção, competência<br />

e probidade. Poderiam ter tido uma vida sossegada<br />

ou divertida, preferiram trabalhar sempre, com prejuízo<br />

da própria saúde e privação de tempo familiar. Sim,<br />

as pessoas que Nogueira da Rocha repetidamente exalta<br />

como seus modelos, Coriolano Ferreira e Augusto Mantas,<br />

para me limitar apenas aos dois gerontes da nossa família<br />

hospitalar, e mais todos aqueles que ambos selecionaram,<br />

prepararam e empurraram para voar, alguns já<br />

longe de nós, tiveram o privilégio de viver e trabalhar em<br />

tempos onde quase tudo era possível.<br />

Teve-se por vezes a ilusão de que tínhamos o mundo nas<br />

mãos e as costas protegidas pelos arcanos. Mas cedo ganhámos<br />

a experiência de que quando a política parecia<br />

mais reformista, como no consulado de Marcelo Caetano,<br />

nem todas as reformas se alinhavam e retrocessos surgiam<br />

amiúde. Ou de que quando tudo de bom se esperava<br />

de antes e depois da revolução de 1974 afinal, nos<br />

hospitais a confusão aumentava, como acontecia nos anos<br />

de 72 a 77 que Vasco Reis designa por período de “administração<br />

hospitalar dormente ou doméstica”. Ou ainda a<br />

ilusão de que as boas leis fazem bons os hospitais, como<br />

pensámos ser possível em 1968 com o Estatuto <strong>Hospitalar</strong><br />

e o Regulamento Geral dos Hospitais, ou em 1977<br />

com a legislação que venceu por cansaço e bom senso o<br />

modelo autogestionário dos agitados anos do PREC, saída<br />

da pena afiada de Raul Moreno Rodrigues e da pró-atividade<br />

de Paulo Mendo, sempre na ilusão de que o conceito<br />

de autonomia financeira era o mesmo na Av.ª João<br />

Crisóstomo e na Rua da Alfândega; ou finalmente, em<br />

2002-2005, com a criação do modelo de hospitais sociedades<br />

anónimas, depois reconvertidos em entidades públicas<br />

empresariais, onde eu próprio tive intervenção direta.<br />

Puras ilusões, pelas quais saíram derrotadas as bondosas<br />

intenções de mais autonomia para os hospitais, de mais<br />

responsável gestão intermédia, de orçamentos iniciais mais<br />

próximos da despesa anual final, de mais fácil recrutamento<br />

e de mais flexível contratação de bens e serviços. Em<br />

50 anos, pouco ou nada mudou nessas matérias. Mas deixemo-nos<br />

de pessimismos, pois há muito a saudar.<br />

Saudemos os anos sessenta com a criação do Ministério<br />

da Saúde, da Direção-Geral dos Hospitais e do SUCH; a<br />

publicação da primeira legislação aceitável sobre financiamento<br />

em 1966, da pena conjunta de Neto de Carvalho,<br />

Coriolano e Mantas, os excelentes cursos que especialistas<br />

franceses vieram lecionar entre nós no ano de 1968,<br />

bem como a geração dos seis meninos de Rennes que<br />

foram, vieram e venceram, sempre sob a asa protetora<br />

de Coriolano; depois a criação da ENSPMT, onde se inseriu<br />

o Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> já em 1970.<br />

Saudemos os anos setenta, pela legislação premonitória<br />

da universalidade de acesso, preparada por Gonçalves<br />

Ferreira e Arnaldo Sampaio, o aproveitamento do regime<br />

de instalação que permitiu arejar velhos e novos hospitais,<br />

o SNS que veio dar a volta a tanta coisa parada, sobretudo<br />

no interior do País e que permitiu o difícil parto da<br />

fusão dos Serviços Médico-Sociais da Previdência com os<br />

Centros de Saúde - um parto de 13 anos, tantos os que<br />

decorreram entre 1971 e 1984, quando a união se concretiza.<br />

Foi ainda e também no final dos anos setenta que<br />

se começou a estruturar de novo o Ministério, a organizar<br />

as carreiras médicas, a reforçar novos e velhos hospitais<br />

distritais para acolherem a pletora dos jovens internos e<br />

finalmente a normalizar o famoso regime de instalação.<br />

E foi também nessa década que oito novos e modernos<br />

hospitais distritais entraram em funcionamento.<br />

Onze anos depois do esforço normalizador das orgânicas<br />

hospitalares de 1977, surge nova legislação hospitalar,<br />

onde Nogueira da Rocha tem papel de relevo: regressa a<br />

visão empresarial do hospital, quase letra por letra como<br />

estava no estatuto de 1968. Vinte anos foram necessários<br />

para rever e corrigir derivas do curso da história. Chegam<br />

os Centros de responsabilidade (CRI) onde não resistimos<br />

à tautologia do “integrados” que Rocha condena.<br />

Entram os orçamentos programa e esboça-se o princípio<br />

da contratualização de cada hospital com o grande financiador<br />

central, com base na produção.<br />

O que não teria sido possível sem a visão rasgada de<br />

Augusto Mantas que se virou para o outro lado do Atlântico<br />

aproveitando fundos de ajuda externa dos EUA.<br />

Para haver GDH tinha que haver codificação clínica, o<br />

que permitia técnicas de revisão do desempenho pelos<br />

pares (peer review) e que abriu o caminho à criação de<br />

modernos sistemas de informação para gestão. Mantas<br />

foi então ajudado por João Urbano e Margarida Bentes,<br />

já não entre nós, e por um grande lote de excelentes<br />

administradores. Tal como havia sido ajudado, em 1970,<br />

pelo excelente Eduardo Sá Ferreira, recentemente desaparecido<br />

do nosso convívio. Portugal ficou então à cabeça<br />

do movimento europeu de modernização da gestão<br />

hospitalar. Como prémio de trabalho, Mantas é demitido<br />

de diretor geral, por razões sinistramente incompreensíveis.<br />

Quartel de inverno, a ENSP acolhe-o a tempo inteiro<br />

e dele utiliza méritos docentes e de administração,<br />

sem contar com a simpatia imensa que derramava sobre<br />

gerações de formandos.<br />

Menos de dez anos depois é concessionada a gestão do<br />

Amadora-Sintra a qual durou até 2008. Ensaiam-se novas<br />

formas de gestão, sempre com a autonomia no horizonte,<br />

nos hospitais de Matosinhos e Santa Maria da Feira. Prepara-se<br />

o terreno para a empresarialização com uma mera<br />

resolução de CM, de Fevereiro de 2002 (mal eu sabia<br />

em que camisa me enfiava). Um governo de direita cria os<br />

hospitais SA, que o governo socialista seguinte reconverte<br />

sem subverter, em Entidades Públicas Empresariais, até<br />

agora permanecendo, sem brilho nem glória, tantas foram<br />

as atribulações das prolongadas crises financeiras entre<br />

2008 e os nossos dias.<br />

José Nogueira da Rocha considera-se um profissional }<br />

80 81


GH PUBLICAÇÃO APAH<br />

“<br />

ESTE LIVRO É UM PRODUTO<br />

DE CONHECIMENTO, DE RICA<br />

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL,<br />

DE UMA INVEJÁVEL FIRMEZA<br />

DE PRINCÍPIOS E DE UMA<br />

AGRADÁVEL E SEMPRE AMIGA<br />

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL.<br />

VALE A PENA ESTUDÁ-LO.<br />

”<br />

académico e vale a pena determo-nos um pouco sobre o<br />

que levou muitas escolas de saúde pública a recrutarem<br />

na alta administração os seus primeiros docentes. Tal<br />

aconteceu em Portugal em 1968 com a criação da ENS-<br />

PMT e o recrutamento de Arnaldo Sampaio, Coriolano<br />

Ferreira, Gonçalves Ferreira; Artur Moniz. Costa Andrade,<br />

Amélia Leitão, Cayolla da Motta, Laura Ayres, Caldeira da<br />

Silva, Vasco Reis, Nogueira da Rocha, Francisco Ramos,<br />

nós próprios e muitos outros. Não havendo prévia carreira<br />

académica foi-se à alta administração e conferiu-se-lhe<br />

a graduação necessária. Em troca das palmas académicas<br />

recebeu-se experiência, conhecimento da vida e ligação<br />

permanente aos serviços e à prática profissional. Uma<br />

troca de interesses sob a forma de recursos humanos<br />

que torna as escolas de saúde públicas progressivamente<br />

transportadas dos ministérios da saúde para as universidades.<br />

Exemplos anteriores abundam em outros países,<br />

mesmo nos que tinham academias fortes e antigas. Na<br />

Universidade de Johns Hopkins, Ernest Stebbins foi diretor<br />

durante muitos anos, tendo antes sido o comissário de<br />

saúde do estado de Nova Iorque. Na London School of Hygien<br />

and Tropical Medecine, Robert Logan tinha sido médico<br />

da Royal Navy. Na Bélgica, o Professor Halter, da Escola<br />

de Saúde Pública da Universidade Livre de Bruxelas era<br />

simultaneamente Secretário-Geral do Ministério da Saúde.<br />

Sem complexos, Nogueira da Rocha fala-nos positivamente<br />

dessa fertilização cruzada entre funções executivas<br />

que desempenhou e responsabilidades docentes e de investigação.<br />

E faz bem, pois se a pura academia é essencial<br />

para garantir qualidade na pesquisa e expressão do conhecimento,<br />

uma componente de vida prática é indispensável<br />

para que o ensino ganhe âncora no terreno da vida.<br />

Mas é nos três capítulos finais que o autor finalmente se<br />

revela. No primeiro analisa, com a distância do tempo, a<br />

evolução da gestão hospitalar, comentando as alterações<br />

de trajetória; no segundo analisa estímulos ou incentivos,<br />

dificuldades, constrangimentos e contingências, dissecando<br />

com racionalidade de gestor, não apenas os momentos<br />

de instabilidade, mas também os de forte progresso,<br />

como o modelo e a escola de formação dos administradores,<br />

as influências estrangeiras, de França, dos EUA, da<br />

OMS, da Federação Internacional dos Hospitais e traça<br />

a rota da crescente complexidade hospitalar, da sempre<br />

insuficiente autonomia, da parcimónia de recursos, da fragilidade<br />

e indefinição dos níveis intermédios de gestão.<br />

E no terceiro ensaio final, desvenda opiniões, atividade em<br />

que, como sabemos, é sempre recatado. Mas não esconde<br />

a sua posição de manter a estrutura das entidades empresariais,<br />

embora modernizada e reforçada, de respeitar<br />

o movimento das PPP e não as demonizar, condicionando<br />

o seu êxito à qualidade dos contratos iniciais e ao<br />

acompanhamento tutelar. Confirma o empenho na profissionalização<br />

da gestão de hospitais e refere o seu alargamento<br />

a áreas como a enfermagem; propugna a criação<br />

de CRI, lembrando, todavia, quão imprevisível é o hospital<br />

e quão perigoso o corporativismo. E coloca em termos<br />

corretos o mito do subfinanciamento a par da realidade<br />

da subgestão.<br />

Finalmente José Nogueira da Rocha entra Covid-19 dentro,<br />

pela ótica das oportunidades. Lembra que é altura<br />

de se confirmar o circuito vertical da atenção ao doente,<br />

desde a admissão pela urgência, a retenção na observação,<br />

a passagem à medicina interna, o trânsito temporário,<br />

espera-se, pelos cuidados intensivos, o regresso pelos<br />

intermédios, a hospitalização normal e alta. Refere o quanto<br />

isto vai implicar no desenho de novos ou renovados<br />

hospitais. Insiste na flexibilização da gestão do hospital, a<br />

partir de mais e mais fino planeamento de recursos, alarga<br />

a criação de CRI aos setores operacionais, não receia<br />

a externalização do que possa ser mais bem feito fora do<br />

hospital ou dentro, mas por outros. Insiste em melhor comunicação,<br />

melhor controlo, melhor avaliação e mais assertividade<br />

e coragem nas medidas retificadoras. Nenhuma<br />

destas opiniões resulta de palpites. Segura-se na opinião<br />

dos clássicos da gestão, invocando de novo Fayol, De<br />

Bruyne e Drucker para se concentrar na missão de melhorar<br />

sempre o processo de tomada de decisões para<br />

que as coisas aconteçam como se planeou.<br />

Este livro é um produto de conhecimento, de rica experiência<br />

profissional, de uma invejável firmeza de princípios<br />

e de uma agradável e sempre amiga inteligência emocional.<br />

Vale a pena estudá-lo. Ã<br />

82


GH PUBLICAÇÃO APAH<br />

VALUE BASED HEALTH CARE<br />

EM PORTUGAL<br />

Francisco Ramos<br />

Professor da Escola Nacional de Saúde Pública<br />

A<br />

gestão em saúde, em particular a gestão<br />

hospitalar, é matéria de estudo e<br />

investigação há décadas. Em Portugal,<br />

estão bem documentados os esforços<br />

para comprovar a especificidade e a<br />

complexidade da realidade hospitalar, e as tentativas de<br />

lhe corresponder com formas próprias de gestão e estatutos<br />

jurídicos apropriados. Nunca foi realizado o balanço<br />

da gestão hospitalar em Portugal, mas uma apreciação<br />

sumária leva facilmente à conclusão que, apesar do coro<br />

dos descontentes e insatisfeitos, o passado recente não<br />

envergonha os protagonistas nem comprometeu o sucesso<br />

do Serviço Nacional de Saúde, agora bem prestigiado<br />

face à demonstrada capacidade de resposta perante a<br />

pandemia em curso.<br />

Mesmo antes da criação do SNS, a gestão hospitalar mereceu<br />

atenção do legislador. Estatuto jurídico próprio e<br />

um plano de contas específico foram instrumentos diferenciadores<br />

do hospital público português na década de<br />

70 do século passado. A par do desenvolvimento de carreiras<br />

profissionais próprias, estes foram elementos decisivos<br />

para a afirmação e o progresso da rede hospitalar<br />

pública, apesar das restrições económicas associadas ao<br />

crescimento do sistema em época de crise económica<br />

motivada pelos choques petrolíferos em 1973 e 1979.<br />

O designado projeto dos GDH, iniciado em meados da<br />

década de 80, sob a liderança do Prof. Augusto Mantas, foi<br />

decisivo para mudar os sistemas de informação internos.<br />

Medir a produção, construir indicadores de qualidade dos<br />

cuidados prestados, avaliar a utilização do internamento<br />

hospitalar, foram marcos relevantes no desenvolvimento<br />

do hospital público português. “Em busca de maior<br />

eficiência” seria um ilustrativo título de muitas iniciativas<br />

políticas e de gestão na última década do século passado.<br />

A tradicional ausência de avaliação sistemática e a escassa<br />

cultura científica no processo de tomada de decisão<br />

fizeram com que o mito da maior eficiência do sector<br />

privado, organizado de forma empresarial, fosse assumida<br />

de forma quase evangélica nesses tempos de consolidação<br />

do SNS, híbrido face à lei de bases de saúde de 1990,<br />

vulnerável face às disposições privatizadoras do Estatuto<br />

de 1993, ingénuo e disponível para acolher as ideias neoliberais<br />

geradas no país símbolo maior do SNS.O período<br />

1995 a 2002 trouxe a gestão privada do hospital público<br />

Fernando da Fonseca, a quase empresarialização do Hospital<br />

de São Sebastião na Feira, a legislação que permitiu<br />

a construção de hospitais públicos com financiamento<br />

privado (as tão discutidas e, quiçá, injustiçadas Parcerias<br />

Público-Privadas) e o processo de empresarialização, com<br />

a transformação de 34 hospitais em sociedades anónimas<br />

de capitais públicos, rebatizados em 2005 como entidades<br />

públicas empresariais. Pelo meio, uma inocente e simpática<br />

medida de apoio ao sector privado, a aquisição de<br />

cirurgias eletivas, em lista de espera para além dos tempos<br />

clinicamente aceitáveis, o chamado PECLEC, que viria a<br />

ser um dos mais relevantes fatores indutores de crescimento<br />

da hospitalização privada.<br />

De acordo com a matriz administrativa de inspiração napoleónica,<br />

o SNS cresceu com uma forte regulamentação,<br />

hierarquizante e geradora de dependência do poder<br />

executivo, objeto de leis e regulamentos em tentativa de<br />

reger a atividade dos serviços públicos, dos cidadãos e da<br />

sociedade civil. Em coerência, os modelos organizacionais<br />

dos hospitais refletem grande concentração de poder e<br />

escassa flexibilidade. A ausência de regulação, entendida<br />

como conjunto de mecanismos que induzam o funcionamento<br />

de forma o mais eficiente possível, dos sistemas<br />

sociais e económicos, é uma das características negativas<br />

mais marcantes da saúde em Portugal, apesar da existência<br />

formal da Entidade Reguladora da Saúde desde 2004.<br />

Olhar a produção de cuidados de saúde de forma diferente<br />

será essencial para se conseguir uma transformação<br />

de sucesso. O futuro do hospital público passa pela<br />

reforma do modelo de organização interna, dinamizando<br />

e robustecendo alternativas de gestão intermédia que reconheçam<br />

a autonomia das profissões de saúde e o valor<br />

dos cuidados prestados na ótica dos seus destinatários.<br />

Os cuidados de saúde baseados em cadeias de valor não<br />

são uma novidade absoluta, mas traduzem um conceito<br />

que tem vindo a ganhar espaço. Por um lado, trata-se de<br />

uma afirmação clara da indispensabilidade da escolha de<br />

prioridades ter como base critérios de eficácia, eficiência<br />

e equidade, aqueles em que assenta o conceito de valor.<br />

Por outro lado, muitos criticam esta metodologia como<br />

sendo apenas mais uma versão do instrumental das indústrias<br />

de tecnologia médica para afastar as consequências<br />

da restrição orçamental pública e aproximar saúde e mercado.<br />

O futuro o dirá. Por agora, temas como integração<br />

de cuidados, gestão em função dos resultados em saúde,<br />

tecnologias de informação e comunicação ao serviço da<br />

prestação de cuidados de saúde, governação de serviços<br />

de saúde e o seu relacionamento com as entidades pagadoras,<br />

são questões importantes para o progresso e<br />

a melhoria das organizações de saúde, merecedoras de<br />

investigação e debate, de forma a disseminar essas ideias<br />

junto dos profissionais. A iniciativa de publicar a presente<br />

obra é louvável e oportuna. Suporte importante para a<br />

formação permanente dos profissionais de administração<br />

hospitalar, esta publicação será certamente elemento importante<br />

para a reflexão e o exercício de uma melhor<br />

gestão dos serviços de saúde. Ã<br />

84


GH estudo apah<br />

ACESSIBILIDADE AO<br />

MEDICAMENTO HOSPITALAR<br />

Mariana Jerónimo<br />

Operations Manager 2Logical<br />

A<br />

2 de dezembro assinalamos nove meses<br />

do aparecimento dos primeiros<br />

casos positivos do novo Coronavírus<br />

em Portugal. As medidas e restrições<br />

aplicadas na tentativa de conter a<br />

propagação da doença Covid-19 contam com inúmeros<br />

efeitos colaterais na sociedade e na economia do nosso<br />

país. O quotidiano alterou-se de tal forma que passou a<br />

ser o “novo normal”. Ainda assim, como em outras crises,<br />

algumas mudanças foram para melhor.<br />

A execução do primeiro estado de emergência obrigounos<br />

não só ao confinamento e a limitações na circulação,<br />

como também ao dever especial de proteção da população<br />

mais idosa, imunodeprimidos e doentes crónicos.<br />

Tornou-se assim imperativo evitar as deslocações destes<br />

utentes aos estabelecimentos hospitalares, mantendo-se<br />

intacto o acesso às terapêuticas e, em particular, aos medicamentos<br />

de dispensa exclusiva hospitalar. A já conhecida<br />

Dispensa de Proximidade foi a resposta dada pelo<br />

Governo a esta premente necessidade. Depois de vários<br />

projetos-piloto ao longo dos últimos anos, nomeadamente<br />

com terapêuticas antirretrovirais, a pandemia pelo novo<br />

Coronavírus serviu de catalisador para uma realidade<br />

já existente em muitos outros países da União Europeia<br />

e da OCDE. 1<br />

No âmbito do Fórum do Medicamento <strong>2020</strong>, a Associação<br />

Portuguesa de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es propôs-<br />

-se a analisar as alterações resultantes da disponibilização<br />

deste serviço de proximidade e a perceber a dimensão<br />

do impacto destas na vida dos utentes. Foi então conduzido<br />

um estudo populacional, durante duas semanas (de<br />

20 de outubro a 4 de novembro), através do qual foi recolhido<br />

o testemunho de 510 pessoas responsáveis pela<br />

recolha da medicação hospitalar em hospitais públicos,<br />

sejam elas os próprios doentes crónicos, os seus cuida-<br />

dores ou pessoas em regime de Profilaxia Pós-Exposição<br />

(PPE). A amostra foi considerada representativa da<br />

população Portuguesa, com distribuição proporcional em<br />

termos de faixas etárias e distrito de residência (Figura 1).<br />

O questionário aplicado foi estruturado em 3 momentos<br />

- pré-pandemia, confinamento e pós-confinamento<br />

- sendo identificado e explicado o processo de obtenção<br />

da medicação hospitalar e o nível de satisfação para com<br />

este; já as perguntas finais tiveram como objetivo perceber<br />

as expectativas dos utentes para o futuro.<br />

Como seria expectável, as alterações ao processo fizeram-se<br />

sentir logo no confinamento, com tendência a<br />

manterem-se nos meses que se sucederam. No que concerne<br />

ao local onde é obtida a medicação de dispensa<br />

exclusiva hospitalar, 38.3% dos inquiridos transitaram de<br />

regime de dispensa no confinamento, seguidos de mais<br />

19.2% no pós-confinamento. Como parte desta última<br />

percentagem regressou ao regime em que se encontrava<br />

no período pré-pandémico, observou-se uma alteração<br />

efetiva em 35.8% dos casos. Antes da pandemia, 3 em<br />

cada 4 utentes tinham de se deslocar a uma farmácia hospitalar,<br />

fosse esta no hospital responsável pela medicação<br />

ou num hospital mais próximo da sua residência. Com as<br />

medidas impostas durante o confinamento, 29.2% dos inquiridos<br />

transitou para um modelo de proximidade, com<br />

a entrega da medicação no domicílio a abranger 5 vezes<br />

mais utentes, enquanto que o levantamento na farmácia<br />

comunitária quase duplicou. De forma global, a dispensa<br />

de proximidade passou a ser uma realidade para cerca de<br />

metade dos utentes (Figura 2). No entanto, 6.0% destes,<br />

voltaram ao modelo de dispensa hospitalar no pós-confinamento,<br />

metade dos quais por imposição do hospital.<br />

Mais de 40% dos inquiridos manteve o regime hospitalar<br />

mesmo em contexto pandémico. Deste grupo, mais de<br />

metade referiu não ter sido informado pelo hospital de<br />

Figura 1<br />

Figura 2<br />

que haveria outra alternativa; cerca de 20% teve conhecimento,<br />

mas decidiu manter o local.<br />

As medidas aplicadas no programa de Dispensa de Proximidade<br />

previam também a agilização de outros aspetos<br />

no processo de obtenção da medicação hospitalar.<br />

De facto, a obrigatoriedade de apresentar uma prescrição<br />

médica em papel a fim de ter acesso à medicação<br />

hospitalar reduziu para metade no confinamento, sendo<br />

substituída pela receita eletrónica, via SMS, ou introduzida<br />

diretamente no sistema pelo médico prescritor. Por outro<br />

lado, foram privilegiadas as prescrições para períodos<br />

mais alargados, em detrimento das quinzenais ou mensais<br />

(Figura 3). A frequência de falta da medicação necessária<br />

para a continuidade do tratamento não alterou de forma }<br />

86 87


GH estudo apah<br />

Figura 3<br />

Figura 4<br />

significativa (25.0%, 24.2% e 21.0%, em cada período respetivamente),<br />

ao contrário dos motivos que geraram essa<br />

falta: as ruturas de stock baixaram de forma transversal a<br />

todas as modalidades de obtenção da medicação, ao longo<br />

dos três períodos; também os motivos relacionados<br />

com falta de disponibilidade horária ou financeira perderam<br />

relevância; em sentido oposto, a dificuldade acrescida<br />

em marcar consultas e conseguir uma prescrição médica,<br />

representaram, em conjunto, as causas mais comuns.<br />

Por forma a quantificar o impacto que a obtenção da<br />

medicação hospitalar causa na vida dos utentes, estes<br />

foram questionados relativamente ao tempo e dinheiro<br />

despendido no processo, meio de transporte utilizado na<br />

deslocação até ao local onde levantam a medicação, e<br />

ainda sobre o impacto na atividade laboral. Ora, o maior<br />

impacto fez-se sentir no grupo de utentes que transitou<br />

de um modelo de dispensa hospitalar, nos meses que antecederam<br />

a pandemia, para um modelo de proximidade<br />

no confinamento, mantendo esta escolha no pós-confinamento.<br />

Se por cada deslocação à farmácia hospitalar,<br />

cerca de metade destes utentes fazia mais de 40km (considerando<br />

ida e volta), a mudança para um modelo de<br />

proximidade permitiu uma poupança média de 112km<br />

por utente. Esta redução foi mais sentida pelos utentes<br />

das Administrações Regionais de Saúde (ARS) do Centro<br />

e Lisboa e Vale do Tejo, onde cada utente fazia em<br />

média 91.9 e 59.5km, respetivamente, e passou a fazer<br />

8.6 e 2.2km. As deslocações mais longas representavam,<br />

para cerca de 30% destes utentes, um custo superior a<br />

20€ e um dispêndio de mais de duas horas em 40% dos<br />

casos. No local onde era recolhida a medicação, 25% dos<br />

utentes perdia mais uma hora. O tempo dedicado a este<br />

processo implicava faltas no trabalho em mais de metade<br />

dos casos, com impacto na remuneração mensal de<br />

42.5% dos utentes. Com a transição para uma dispensa<br />

de proximidade, o tempo e custo despendidos, bem como<br />

o impacto negativo na atividade laboral foram amplamente<br />

reduzidos.<br />

Um outro efeito interessante no seguimento desta mudança,<br />

é a relevância que o farmacêutico comunitário ganha<br />

no esclarecimento de dúvidas. Do modelo hospitalar<br />

para o de proximidade, a percentagem de utentes que<br />

recorre ao farmacêutico comunitário aumenta de 8.0%<br />

para 31.3%. Ainda assim, o médico continua a ser a preferência<br />

em 50% dos utentes em regime de proximidade.<br />

Com as melhorias significativas observadas, não seria de<br />

esperar outra reação que não um aumento da satisfação<br />

destes utentes, que avaliaram o regime de dispensa hospitalar<br />

com um 3.12 em 5, no período pré-pandemia, e o<br />

regime de proximidade com um 4.61 em 5, no pós-confinamento.<br />

De facto, a satisfação aumentou em todos os<br />

parâmetros, incluindo o atendimento prestado, a simpatia<br />

e o esclarecimento de dúvidas. Já os utentes que mantiveram<br />

a dispensa hospitalar nos três períodos, avaliam<br />

ligeiramente pior o serviço no pós-confinamento (3.88<br />

em 5) comparativamente ao período que antecedeu a<br />

pandemia (3.94 em 5), devido sobretudo à diminuição da<br />

satisfação na comunicação e esclarecimento de dúvidas.<br />

Independentemente do meio ou meios de obtenção da<br />

medicação hospitalar já experienciados, se os utentes tivessem<br />

de optar por um local para o seu levantamento,<br />

43.7% escolheriam a farmácia comunitária, enquanto outros<br />

dariam preferência em receber a medicação em casa<br />

(39,2%) ou no local de trabalho (4.1%). Falamos de um<br />

total de 87% dos utentes que, se lhes fosse dada essa<br />

“<br />

A SITUAÇÃO PANDÉMICA<br />

EM QUE VIVEMOS NOS ÚLTIMOS<br />

MESES, OBRIGA-NOS A ENFRENTAR<br />

DIFICULDADES NUMA BASE DIÁRIA,<br />

PARA AS QUAIS NOS REINVENTAMOS<br />

E ADAPTAMOS O MELHOR<br />

QUE PODEMOS.<br />

”<br />

possibilidade, evitariam as deslocações ao hospital. Mais<br />

do que uma preferência, 2 em cada 3 utentes estariam<br />

dispostos a pagar para receber a medicação num local à<br />

sua escolha, independentemente de serem ou não isentos<br />

de taxas moderadoras. A pré-disposição bem como<br />

o valor que cada utente considera razoável para este serviço,<br />

difere ligeiramente entre os grupos de utentes que<br />

suportam custos de deslocações inferiores ou superiores a<br />

10€, sendo que 21.7% deste segundo segmento estariam<br />

dispostos a pagar mais de 5€.<br />

A situação pandémica em que vivemos nos últimos meses,<br />

obriga-nos a enfrentar dificuldades numa base diária,<br />

para as quais nos reinventamos e adaptamos o melhor<br />

que podemos. Deste período devemos reter a aprendizagem<br />

e as mudanças que tenham sido para melhor. Este<br />

estudo populacional veio mostrar o impacto positivo da<br />

mudança na vida destes utentes, e como tal, espero que<br />

sirva de orientação para levar essa melhoria a um maior<br />

número de pessoas. Ã<br />

1. Portugal. Infarmed - Circular Normativa n<strong>º</strong> 005/CD/550.20.001 <strong>2020</strong>-04-07.<br />

Orientações sobre o acesso de proximidade a medicamentos dispensados em<br />

regime ambulatório de farmácia hospitalar no atual contexto de pandemia por<br />

Covid-19.<br />

Nota: Os dados apresentados ao longo deste artigo provêm do estudo populacional<br />

promovido pela APAH e conduzido pela 2Logical, de 20 de outubro a 4 de<br />

novembro. O referido estudo foi realizado com recurso a uma abordagem metodológica<br />

de natureza quantitativa, sendo os respondentes da amostra selecionados<br />

através do método de quotas, com base numa matriz que cruzou variáveis de<br />

idade e região. A informação foi recolhida através de entrevistas online, suportadas<br />

por um questionário com perguntas fechadas, semifechadas e abertas, sendo<br />

consideradas ilegíveis para análise 510 respostas.<br />

88 89


GH Iniciativa APAH | Prémio Coriolano Ferreira <strong>2020</strong><br />

DESAFIOS E CONTRIBUTOS<br />

DA ESPECIALIZAÇÃO EM<br />

ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR<br />

NA ESFERA DA PANDEMIA<br />

Dora Melo<br />

Administradora <strong>Hospitalar</strong>,<br />

Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário do Algarve, EPE<br />

O<br />

prémio de mérito Professor Coriolano<br />

Ferreira - promovido pela APAH<br />

e Escola Nacional de Saúde Pública<br />

(ENSP) e patrocinado pela IQVIA e<br />

IASSIST, honra o ilustre e distinto Professor,<br />

membro do grupo de peritos que a Organização<br />

Mundial de Saúde convidou, em 1959, para preparar o<br />

Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>. Na sequência do reconhecimento<br />

com o referido prémio, fui desafiada pela<br />

APAH para refletir sobre o Curso de Especialização em<br />

Administração <strong>Hospitalar</strong> (CEAH) e o seu impacto no<br />

meu percurso profissional.<br />

Parei para refletir e considerei que seria pertinente focar-me<br />

no tema da 8ª Conferência da APAH que discutiu<br />

uma temática tão atual como imprescindível “Inovar<br />

e Liderar na Incerteza”. Desta forma, decidi abordar a<br />

gestão do inesperado e o seu impacto na atividade do<br />

Administrador <strong>Hospitalar</strong>.<br />

A saúde, na realidade, apresenta um elevado grau de<br />

complexidade e incerteza que depende de fatores biológicos,<br />

socioeconómicos e ambientais. É neste contexto<br />

que a esfera da saúde se encontra cada vez mais inserida<br />

num clima de instabilidade ao qual está associado o<br />

conceito do inesperado. Assim, somos sistematicamente<br />

confrontados com novos desafios e experiências que<br />

nem sempre são lineares, como é exemplo a situação<br />

que vivemos atualmente - a pandemia associada à doença<br />

infeciosa Covid-19 (Coronavirus Disease 2019) que<br />

colocou o foco na gestão da crise.<br />

No último século o mundo testemunhou duas das mais<br />

impactantes guerras que há memória, que acarretaram<br />

graves consequências no foro socioeconómico global.<br />

No entanto, no atual momento vivemos uma realidade<br />

que praticamente nenhum dos presentes viveu outrora.<br />

Precisamos de recuar um século para testemunhar uma<br />

calamidade equiparável no âmbito da saúde pública. A<br />

pandemia causada pelo vírus Covid-19 já provocou mais<br />

de 66 milhões de infeções, conhecidas, em todo o mundo.<br />

É responsável por mais de 1,5 milhões de mortos. Em<br />

Portugal, até ao presente momento foram notificados<br />

mais de 300.000 casos de infeção, sendo esta fatal em<br />

cerca de 5.000 casos.<br />

A presente pandemia mostrou, ainda, que a economia<br />

mundial, apesar da profunda robustez com que nos é<br />

apresentada, corresponde a um terreno extremamente<br />

frágil. Segundo o FMI, a atual pandemia vai provocar “profundas<br />

mudanças estruturais” na economia mundial, prevendo-se<br />

que possa corresponder à maior recessão económica<br />

do século.<br />

Conforme sublinhou Christine Lagarde, serão necessárias<br />

medidas estruturais bem definidas de forma a realocar<br />

adequadamente os recursos nos setores viáveis de forma<br />

a minimizar o impacto na economia. Revejo a mesma<br />

premência e necessidade no âmbito da saúde, realçando<br />

o papel primordial do Administrador <strong>Hospitalar</strong> como<br />

decisor e influenciador da saúde em Portugal.<br />

O presente contexto de pandemia tem revelado que<br />

a saúde pública depende essencialmente da capacidade<br />

de resposta do sistema de saúde nas situações de crise.<br />

Tudo está interligado e o nosso sucesso depende da resposta<br />

à complexa realidade em que se passa da estabilidade<br />

para o inesperado num curto espaço de tempo.<br />

O conceito de inesperado torna-se, assim, um grande<br />

desafio para todos os profissionais, adquirindo novos<br />

contornos quando aplicado às organizações de saúde.<br />

Enfrentá-lo pode ter graves implicações na performance<br />

e no desenvolvimento de novas estratégias. Assim,<br />

exige-se à Administração <strong>Hospitalar</strong> medidas sujeitas a<br />

constante inovação e evolução.<br />

Exige-se o reconhecimento das necessidades da população<br />

e uma melhor adequação dos recursos, que invariavelmente<br />

são finitos, obrigando a decisões e discussões<br />

éticas e políticas que envolvem governantes, gestores,<br />

profissionais de saúde e cidadãos.<br />

Segundo Weick e Sutcliffe, 1 as organizações que adotam<br />

uma postura de abertura em relação a todos os cenários<br />

possíveis, procuram atualizações constantes dos processos<br />

organizacionais bem como da tecnologia existente,<br />

com a finalidade de perceber a totalidade da envolvência<br />

e o próprio problema. Torna-se indispensável dotar<br />

todos os profissionais com os recursos necessários para<br />

estimular a sua capacidade de adaptação e de resolução<br />

de problemas face ao inesperado.<br />

Situações de grande instabilidade e incerteza como a<br />

que vivemos atualmente, fazem-nos perceber que somos<br />

constantemente confrontados com momentos de<br />

aprendizagem contínua e devemos aliar-nos a uma postura<br />

de total abertura face ao inesperado e à necessidade<br />

de constante atualização dos nossos conhecimentos.<br />

Teremos, todos, que adotar uma nova postura e forma<br />

de pensar. Esta postura permitir-nos-á ir aproximando<br />

as nossas instituições às organizações altamente fiáveis<br />

(High Reliability Organization - HRO), que segundo os<br />

referidos autores, se caracterizam por uma atitude de<br />

maior sensibilidade e antecipação face ao inesperado.<br />

Estar preparado para atuar caso surja um novo evento,<br />

independentemente de terem ocorrido esforços no<br />

sentido de promover a antecipação do mesmo, é outra<br />

das características determinantes do sucesso das HRO.<br />

Também na perspetiva de Martins, 2 as HRO privilegiam<br />

a determinação das condições a evitar em vez das<br />

condições a obter, identificando os resultados que não<br />

pretendem obter e desenvolvendo a sua atividade para<br />

que estes nunca ocorram. A elevada incerteza com que<br />

as organizações de saúde se deparam, exige que estas<br />

saibam gerir o inesperado. }<br />

92 93


GH Iniciativa APAH | Prémio Coriolano Ferreira <strong>2020</strong><br />

“<br />

O DESAFIO É GRANDE, OU MELHOR,<br />

É ENORME, MAS COM O TRABALHO<br />

DE EQUIPA, COM PROFISSIONAIS<br />

COMPETENTES, COMPROMETIDOS<br />

E MOTIVADOS E COM A RESILIÊNCIA<br />

QUE NOS DEVE CARACTERIZAR<br />

HAVEMOS DE CONSEGUIR DAR<br />

A RESPOSTA.<br />

”<br />

À medida que o conhecimento e as capacidades vão ficando<br />

desajustados em virtude da incerteza e da mudança<br />

do contexto organizacional atual, torna-se evidente a necessidade<br />

das organizações de saúde e dos Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es incrementarem a capacidade de aprendizagem,<br />

munindo-se de novas competências que lhes permitam<br />

responder com sucesso às alterações ambientais.<br />

Outro fator importante, o conceito de Learning Organization<br />

tem, de acordo com Osório, 3 vindo a ser aceite<br />

como um tipo de estratégia vital para a sobrevivência<br />

das organizações, especialmente as que se encontram<br />

envolvidas em ambientes turbulentos, próprios de um<br />

mundo em constante mudança. Será crucial seguirmos o<br />

princípio de “aprender com os erros”, pois só assim evoluiremos<br />

no sentido de responder aos novos desafios.<br />

A forma como gerimos as oportunidades de aprendizagem<br />

e as capacidades de adaptação e inovação, permitirnos-á<br />

aumentar a performance, a eficiência e a efetividade<br />

do desempenho das organizações de saúde.<br />

Existe sempre algo passível de nos surpreender, como a<br />

ocorrência de um acontecimento inesperado cuja análise<br />

pode não ser simples, uma vez que essa simplificação<br />

poderá ocultar aspetos fulcrais na compreensão do fenómeno.<br />

Deve ser dada uma maior atenção aos pormenores<br />

de forma a observar um maior campo de ação, assim<br />

como diferentes pontos de vista e opiniões de todos os<br />

profissionais. A resolução dos eventos inicia-se quando<br />

surge um acontecimento inesperado e os profissionais<br />

têm que desenvolver as atividades com o compromisso<br />

e a resiliência aliados à deferência com a expertise.<br />

O Administrador <strong>Hospitalar</strong> deve adotar uma postura de<br />

maior abertura e disponibilidade, considerando todas as<br />

medidas que visem gerir o inesperado, atuando assim que<br />

surja qualquer evento, não esquecendo a resiliência e realizando<br />

todas as ações de forma ponderada, pensada e clara.<br />

O curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> proporcionou-me<br />

esta poderosa ferramenta, a capacidade de ser crítica e<br />

tomar decisões. Permitiu desenvolver a minha inteligência<br />

ativa, representada como o escrutínio das expectativas<br />

existentes, o contínuo refinamento e diferenciação<br />

baseada nas novas experiências. Fomentou o desejo e a<br />

capacidade para inventar novas expectativas que façam<br />

sentido aos eventos ocorridos e a identificação de novas<br />

dimensões que melhorem o funcionamento.<br />

Reconheço que o CEAH foi, é e será, indubitavelmente,<br />

determinante e obrigatório a todo e qualquer profissional<br />

que pretenda aprofundar ou enveredar pelo ramo<br />

de administração, gestão ou investigação em saúde.<br />

Constitui provavelmente, senão com toda a certeza, a<br />

maior fonte de know-how em gestão e governação em<br />

cuidados de saúde.<br />

Mais que uma carreira, a Administração <strong>Hospitalar</strong> é a<br />

esfera na qual pretendo passar grande parte dos sucessivos<br />

dias no decorrer de longos anos. Assim, aproveito<br />

a oportunidade para agradecer a todo o corpo formativo<br />

da ENSP, pela capacidade técnica, incentivo, sentido crítico<br />

e ensinamentos transmitidos neste percurso formativo.<br />

Agradeço e reconheço, ainda, que o CEAH me proporcionou<br />

um contacto e partilha de experiência e conhecimento<br />

com os profissionais da maior excelência nacional.<br />

O desafio é grande, ou melhor, é enorme, mas com<br />

o trabalho de equipa, com profissionais competentes,<br />

comprometidos e motivados e com a resiliência que nos<br />

deve caracterizar havemos de conseguir dar a resposta<br />

que a população e as organizações de saúde merecem<br />

e esperam de nós.<br />

Mais que desenvolver processos para solucionar os problemas<br />

atuais é crucial que tenhamos a capacidade de<br />

gerir o inesperado e desenvolver processos que permitam<br />

dar uma resposta rápida a situações de incerteza.<br />

Este é o meu compromisso. Ã<br />

1. Weick KE, Sutcliffe KM. Managing the unexpected: Assuring high performance in<br />

an age of complexity. 1st ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2001.<br />

2. Martins L. Organizações de saúde: por uma cultura da fiabilidade. In Fragata J,<br />

Martins L. O Erro em Medicina: Perspectivas do indivíduo, da organização e da sociedade.<br />

Coimbra: Edições Almedina; 2004. p. 213-252.<br />

3. Osório J. Learning Organization: As práticas de gestão de recursos humanos e o<br />

papel da cultura organizacional. Braga. Tese (Doutoramento em Ciências Empresariais)<br />

- Universidade do Minho, Escola de Economia e <strong>Gestão</strong>; 2009.<br />

94


GH Iniciativa APAH | fórum do medicamento<br />

REFLEXÃO SOBRE O MODELO<br />

DE ACESSO AO MEDICAMENTO<br />

HOSPITALAR<br />

Quais os principais desafios na acessibilidade<br />

ao medicamento hospitalar? Como tem sido<br />

a resposta hospitalar na dispensa de<br />

proximidade durante a pandemia? Podemos<br />

repensar o atual modelo nacional de<br />

dispensa de medicamentos hospitalares?<br />

Com a experiência adquirida durante a pandemia no<br />

acesso aos medicamentos hospitalares tem sido equacionada<br />

a possibilidade de estes poderem ser dispensados<br />

num regime de maior proximidade e respondendo<br />

às necessidades específicas dos utentes.<br />

Nesse sentido e cientes da exigência em repensar e desenvolver<br />

modelos com circuitos de prescrição, gestão e<br />

dispensa de medicamentos hospitalares centrados nas<br />

preferências e expectativas dos doentes a Associação<br />

Portuguesa de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es (APAH),<br />

com o apoio da AstraZeneca, organizou a 12ª edição do<br />

Fórum do Medicamento. A iniciativa presidida por Francisco<br />

Ramos, teve lugar a 13 de novembro, e foi subordinada<br />

à análise e discussão da “Acessibilidade ao medicamento<br />

- Precisamos de um novo normal?”.<br />

À semelhança da edição anterior, a moderação do Fórum<br />

do Medicamento esteve a cargo de Paula Rebelo,<br />

jornalista da RTP, e trouxe até nós o estado da arte nacional<br />

e da Europa sobre o acesso ao medicamento hospitalar,<br />

incluindo uma apresentação sobre a resposta da<br />

farmácia hospitalar na dispensa de proximidade na pandemia,<br />

por Paula Campos, Presidente do Colégio de Farmácia<br />

<strong>Hospitalar</strong> da Ordem dos Farmacêuticos e ainda<br />

uma apresentação sobre os modelos e realidades da dispensa<br />

de medicamentos na União Europeia e do impacto<br />

gerado pela pandemia, a cargo de Duarte Santos, Presidente<br />

do Pharmaceutical Group of European Union.<br />

Na edição deste ano contamos também com a apresentação<br />

pública dos resultados do estudo à população<br />

“Acessibilidade e dispensa de proximidade ao medicamento<br />

hospitalar”, uma iniciativa da APAH, realizada<br />

com o apoio técnico da 2Logical, com o objetivo de perceber<br />

as expectativas e necessidades dos utentes, ou dos<br />

seus cuidadores, no processo de acesso e dispensa dos<br />

medicamentos hospitalares (ver artigo nesta edição).<br />

Tivemos ainda oportunidade de analisar e discutir a Estratégia<br />

Nacional para o acesso ao medicamento hospitalar,<br />

com a presentação das recomendações prelimi-<br />

nares do Grupo de Trabalho para a Dispensa de Proximidade<br />

de Medicamentos, criado pelo Despacho n.<strong>º</strong><br />

6971/<strong>2020</strong>, e que foi realizada por Cláudia Furtado, Diretora<br />

do INFARMED, I.P. , a que se seguiu o habitual debate<br />

com a participação de Ana Paula Martins, Bastonária<br />

da Ordem dos Farmacêuticos, António Faria Vaz, Vice-<br />

-Presidente do INFARMED I.P., Paulo Duarte, Presidente<br />

da Associação Nacional de Farmácias, Paulo Gonçalves,<br />

Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose<br />

Múltipla e Rosário Trindade, Diretora de Corporate Affairs<br />

& Market Access da AstraZeneca.<br />

A encerrar a 12.ª edição do Fórum do Medicamento,<br />

Francisco Ramos, deixou-nos as seguintes conclusões e<br />

recomendações:<br />

1. Por toda a Europa a distribuição de medicamentos nas<br />

farmácias, mesmo em tempos de pandemia, foi um dos<br />

setores que claramente resistiu e, portanto, as populações<br />

continuaram a ter acesso aos medicamentos. Em<br />

Portugal isso também foi verdade e as farmácias de oficina<br />

desempenharam o seu papel de forma normal.<br />

2. Em termos de distribuição de medicamentos hospitalares<br />

foi incentivada e aumentada a distribuição de<br />

proximidade no domicílio e nas farmácias. Foram desenvolvidos<br />

projetos um pouco por todos os hospitais e<br />

encontraram-se alternativas, com mais ou menos dificuldade,<br />

para que todos os portugueses tivessem acesso ao<br />

medicamento de distribuição exclusivamente hospitalar.<br />

3. O resultado do inquérito realizado aos utentes demostrou<br />

a enorme satisfação com a facilidade de acesso<br />

aos medicamentos hospitalares durante a pandemia,<br />

com menores custos, perda de tempo e de faltas ao trabalho.<br />

Ficou, contudo, por avaliar neste inquérito se a<br />

informação clínica para os utentes foi assegurada.<br />

4. Tivemos acesso às conclusões preliminares do grupo<br />

trabalho nomeado pelo Governo para preparar o futuro<br />

próximo e esta é claramente uma matéria sensível e devemos<br />

ter em consideração quatro questões essenciais:<br />

• Não vale a pena complicar. Nesta altura devemos focar-nos<br />

no que fizemos bem e dos resultados do que foi<br />

feito durante a pandemia;<br />

• A correção da lista dos medicamentos não deve ser<br />

uma prioridade neste momento:<br />

• A responsabilidade de dispensar estes medicamentos<br />

é dos hospitais. O que esta pandemia e várias experiências<br />

pré-pandemia demostraram é que esta dispensa<br />

não tem de ser feita ao balcão da farmácia hospitalar e<br />

que há alternativas que facilitam a vida às pessoas se<br />

forem dispensados em proximidade sob a responsabilidade<br />

dos hospitais;<br />

• Qual é o papel do farmacêutico hospitalar? Quer ser<br />

parte integrante da equipa de saúde do hospital ou ser o<br />

elo de ligação com os farmacêuticos de oficina? Ã<br />

96 97


GH Iniciativa APAH | bolsa capital humano<br />

A URGÊNCIA MAIS URGENTE<br />

DOS CUIDADOS DE SAÚDE<br />

Diogo Fernandes da Silva<br />

Médico, Co-fundador da nobox<br />

A<br />

falta de investimento no potencial humano<br />

no Serviço Nacional de Saúde<br />

(SNS) tornou-se ainda mais evidente<br />

com a pandemia, mas esta crise nos<br />

cuidados de saúde já cá existia, à vista<br />

de todos, mas sem receber, cronicamente, a atenção<br />

que precisava.<br />

A resposta a esta pandemia não foi conseguida apenas à<br />

custa da aquisição de recursos técnicos e materiais. Foi,<br />

essencialmente, conseguida devido à mobilização e empenho<br />

de todos os profissionais de saúde que trabalham<br />

no SNS, que neste desafio demonstraram a sua<br />

qualidade, competência e espírito de sacrifício.<br />

No início desta crise, os profissionais de saúde foram deslocados<br />

para dar uma resposta imediata. Depois disso,<br />

foram aos poucos redistribuídos para retomar a sua atividade<br />

basal (mesmo que não nos mesmos moldes pré-crise),<br />

assumindo, no dia-a-dia procedimentos, processos e<br />

metodologias adicionais ou diferentes daqueles a que estavam<br />

habituados. Entretanto, com a instalação do segun-<br />

do pico da crise, o ciclo volta a repetir-se em muitas organizações<br />

de saúde, mas com com uma diferença: as<br />

equipas de saúde estão desgastadas, a sua metodologia<br />

de trabalho já não é a mesma, e a grande energia e motivação<br />

para combater a pandemia há muito foram substituídas<br />

por frustração e desespero.<br />

Um desespero para que tudo acabe, e para que tudo<br />

volte a ser como antes.<br />

E se de facto, por um lado, mais cedo ou mais tarde, a<br />

pandemia acabará, por outro lado as mudanças e as acelerações<br />

que incutiu no sistema de saúde perdurarão,<br />

pelo que a forma de trabalhar das equipas nunca mais<br />

será idêntica.<br />

A pandemia provocou várias alterações ao funcionamento<br />

das equipas. Deixou de existir no dia-a-dia um<br />

elemento de empatia e ligação entre pares com o uso<br />

contínuo de máscara (no mínimo, pois muitos profissionais<br />

passam horas com EPIs que cobrem o corpo na<br />

íntegra). Por outro lado, várias equipas foram fragmentadas,<br />

com elementos deslocados para a linha da frente<br />

de combate à pandemia, enquanto outras equipas foram<br />

separadas fisicamente, como por exemplo aquelas<br />

colocadas a trabalhar remotamente. As equipas foram<br />

também desafiadas a adotar novos processos, desde a<br />

admissão dos doentes à gestão do seu percurso no hospital,<br />

assim como a implementar metodologias até então<br />

estagnadas, de que é exemplo a realização de consultas<br />

em formato de telemedicina. Com o decorrer da<br />

pandemia, assistiu-se também ao fenómeno do aumento<br />

do número de negacionistas/descredibilizadores do<br />

problema, ao mesmo tempo que a motivação dos entusiastas<br />

diminuiu.<br />

Se tudo isto pode destabilizar uma organização, esse impacto<br />

agrava-se quando se enxerta num ambiente com<br />

problemas crónicos e com carências que há muito necessitam<br />

de atenção:<br />

• Barreiras à inovação e mudança: “Isso vai ser muito<br />

difícil” é das respostas mais frequentes quando alguma<br />

ideia nova é apresentada. Infelizmente, não se trata só<br />

da natural resistência humana à mudança, mas de uma<br />

materialização das grandes barreiras a ultrapassar para<br />

implementar qualquer novo procedimento ou sistema;<br />

• Profissionais de saúde desmotivados: com a crescente<br />

carga de trabalho e burocracia e decrescente sentimento<br />

de realização e reconhecimento, quer pelos pares, quer<br />

pelos doentes e sociedade;<br />

• Equipas descoordenadas, desgastadas e com colaboradores<br />

insuficientes: a ausência de investimento nas<br />

equipas de saúde criou uma situação insustentável, com<br />

exigências crescentes em termos de resultados, com<br />

menos profissionais e sem atribuição de recursos ao seu<br />

bem-estar. É também frequente falar-se de equipas multidisciplinares<br />

e da sua importância em saúde, mas as palavras<br />

não têm sido acompanhadas por esforços concretos<br />

para promover uma maior interdependência, desenvolvimento<br />

e empoderamento do trabalho interprofissional<br />

e colaborativo, mantendo-se equipas com um subaproveitamento<br />

da sua capacidade;<br />

• Lideranças com insuficiente autonomia, responsabilidade<br />

e, por vezes, competências ou apoio para<br />

exercício das suas funções: a capacitação e apoio à<br />

liderança não existem, esperando-se que a excelência<br />

técnica seja suficiente para uma boa liderança. Cabe<br />

assim a cada um assumir os custos do seu desenvolvimento<br />

profissional. Adicionalmente, a inércia e ausência<br />

de autonomia afasta rapidamente grande parte dos<br />

bons líderes do sistema;<br />

• Ausência de uma estratégia de gestão e retenção<br />

de talento: tarefas repetitivas e/ou desligadas das suas<br />

preferências ou competências, equipas com um ambiente<br />

de trabalho tóxico ou exigências desproporcionais,<br />

comprometimento da vida pessoal pelo trabalho,<br />

entre outros fatores, contribuem não só para a falta de<br />

sentimento de pertença a uma instituição, como para<br />

aumentar o desejo de saída à procura de novos e melhores<br />

desafios. Num panorama onde é cada vez mais<br />

difícil captar e alimentar o talento, é fundamental que<br />

as equipas e as organizações tomem ações conscientes<br />

para o promover.<br />

Mesmo nestas (péssimas) condições, em poucas semanas,<br />

atravessando um clima de dúvidas, incertezas e receios,<br />

e nem sempre com orientações claras e específicas,<br />

os serviços do SNS foram capazes de se reinventar<br />

e reorganizar para conseguir dar resposta à pandemia.<br />

Tudo isto forçou reestruturações nas instituições,<br />

com algumas mudanças que perduram e que fizeram<br />

as lideranças perceber que algumas coisas se podem<br />

fazer de forma diferente e melhor.<br />

Ao longo de todo este processo, houve também<br />

muitos líderes - vários até de forma inesperada - que<br />

emergiram à tona das organizações de saúde, o que<br />

nos relembra que não devemos esperar por crises<br />

para identificar e reconhecer o talento e incentivar<br />

lideranças que acreditam e apostam verdadeiramente<br />

nas pessoas como capital estratégico para as organizações<br />

de saúde.<br />

Por tudo isto, torna-se agora ainda mais premente desenvolver<br />

o funcionamento e gestão das equipas e do<br />

potencial humano dos seus elementos.<br />

Um primeiro passo para a mudança de paradigma<br />

Neste contexto, a APAH (Associação Portuguesa de<br />

Administradores <strong>Hospitalar</strong>es) lançou a Bolsa Capital<br />

Humano, apoiada pela Gilead, com a consultoria técnica<br />

da nobox, com o objetivo de reconhecer e potenciar<br />

o capital humano do SNS, dotando os seus<br />

profissionais das competências necessárias para liderarem<br />

e implementaram projetos que promovam<br />

uma mudança positiva nas suas realidades.<br />

Qualquer instituição do Serviço Nacional de Saúde<br />

(Centros <strong>Hospitalar</strong>es, Unidades Locais de Saúde ou<br />

Agrupamentos de Centros de Saúde) poderá candidatar-se<br />

a esta bolsa, tendo para isso que submeter<br />

uma proposta de projeto direcionada ao desenvolvimento<br />

do capital humano na sua instituição. Serão<br />

seleccionadas duas instituições, de acordo com a<br />

qualidade, pertinência e potencial de mudança dos<br />

projetos submetidos.<br />

As bolsas consistem no acesso a um programa, coordenado<br />

pela nobox, que permitirá às instituições<br />

acelerar a implementação desses projetos, através de<br />

dois apoios:<br />

• Programa de Formação, focado em Liderança de<br />

Equipas, Alinhamento Organizacional e <strong>Gestão</strong> de<br />

Mudança, com a duração de 48 horas para 15 profissionais<br />

de cada instituição;<br />

• Apoio técnico no formato de consultoria à implementação<br />

de um Projeto de Mudança do Capital<br />

Humano, durante o ano de 2021.<br />

As inscrições decorrerão entre 16 de Novembro<br />

de <strong>2020</strong> e 15 de Janeiro de 2021, no site da APAH,<br />

onde poderão também encontrar os detalhes para<br />

a candidatura.<br />

Esta bolsa foi pensada e desenhada especificamente<br />

para desenvolver competências nos profissionais de<br />

saúde de forma a que possam contribuir proativamente<br />

nos processos de transformação em curso nas<br />

suas realidades hospitalares e, em particular, liderar a<br />

dimensão humana das mudanças que se venham a<br />

implementar no futuro, nomeadamente com os seguintes<br />

objetivos:<br />

1. Empoderamento dos profissionais para inovar;<br />

2. <strong>Gestão</strong> de mudança e resistência à inovação;<br />

3. Motivação, satisfação e desempenho dos profissionais;<br />

4. Desenvolvimento de equipas de alto rendimento;<br />

5. Captação e retenção de talentos;<br />

6. Desenvolvimento de novos líderes. Ã<br />

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GH ACADEMIA DIGITAL APAH<br />

TODOS JUNTOS, NA CONSTRUÇÃO<br />

DE UMA SAÚDE DE EXCELÊNCIA!<br />

Henrique Marçal<br />

CEO & Partner The Lean Six Sigma Company Portugal<br />

Dezembro <strong>2020</strong>, o final de um dos anos<br />

mais difíceis e mais atípicos de que há<br />

memória. O ano da pandemia Covid-19!<br />

Será para sempre recordado e<br />

marcará certamente presença nos manuais<br />

de história.<br />

Não poderia por isso deixar de prestar a minha sincera<br />

homenagem a todos profissionais da área da saúde: médicos,<br />

enfermeiros, técnicos, auxiliares, administradores e<br />

gestores hospitalares, enfim… Milhares e milhares de profissionais<br />

incansáveis, resilientes e de uma humanidade<br />

notável! A todos vós, o meu mais profundo obrigado!<br />

Existem dois pilares que suportam uma sociedade e um<br />

país, a saúde e a educação. Tudo o resto, embora de extrema<br />

importância, só é sustentável tendo por base estes<br />

dois eixos essenciais.<br />

Tanto a saúde como a educação têm evoluído nas últimas<br />

décadas de forma significativa, mas há ainda um longo<br />

caminho a percorrer. Como em qualquer outro processo<br />

de mudança ou evolução, identificar e reconhecer<br />

a necessidade de melhoria é sempre o primeiro passo.<br />

Os profissionais de saúde trabalham sob um stress elevado,<br />

horas a mais, e com recursos limitados. Não bastasse<br />

já a importância e a responsabilidade que é, prestar serviços<br />

de saúde, e salvar vidas!<br />

É então responsabilidade de todos fazer o seu papel, e<br />

contribuir ativamente no processo de mudança, evolução<br />

e melhoria.<br />

A melhoria contínua é uma filosofia japonesa que visa<br />

melhorar de forma continuada todas as dimensões da vida<br />

das pessoas, seja no âmbito pessoal, familiar ou profissional.<br />

No âmbito profissional significa melhorar continuamente,<br />

todos os dias, todas as áreas da organização, e<br />

envolvendo todas as pessoas.<br />

O grande desafio da melhoria contínua é torná-la sustentável.<br />

Para tal ser possível tem de existir uma visão a longo<br />

prazo, mesmo que isso implique o sacrifício de ganhos<br />

financeiros imediatos que nos desviem desse caminho.<br />

É o papel dos líderes e dos gestores, assegurar que essa<br />

visão a longo prazo existe, assim como definir a missão e<br />

os valores que a guiam. É de vital importância também, garantir<br />

que estes são comunicados de forma clara e transparente<br />

de modo a serem compreendidos, partilhados e<br />

respeitados por todos.<br />

Um líder, no entanto, não tem de saber tudo, e pode<br />

estar errado. Tem é que ter a capacidade de identificar as<br />

pessoas certas, colocar as questões certas, proporcionar<br />

um ambiente de confiança e segurança, e apoiar quem o<br />

rodeia na busca de respostas e soluções.<br />

A Filosofia de <strong>Gestão</strong> Lean Six Sigma é a metodologia<br />

de excelência, cientificamente provada, para a implementação<br />

com sucesso de programas de transformação<br />

cultural, operacional, e de melhoria contínua. Resulta da<br />

sinergia e da combinação de duas metodologias, o Lean<br />

e o Six Sigma.<br />

O Lean, originário do Japão, particularmente da Toyota,<br />

foca-se na redução do tempo dos processos, e na criação<br />

de fluxo através da constante identificação, redução e/ou<br />

eliminação de desperdícios (muda). Entenda-se por desperdício,<br />

qualquer atividade ou tarefa realizada sem valor<br />

acrescentado, ou seja, que não transforma o produto ou<br />

serviço, que não é bem feita à primeira, ou que o nosso<br />

cliente/utente não está disposto a pagar.<br />

O termo Lean foi celebrizado pelo livro The Machine That<br />

Changed the World, de James Womack, Daniel Jones e<br />

Daniel Roos, que em 1990 deu a conhecer ao mundo<br />

ocidental a história de sucesso da Toyota, e do TPS (Toyota<br />

Production System), o sistema de produção da marca<br />

japonesa que a catapultou para a liderança do setor automóvel,<br />

poucos anos após ter estado à beira da falência<br />

fruto da devastação sofrida pelo Japão durante e após a<br />

2ª Guerra Mundial.<br />

O Six Sigma por outro lado, tem como objetivo melhorar<br />

a qualidade dos resultados dos processos (outputs), através<br />

da identificação e eliminação das causas de erros e<br />

defeitos. Para tal, foca-se na redução da variabilidade nos<br />

processos. Quanto menor a variabilidade, mais estáveis e<br />

controlados são os processos, e, portanto, mais fiáveis e<br />

consistentes os seus outputs.<br />

Foi desenvolvido pela Motorola em 1986, pelo engenheiro<br />

americano Bill Smith, tendo sido posteriormente exponenciado<br />

mundialmente pelas mãos de Jack Welch, que<br />

colocou o Six Sigma no centro da estratégia de gestão da<br />

General Electric (GE), tornando a multinacional americana<br />

numa das empresas mais valiosas do mundo na altura. “A<br />

variabilidade é um demónio”, dizia Welch, que fazia frequentemente<br />

referências ao Six Sigma e às inúmeras vantagens<br />

da sua aplicação.<br />

A partir do final do século XX, início do século XXI, as<br />

duas metodologias começaram a ser aplicadas de forma<br />

conjunta, enquanto filosofia de gestão estratégica. O objetivo<br />

principal de uma “Organização Lean Six Sigma” é a<br />

entrega do respetivo produto ou serviço, no tempo certo,<br />

com a qualidade certa, bem feito à primeira, despendendo<br />

para tal do mínimo de recursos possível.<br />

Embora muito associado a processos industriais e de manufatura<br />

numa fase inicial, devido ao valor acrescentado<br />

da sua aplicação e aos resultados comprovados, o Lean<br />

Six Sigma rapidamente se difundiu pelos mais diversos setores<br />

de atividade.<br />

Mas sabia que mais de 60% das organizações que tentam<br />

implementar Lean Six Sigma falham?<br />

Melhoria contínua implica também, necessariamente, quebrar<br />

certas crenças e paradigmas previamente estabelecidos,<br />

assim como ultrapassar as resistências naturais do<br />

ser humano para a mudança. Frases como, “mas sempre<br />

fizemos assim”, ou “isto nunca vai resultar” são naturais e<br />

habituais, e são o ponto de partida ideal para a transformação<br />

cultural.<br />

O Lean Six Sigma possui uma toolbox com as mais diversas<br />

metodologias e ferramentas, capazes de ajudar a solucionar<br />

os problemas mais complexos. No entanto, simplesmente<br />

“copiar e implementar” uma ferramenta não a torna<br />

sustentável. Nas primeiras semanas, com a atenção da<br />

organização focada naquele determinado processo, os resultados<br />

acontecem, mas com o passar do tempo, rapidamente<br />

se volta ao estado inicial, e a resistência natural das<br />

pessoas à mudança, volta a ganhar força.<br />

É necessário criar uma cultura organizacional orientada<br />

para a melhoria contínua e para a mudança, o que passa<br />

por ter rotinas e boas práticas de gestão diária implementadas,<br />

que garantam o envolvimento e contribuição de todas<br />

as pessoas impactadas, no processo de geração e }<br />

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GH ACADEMIA DIGITAL APAH<br />

“<br />

VAMOS ENTÃO TODOS JUNTOS<br />

CONSTRUIR UM SISTEMA DE SAÚDE<br />

DE EXCELÊNCIA, SUSTENTÁVEL,<br />

COM A CAPACIDADE DE MELHORAR<br />

CONTINUAMENTE, E CONTRIBUIR<br />

PARA FORTALECER UM DOS PILARES<br />

QUE SUPORTAM A NOSSA<br />

SOCIEDADE E O NOSSO PAÍS.<br />

”<br />

implementação de soluções. No setor da saúde, o Lean<br />

Six Sigma tem ganho um particular destaque na última<br />

década, com resultados excelentes e muito animadores.<br />

A constante identificação e redução de desperdícios, a<br />

criação de procedimentos simples e estandardizados,<br />

suportados por uma boa gestão visual, e a redução da<br />

variabilidade nos processos tem proporcionado aos profissionais<br />

de saúde um melhor ambiente de trabalho, índices<br />

mais elevados de motivação e satisfação, um maior<br />

senso de propósito e pertença, assim como uma melhor<br />

qualidade de vida. E tudo isto acontece reduzindo os custos,<br />

despendendo de muito menos esforço, e causando<br />

muito menos stress.<br />

São exemplo de alguns casos de sucesso, a redução e<br />

simplificação da carga burocrática dos processos administrativos,<br />

redução dos tempos de espera por resultados<br />

laboratoriais, redução de ruturas e uma maior disponibilidade<br />

de materiais e equipamentos, redução do tempo de<br />

permanência dos pacientes nas unidades de saúde, melhoria,<br />

redução de movimentações e transporte através<br />

do redesenho de layouts mais eficientes, entre outros.<br />

E numa era em que tanto se estuda e discutem questões<br />

de customer experience, é também de vital importância<br />

ouvir a “voz dos utentes”, perceber que fatores condicionam<br />

e influenciam a qualidade da sua experiência, traduzir<br />

esses fatores para a linguagem dos processos e do<br />

negócio, e integrá-los na estratégia de melhoria.<br />

Só assim, quebrando os” silos” organizacionais existentes,<br />

trabalhando em conjunto e envolvendo todos, administradores<br />

e gestores, médicos, enfermeiros, técnicos, áreas<br />

de suporte, e utentes, podemos fortalecer relações e criar<br />

um ambiente de confiança e segurança orientado ao bem-<br />

-estar tanto dos utentes como dos profissionais de saúde.<br />

A área da saúde por si só, já comporta um grau de variabilidade<br />

e imprevisibilidade bastante elevado, onde por<br />

norma não se consegue prever quando alguém vai necessitar<br />

de cuidados de saúde. Ou seja, já existe tanta variabilidade<br />

especial nos processos, que tudo o resto que<br />

suporta a atividade e o setor tem de estar preparado para<br />

funcionar de uma maneira rápida, ágil e sem erros.<br />

Imagine então uma semana de trabalho, onde pode estar<br />

100% do seu tempo focado em fazer o que realmente<br />

são tarefas de valor acrescentado para os seus utentes,<br />

ou seja proporcionar-lhe os melhores cuidados de saúde,<br />

e uma experiência de qualidade. E é isso mesmo que o<br />

Lean Six Sigma se propõe a ajudá-lo a conseguir atingir.<br />

No entanto, para qualquer programa de melhoria contínua<br />

ser sustentável, é necessário assegurar a adequada<br />

formação dos líderes e das suas equipas, capacitando-os<br />

com o conhecimento, know-how e as skills necessárias.<br />

A APAH juntamente com a The Lean Six Sigma Company<br />

Portugal, uniram esforços e estabeleceram uma parceria<br />

com o objetivo de desenvolver um programa de formação<br />

em Lean Six Sigma, dedicado aos profissionais do SNS.<br />

O programa arrancou em setembro de <strong>2020</strong> com a primeira<br />

edição da Certificação Lean Six Sigma Yellow Belt,<br />

onde tivemos a oportunidade de certificar 34 profissionais.<br />

A sessão inicial foi aberta pelo presidente da APAH,<br />

Alexandre Lourenço, que reforçou a importância desta<br />

parceria, uma vez que permitirá, não só a capacitação dos<br />

profissionais do SNS em filosofias, metodologias e ferramentas<br />

Lean Six Sigma, como também a criação de uma<br />

cultura sustentável de melhoria contínua dentro das várias<br />

instituições de saúde.<br />

O programa terá continuidade em 2021 com mais sessões<br />

de formação e outras iniciativas a serem desenvolvidas<br />

em conjunto com a APAH.<br />

O Grupo The Lean Six Sigma Company, presente em 27<br />

países, é a empresa líder na Europa em formação, certificação<br />

e coaching na área do Lean Six Sigma. Nas últimas duas<br />

décadas tem trabalhado e colaborado com algumas das<br />

maiores organizações do mundo dos mais diversos setores.<br />

No Reino Unido por exemplo, em parceria com o NHS,<br />

foi também desenvolvido e implementado com sucesso,<br />

um programa de formação em Lean Six Sigma no Great<br />

Ormond Street Hospital.<br />

Em jeito de conclusão, partilho um dos lemas da Toyota<br />

com o qual me identifico particularmente: “First we build<br />

people, then we build cars”.<br />

Vamos então todos juntos construir um sistema de saúde<br />

de excelência, sustentável, com a capacidade de melhorar<br />

continuamente, e contribuir para fortalecer um dos<br />

pilares que suportam a nossa sociedade e o nosso país. Ã<br />

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