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Revista Dr Plinio 300

Março de 2023

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>300</strong> Março de 2023<br />

Há 80 anos,<br />

um lance profético!


Oração e luta!<br />

Zairon (CC3.0)<br />

Os mosteiros fortificados da Idade Média são, para os homens contemporâneos, um símbolo<br />

do que deles reclama a época presente.<br />

Construídos exclusivamente para o culto divino e a contemplação tranquila das verdades<br />

eternas, circundavam-se de fortíssimas muralhas para se porem ao abrigo dos inimigos<br />

da Cristandade, prevendo a guerra para manter a paz e defendendo com o braço dos cavaleiros<br />

cristãos a sua liberdade contra os inimigos do Nome de Cristo.<br />

Ai do mosteiro medieval no qual o zelo pelo culto fizesse desleixar a defesa contra o adversário<br />

mouro ou pagão: em pouco tempo seria assediado e reduzido a ruínas. Ai também, do mosteiro<br />

em que o zelo pela luta sufocasse o espírito de oração: desviado de seu verdadeiro espírito,<br />

provocaria a ira de Deus e atrairia sobre si os terríveis<br />

efeitos de sua cólera.<br />

“Oração e luta!” Oração para glorificar a Deus<br />

e vencer na luta; luta para conservar o direito de<br />

prestar culto a Deus e viver em oração. Era esse<br />

o lema dos mosteiros fortificados da Idade Média.<br />

Hoje, quantos países há que julgam poder<br />

conservar sua Fé sem travar, em qualquer terreno,<br />

a luta que a preservação da Fé exige!<br />

Rezemos para que o Brasil não venha a<br />

ser colhido de surpresa como um templo<br />

sem muralhas defensivas…<br />

(Extraído de O Legionário n. 289, 27/3/1938)<br />

Abadia do Monte<br />

Saint-Michel, França


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>300</strong> Março de 2023<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>300</strong> Março de 2023<br />

Há 80 anos,<br />

um lance profético!<br />

Na capa,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, durante<br />

conferência<br />

em Santos, na<br />

década de 1950.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Segunda página<br />

2 Oração e luta!<br />

Editorial<br />

4 Um brado de alarme<br />

ecoando há oito décadas<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ <strong>300</strong>,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Piedade pliniana<br />

5 Concedei-nos a plenitude de vosso espírito<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

6 Gênese de uma obra,<br />

sagacidade em defesa da Igreja<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

21 Horizonte carregado de<br />

oposições e ameaças<br />

Calendário dos Santos<br />

26 Santos de Março<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

28 O lance profético<br />

Última página<br />

36 Protetor da Santa Igreja<br />

3


Editorial<br />

D<br />

Um brado de alarme ecoando<br />

há oito décadas<br />

esde os primórdios de sua atuação no Movimento Católico, tornou-se patente para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a necessidade<br />

de, em determinado momento, empreender uma verdadeira Cruzada em defesa da Santa Igreja,<br />

como atestam suas proféticas palavras em missiva dirigida a um correligionário, em 1929:<br />

“Cada vez mais se acentua em mim a impressão de que estamos no vestíbulo de uma época cheia de sofrimentos<br />

e lutas. Por toda parte o sofrimento da Igreja se torna mais intenso e a luta se aproxima mais. Tenho a<br />

impressão de que as nuvens do horizonte político estão baixando. Não tarda a tempestade, que deverá ter uma<br />

guerra mundial como simples prefácio.<br />

Mas esta guerra espalhará pelo mundo inteiro uma tal confusão, que revoluções surgirão em todos os cantos,<br />

e a putrefação do triste século XX atingirá seu auge. Aí, então, surgirão as forças do mal que, como os vermes,<br />

somente aparecem nos momentos em que a putrefação culmina. Todo o bas-fond 1 da sociedade subirá à tona,<br />

e a Igreja será perseguida por toda parte. Mas… ‘Tu es Petrus, et super hanc petram ædificabo Ecclesiam meam,<br />

ET PORTAS INFERI NON PREVALEBUNT ADVERSUS EAM’ 2 . Como consequência, ou teremos un nouveau<br />

Moyen Âge 3 ou teremos o fim do mundo.<br />

Eis a nossa principal tarefa: prepararmo-nos para a luta, e preparar a Igreja, como o marinheiro que prepara<br />

o navio antes da tempestade.”<br />

Não tardou para que seu profetismo fosse confirmado pelos acontecimentos. Antes mesmo de eclodir a Segunda<br />

Guerra Mundial, em 1939, já começavam a se difundir pela Europa e a chegar ao Brasil os miasmas de<br />

uma crise religiosa que tomaria proporções avassaladoras.<br />

Como <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> denunciaria mais tarde, a corrente inovadora, cujas ideias traziam incubados os germes de<br />

heresia, não pairava nas nuvens como uma ideologia sutil e impalpável. Havia chefes que a introduziram no<br />

Brasil, tinha uma ideologia muito precisa e encontrava na Ação Católica um instrumento de difusão de primeira<br />

ordem. Era, portanto, uma verdadeira organização destinada a fazer com que esta imensa nação de maioria<br />

católica fosse trabalhada em suas vísceras por uma grande força de desagregação religiosa e moral que agia em<br />

nome da própria Igreja 4 .<br />

Tornava-se, assim – como afirmou <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> – “absolutamente necessário abrir os olhos de muitos incautos para<br />

a campanha sábia, gradual, artificiosa, empreendida de norte a sul do país para a disseminação de doutrinas errôneas.<br />

Era preciso que um brado de alarme se erguesse e que se operasse o esforço convergente de quantos discerniram<br />

o mal para o revelar de vez. Grito de alarme, toque de reunir, eis o livro Em Defesa da Ação Católica.” 5<br />

Há precisamente oitenta anos, no dia 25 de março de 1943, Festa da Anunciação, o então Núncio Apostólico<br />

no Brasil D. Benedetto Aloisi Masella concedia a essa obra o prefácio que permitiria a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> lançar seu<br />

brado profético cujos ecos se fazem ouvir, mais eloquentes e atuais do que nunca, até nossos dias.<br />

Ao atingirmos o <strong>300</strong>º número da <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, dedicamos esta edição à história de tão bela epopeia,<br />

narrada pelo próprio Autor do Em Defesa da Ação Católica 6 .<br />

1) Do francês: Escória da sociedade, ralé.<br />

2) Do latim: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra<br />

ela” (Mt 16, 18).<br />

3) Do francês: uma nova Idade Média.<br />

4) Cf. Relatório a um sacerdote de Roma, em 30/4/1948.<br />

5) Cf. O Legionário n. 595, 1/1/1944.<br />

6) Cf. Conferências de julho de 1954, 8/6/1968, 16/6/1973, 17/3/1979, 20/10/1979, 26/3/1983 e 2/7/1988.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Samuel Holanda<br />

Concedei-nos<br />

a plenitude de<br />

vosso espírito<br />

ÓCoração Sapiencial e<br />

Imaculado de Maria, imploramo-vos<br />

que torneis<br />

profunda a nossa formação e eficaz<br />

a nossa ação, para a vossa<br />

maior glória.<br />

Assim, nós vos suplicamos<br />

que nos concedais a plenitude de<br />

vosso espírito, uma fidelidade inteira<br />

aos princípios da Contra-<br />

-Revolução, e que nos abrais os<br />

olhos para conhecermos, rejeitarmos<br />

e combatermos as disposições<br />

de alma, os modos de ser,<br />

de pensar e de viver que caracterizam,<br />

no ambiente em que vivemos,<br />

a oposição à implantação<br />

do vosso Reino. Assim seja.<br />

(Composta em 31/1/1967)<br />

Imaculada Conceição - Mosteiro<br />

de Montserrat, Barcelona<br />

5


Em Defesa da Ação Católica<br />

ACMSP (PF-04-01-32)<br />

I<br />

Gênese de uma obra,<br />

sagacidade em defesa da Igreja<br />

té o ano de 1939, mais ou<br />

menos, o ambiente católico<br />

brasileiro era muito coeso.<br />

Todos os fiéis estavam unidos em<br />

torno da mesma doutrina, não havia<br />

ainda esquerda católica 1 nem quaisquer<br />

divisões.<br />

Navio Almirante Jaceguay, durante um evento das Congregações Marianas<br />

no Rio de Janeiro, em maio de 1937. Na entrada deste podia-se ler a<br />

seguinte frase: “O Legionário é o intérprete do pensamento mariano de São<br />

Paulo. Marianos paulistas saúdam irmãos do Brasil. Salve Maria!”<br />

Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />

Quando a paz e a<br />

concórdia reinavam entre<br />

os católicos do Brasil<br />

Num país de imensa maioria católica,<br />

como era o Brasil, o Movimento<br />

Católico era pujante e tinha se tornado<br />

ainda mais forte pelo grande<br />

desenvolvimento das Congregações<br />

Marianas, cuja força se manifestara<br />

de modo saliente e incontestável por<br />

ocasião de minha eleição para deputado.<br />

Com efeito, as Congregações Marianas<br />

constituíam um movimento<br />

que estava na crista da onda, chefiando<br />

uma série de outras organizações.<br />

Concentração de congregados marianos no<br />

Liceu Coração de Jesus, em 1935<br />

6


I. Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> (em destaque), em 1934, com os membros da bancada paulista,<br />

por ocasião de um jantar solene no Hotel Copacabana, Rio de Janeiro<br />

Representavam uma grande avalanche<br />

a estender-se por todo o país.<br />

Uma comprovação característica<br />

dessa pujança é o fato de que, no início<br />

do movimento mariano, era considerado<br />

feio, vergonhoso, um homem<br />

ser católico praticante. A castidade<br />

masculina era tida como uma coisa<br />

abominável. Entretanto, alguns anos<br />

depois, o movimento mariano de tal<br />

Evento dos congregados marianos na Catedral da Sé, ainda<br />

em construção, em meados da década de 1930<br />

ACMSP (PF-04-01-30)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no Rio de Janeiro, durante<br />

seu mandato de deputado, em 1934<br />

maneira se impôs à admiração de todos,<br />

que ficou bonito ser congregado<br />

mariano. No começo, os congregados<br />

tinham a tentação de esconder que o<br />

eram; ao atingir esse apogeu, deu-se<br />

o contrário: quem não era procurava<br />

fingir-se de congregado.<br />

A Federação Mariana até precisou<br />

abrir um processo contra alguns<br />

comerciantes que falsificavam e vendiam<br />

o distintivo de congregado para<br />

qualquer um que não o fosse nem<br />

queria ser, devido ao ônus e à responsabilidade<br />

que tal estado implicava.<br />

Então, indivíduos assim compravam<br />

o distintivo para andar pela<br />

rua fingindo-se de congregados marianos.<br />

Era uma brilhante reviravolta<br />

da situação, uma vitória de primeira<br />

ordem.<br />

Vivia-se num período em que as<br />

crises internas da Igreja na Europa<br />

e um pouco nos Estados Unidos não<br />

tinham chegado ao Brasil. Reinava<br />

uma paz religiosa completa, numa<br />

inteira confiança e concórdia entre<br />

as diversas associações católicas e,<br />

por causa disso, uma total ausência<br />

de desconfianças.<br />

7


Em Defesa da Ação Católica<br />

Divulgação<br />

Alceu Amoroso Lima, conhecido como Tristão de Ataíde<br />

Não passava pela cabeça de nenhum<br />

católico a hipótese de que outro<br />

congregado mariano, ou qualquer<br />

outra congregação ou associação, tivesse<br />

uma intenção desleal, malévola,<br />

anticatólica e estivesse fazendo um<br />

trabalho de sabotagem. A mim mesmo<br />

não ocorria essa ideia. Eu julgava<br />

que havia os católicos, de um lado,<br />

e depois o mundo composto de<br />

homens e mulheres sensíveis à influência<br />

cinematográfica de Hollywood,<br />

às más revistas, à má imprensa em geral,<br />

constituindo, portanto, uma massa<br />

diferente da nossa, não diretamente<br />

em guerra contra nós, mas que nos<br />

via com maus olhos.<br />

Existia, isto sim, um começo de<br />

corrente comunista. Então este era o<br />

grande “dragão”, o principal adversário.<br />

Na realidade, essa grande concórdia<br />

no movimento católico, não conhecendo<br />

inimigos internos, apresentava<br />

um quadro irreal, porque<br />

dos movimentos de esquerda católica<br />

na Europa começavam a chegar<br />

propagandistas apoiados por pessoas<br />

de prestígio nos meios católicos,<br />

como Tristão de Ataíde 2 e numerosos<br />

eclesiásticos, que mandavam vir<br />

essa gente para fundar aqui grupos<br />

que de modo velado queriam espalhar<br />

as ideias esquerdistas.<br />

As doutrinas difundidas pelo Movimento<br />

Litúrgico 3 e pela Ação Católica<br />

4 constituíam os grandes meios<br />

de penetração dessa propaganda velada.<br />

Novas ideias impulsionadas<br />

por moças arrojadas<br />

Habituado a viver nessa atmosfera<br />

de concórdia, notei com muita<br />

simpatia que, em determinado momento,<br />

o ambiente católico de São<br />

Paulo estava se enriquecendo pela<br />

presença de um grupo de moças<br />

provenientes de boas famílias, extraordinariamente<br />

capazes, inteligentes,<br />

e julguei que tinha aparecido<br />

mais uma força definida, decidida,<br />

capaz de lutar a favor da Causa<br />

Católica. Donde então eu as ter acolhido<br />

muito bem e, guardadas as diferenças<br />

que naturalmente deve haver<br />

entre os sexos, ter feito com elas<br />

boas relações.<br />

Porém, ao cabo de algum tempo,<br />

comecei a perceber haver nelas qualquer<br />

coisa de meio esquisito, modernoso,<br />

arrojado, igualitário. Eu não<br />

tinha a sensação de que elas possuíssem<br />

a mentalidade católica.<br />

Contudo, elas procuravam nos<br />

agradar e manter muito boas relações<br />

conosco, que constituíamos o grupo<br />

do Legionário. Eu ficava, até certo<br />

ponto, com desconfianças, mas, de<br />

outro lado, achando que talvez isso<br />

ainda se compusesse. Quiçá um bom<br />

padre, um bom diretor espiritual daria<br />

a elas uma boa orientação.<br />

Começaram a trabalhar em torno<br />

da Ação Católica, apresentada<br />

por elas como uma novidade que<br />

haveria de reformular por completo<br />

os métodos de ação da Igreja,<br />

com uma capacidade extraordinária<br />

de conversão. Eu achava aquilo um<br />

pouco estranho... Algo assim tão extraordinário,<br />

uma espécie de raio<br />

laser em matéria de apostolado, era<br />

esquisito.<br />

A era dos círculos de estudos<br />

Esse grupo de moças não gostava<br />

de promover reuniões em estilo de<br />

conferência e sim círculos de estudos<br />

onde todos opinavam, pois elas<br />

diziam ser inamistosa e até anticristã<br />

uma conferência na qual o conferencista<br />

pretende saber mais do que os<br />

ouvintes e lhes faz sentir isto.<br />

Certa ocasião realizou-se, numa<br />

casa particular alugada por elas, um<br />

círculo de estudos para o qual me<br />

convidaram, e eu fui. Encontrei ali,<br />

entre os participantes, aquele perpétuo<br />

sorrisinho conciliador e superficial.<br />

Fiz algumas perguntas a respeito<br />

das ideias estranhas que se difundiam<br />

entre eles, mas ninguém respondeu.<br />

Tristeza geral no círculo de<br />

estudos. Dias depois, um sacerdote<br />

me procurou e disse:<br />

— <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, queria lhe dizer que<br />

seria melhor o senhor não comparecer<br />

aos círculos de estudos. Eu preciso<br />

lhe confiar o efeito que a sua simples<br />

presença causou lá.<br />

— Diga. Qual foi o efeito? Eu realmente<br />

desejo muito conhecer.<br />

8


I. Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja<br />

Divulgação<br />

Alunas da Escola de Serviço Social, em 1937<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ao centro da primeira fileira, na sede do Legionário, no início de 1935<br />

— Foi de pânico, todo mundo tem<br />

medo do senhor.<br />

— Mas faltei com a atenção a alguém<br />

para meter medo?<br />

— Não, mas o seu modo anacrônico<br />

mete medo.<br />

— Mete medo a quem?<br />

— A mim e a todo mundo. O senhor<br />

precisa ver o vazio que está se<br />

cavando em torno do senhor. Os<br />

participantes chegaram à conclusão<br />

de que o senhor tem uma mentalidade<br />

tão autoritária e férrea que não<br />

serve para esse intercâmbio fraterno<br />

dos círculos de estudos. O senhor é<br />

muito afirmativo, com esta sua certeza,<br />

este seu autoritarismo, seu modo<br />

de discutir que vai empurrando<br />

a pessoa contra a parede. Hoje não<br />

se deve mais ser afirmativo. Estamos<br />

numa época de liberdade, de sugestões<br />

que tendem a se encontrar e se<br />

conciliar, e não de opiniões apresentadas<br />

por essa forma categórica.<br />

É de se notar que, por se tratarem<br />

de moças, eu procurava realmente<br />

não tomar ares de quem ensina, exprimindo-me<br />

à maneira de conversa.<br />

Mas ele continuou:<br />

— Ainda quando, por amabilidade,<br />

o senhor não queira tomar ares<br />

de quem ensina, vai lá com sua convicção<br />

e armado de argumentos,<br />

quando nós não estamos mais na<br />

época em que um homem de aspecto<br />

aristocrático, de professor de todo<br />

mundo, resolve um problema e<br />

depois não se tem nada mais a dizer.<br />

— Perdão, nós estamos na época<br />

de quê?<br />

— Nós estamos na época dos círculos<br />

de estudos, onde ninguém é o<br />

mestre para encontrar o caminho,<br />

mas todos fazem uma roda, cada um<br />

dá um parecer amigo, desprevenido,<br />

um fragmento de opinião, como um<br />

colaborador entre outros, sem querer<br />

dizer mais do que ninguém, sem<br />

demonstrar que alguém está errado,<br />

nem fazer tanta carga nesta distinção<br />

entre a verdade e o erro, o<br />

bem e o mal, a ortodoxia e a heterodoxia.<br />

Todos caminham juntos procurando<br />

a verdade, de mãos dadas,<br />

com caridade. O círculo de estudos é<br />

uma colmeia de produção intelectual<br />

na qual ninguém vai com conceitos<br />

formados e todos elaboram juntos<br />

a ideia ali.<br />

Pensei, sem externar a meu interlocutor<br />

esta minha reflexão:<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

9


Em Defesa da Ação Católica<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Antigo prédio da Congregação Mariana de<br />

Santa Cecília, na Rua Imaculada Conceição<br />

“E o Catecismo? Onde está a<br />

Doutrina Católica pela qual devemos<br />

estar dispostos a derramar o sangue?<br />

Ali não estão ideias formadas e argumentos<br />

a serem levados a um círculo<br />

de estudos? Há um curso chamado<br />

de apologética, onde se aprendem os<br />

argumentos que justificam a Fé Católica.<br />

Não se leva isso para uma conversa?<br />

Então, o que eu levo? Paganismo?!<br />

Ora, isso serve para um ator<br />

de Hollywood que só sabe fazer micagem,<br />

mesmo quando vai falar sobre<br />

um tema sério. É um bobo que se reúne<br />

com cinco outros bobos para dizer<br />

bobagem durante algum tempo.<br />

Não é o nosso sistema.”<br />

Recados de um conhecido,<br />

declaração de guerra<br />

A certa altura, notei que um jovem<br />

redator do Legionário estava<br />

sendo atraído por aquela corrente.<br />

Era um rapaz não muito inteligente,<br />

mas amável, sempre disposto a concordar<br />

com quem estivesse<br />

de cima, muito oportunista<br />

e cuja adesão a minhas<br />

ideias não me convencia<br />

muito, porque dava-me<br />

a impressão de que<br />

ele aderia a mim por eu<br />

estar nos galarins, mas<br />

se não estivesse, ele não<br />

pensaria como eu.<br />

Esse grupo de moças<br />

da Ação Católica organizou<br />

uma espécie de congresso,<br />

na sede da Congregação<br />

Mariana de<br />

Santa Cecília, um casarão<br />

em cujo andar térreo<br />

ficava O Legionário, que<br />

era o órgão da Congregação<br />

Mariana, e o piso superior<br />

era todo tomado<br />

por um salão bem grande.<br />

Ali eram realizadas as<br />

sessões, no decorrer das<br />

quais ouviam-se palmas,<br />

vivas, risadas...<br />

Eu achava aquilo tudo estranho,<br />

pois era um gênero<br />

de palmas frenético,<br />

com gargalhadas que<br />

indicavam estarem sendo<br />

ditas coisas engraçadíssimas;<br />

mas o modo pelo<br />

qual as pessoas riam naquele<br />

andar de cima era<br />

parecido com o de quem<br />

ri de uma piada imoral.<br />

Eu, de olho vivo, achando<br />

aquilo esquisito, mas ainda<br />

não concluindo nada.<br />

Uma noite eu me encontrava<br />

na minha sala<br />

de trabalho, onde funcionava<br />

a Diretoria do Legionário,<br />

quando, terminada<br />

a festa, vejo aquele<br />

mundo de gente descer e,<br />

afinal, aparecer também<br />

aquele rapaz que ficara<br />

pinçado por elas lá em cima.<br />

Ele foi até a minha<br />

mesa e, pondo-se diante<br />

de mim com ar de superioridade,<br />

disse:<br />

— <strong>Plinio</strong>, os seus rumos vão ter<br />

que mudar.<br />

Diante dessa declaração tão fanfarronante,<br />

deixei de trabalhar e<br />

olhei para ele. Então continuou:<br />

— É patente que você se choca<br />

com a Ação Católica porque é<br />

um tradicionalista e ela é moderna.<br />

Agora, eu preciso avisá-lo: ou você<br />

adere ou será completamente esmagado.<br />

Depois desse congresso, vocês<br />

– referia-se aos do grupo do Legionário<br />

– ou mudam sua doutrina e seu<br />

método de ação ou vão ficar completamente<br />

postos à margem. Porque<br />

a Ação Católica tomou um impulso<br />

que não combina com os métodos<br />

deste jornal. O Legionário está<br />

liquidado.<br />

Em vez de cair com argumentos<br />

em cima dele, deixei-o falar para<br />

ver o que vinha. Percebi que ele<br />

fora mandado por aquele grupo de<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em 1937 aproximadamente<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

10


I. Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja<br />

moças para ver se me induzia à imprudência<br />

de soltar um dito qualquer<br />

que pudesse servir de slogan<br />

contra nossa orientação. Mas, para<br />

isso, transmitia imprudentemente o<br />

que se conversava nas rodas confidenciais.<br />

Era, portanto, o momento<br />

de eu me informar do que diziam lá.<br />

— Ah, é?!<br />

— Você representa, aqui no Legionário,<br />

um tipo antigo. Você é<br />

combativo, acha que a Doutrina Católica<br />

deve ser desfraldada por inteiro<br />

aos olhos dos outros e que a discussão<br />

é um bom meio de firmar os<br />

princípios. Você acha que quando<br />

uma pessoa não anda bem na doutrina<br />

e nos costumes é preciso combatê-la,<br />

dizer isso de frente. Você acha<br />

que o tipo do homem e da moça deve<br />

ser sério, pensar em coisas elevadas,<br />

ter uma linguagem nobre e bonita.<br />

Não! Acabou! Agora é uma era<br />

nova! Nós vivemos uma época de<br />

alegria, de despreocupação. É preciso<br />

acabar com o exame de consciência,<br />

essa coisa que amarrota o indivíduo.<br />

O gostoso é nunca examinar<br />

a consciência, ir a festas, bailes, para<br />

levar ali o Cristo, porque um membro<br />

da Ação Católica irradia o Cristo<br />

por toda parte aonde vai.<br />

— Mas, inclusive nos lupanares?<br />

— Ah, também nos lupanares. Entrando<br />

com a alma pura no lupanar,<br />

a gente o torna puro. Por isso, certas<br />

formas de piedade estão ultrapassadas.<br />

Via Sacra, por exemplo. As dores<br />

de Cristo passaram. Agora é a época<br />

de pensar nas alegrias de Cristo.<br />

— Ah, sei...<br />

— Ademais, nós vivemos no mundo<br />

da igualdade. A Ação Católica visa<br />

fazer a Igreja lutar por uma revolução<br />

para acabar com as desigualdades<br />

sociais. Ou vocês do Legionário se<br />

ajustam ou o Legionário está morto.<br />

Pensei: “Aqui estão os princípios<br />

da Revolução Francesa, a víbora contra<br />

a qual consagrei minha vida. Depois<br />

de tê-la martelado de todas as<br />

formas fora dos ambientes católicos,<br />

vejo-a entrar por debaixo do assoalho,<br />

e aqui está encarnada neste indivíduo<br />

que mais tem o aspecto de uma<br />

minhoca do que o de uma víbora.”<br />

Tendo feito o rapaz revelar tudo<br />

quanto sabia, eu lhe disse:<br />

— Pois bem, fique sabendo que<br />

o Legionário vai liquidar com vocês.<br />

Vocês representam uma doutrina errada,<br />

que é o contrário da Religião<br />

Católica. Portanto, constituem uma<br />

infiltração dentro da Igreja. Temos<br />

lutado contra tudo e contra todos.<br />

Chegou a hora de lutar contra vocês.<br />

Ele deu uma risada e concluiu:<br />

— Nós haveremos de ver quem fica<br />

com a melhor...<br />

Esse último dito me deixou intrigado.<br />

Essa gente, de si, não tinha<br />

forças para lutar comigo. Eles deviam<br />

se sentir apoiados por cima para<br />

iniciar essa batalha. Quem de cima<br />

os apoiava?<br />

Táticas diante da<br />

nova conspiração<br />

A primeira preocupação que tive<br />

foi de não enfrentar, observar muito,<br />

aproximar-me dos ambientes que<br />

eles frequentavam, ouvir o que pensavam.<br />

Não tardei a notar a existência de<br />

um certo número de padres, e mesmo<br />

de bispos, que davam apoio a eles,<br />

Divulgação<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> num evento da Escola de Serviço Social – Fotografia extraída<br />

do jornal Diário de São Paulo, 24 de outubro de 1937<br />

11


Em Defesa da Ação Católica<br />

ouviam-nos e estavam de acordo. E,<br />

por debaixo do pano, até sopravam<br />

essas ideias. Percebi que esses clérigos,<br />

antigamente amigos do Legionário<br />

e meus, iam nos deixando<br />

à margem e colocando<br />

em cargos diretivos o pessoal<br />

dessa nova corrente. Armava-se,<br />

assim, uma verdadeira<br />

conspiração para<br />

introduzir as ideias novas<br />

em lugar das antigas.<br />

Resolvi, então, continuar<br />

a usar a tática de, em<br />

vez de combater, ouvir e<br />

sorrir, levando-os a revelar,<br />

apesar do suposto medo<br />

de mim, a arrière pensée 5 deles.<br />

Quando eu tivesse me informado<br />

bem, tomaria as providências<br />

que as circunstâncias pudessem<br />

comportar.<br />

Com esse objetivo, fui mantendo<br />

o convívio, conversas, gentilezas,<br />

sorrisos, ares feitos para fazer<br />

passar o medo. Diante dos maiores<br />

absurdos, eu não podia concordar<br />

com eles, mas podia perguntar: “Ah,<br />

é, é?!” Em determinado momento,<br />

creio terem pensado que eu estava<br />

meio convertido.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Infiltração organizada,<br />

apoiada por eclesiásticos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> num evento das Congregações<br />

Marianas no Rio de Janeiro, em 1937<br />

Dei-me conta, então, de que essa<br />

conspiração tinha caminhado muito<br />

e galgara graus dos mais excelsos na<br />

hierarquia eclesiástica, pouco mais<br />

ou menos a perder de vista.<br />

Quanto ao Movimento Litúrgico,<br />

cuja “cidadela” encontrava-se no<br />

Rio de Janeiro, recebia apoio de um<br />

bom número de monges do prestigioso<br />

mosteiro de São Bento, como<br />

também do Tristão de Ataíde,<br />

homem de total confiança<br />

do Cardeal Arcebispo do Rio<br />

de Janeiro, D. Sebastião Leme<br />

da Silveira Cintra 7 .<br />

Em São Paulo, a Ação<br />

Católica gozava de todo<br />

o apoio do jovem bispo<br />

auxiliar, D. José Gaspar<br />

d’Afonseca e Silva<br />

8 , homem alto, moreno,<br />

com sobrancelhas pretas,<br />

um pouco grossas, que terminavam<br />

num ponto meio<br />

indefinido, olhos pretos, ar<br />

muito sonhador, com umas espécies<br />

de olheiras, um tom de<br />

voz aveludado. Era o contrário do<br />

velho Arcebispo D. Duarte Leopoldo<br />

9 . D. José Gaspar não parecia feito<br />

de granito como aquele, mas de açúcar-cande.<br />

Pessoa assaz política e labiosa,<br />

extraordinariamente atraente,<br />

não muito inteligente, mas com ares<br />

de muito culto, embora não o fosse.<br />

Qualquer assunto de cultura que se<br />

falava em sua presença, ele deitava<br />

um olhar de profunda compreensão,<br />

mas tomando o cuidado de não dizer<br />

nada. Depois, conforme fosse o caso,<br />

Assim, pude constatar que, a partir<br />

de uma espécie de ordem religiosa<br />

clandestina fundada na Bélgica<br />

e trazida para o Brasil por Mademoiselle<br />

de Lhoneux 6 – uma mulher<br />

meio leiga, meio religiosa –, instalara-se<br />

nos meios católicos a mentalidade<br />

que, em matéria de Ação Católica,<br />

correspondia ao que o Movimento<br />

Litúrgico representava em liturgia.<br />

Não tardei a perceber que essa<br />

gente da Ação Católica colaborava<br />

intimamente com os liturgistas e<br />

que esses dois movimentos constituíam<br />

o verso e o reverso de uma só<br />

realidade, embora uns não falassem<br />

muito a respeito dos outros.<br />

Posse de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> como presidente da Junta Arquidiocesana<br />

da Ação Católica, em 12 de maio de 1940<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

12


I. Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja<br />

sabotava ou não o negócio. Mas a sabotagem<br />

dele era sempre suave, mansa,<br />

em geral com um gemido.<br />

Debaixo de um certo ponto de<br />

vista, era a antítese do que eu sou.<br />

Quem conhece o meu retrato em<br />

moço pode imaginar o encontro<br />

dos dois homens. Um, definido, categórico,<br />

tom de voz firme, dizendo<br />

as coisas como são. O outro, suave,<br />

gentil, amável, atraente.<br />

Nós nos encontrávamos, portanto,<br />

diante de uma infiltração gradual,<br />

muito prudente, organizada em<br />

meios católicos ingênuos, sem nenhuma<br />

prática da luta interna e, por<br />

causa disso, a léguas de admitir a hipótese<br />

de que um bispo pudesse favorecer<br />

ideias erradas ou mesmo de<br />

serem estas ruins, uma vez que fossem<br />

pregadas por um eclesiástico. A<br />

opinião reinante era: o que um bispo<br />

ou um padre prega é infalível quase<br />

como o Papa.<br />

Mudança de panorama,<br />

duas mortes sucessivas<br />

Certa manhã, estando em minha<br />

casa, uma empregada portuguesa<br />

chamada Ana bateu à porta de meu<br />

quarto e me acordou. Levantei-me e<br />

perguntei-lhe:<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> numa visita ao Arcebispo<br />

D. Duarte, em 1934 aproximadamente<br />

— Ana, o que há de novo?<br />

— Sua tia telefonou dizendo que<br />

o Sr. Arcebispo D. Duarte está muito<br />

mal.<br />

— Ah, está muito mal, é?<br />

— Já se foi…<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Minha tia lhe dissera para não me<br />

dar a notícia de uma vez, para não<br />

me assustar, e o modo delicado que<br />

a boa senhora tinha achado para me<br />

dizer a coisa foi esse...<br />

Cessadas as funções do arcebispo,<br />

cessam também as do bispo auxiliar.<br />

Com a morte de D. Duarte em 13 de<br />

novembro de 1938, a sede arquiepiscopal<br />

de São Paulo ficou vacante. O<br />

grande problema para determinar o<br />

prosseguimento dessa luta seria saber<br />

quem sucederia a D. Duarte.<br />

Ora, fazia parte dos estilos da<br />

Igreja naquele tempo as grandes sedes<br />

episcopais levarem muito tempo<br />

para serem preenchidas. Em parte<br />

porque a Igreja ouvia opiniões de<br />

todos os lados, em parte também<br />

porque era bonito mostrar sua sabedoria<br />

sendo lenta nas grandes ocasiões.<br />

Assim incutia confiança na maturidade<br />

de seus juízos. De maneira<br />

que se passaram muitos meses durante<br />

os quais tínhamos essa interrogação:<br />

quem seria o Arcebispo de<br />

São Paulo?<br />

Em 1939 estourou a Guerra<br />

Mundial, o que consolidou muito a<br />

ditadura no Brasil. De outro lado, a<br />

industrialização se acentuou a partir<br />

desse ano, dando origem a dois<br />

fenômenos: a inflação e o surto de<br />

ACMSP (PF-02-04-06)<br />

ACMSP (PF-02-04-07)<br />

Funerais de D. Duarte. Em destaque, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

13


Em Defesa da Ação Católica<br />

Library of Congress (Washington DC, USA)<br />

uma classe nova enriquecida nas indústrias,<br />

a qual começou a desbancar<br />

os paulistas tradicionais. Desta<br />

maneira, naquele ano começou a<br />

se dar uma grande revolução social<br />

que deveria se acentuar progressivamente.<br />

Nisto, morre Pio XI 10 , que era<br />

quem podia nomear o sucessor de<br />

D. Duarte. E ficaram vacantes ao<br />

mesmo tempo o Papado e a sede arquiepiscopal<br />

de São Paulo.<br />

Foi preciso, então, aguardar a<br />

eleição do novo Pontífice – foi eleito<br />

Pio XII 11 – para que este elegesse<br />

o sucessor de D. Duarte.<br />

“Dias duros nos esperam…”<br />

Pio XI e Pio XII<br />

Em determinado momento, alguém<br />

me avisa que a rádio estava<br />

dando o nome do novo Arcebispo<br />

de São Paulo: D. José Gaspar<br />

d’Afonseca e Silva 12 .<br />

Eu soube que a tal roda de moças<br />

da Ação Católica ficou esfuziante<br />

de alegria. D. José estava<br />

em Itanhaém, passando férias, e<br />

elas seguiram imediatamente para<br />

lá a fim de felicitá-lo. Resolvi descer<br />

também àquela cidade litorânea<br />

para congratular o Arcebispo. Ele<br />

me acolheu com muita amabilidade,<br />

mas notei que toda a simpatia ia<br />

para o outro lado. Quando elas se<br />

aproximavam, ele ficava vivaz, alegre,<br />

divertido. Quando eu estava<br />

perto com o pessoal do Legionário,<br />

ele tomava um ar tristonho, distante<br />

e cerimonioso. Pensei: “Dias duros<br />

nos esperam…”<br />

Ao mesmo tempo notei que o<br />

presidente da Ação Católica brasileira,<br />

Tristão de Ataíde – meu fraternal<br />

amigo, com quem me correspondia<br />

com frequência – começava<br />

a mudar também e a tomar as diretrizes<br />

novas. Veio-me a seguinte reflexão:<br />

“Eu ainda tenho importantes restos<br />

de prestígio e de influência, e<br />

grande renome. Ou jogo tudo agora<br />

numa batalha, ou estou perdido.<br />

Quer dizer, preciso conservar junto<br />

ao novo Arcebispo um cargo e uma<br />

situação que me permitam lentamente<br />

ir abrindo seus olhos para ver<br />

que espécie de movimento ele está<br />

apoiando de modo involuntário. E,<br />

Joachim Specht<br />

por esta forma, através<br />

da autoridade dele,<br />

procurar conter esses<br />

erros. Para isso, o<br />

meio que tenho é de<br />

me fazer nomear presidente<br />

da Ação Católica<br />

de São Paulo. Mas,<br />

vontade de me designar<br />

ele não tem. Como posso<br />

fazer? O único jeito é<br />

mostrar-me muito sentido<br />

em relação a ele,<br />

como de fato estou. De<br />

maneira que ele, tendo<br />

o receio de começar<br />

seu governo fazendo ficar<br />

magoado um homem<br />

com as repercussões que<br />

trago atrás de mim, me<br />

nomeie presidente da<br />

Ação Católica.”<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> eleito Presidente<br />

da Ação Católica<br />

Fui até o secretário dele – chamava-se<br />

Pe. Rolim, e era um desses homens<br />

incumbidos de receber recados<br />

–, sentei-me ao seu lado e ele me<br />

perguntou:<br />

— Então, o senhor está tão contente<br />

com a nomeação de seu amigo,<br />

o Sr. Arcebispo, não?<br />

Mas era já sondagem que ele fazia.<br />

Respondi:<br />

— Olhe, Pe. Rolim, aqui para o<br />

senhor, como meu íntimo amigo, devo<br />

dizer que não.<br />

— Mas como?<br />

— Eu noto uma grande reserva<br />

da parte do Sr. Arcebispo em relação<br />

ao Legionário e a mim, pois<br />

ele possui um temperamento profundamente<br />

diferente do nosso.<br />

Ele supõe que tudo se conquista<br />

com um sorriso e que os adversários<br />

da Igreja, à força de bons agrados,<br />

passam a ser amigos. Quem<br />

sustenta a respeito dos inimigos da<br />

Igreja essa posição deve achar que<br />

um jornal como o Legionário e um<br />

14


I. Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja<br />

ACMSP (PF-03-01-13)<br />

homem como eu, tão combativos,<br />

estragamos tudo, pois azedamos<br />

aqueles que, por meio de um sorriso,<br />

ele poderia conquistar. Compreendo<br />

que a nosso respeito ele<br />

tome a mesma atitude de um homem<br />

que está recebendo visitantes<br />

e tem um cachorro bulldog solto no<br />

jardim. Para a festa dar bom resultado,<br />

a primeira providência é pôr<br />

focinheira. Assim, a primeira preocupação<br />

dele deve ser de tolher a<br />

nossa combatividade e, portanto,<br />

fazer cessar a nossa atividade, acabar<br />

conosco. Em última análise, tenho<br />

a impressão de que nós não temos<br />

mais nada a fazer sob o governo<br />

arquidiocesano dele.<br />

Outra providência que tomei foi<br />

me aproximar de um jovem padre,<br />

chamado Antônio de Castro Mayer,<br />

íntimo amigo do Arcebispo 13 . Com<br />

jeito, chamei a atenção do Pe. Mayer<br />

a respeito das tendências da Ação<br />

Católica e das simpatias do novo Arcebispo<br />

para com elas.<br />

Dom José Gaspar, Arcebispo de São Paulo<br />

D. Antônio de Castro Mayer, recém-sagrado Bispo<br />

Tanto o Pe. Mayer quanto<br />

o Pe. Rolim falaram com<br />

o Arcebispo. O lance deu o<br />

resultado esperado. Dali a<br />

pouco D. José Gaspar mandou-me<br />

um convite para falar<br />

com ele:<br />

— <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, eu pretendo<br />

constituir a Ação Católica<br />

aqui em São Paulo e gostaria<br />

que o senhor fosse o<br />

presidente e me indicasse<br />

os membros da diretoria.<br />

— Como não, Sr. Arcebispo!<br />

Com todo gosto. Eu<br />

estou aqui para servi-lo.<br />

Introduzi o pessoal todo<br />

do Legionário na Ação Católica<br />

e ele aceitou. Acima<br />

de mim estava o Pe. Mayer<br />

como assistente eclesiástico,<br />

em seguida vinha eu como<br />

presidente, depois o vice-presidente,<br />

secretário, tesoureiro.<br />

É preciso dizer que minha intenção,<br />

sobre a qual me debrucei<br />

de corpo e alma, era de<br />

esclarecer o Arcebispo sobre<br />

a situação, realizar todo<br />

o possível para levá-lo a colaborar<br />

para o bem da Santa<br />

Igreja e fazer da Ação Católica<br />

uma grande instituição<br />

expurgada desses elementos<br />

que a tinham infiltrado.<br />

Tudo o que li, o quanto<br />

procurei ser amável com D.<br />

José prestando-lhe toda espécie<br />

de serviços em várias<br />

áreas para lhe dar a segurança<br />

de poder contar ilimitadamente<br />

comigo, e como<br />

fui para ele um bom amigo,<br />

tudo isso comprova que eu<br />

transbordava de boas intenções<br />

para com ele.<br />

Ainda que ele não me nomeasse<br />

presidente da Ação<br />

Católica e tivesse sido injustíssimo<br />

comigo, mas não tivesse<br />

prestado à Igreja nenhum<br />

desserviço, só por ser ele quem<br />

era – o meu Arcebispo – eu teria sido<br />

fidelíssimo a ele. Esta é uma coisa segura.<br />

Por um ressentimento pessoal,<br />

eu nunca faria nada contra ele, nem<br />

sequer deixaria de servi-lo inteiramente<br />

como servi. Não tinha perigo!<br />

Com a graça de Nossa Senhora, posso<br />

dizer: meu estado de alma era este.<br />

Ademais, se D. José Gaspar me<br />

prometesse todas as honrarias, mas<br />

quisesse que eu prestasse um desserviço<br />

à Ação Católica – mesmo sem<br />

dar-se conta de se tratar de um prejuízo<br />

–, para isso ele não podia contar<br />

comigo. Quer dizer, no centro estava<br />

quem sempre deve estar: a Santa<br />

Igreja Católica Apostólica Romana.<br />

O que eu fiz neste sentido é inenarrável<br />

e era minha obrigação.<br />

Denúncias e desavenças<br />

Tiveram início as reuniões da diretoria,<br />

para as quais íamos ao Palácio<br />

Episcopal São Luís. Em uma delas,<br />

o Arcebispo nos recebeu em sua<br />

saleta e nos perguntou:<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

15


Em Defesa da Ação Católica<br />

Divulgação<br />

Visita dos membros do Legionário a D. José Gaspar, no Palácio Episcopal São Luís.<br />

Em primeiro plano, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, dirigindo a palavra ao Arcebispo<br />

— Então, como vamos?<br />

— Vamos bem.<br />

— Que novidades, que ideias trazem?<br />

— Sr. Arcebispo, nós viemos trazer<br />

a V. Ex.ª um projeto de regulamento<br />

para a Ação Católica.<br />

— Ah, sei.<br />

Em determinado momento, entramos<br />

no assunto modas.<br />

— As saias devem ser abaixo dos<br />

joelhos e as moças não podem deixar<br />

de andar com meias.<br />

— É verdade, não é…?<br />

O “é verdade” dito por ele significava<br />

que não era verdade. Pausa...<br />

todos na sala em suspense, então ele<br />

continuou:<br />

— Nossa Senhora, entretanto,<br />

não usava meias.<br />

— É verdade, Sr. Arcebispo – repliquei<br />

–, Ela usava túnicas até os pés.<br />

Ele deu um suspiro profundo. Essas<br />

eram mais ou menos todas as<br />

reuniões: desinteligências e dúvidas.<br />

Um dia, o Pe. Mayer o procurou<br />

e disse:<br />

— Sr. Arcebispo, o meu desentendimento<br />

com esse setor feminino da<br />

Ação Católica é tão grande que peço<br />

a V. Ex.ª escolher: elas ou eu.<br />

E apresentou um relatório das<br />

ideias sustentadas por elas.<br />

D. José Gaspar entendeu que tirar<br />

o Pe. Mayer correspondia a me<br />

tirar também. Ora, o Pe. Mayer e eu<br />

tínhamos muito prestígio, e o Arcebispo<br />

viu que não daria certo. Então<br />

respondeu:<br />

— Bem, então se quiser demitir,<br />

demita.<br />

O Pe. Mayer não fez cerimônias.<br />

Foi à sede delas, reuniu-as e disse:<br />

— As senhoras estão demitidas.<br />

— Mas, como demitidas?<br />

— É isso. As senhoras agora deixam<br />

de fazer parte da diretoria, para a<br />

qual estão designadas outras pessoas.<br />

A partir de então, a diretoria do<br />

setor feminino seria composta por<br />

moças que tinham mudado de orientação<br />

e tomado as doutrinas sérias<br />

adotadas pelo grupo do Legionário.<br />

Tentativas de Contra-<br />

-Revolução: Escolas<br />

de formação para a<br />

Ação Católica<br />

Nós apresentamos a D. José um<br />

relatório no qual analisávamos a situação<br />

do apostolado leigo em São Paulo<br />

e as imensas possibilidades de desenvolvimento<br />

que este possuía. Com<br />

base nisso, submetemos à apreciação<br />

16


I. Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja<br />

do Arcebispo o seguinte plano: constituir<br />

uma espécie de faculdade de caráter<br />

superior, que tomasse os católicos<br />

mais inteligentes, dedicados, abnegados<br />

e com espírito mais aberto,<br />

formá-los e lançá-los em grande linha<br />

sobre o laicato católico, muito numeroso<br />

naquele tempo.<br />

Tratava-se de selecionar os mais<br />

fervorosos para uma alta formação,<br />

dando-lhes – em um curso regular,<br />

com um número determinado de aulas<br />

por semana – noções a respeito<br />

do senso católico, dos problemas da<br />

Igreja em nossos dias, as táticas, as<br />

lutas, um pouco de História eclesiástica,<br />

incutindo-lhes o entusiasmo pela<br />

Igreja.<br />

Daríamos o curso e os<br />

participantes iriam espalhando<br />

as ideias no meio<br />

das suas respectivas associações,<br />

com a convicção<br />

de que cada membro<br />

deveria trazer para o seu<br />

movimento o maior número<br />

possível de adeptos.<br />

Estes deveriam, depois,<br />

organizar campanhas sistemáticas<br />

contra a depravação<br />

dos costumes e contra<br />

o comunismo que entrava.<br />

Ou seja, fazer a<br />

Contra-Revolução.<br />

Essa iniciativa deveria<br />

ser concebida não como<br />

um substituto, mas<br />

um complemento do Movimento<br />

Católico existente,<br />

com vistas a incrementá-lo<br />

e orientá-lo. Portanto,<br />

não era para destruir<br />

nada, mas completar e<br />

ampliar algo de excelente<br />

que já existia, levando-<br />

-o ao seu pleno aproveitamento<br />

para a realização<br />

desse plano.<br />

A meta era agir sobre<br />

o Movimento Católico do<br />

Brasil inteiro, inclusive<br />

seminários e, portanto,<br />

o futuro clero, para levá-lo a compreender<br />

a situação e a querer empenhar<br />

todas as forças nessa direção,<br />

de molde a embeber de nossos<br />

propósitos e da visão desse panorama<br />

uma massa grande de gente que<br />

já possuía elementos de uma mentalidade<br />

assim, mas que se tratava<br />

de desenvolver com vistas a brecar<br />

e fazer mudar de rumo a classe dirigente.<br />

Isso deveria criar nas classes superiores<br />

a constatação de um fato consumado:<br />

as camadas social e economicamente<br />

inferiores não funcionavam<br />

como uma espécie de bólido<br />

que levava a sociedade para o comunismo,<br />

mas constituíam uma força<br />

D. José Gaspar no Palácio Episcopal São Luís<br />

ativa e saudável no sentido oposto à<br />

imoralidade na qual se encontravam<br />

as elites sociais.<br />

Por outro lado, na classe alta –<br />

que eu conhecia bem, palmo a palmo<br />

– havia gente com um fundo de<br />

simpatia não confessada pela moralidade<br />

da qual dava mostras a juventude<br />

católica da pequena e média<br />

burguesia. Isso fazia com que esses<br />

simpatizantes fossem a retaguarda<br />

do jet set 14 na sua marcha avançada<br />

para a corrupção.<br />

Com uma ação bem coordenada<br />

junto a essa retaguarda, poder-se-<br />

-ia realizar uma Contra-Revolução,<br />

cujo ponto de partida seria a tal escola<br />

de Ação Católica.<br />

ACMSP (PF-03-01-13)<br />

Relegado um plano<br />

que poderia ter<br />

salvado o Brasil<br />

Por aí se nota até que<br />

ponto levamos nossa dedicação<br />

a D. José e à Causa<br />

da Igreja Católica. Para a<br />

glória do pontificado dele,<br />

eu não saberia apresentar<br />

um plano melhor. Por certo,<br />

se ele tivesse consentido,<br />

seu pontificado teria<br />

ficado inscrito na História.<br />

Creio, sem exagero,<br />

que teria sido talvez o<br />

maior sucesso apostólico<br />

da Igreja em nosso século,<br />

tão boas eram as condições<br />

de São Paulo para<br />

chegar a este fim.<br />

Se desse certo, o Brasil<br />

acabaria se transformando,<br />

conservadas as atuais<br />

instituições, numa grande<br />

nação católica inteiramente<br />

fechada ao comunismo<br />

e às suas formas de penetração:<br />

a dissolução dos<br />

costumes, as reformas e a<br />

revolução. Tenho certeza<br />

de que a realização disso<br />

teria salvado o Brasil.<br />

17


Em Defesa da Ação Católica<br />

Entretanto, apresentado o projeto,<br />

D. José não o aprovou nem reprovou,<br />

deixou tudo mais ou menos no ar.<br />

Percebi, com isso, a completa inviabilidade<br />

do plano e deixei-o de lado.<br />

Declaração de princípios<br />

da Ação Católica<br />

No ano de 1940 D. José já se encontrava<br />

instalado e a luta velada entre<br />

nós estava começando a se definir.<br />

Em determinado momento, levamos<br />

a ele uma declaração de princípios<br />

a respeito da Ação Católica,<br />

pedindo-lhe sua aprovação.<br />

Lemos o documento para D. José<br />

e o nosso objetivo era o seguinte: se<br />

ele aprovasse, seria obrigado a aceitar<br />

um conjunto de princípios que<br />

justificava a nossa política e, então,<br />

não poderia romper conosco. Se rejeitasse,<br />

pôr-se-ia como inimigo dessa<br />

orientação e se desmascararia.<br />

Apresentamos essa declaração<br />

durante uma reunião da Junta Arquidiocesana<br />

da Ação Católica num<br />

ambiente de muita cortesia, mas pesado<br />

de cortar com faca. D. José<br />

Gaspar, com o olhar perdido no vago,<br />

perguntou ao Pe. Mayer:<br />

— Bem, o senhor<br />

quer mesmo publicar<br />

isso aí?<br />

— Parece-me uma<br />

coisa verdadeira – respondeu<br />

o Pe. Mayer.<br />

— Se lhe parece assim,<br />

publique em seu<br />

nome.<br />

O que significava:<br />

“Arque com as consequências,<br />

eu não tenho<br />

nada com isso.” Era<br />

um modo de se esquivar<br />

e de fazer cair sobre<br />

nós toda a responsabilidade.<br />

Naturalmente,<br />

se não fosse de<br />

arcebispo para nós e<br />

sim de igual para igual,<br />

nós diríamos: “Tenha<br />

Divulgação<br />

paciência! O senhor está desejando<br />

um disparate. O assistente eclesiástico<br />

é seu representante e não pode<br />

publicar em nome dele um documento<br />

que o Arcebispo não quer.<br />

Ou o Arcebispo quer, ou não quer.”<br />

Mas o Pe. Mayer disse:<br />

— Está bem.<br />

No dia seguinte, saiu pelos jornais:<br />

“De ordem do Sr. Arcebispo<br />

Metropolitano…”<br />

Primeiros escândalos<br />

litúrgicos em Taubaté<br />

Em meio a essa conjuntura fomos<br />

servidos por um acontecimento em<br />

Taubaté. Havia lá um grupo de padres<br />

litúrgicos, os quais levaram a sarabanda<br />

a tal ponto que chegaram a realizar<br />

os atos de culto de um modo quase comunista.<br />

Eles faziam cerimônias da seguinte<br />

forma: não celebravam mais as<br />

Missas nos altares, mas em redor de<br />

uma mesa de copa, para ser caracteristicamente<br />

mesa, colocando-a no centro<br />

da nave, com todos os bancos afastados<br />

e cadeiras em volta, como numa<br />

refeição. Ali se dava a celebração, com<br />

todo o pessoal sentado em torno, para<br />

dar ideia de um banquete.<br />

Monsenhor João José de Azevedo<br />

Nenhuma imagem no local, a<br />

não ser um pequeno crucifixo sobre<br />

a mesa, porque o Código de Direito<br />

Canônico obriga. A comunidade<br />

cristã reunida em torno do padre,<br />

deputado pela comunidade, para<br />

oferecer o sacrifício. Na hora do<br />

Ofertório, todos os que iam comungar<br />

levavam uma partícula na mão<br />

para que o padre consagrasse.<br />

Acrescentavam-se a isso os ditos<br />

incríveis de membros da Ação Católica,<br />

sustentando que todos eles deveriam<br />

frequentar lugares de perdição;<br />

enfim, loucuras de todo tamanho.<br />

No tempo em que a cidade era<br />

pequena, esses desmandos puseram<br />

Taubaté em polvorosa.<br />

Ataque ao Movimento<br />

Litúrgico<br />

Nessa ocasião, a sede episcopal de<br />

Taubaté ficou vacante e foi eleito, por<br />

coincidência, um amigo meu, Mons.<br />

João José de Azevedo 14 , vigário de<br />

Pindamonhangaba. Era um homem<br />

decidido, perspicaz, inteligente.<br />

O braço direito de Mons. João era<br />

um padre de São José dos Campos,<br />

Mons. Ascânio Brandão 16 . Foi essa<br />

dupla que deu o primeiro<br />

golpe frontal no<br />

Movimento Litúrgico<br />

no Brasil. A coisa foi<br />

assim:<br />

Mons. Ascânio era<br />

capelão de uma congregação<br />

religiosa feminina<br />

diocesana de Taubaté,<br />

Irmãzinhas de Maria<br />

Imaculada. Foi fundada<br />

por uma de minhas primas,<br />

Madre Teresa, que<br />

eu conheço muito pouco.<br />

Ela chamou Mons.<br />

Ascânio e lhe perguntou<br />

se ele não estava<br />

notando algo esquisito<br />

naquele grupo. Mons.<br />

Ascânio deu-se conta<br />

dos muitos desvios<br />

18


I. Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja<br />

U.S. Navy / USS Ticonderoga (CV-14)<br />

Acima, Porta-aviões USS Essex, prestes a ser atingido por um<br />

kamikaze, em novembro de 1944. Ao lado, Porta-aviões USS<br />

Bunker Hill atingido por um kamikaze, em maio de 1945<br />

e, homem de consciência reta, espírito<br />

tradicional, em desacordo com<br />

os abusos que estavam sendo praticados,<br />

começou a intervir advertindo<br />

alguns daqueles padres, os quais não<br />

aceitavam a advertência, negando<br />

que a conduta deles estivesse errada.<br />

Mons. Ascânio escreveu imediatamente<br />

ao Núncio contando o ocorrido.<br />

Na próxima reunião do episcopado<br />

paulista, D. José Gaspar não esperava<br />

que estourasse o caso. Mons.<br />

João compareceu como vigário capitular<br />

e anunciou ter para contar<br />

um caso do Movimento Litúrgico na<br />

Diocese de Taubaté. Pegou uma carta<br />

na qual Mons. Ascânio narrava esses<br />

fatos, além de uma série de outros<br />

relatórios, e leu na reunião.<br />

Para não agravar a situação, resolveram<br />

fazer apenas uma circular ao<br />

clero da Província contando aos padres<br />

os abusos litúrgicos de Taubaté,<br />

mas recomendando que nada fosse<br />

dito aos leigos. Com isso punham<br />

uma pedra para evitar novos escândalos.<br />

Entretanto, esse documento<br />

nos servia nas conversas<br />

com D. José,<br />

pois dizíamos: “Sr.<br />

Arcebispo, veja como<br />

foi bom! V. Ex.ª conseguiu<br />

atalhar isso na Arquidiocese<br />

com as medidas<br />

que nos permitiu tomar na<br />

Ação Católica. Isso foi uma coisa<br />

excelente.” Ele não dizia nada...<br />

Esse fato também concorreu para<br />

preparar a mentalidade do Núncio a<br />

nosso respeito, de maneira a ele compreender<br />

a gravidade do problema.<br />

Decisão de desferir o golpe:<br />

o livro “Kamikaze”<br />

Eu notava que a corrente oposta ia<br />

crescendo cada vez mais, não só em<br />

São Paulo, mas no Brasil, e penetrando<br />

nos seminários, tomando influência<br />

no clero, enfim, entrando como<br />

uma torrente em todos os lados.<br />

Percebi, num relance só, o seguinte:<br />

se nós demorássemos para atacá-<br />

-los, acabariam levando para o lado<br />

deles todo o mundo, inoculando sua<br />

mentalidade. Ou eu denunciava toda<br />

a trama para a maioria ingênua que,<br />

tomando a sério os esmagaria pela<br />

recusa, ou ela se deixaria dominar<br />

completamente. Existia um só meio<br />

de conter a gangrena: criar um escândalo.<br />

Criado esse escândalo, muitos<br />

ficariam atemorizados e recuariam.<br />

Essa gente não se uniria a nós, mas<br />

também não aderiria a eles. Ficaria<br />

com uma interrogação na cabeça.<br />

Tornava-se, pois, urgente preparar<br />

uma denúncia monumental, que<br />

não podia ser feita num artigo de<br />

jornal ou de revista, porque tantos<br />

eram os fatos a mencionar e os argumentos<br />

a dar, que só mesmo redigindo<br />

um livro.<br />

19


Em Defesa da Ação Católica<br />

Eu tinha em mira um<br />

único objetivo, explicitamente<br />

declarado no meu<br />

trabalho: defender as prerrogativas<br />

do Episcopado e<br />

do clero contra as doutrinas<br />

falsas existentes em certos<br />

meios católicos, e que tinham<br />

por efeito hipertrofiar<br />

as atribuições do laicato, em<br />

detrimento da divina constituição<br />

da Igreja Católica.<br />

Para isso, era necessário<br />

que eu estivesse disposto<br />

a sofrer perseguições, calúnias,<br />

detrações, a ser esmagado,<br />

a jogar-me como<br />

um kamikaze. A minha posição<br />

de líder católico ficaria<br />

arrasada. Mas se eu não<br />

desse esse passo, eles o dariam<br />

mais adiante, porque,<br />

como eu não estava disposto<br />

a ceder diante da Revolução,<br />

eles me liquidariam<br />

de qualquer jeito. Então<br />

era melhor eu começar o<br />

fogo e iniciar a batalha enquanto<br />

ainda tivesse soldados;<br />

do contrário, chegaria<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

o momento em que tudo em torno de<br />

mim estaria gangrenado e não contaria<br />

com ninguém de senso contrarrevolucionário<br />

para acompanhar a boa<br />

orientação.<br />

O sentido do livro era um SOS, a<br />

ideia de que, denunciando essa desordem<br />

ao clero inteiro, suas partes<br />

sãs se levantariam para protestar, e<br />

esse começo de incêndio dentro da<br />

Igreja seria abafado, com o sacrifício<br />

de minha pessoa, pois passaria a ser<br />

mal visto. Mas pouco me incomodava<br />

minha pessoa; estava defendendo<br />

nossa causa, pelejando pela Igreja.v<br />

1) Conjunto de movimentos políticos e<br />

sociais cristãos que tentavam inocular<br />

nos meios católicos doutrinas de<br />

inspiração marxista, dissimuladas sob<br />

os temas da justiça social e caridade<br />

cristã.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> por ocasião da bênção e inauguração das novas rotativas<br />

da Editora Ave-Maria em São Paulo, em 3 de maio de 1939<br />

2) Alceu Amoroso Lima (*1893 -<br />

†1983), conhecido pelo pseudônimo<br />

de Tristão de Ataíde.<br />

3) Movimento que propagava entre os<br />

fiéis um incremento à vida litúrgica,<br />

considerando como inúteis e defasadas<br />

todas as demais formas tradicionais<br />

da piedade privada.<br />

4) Movimento fundado em 1929 pelo<br />

Papa Pio XI visando ampliar a influência<br />

da Igreja no laicato católico,<br />

com base na Doutrina Social da Igreja.<br />

Ao longo destas páginas se poderá<br />

contemplar a luta de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para<br />

manter ileso o ideal proposto pelo<br />

Papa, contra os desvios realizados em<br />

nome do mesmo Movimento.<br />

5) Do francês: intenção velada.<br />

6) Adèle de Lhoneux, belga, veio ao<br />

Brasil para dar impulso às iniciativas<br />

de ação social e lecionar cursos<br />

de formação social, frequentados pelo<br />

que havia de mais seleto na juventude<br />

católica feminina de São Paulo e<br />

do Rio de Janeiro.<br />

7) D. Sebastião Leme da<br />

Silveira Cintra (*1882 -<br />

†1942).<br />

8) D. José Gaspar d’Afonseca<br />

e Silva (*1901 - †1943).<br />

9) D. Duarte Leopoldo e<br />

Silva (*1867 - †1938).<br />

10) A 10 de fevereiro de<br />

1939.<br />

11) A 2 de março de 1939.<br />

12) Dia 29 de julho de 1939.<br />

13) Antônio de Castro<br />

Mayer (*1904 - †1991). Em<br />

1940, foi nomeado assistente<br />

geral da Ação Católica<br />

em São Paulo. Um ano<br />

depois tornou-se Cônego<br />

do Cabido Metropolitano e<br />

em 1942 Vigário Geral da<br />

Arquidiocese de São Paulo.<br />

Devido à sua grande influência<br />

na Arquidiocese, tornou-se<br />

amigo de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />

também muito atuante nos<br />

meios católicos da época.<br />

Em 1948 foi sagrado Bispo<br />

da Diocese de Campos,<br />

no Rio de Janeiro. Anos<br />

mais tarde assumiria uma<br />

posição doutrinária tradicionalista<br />

e se aproximaria<br />

de Mons. Marcel Lefebvre.<br />

Apoiando este último, participou<br />

da ordenação episcopal em<br />

Écône, Suíça, a 30 de junho de 1988,<br />

a qual incorreu em excomunhão latæ<br />

sententiæ. Por essa época <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> já<br />

havia se distanciado e rompido amizade<br />

com D. Mayer.<br />

14) Do inglês, expressão usada na década<br />

de 1950 para designar as pessoas<br />

de uma classe social mais elevada.<br />

15) Mons. João José de Azevedo (*1898<br />

- †1976). Vigário da Paróquia Nossa<br />

Senhora do Bom Sucesso durante 52<br />

anos, em Pindamonhangaba.<br />

16) Mons. Ascânio Brandão (*1901 -<br />

†1956). Exerceu os cargos de Secretário<br />

de D. Epaminondas Nunes<br />

d’Ávila e Silva, Diretor Espiritual<br />

do Seminário Diocesano e do Ginásio<br />

Diocesano, na cidade de Taubaté.<br />

Foi também vigário da Paróquia<br />

de São Dimas, em São José dos Campos,<br />

fundador e diretor do Jornal e<br />

Gráfica São Dimas e orientador das<br />

Pequenas Missionárias de Maria Imaculada.<br />

20


II<br />

Horizonte carregado de<br />

oposições e ameaças<br />

Zooey (CC BY-SA 2.0)<br />

Visita de um sacerdote italiano<br />

Quando vi que a questão estava<br />

azedando cada vez mais, dei-me conta<br />

de que deveria sondar a Nunciatura<br />

Apostólica no Rio, para ver o que<br />

o Núncio pensava a respeito de todo<br />

esse assunto.<br />

Neste sentido exerceu um papel<br />

muito importante um sacerdote,<br />

cuja aproximação de nós constituiu<br />

um dos episódios mais rocamboles-<br />

cos de todo esse assunto. Refiro-me<br />

a um padre jesuíta, italiano de Veneza,<br />

chamado Pe. César Dainese.<br />

Certo dia, tendo encerrado meu expediente<br />

de advocacia, vi entrar um<br />

padre baixinho, com uma carinha muito<br />

esperta, uns olhinhos reluzentes. Eu<br />

me aproximei dele, nos apresentamos<br />

e, ao ouvir o seu nome, lembrei-me<br />

tratar-se do Diretor das Congregações<br />

Marianas do Rio de Janeiro; mas não<br />

nos conhecíamos pessoalmente.<br />

Bilbioteca do Colégio São Luís<br />

Pe. César Dainese, SJ<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com membros do Legionário, por ocasião de um retiro na<br />

fazenda dos jesuítas em Itaici, em meados da década de 1940<br />

Percebi estar em presença de um<br />

homem todo feito de subtileza e de<br />

uma espécie de timidez, mas espertíssimo,<br />

agilíssimo. Passamos para a<br />

minha sala e eu disse:<br />

— Padre, faça o favor, sente-se. O<br />

que o senhor deseja?<br />

Durante toda a conversa ele não<br />

me fitou, embora eu olhasse para ele<br />

naturalmente, como quaisquer pessoas<br />

que conversam.<br />

Ele me perguntou:<br />

— O senhor é presidente da Ação<br />

Católica em São Paulo, não?<br />

— Sou sim, Pe. Dainese.<br />

— Eu queria saber do senhor uma<br />

coisa... O senhor está encontrando dificuldades<br />

aqui em São Paulo, não é?<br />

— Estou.<br />

21


Em Defesa da Ação Católica<br />

ACMSP<br />

D. Benedetto Aloisi Masella, Núncio Apostólico no<br />

Brasil, num dos eventos do Congresso Eucarístico<br />

— O senhor quereria me dizer<br />

bem exatamente o que tem em mente<br />

com a sua atuação desenvolvida à<br />

testa da Ação Católica em São Paulo?<br />

Porque ela vai criando uma divisão<br />

dentro da Ação Católica brasileira<br />

inteira, e eu quereria saber<br />

qual é o objetivo que o senhor tem<br />

em vista.<br />

Pensei: “Esse homem é mandado<br />

por outrem. Ele não veio me fazer<br />

essa interpelação só da cabeça dele.<br />

Mas é muito esperto e experiente. A<br />

primeira atitude que devo tomar para<br />

este padre me dar apoio é não fazer<br />

o papel de bobo e perguntar-lhe<br />

quem o mandou falar comigo. Ele<br />

vai me dar a entender isso aos poucos.”<br />

Entendi que o melhor seria jogar<br />

o todo pelo todo e me abrir com<br />

ele, e lhe respondi:<br />

— Pe. Dainese, vou ser franco<br />

com o senhor. A situação é a seguinte:<br />

trata-se de uma corrente com<br />

uma doutrina errada, que pretende<br />

destruir toda a autoridade eclesiástica,<br />

a Moral e as devoções tradicionais<br />

da Igreja, e colocar no lugar<br />

uma religião feita de pagodeiras,<br />

de toda sorte de prazeres, de concessões<br />

ao mundo, em última análise,<br />

uma religião que reproduz o Modernismo<br />

condenado pelo Papa Pio<br />

X. Eu me sinto profundamente chocado<br />

e luto contra isso. Pode ser que<br />

eu seja esmagado nesse embate, mas<br />

eu lutarei até o fim porque essa luta<br />

é pela Igreja Católica.<br />

Ele foi ouvindo tudo<br />

e disse:<br />

— É, o senhor tem<br />

toda a razão e merece<br />

verdadeiramente<br />

apoio. O senhor nunca<br />

procurou informar<br />

a ninguém?<br />

Então lancei a minha<br />

rede:<br />

— Pe. Dainese, eu<br />

moro em São Paulo e<br />

tenho pouca oportunidade<br />

de ir ao Rio.<br />

A quem eu dirigiria<br />

minhas informações<br />

seria o Núncio Apostólico,<br />

mas me falta<br />

quem sirva de instrumento<br />

de ligação<br />

com ele.<br />

— Algo eu posso<br />

dizer.<br />

— Então, padre,<br />

eu poderia fazer para<br />

o senhor um relatório<br />

e daqui a algum<br />

tempo apareço<br />

na Nunciatura Apostólica<br />

para conversarmos.<br />

— Pois não. Então<br />

o senhor faça assim.<br />

Um encontro com o<br />

Núncio, patrocinado<br />

pelo Pe. Dainese<br />

Dois ou três dias depois, o relatório<br />

estava seguindo para o Rio pelo<br />

correio. Passado algum tempo veio<br />

um recado do Pe. Dainese.<br />

— Olha, aquele personagem gostaria<br />

de conversar com o senhor.<br />

— Quando?<br />

— Ele passa essa semana toda<br />

aqui no Rio. O senhor pode vir<br />

quando quiser.<br />

Foi nessa ocasião que pude conhecer<br />

pessoalmente o Núncio Apostólico,<br />

D. Benedetto Aloisi Masella 1 .<br />

Com pouco mais de sessenta anos,<br />

de família nobre da Itália, homem de<br />

altura mediana, claro, com um rosto<br />

um pouco quadrado, os traços muito<br />

regulares, cabelos já brancos, corado,<br />

atitudes muito distintas, sumamente<br />

reservado, era um típico diplomata.<br />

Toquei à porta da Nunciatura e me<br />

apresentei:<br />

— Sou o <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira,<br />

desejo falar com o Sr. Núncio.<br />

— Ah, ele o espera.<br />

Entrei, havia uma sala de visitas<br />

grande, tudo arranjado à maneira de<br />

um palácio. O Núncio entrou, muito<br />

amável, apresentou-me o anel para<br />

beijar, depois me chamou:<br />

— Venha comigo.<br />

E me fez entrar para uma segunda<br />

sala de visitas menor, também bem<br />

arranjada, feita evidentemente para<br />

confidências. Sentou-se no sofá e me<br />

perguntou:<br />

— Caro Doutor, o que o senhor<br />

tem para me dizer?<br />

Ele me ouviu impassível durante<br />

o tempo inteiro. A fisionomia dele<br />

não mudou nada. Nem um gesto<br />

de aprovação, nem de desaprovação.<br />

Um diplomata perfeito.<br />

No final, ele disse:<br />

— É, precisamos rezar muito. O<br />

senhor reze muito, eu vou rezar muito<br />

também.<br />

22


II. Horizonte carregado de oposições e ameaças<br />

Mas o que os lábios<br />

não proferiam, os olhos<br />

diziam. O olhar era sumamente<br />

complacente,<br />

amável, como quem me<br />

dava a entender, assim<br />

meio por debaixo do pano,<br />

que ele atuaria.<br />

Voltei para São Paulo<br />

e seguiu-se uma série<br />

de novos encontros com<br />

o Pe. Dainese, com novas<br />

informações de minha<br />

parte, que iam naturalmente<br />

para a Nunciatura.<br />

Nomeação do<br />

Côn. Mayer como<br />

Vigário Geral<br />

De repente chega<br />

a notícia de que estavam<br />

tentando destituir<br />

o Côn. Mayer da função<br />

de assistente eclesiástico<br />

da Ação Católica.<br />

Derrubando-o, derrubavam<br />

a mim. Que eu<br />

perdesse o cargo, não tinha<br />

importância nenhuma.<br />

O católico foi feito<br />

para ser despojado. Mas<br />

a questão era quem viria<br />

no lugar.<br />

Telefonei para o Pe. Dainese.<br />

Contei o caso, ele me disse:<br />

— Está bem, vamos ver o que há<br />

para fazer.<br />

Algum tempo depois, eu estava<br />

dando aula na Faculdade Sedes<br />

Sapientiæ 2 , quando uma freirinha<br />

veio me dizer que havia um padre<br />

do Rio de Janeiro querendo falar<br />

comigo ao telefone, com muita<br />

urgência. Fui “voando” ao telefone,<br />

e ele, sem dizer seu nome, perguntou:<br />

— Como vai passando?<br />

Percebi bem que ele não queria<br />

que desse o nome dele. Eu disse:<br />

— Bem, e o senhor como está?<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com o Pe. Mariaux e alguns membros<br />

do Legionário, na década de 1940<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

— Bem. Olhe aqui, se o seu amigo<br />

receber um convite para ser promovido,<br />

diga que não recuse.<br />

— Pode estar certo de que eu digo<br />

para não recusar.<br />

Dois ou três dias depois, o Côn.<br />

Mayer me diz:<br />

— Você não imagina que coisa<br />

curiosa se passou. O Arcebispo me<br />

promoveu. Convidou-me para ser Vigário<br />

Geral da Arquidiocese de São<br />

Paulo. Segundo as instruções do Dainese,<br />

respondi logo que sim.<br />

A Nunciatura, sabendo que D.<br />

José ia demitir o Côn. Mayer, mandou-lhe<br />

um daqueles recados bonitos,<br />

como se faziam naqueles tempos.<br />

Provavelmente foi<br />

assim:<br />

“Sr. Arcebispo, cumprimentando<br />

V. Exa.<br />

com todo respeito e afeto,<br />

tenho a alegria de felicitar-vos<br />

pelo excelente<br />

Assistente Geral da<br />

Ação Católica que V.<br />

Exa., com tanta sabedoria,<br />

designou. Uma pergunta<br />

me passa pela cabeça:<br />

não seria melhor<br />

aproveitar esse ótimo<br />

auxiliar nomeando-o Vigário<br />

Geral?”<br />

Era uma ordem. Porque<br />

naquele tempo as<br />

coisas funcionavam assim.<br />

De maneira que em<br />

vez de vir a degringolada,<br />

veio a promoção.<br />

Era o cargo-chave para<br />

eu poder dar a bombarda<br />

que eu queria.<br />

Um novo e importante<br />

contato: Pe.<br />

Walter Mariaux<br />

Outro sacerdote jesuíta<br />

de quem recebi<br />

importante apoio foi<br />

o Pe. Walter Mariaux,<br />

alemão da Renânia,<br />

descendente de protestantes franceses<br />

expulsos da França por Luís<br />

XIV, mas que não tinha mais nada<br />

do espírito protestante de seus antepassados.<br />

Conhecemo-nos por ocasião de<br />

uma conferência católica a que fui<br />

convidado. Na saída, aproximaram-<br />

-se de mim dois sacerdotes amigos<br />

meus e me apresentaram o Pe. Mariaux<br />

que os acompanhava, dizendo:<br />

— Pe. Walter Mariaux, vindo recentemente<br />

de Roma. Foi Diretor<br />

Mundial das Congregações Marianas<br />

e agora está viajando pela América<br />

do Sul à escolha de um lugar para<br />

se fixar. E nós estamos fazendo<br />

23


Em Defesa da Ação Católica<br />

Divulgação<br />

Jacques Maritain<br />

o possível para ele se fixar aqui no<br />

Brasil.<br />

Quando ouvi falar de Roma,<br />

meus ouvidos se aguçaram e logo<br />

pensei: “Aproveitável, porque para<br />

essa batalha preciso ter apoio em<br />

Roma.”<br />

Cumprimentamo-nos e ele foi me<br />

dizendo logo que apreciava muito o<br />

Legionário, cujos artigos transcrevia<br />

no boletim das Congregações Marianas,<br />

quando estava em Roma. E<br />

acrescentou:<br />

— Eu vim a São Paulo só para falar<br />

com o senhor. Não seria possível<br />

termos um encontro em um desses<br />

dias?<br />

Vi logo tratar-se de uma relação<br />

muito importante para adquirir.<br />

Respondi que, claro, era possível nos<br />

encontrarmos e marquei o encontro<br />

em minha casa.<br />

No dia e hora marcados, ele apareceu<br />

e começamos a conversar a<br />

respeito de diversos temas relacionados<br />

com o liberalismo, erro contra<br />

o qual ele era muito alerta. Tratamos<br />

sobre Jacques Maritain 3 , filósofo<br />

de esquerda católica, então muito<br />

em voga no Brasil, na França e no<br />

mundo inteiro, contra quem escrevíamos<br />

muitos artigos no Legionário, e<br />

o Pe. Mariaux acompanhava tudo isso.<br />

Enfim, concordávamos em gênero,<br />

número e caso, e ficamos muito<br />

amigos.<br />

Repercussões dos relatórios<br />

enviados a Roma<br />

Para preparar o lance contra a<br />

corrente errada, tive de ler suas publicações<br />

e ir, assim, me documentando.<br />

Então combinei com o Pe.<br />

Pe. Arturo Alonso, SJ, provincial<br />

citado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Biblioteca do Colégio São Luís<br />

Mariaux um certo modo de fazer<br />

chegar aos mais altos páramos de<br />

Roma, ou seja, à mesa do Papa Pio<br />

XII, as queixas sobre a situação em<br />

São Paulo. De maneira que, além do<br />

conduto até a Nunciatura, havia outro<br />

até o próprio Papa, e este funcionava<br />

mesmo, como atesta o seguinte<br />

episódio.<br />

Certo dia recebi um convite de um<br />

provincial de uma Ordem Religiosa<br />

que me dizia ter chegado da Europa<br />

e precisava falar comigo com urgência,<br />

mas estava de cama, doente,<br />

e não podia vir até mim. Combinamos<br />

a hora e fui.<br />

Encontrei-o deitado na cama. Recebeu-me<br />

muito amavelmente e eu<br />

indaguei pela saúde dele. Depois me<br />

disse:<br />

— O senhor sabe, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o<br />

mundo é pequeno e eu sei de uns relatórios<br />

contra este pobre padre provincial;<br />

e esses relatórios estão sobre<br />

a mesa do Santo Padre...<br />

Ele abriu os braços em forma de<br />

cruz e continuou:<br />

— ...crucificando o pobrezinho do<br />

padre provincial. O senhor acha que<br />

foi justo comigo?<br />

Respondi:<br />

— Estou vendo que o senhor leu<br />

o relatório. Pergunto ao senhor: tem<br />

ali algum argumento dado contra o<br />

senhor que seja falso? Algum fato<br />

errado? Algo que não esteja bem raciocinado?<br />

Se houver, estou disposto<br />

a dar a mão à palmatória… Meu caro<br />

Padre Provincial, lamento se minha<br />

interrogação fizer mal para sua<br />

saúde. Eu quero sua saúde, mas amicus<br />

Plato, sed magis amica veritas.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no Viaduto do Chá, em<br />

meados da década de 1940<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

24


II. Horizonte carregado de oposições e ameaças<br />

É um dito latino: “Platão pode ser<br />

nosso amigo, mas a verdade é mais<br />

amiga do que Platão.” O que queria<br />

dizer: o senhor pode ser meu amigo,<br />

mas eu sou mais amigo da verdade<br />

do que do senhor.<br />

E continuei:<br />

— No que é que eu errei? No que<br />

informei mal? Não era o caso de ter<br />

chegado ao conhecimento do Santo<br />

Padre aquilo que foi dito no relatório?<br />

— É, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, nem tudo é lógica,<br />

muita coisa na vida é coração.<br />

— Padre Provincial, é exatamente<br />

com o que eu não estou de acordo.<br />

O coração contra a lógica não vale<br />

nada. Um coração contra a lógica<br />

é um coração torto e errado. Ou lógica<br />

ou nada.<br />

— É, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, eu lamento. Então<br />

nós não podemos nos entender.<br />

Despedimo-nos e nunca mais nos<br />

vimos. Mas eu fiquei encantado de<br />

ver que o conduto chegava e que Pio<br />

XII tinha mandado chamá-lo para<br />

prestar contas.<br />

Um livro-denúncia<br />

O terreno estava preparado para<br />

desfechar o golpe, o qual se punha<br />

no meu espírito da seguinte maneira:<br />

eu estava vendo que, com ou sem<br />

o Núncio, nossa situação com D. José<br />

Gaspar não se sustentaria por<br />

muito tempo. Ele era o Arcebispo<br />

e o Núncio não poderia manter durante<br />

muito tempo essa situação artificial.<br />

Caindo nós em São Paulo, os<br />

desvios da Ação Católica – que estavam<br />

já penetrando torrencialmente<br />

em todo o resto do Brasil – encontrariam<br />

campo livre.<br />

O único jeito de criar uma atmosfera<br />

de resistência a essa corrente<br />

era produzir um escândalo que<br />

denunciasse todo o mal feito pela<br />

Ação Católica e deixasse claro que<br />

nós éramos contrários a esses erros.<br />

De maneira que nós, quando depostos,<br />

fôssemos imolados in odium fidei<br />

4 para o Brasil inteiro, e todos<br />

Pio XII em 1940<br />

que tivessem um pouco de espírito<br />

de fé compreendessem o que estava<br />

acontecendo e se mantivessem<br />

ao nosso lado. Assim, mesmo na<br />

oposição, poderíamos continuar a<br />

ter uma corrente a nosso favor. Do<br />

contrário, ficaríamos completamente<br />

isolados.<br />

Eu quis, portanto, aproveitar o<br />

cargo e as honras de presidente, enquanto<br />

ainda os possuía, para dar<br />

um grande golpe antes de cair. E<br />

pensei: “Eu faço um livro denunciando<br />

toda essa corrente, solto com<br />

um prefácio do Núncio e envio para<br />

o Santo Padre Pio XII. Vamos ver o<br />

que acontece. Ao menos não dou um<br />

tiro de louco, mas de um combatente<br />

que sabe como e contra quem deve<br />

atirar.<br />

v<br />

1) Benedetto Aloisi Masella (*1879 -<br />

†1970), criado Cardeal por Pio XII<br />

em 1946, foi Núncio Apostólico no<br />

Chile entre 1919 e 1927, e no Brasil<br />

entre 1927 e 1954, data na qual<br />

foi nomeado Arcipreste da Basílica<br />

de São João de Latrão e Prefeito da<br />

Congregação para a Disciplina dos<br />

Sacramentos. Exerceu também a função<br />

de Camerlengo da Santa Igreja<br />

Romana desde 1958 até a sua morte.<br />

2) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras<br />

Sedes Sapientiæ, pertencente às<br />

Cônegas de Santo Agostinho.<br />

3) Filósofo francês (*1882 - †1973).<br />

4) Do latim: por ódio à Fé.<br />

AP (CC3.0)<br />

25


Flávio Lourenço<br />

C<br />

alendário<br />

Santa Cunegundes<br />

1. Beata Joana Maria Bonomo,<br />

abadessa (†1670). Ingressou na Ordem<br />

de São Bento aos quinze anos de<br />

idade. Dotada de carismas místicos,<br />

recebeu também os estigmas, experimentando<br />

no corpo e na alma as dores<br />

do Divino Redentor.<br />

2. São Tróades, mártir († 250).<br />

Martirizado durante a perseguição de<br />

Décio; teve como testemunha de sua<br />

história São Gregório Taumaturgo.<br />

Santa Inês de Praga, virgem (†1282).<br />

3. Santa Cunegundes, imperatriz<br />

(†1039). Esposa de Santo Henrique II,<br />

imperador do Sacro Império Romano-<br />

-Germânico, com o qual, de comum<br />

acordo, viveu a perfeita castidade dentro<br />

da vida matrimonial. Sua vida foi<br />

marcada pela piedade, boas obras e,<br />

sobretudo, pelo zelo em propagar a Fé<br />

por toda a Europa. Após o falecimento<br />

de Henrique, retirou-se para a abadia<br />

beneditina de Kaffungen, onde viveu<br />

uma vida austera. Foi sepultada na<br />

Catedral de Bamberg, junto aos restos<br />

mortais de seu esposo.<br />

4. São Casimiro, príncipe (†1484).<br />

dos Santos – ––––––<br />

Beatos Miecislau Bohatkiewicz,<br />

Ladislau Mackowiak e Estanislau<br />

Pyrtek, presbíteros e mártires<br />

(†1942). Na Polônia, durante a Segunda<br />

Guerra Mundial, foram presos<br />

e fuzilados por professarem a Fé.<br />

5. II Domingo da Quaresma.<br />

6. São Fridolino, abade (†s. VIII).<br />

Oriundo da Irlanda, peregrinou através<br />

da Gália e chegou a Säckingen,<br />

Alemanha, onde fundou dois mosteiros<br />

em honra de Santo Hilário.<br />

Santa Rosa de Viterbo, virgem<br />

(†1252). Religiosa da Ordem Terceira<br />

de São Francisco.<br />

7. Santas Perpétua e Felicidade,<br />

mártires (†203).<br />

Santo Ardão Smaragdo, presbítero<br />

(†843). Companheiro de São Bento<br />

de Aniano na vida cenobítica.<br />

8. São João de Deus, fundador<br />

(†1550).<br />

São Provino, bispo (†420). Fiel discípulo<br />

de Santo Ambrósio; preservou<br />

com solicitude a diocese que governava<br />

da heresia ariana.<br />

9. Santa Francisca Romana, viúva<br />

e fundadora (†1440).<br />

São Domingos Sávio, leigo (†1857).<br />

Aluno e filho espiritual de São João<br />

Bosco. Faleceu pouco antes de completar<br />

15 anos de idade.<br />

10. Beato Elias do Socorro Nieves,<br />

presbítero e mártir (†1928). Membro<br />

da Ordem dos Frades de Santo Agostinho.<br />

Por exercer o ministério sacerdotal<br />

durante a perseguição, foi fuzilado<br />

numa estrada próxima à cidade<br />

de Celaya, México.<br />

11. Santos Trófimo e Tales, mártires<br />

(†308).<br />

São Constantino da Escócia, rei e<br />

mártir (†s. VI). Quando era soberano<br />

de Cornwall, levou uma vida escandalosa,<br />

afastada dos Mandamentos. Ao<br />

se converter, fez penitência em um<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

mosteiro irlandês e, retornando à Escócia,<br />

tornou-se propagador do Santo<br />

Evangelho sob a direção de São Columba,<br />

sendo aí martirizado por pagãos<br />

que odiavam a verdadeira Fé.<br />

12. III Domingo da Quaresma.<br />

Santa Rosa de Viterbo<br />

Beata Fina ou Serafina, virgem<br />

(†1253). Nasceu em San Gimignano,<br />

na Itália. Aos 10 anos foi acometida<br />

por uma grave doença que a deixou<br />

paralítica e chagada. Aceitou os sofrimentos<br />

com extraordinária paciência<br />

e mansidão, dando também exemplo<br />

de piedade e virtude, exortando a<br />

todos os que a visitavam a serem devotos<br />

da Paixão de Nosso Senhor e de<br />

Nossa Senhora. Faleceu aos 15 anos.<br />

13. São Piêncio, bispo (†s. VI). Bispo<br />

de Poitiers, auxiliou a Rainha Santa<br />

Radegunda na construção do Mosteiro<br />

da Santa Cruz.<br />

Santa Cristina da Pérsia, mártir<br />

(†559). Recebeu a coroa do martírio<br />

no tempo de Cosroes I, rei dos persas.<br />

26


––––––––––––––––– * Março * ––––<br />

14. Beata Eva de Mont Cornillon,<br />

virgem (†1265). Íntima amiga de Santa<br />

Juliana de Mont Cornillon; foi confidente<br />

de suas experiências místicas<br />

e, após a morte dela, deu continuidade<br />

aos trabalhos para a instituição da<br />

festa de Corpus Christi.<br />

15. Santa Luísa de Marillac, viúva<br />

(†1660). Fundadora do Instituto das<br />

Filhas da Caridade.<br />

Santa Leocrícia, virgem e mártir<br />

(†859). Filha de uma família muçulmana<br />

de Córdova, Espanha. Pelo<br />

apostolado de sua parenta, Santa Liliosa,<br />

converteu-se ao Cristianismo<br />

ocultamente. Ao descobrirem, seus<br />

pais tentaram persuadi-la a voltar ao<br />

islamismo. Abandonou sua casa refugiando-se<br />

em um lugar secreto. Foi<br />

detida enquanto visitava Santo Eulógio,<br />

o qual a precedeu no martírio.<br />

16. Beatos João Amias e Roberto<br />

Dalby, presbíteros e mártires (†1589).<br />

Condenados à pena capital durante o<br />

reinado de Elisabeth I, da Inglaterra,<br />

por serem sacerdotes católicos.<br />

17. São Patrício, bispo (†461).<br />

Apóstolo da Irlanda.<br />

Santa Gertrudes de Nivelles, abadessa<br />

(†659). Negando-se a contrair<br />

matrimônio, tomou o sagrado véu das<br />

virgens e ingressou no mosteiro fundado<br />

por sua mãe. Ainda muito jovem<br />

foi eleita abadessa, dando grande<br />

exemplo de virtude, dedicando-se<br />

com ardor ao estudo das Sagradas Escrituras<br />

e à contemplação.<br />

18. São Cirilo de Jerusalém, bispo<br />

e Doutor da Igreja (†386).<br />

Beata Marta (Amata) Le Bouteiller,<br />

virgem (†1883). Religiosa da Congregação<br />

das Escolas Cristãs da Misericórdia.<br />

19. IV Domingo da Quaresma.<br />

20. Solenidade de São José, Esposo<br />

da Virgem Maria e Padroeiro da Igreja<br />

(† s. I). Transferida do dia 19.<br />

Beato Francisco de Jesus Maria e<br />

José (Francisco Palau y Quer), presbítero<br />

(†1872). Sacerdote carmelita descalço,<br />

místico e exorcista. Depois de<br />

suportar graves perseguições em seu<br />

ministério e ser acusado falsamente,<br />

foi mandado para a ilha de Ibiza, onde<br />

ficou abandonado por todos. Fundou<br />

as Carmelitas Missionárias Teresianas<br />

e as Irmãs Carmelitas Missionárias.<br />

Morreu em Tarragona, Espanha.<br />

21. Santo Agostinho Zhao Rong<br />

ou Tchao Suong, presbítero e mártir<br />

(†1815). Sendo guarda de cristãos<br />

encarcerados, converteu-se e tornou-<br />

-se sacerdote. Durante a perseguição<br />

em Sichuan, China, foi preso e morto.<br />

22. Santos Calínico e Basilissa,<br />

mártires (†s. inc.). Realizavam grandes<br />

obras de caridade, fato pelo qual<br />

se descobriu que seguiam o Cristianismo.<br />

Receberam a palma do martírio<br />

na Galácia.<br />

23. São Toríbio de Mongrovejo,<br />

bispo (†1606). Natural da Espanha,<br />

foi enviado à América para a sede<br />

episcopal de Lima, Peru. Percorria<br />

com frequência sua vasta diocese, velando<br />

incansavelmente pelo rebanho<br />

a ele confiado. Combateu os desvios e<br />

escândalos do clero.<br />

24. São Mac Cairthind, bispo<br />

(†s. V). Governou a diocese de Clogher,<br />

Irlanda. Acredita-se que tenha<br />

sido discípulo de São Patrício.<br />

25. Solenidade da Anunciação do<br />

Senhor.<br />

26. V Domingo da Quaresma.<br />

27. Beato Peregrino de Falerone,<br />

presbítero (†1232). Foi um dos primeiros<br />

discípulos de São Francisco de Assis.<br />

28. Beata Renata Maria Feillatreau,<br />

leiga e mártir (†1794). Durante a<br />

Revolução Francesa prestou auxílio<br />

aos sacerdotes não juramentados, ra-<br />

zão pela qual foi presa. Ao ser interrogada,<br />

confessou com valentia sua<br />

Fé católica, sendo por isso guilhotinada<br />

no mesmo dia.<br />

29. São Ludolfo, bispo e mártir<br />

(†1250). Bispo de Ratzeburg, Alemanha,<br />

foi confinado em um pequeno<br />

cárcere por defender com intrepidez<br />

a liberdade da Igreja. Morreu pouco<br />

tempo depois de ser posto em liberdade,<br />

devido à saúde deteriorada pelas<br />

privações sofridas na prisão.<br />

30. São João Clímaco, abade (†649).<br />

Santa Osburga, abadessa (†c. 1018).<br />

Primeira abadessa do mosteiro feminino<br />

de Coventry, na Inglaterra. No século<br />

XV foi nomeada padroeira da cidade.<br />

31. Beata Joana de Toulouse, virgem<br />

(†s. XV). De família nobre, retirou-se<br />

para viver nas proximidades do<br />

convento carmelita de Toulouse, onde<br />

levou uma vida santa. É provável que<br />

professasse a regra do Carmo como faziam<br />

outras conversas de seu tempo.<br />

Beata Joana de Toulouse<br />

Flávio Lourenço<br />

27


Em Defesa da Ação Católica<br />

U.S. Navy(CC3.0)<br />

III<br />

O lance profético<br />

Porta-aviões USS St. Lo sendo<br />

atingido por um kamikaze,<br />

em 25 de outubro de 1944<br />

ntão escrevi e publiquei o livro<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

um pouco como kamikaze,<br />

indo de encontro ao colosso<br />

que eu divisava, certo de que tudo<br />

explodiria, mas ao menos muitas<br />

pessoas ficariam assustadas e o gelo<br />

que viria depois haveria de brecar o<br />

movimento da Ação Católica.<br />

Persuasão, alertas, estudos…<br />

Foi uma dificuldade imensa persuadir<br />

disso meus primeiros irmãos<br />

no Movimento Católico, porque este<br />

se afigurava a um manso lago azul.<br />

Já era difícil falar em conjuração<br />

anticristã fora dos meios católicos,<br />

quanto mais mostrar que isso existia<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com membros do grupo do Legionário, na sede<br />

da Rua Martim Francisco, em março de 1945<br />

nos ambientes sacrossantos, na cidade<br />

de Deus, a Igreja Católica, e que<br />

ali teria entrado uma coisa imunda<br />

como essa.<br />

Para a redação do livro foi preciso<br />

ler os documentos pontifícios.<br />

Mandei vir a coleção da Bonne Presse,<br />

desde Leão XIII até Pio XI, inclusive.<br />

Assim, ao mesmo tempo em que<br />

eu lia os documentos pontifícios a<br />

28


III. O lance profético<br />

serem usados no livro, ia colhendo<br />

os fatos e falando com os mais íntimos<br />

para provar a eles que o problema<br />

existia. Dirigi-me a inúmeros. E<br />

apenas tiveram a glória de estar nas<br />

primeiras horas, ao meu lado, aqueles<br />

que vieram a ser o elemento inicial<br />

do grupo do Legionário. Os outros<br />

tinham medo, fugiam, se dispersavam.<br />

Somente esse punhado permaneceu<br />

fiel, mas com quantas explicáveis<br />

e dolorosas vacilações...<br />

Na tranquilidade da<br />

praia de Santos<br />

Quando fiquei com a doutrina toda<br />

na cabeça, resolvi passar um mês<br />

em Santos para redigir o livro. Eu<br />

não poderia redigi-lo em São Paulo,<br />

porque, embora o grupo do Legionário<br />

fosse pequeno, todos tinham necessidade<br />

de se apoiarem em mim<br />

porque era uma luta nova. Isso consumia<br />

um tempo enorme e, para escrever<br />

um livro, não podia ser assim.<br />

Pensei, então, em ir a um lugar<br />

próximo, agradável – e agradável para<br />

mim é sinônimo de mar –, onde<br />

eu pudesse trabalhar com tranquilidade,<br />

mas dispusesse de ligações telefônicas<br />

muito fáceis com minha<br />

mãe em São Paulo. Eu tinha muito<br />

pouco dinheiro e, por isso, decidi ir<br />

a Santos, onde a viagem e os telefonemas<br />

são baratos, e hospedar-me<br />

num bom hotel que ficava perto do<br />

cais. Chamava-se Hotel Santos, que<br />

é uma velha tapera hoje, desabitada,<br />

apenas infestada, creio eu, pelos fantasmas<br />

noturnos da corrupção santista<br />

ou visitada pelos Anjos que presidiram<br />

a confecção do Em Defesa<br />

da Ação Católica.<br />

Próximo ao hotel, havia um braço<br />

de mar onde se desenrolava uma<br />

cena muito pitoresca: o movimento<br />

das docas, os navios estrangeiros que<br />

chegavam ou partiam, um trem que<br />

percorria as docas de ponta a ponta<br />

levando os trabalhadores e as mercadorias<br />

descarregadas das embar-<br />

Alguns apontamentos<br />

tomados por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

ao longo de seus estudos<br />

sobre os documentos<br />

pontifícios<br />

29


Em Defesa da Ação Católica<br />

Marc Ferrez(CC3.0)<br />

cações, tudo isso me distraía. Santos<br />

era a principal praça de café do Brasil<br />

naquele tempo e aquele hotel era<br />

muito bom para os negociantes que<br />

chegavam à cidade. Não havia nada<br />

de mundano, mas possuía salões<br />

grandes, confortáveis onde eu podia<br />

sossegadamente trabalhar.<br />

Submetendo a obra à<br />

análise de eclesiásticos<br />

Terminada a redação, submeti o livro<br />

à revisão de quatro censores eclesiásticos:<br />

Mons. Mayer, Pe. Sigaud,<br />

Pe. Mariaux e Pe. Dainese, que não<br />

encontraram nada objetável do ponto<br />

de vista doutrinário.<br />

Vista panorâmica do porto de Santos<br />

A cópia enviada ao Pe. Dainese<br />

voltou do Rio de Janeiro tendo uma<br />

folha avulsa dentro com os seguintes<br />

dizeres manuscritos: “Livro admirável,<br />

de uma utilidade incomparável<br />

para a Igreja no momento atual...”<br />

E tecia outros elogios, mas sem<br />

se comprometer, pois não assinava<br />

nem dizia referir-se ao meu livro.<br />

Mostrei ainda a dois beneditinos,<br />

meus amigos, D. Paulo Pedrosa, antigo<br />

pároco da Igreja de Santa Cecília,<br />

e D. Teodoro Kok 1 , e os convidei<br />

para jantarem em minha casa a fim<br />

de confabularmos sobre o que achavam<br />

do livro.<br />

D. Teodoro disse-me que não via<br />

nada contra a Doutrina Católica, exceto<br />

um ponto no qual eu dizia que<br />

os Exercícios Espirituais constituíam<br />

o modo próprio de meditar para todos<br />

os fiéis. Segundo ele, isso era um<br />

exagero. Eu lhe disse que ele não havia<br />

reparado, pois a tinta da máquina<br />

de escrever estava meio apagada,<br />

mas aquela afirmação encontrava-se<br />

toda entre aspas, pois era uma citação<br />

de uma encíclica de Pio XI. Tendo<br />

visto as aspas, reconsiderou:<br />

— Não está aqui quem falou.<br />

Menciono a participação desses<br />

dois beneditinos na revisão do livro<br />

mostrando a cordialidade com que<br />

eu os tratava, para se compreender<br />

a gravidade das acusações feitas logo<br />

depois 2 .<br />

Acontece que D. Pedrosa tinha<br />

uma orientação profundamente oposta<br />

à minha, mas era coisa virtual e implícita<br />

nele. Não revelava claramente.<br />

Os atritos entre ele e mim tinham sido<br />

muito numerosos durante todo o tempo<br />

em que ele era assistente eclesiástico<br />

da Associação de Jornalistas Católicos.<br />

É preciso dizer que eu o estimava<br />

sinceramente e o tratei com a maior<br />

consideração com que se possa tratar<br />

uma pessoa. Nunca realizei, como presidente<br />

da Ação Católica, um ato sem<br />

Arquivo <strong>Revista</strong> / ACMSP (PF-05-03-22)<br />

Pe. Geraldo de Proença Sigaud, SVD, D. Paulo Pedrosa, OSB e D. Teodoro Kok, OSB<br />

30


III. O lance profético<br />

consultá-lo, embora eu não tivesse a<br />

mínima obrigação, pois ele era assistente<br />

eclesiástico de um setor e eu<br />

presidente da Junta Arquidiocesana.<br />

Lembro-me de que, quando<br />

os mal-entendidos entre<br />

nós estavam muito grandes,<br />

com algumas intrigas pelo<br />

meio, combinei com ele<br />

e D. Teodoro que nunca<br />

um de nós tomaria atitude<br />

contra o outro sem antes<br />

avisar e consultar para<br />

ver se a divergência podia<br />

ser desfeita.<br />

Obtenção do<br />

prefácio, conversas<br />

com um hábil jesuíta<br />

Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />

Núncio Apostólico<br />

D. Benedetto Aloisi Masella.<br />

Ao lado: fac-símiles de seu<br />

prefácio ao livro Em Defesa<br />

da Ação Católica<br />

Entretanto, eu me dava<br />

bem conta de que a publicação<br />

do livro seria um estouro<br />

do outro mundo e corresponderia<br />

à obra de um kamikaze. Eu destruiria<br />

o adversário, mas me destruiria<br />

também. Era, portanto, uma autoimolação.<br />

Marquei um encontro com o Pe.<br />

Dainese e lhe disse:<br />

— Pe. Dainese, não tenho a menor<br />

dúvida de que esse livro vá ser<br />

uma explosão e que com essa explosão<br />

eu me liquido. Estou disposto<br />

a essa liquidação se for em condições<br />

de representar uma bomba<br />

para o adversário. Porque, eu me liquidar<br />

em vão, não. Liquidar-me em<br />

proveito de nossa Causa, com toda<br />

a alegria. Esse livro só sairá se tiver<br />

um prefácio do Núncio Apostólico.<br />

Sem isso, o livro não sai.<br />

— Oh, mas com um prefácio do<br />

Núncio Apostólico, onde é que se<br />

viu…<br />

— É assim. Se não for, não sai.<br />

— Eu não sei, preciso falar com o<br />

Sr. Núncio.<br />

Algum tempo depois, encontramo-nos<br />

no Rio, na linda casa de retiros<br />

que os jesuítas tinham na Gávea.<br />

Ele era homem inteligente, mas nervoso.<br />

Era preciso saber tratá-lo, conversar<br />

muito com ele, distraí-lo, diverti-lo;<br />

quando ele estava no ponto,<br />

entrava-se com a questão.<br />

A certa altura da conversa, ele me<br />

disse:<br />

— O Núncio prometeu o prefácio.<br />

— Está perfeito, Pe. Dainese.<br />

Fiquei mais uns dois ou três dias<br />

no Rio. Em outro encontro, na Gávea,<br />

estávamos andando, um ao lado<br />

do outro, quando ele ponderou:<br />

— Sabe de uma coisa? Eu achava<br />

melhor não haver prefácio do Núncio.<br />

Porque com esse prefácio ninguém<br />

poderá escrever contra seu livro<br />

e seria muito melhor que saísse<br />

um estouro, e que todo mundo escrevesse<br />

contra.<br />

— Pe. Dainese, a coisa é sim ou<br />

não. Ou sai com o prefácio do Núncio<br />

ou não sai nada. Essa história de<br />

dizer que sai um estouro... Vão começar<br />

por fazer uma campanha de<br />

silêncio seguida de difamação oral<br />

contra mim, dizendo que meu livro<br />

não vai ter saída. Enquanto que com<br />

um prefácio do Núncio o livro tem<br />

saída. Eu me incumbo disso.<br />

— Bem, se o senhor quer, então<br />

chega o prefácio.<br />

É preciso dizer que o Pe. Dainese<br />

era um dos jesuítas mais pitorescos<br />

que conheci, muito parecido fisicamente<br />

com Santo Inácio de Loyola.<br />

Sutil, baixinho, com aquela vivacidade<br />

e capacidade de estar por toda parte,<br />

de se meter por tudo, de observar tu-<br />

31


Em Defesa da Ação Católica<br />

do, e aquele brilho que muitas vezes<br />

as pessoas bem pequenas têm. Dava a<br />

impressão do jesuíta da escola clássica,<br />

do tempo de Santo Inácio, jeitoso, cavador.<br />

Afinal, conseguiu o prefácio.<br />

Manifestações de amizade<br />

e os dois prefácios do<br />

Núncio Apostólico<br />

Por ocasião do Congresso Eucarístico<br />

Nacional de 1942 3 , o Núncio<br />

esteve em São Paulo e fomos fazer<br />

uma reportagem com ele. Em determinado<br />

momento, ele nos<br />

disse:<br />

— Eu gosto muito do<br />

Legionário. Deem-me um<br />

número do jornal que eu<br />

quero ser fotografado lendo<br />

um exemplar.<br />

Era um modo de fazer<br />

propaganda do Legionário<br />

e nos dar prestígio.<br />

Depois me disse que estava<br />

disposto a conceder o<br />

prefácio para o meu livro,<br />

de acordo com o pedido<br />

do Pe. Dainese, e para isso<br />

precisava lê-lo. Levei uma<br />

cópia datilografada para<br />

ele. Era um dossiê grande,<br />

ele segurou e disse:<br />

— Oh, mas quanta dedicação<br />

escrever tudo isso!<br />

E levou o livro para ler.<br />

Passado certo tempo,<br />

chega-me pelo correio um<br />

envelope da Nunciatura<br />

com o prefácio do Núncio<br />

acompanhado de uma carta<br />

do Pe. Dainese onde ele<br />

dizia: “O Sr. Núncio tomou<br />

conhecimento de seu livro e<br />

manda-lhe este prefácio...”<br />

Um prefácio curtinho e<br />

pouco expressivo, de quem<br />

quer empurrar as castanhas<br />

para dentro do fogo, mas<br />

sem queimar os dedos.<br />

Telefonei para o Rio de<br />

Janeiro:<br />

Divulgação<br />

D. José Gaspar no Palácio Episcopal<br />

— Pe. Dainese, recebi o prefácio<br />

do Núncio, mas o achei muito pouco<br />

significativo, e não me dá o apoio de<br />

que eu precisava.<br />

— Mas foi o que eu consegui.<br />

— Lamento, mas então o livro<br />

não vai sair. Porque, ou o livro contém<br />

um bom apoio do Núncio ou<br />

não há condições para publicá-lo,<br />

pois seria um sacrifício inútil.<br />

— Então não sei o que fazer.<br />

Mande-me de volta o prefácio.<br />

Eu mandei e dali a uns tantos dias<br />

chegou-me um novo prefácio contendo<br />

o mínimo, mas todo o indispensável<br />

para ser um apoio.<br />

Acrescentei o prefácio ao dossiê e<br />

pensei: “Agora é o momento de falar<br />

ao Arcebispo. Não posso publicar<br />

esse livro como presidente da Ação<br />

Católica sem consultá-lo.”<br />

Licença para o “imprimatur”,<br />

encontro com D. José Gaspar<br />

Pedi imediatamente uma audiência<br />

a D. José Gaspar e comuniquei-lhe<br />

meu desejo de ter o imprimatur dele<br />

para meu livro, uma vez<br />

que já possuía o prefácio do<br />

Núncio Apostólico.<br />

Ele perguntou quando e<br />

por que eu o tinha escrito.<br />

Respondi:<br />

— Fiquei tão preocupado<br />

com o destino de nossa<br />

querida Ação Católica,<br />

desde o momento em que<br />

foi preciso pôr fora aquelas<br />

diretorias eivadas de erro,<br />

que resolvi escrever este<br />

livro aproveitando as horas<br />

livres. De modo que representa<br />

um trabalho árduo.<br />

Eu cito centenas de documentos<br />

pontifícios. Quando<br />

expus a ideia ao Sr. Núncio,<br />

ele se interessou e deu o<br />

prefácio que eu pedi. Aqui<br />

está o prefácio.<br />

Evidentemente, dei-lhe<br />

uma cópia, tendo muito<br />

bem guardado o original.<br />

— Mas então o senhor<br />

escreveu este livro! Muito<br />

bem!<br />

— Sim, e peço a V. Ex.ª<br />

licença para publicar o livro<br />

enquanto Presidente<br />

da Junta Arquidiocesana<br />

da Ação Católica.<br />

Ele, muito amável, disse:<br />

— Está bem.<br />

Ficou tudo combinado<br />

e eu saí.<br />

32


III. O lance profético<br />

O Côn. Sílvio, mordomo<br />

do Palácio Arquiepiscopal,<br />

contou-me que<br />

na noite em que meu livro<br />

deu entrada no Palácio,<br />

o Arcebispo passou-<br />

-a em claro e o Cônego<br />

notou que D. José andou<br />

muito. De manhã, encontrou<br />

o dossiê de meu<br />

livro aberto.<br />

Um livro “mal<br />

escrito”…<br />

intervenção da<br />

Nunciatura<br />

No dia seguinte, D. José<br />

me chamou e tivemos<br />

um outro encontro.<br />

Recebeu-me mais amável<br />

do que nunca, dizendo<br />

ter lido o livro com o<br />

enorme interesse que consagrava<br />

à Ação Católica,<br />

e ficava bem provada minha<br />

grande dedicação por<br />

ter expendido, em meio a todas as minhas<br />

ocupações, tanto esforço para escrevê-lo.<br />

Mas a amizade por ele devotada<br />

a mim o levava a dizer que estava<br />

muito mal redigido. Além de confuso,<br />

pois não se entendia bem o que queria<br />

dizer, tinha um português muito ruim.<br />

E o pior era que o livro padecia de excesso<br />

de ideias. Por isso, ele achava não<br />

ser possível publicá-lo naquelas condições.<br />

E continuou:<br />

— Eu arranjei um doutor – não me<br />

disse o nome – que vai passar o livro<br />

por uma reforma completa: suprimir<br />

muitas ideias, pôr aquilo num estilo<br />

claro, aproveitando o essencial. Então,<br />

o senhor e eu juntos, com as correções<br />

desse professor de português, vamos<br />

remanipulando, fazendo um livro<br />

que esteja verdadeiramente bem, e o<br />

senhor poderá publicar em seu nome.<br />

Ora, é a maior injúria que se pode<br />

fazer ao autor de um livro. Mas tudo<br />

dito muito amavelmente.<br />

Pe. Mayer ao lado de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e mais<br />

alguns membros do Legionário<br />

Logo a mim, professor universitário<br />

com mais de trinta anos de idade,<br />

que tinha sido deputado, alguém<br />

dizer que meu livro estava confuso<br />

e inapresentável do ponto de vista<br />

do português, era uma coisa muito<br />

singular. Eu era considerado um dos<br />

professores mais claros da Faculdade<br />

de Direito. Meus artigos eram claríssimos.<br />

Algum tempo antes, o próprio<br />

D. José Gaspar, comentando com o<br />

Pe. Mayer um artigo meu do Legionário,<br />

havia dito: “Quando a gente lê os<br />

artigos do <strong>Plinio</strong>, desanima de escrever.<br />

Porque é tanta clareza, que depois<br />

tem-se medo de escrever uma<br />

coisa que fique confusa.”<br />

Por que logo aquele livro haveria<br />

de estar obscuro?<br />

Eu disse:<br />

— O que V. Ex.ª me diz me enche<br />

de surpresa, pois sou professor universitário<br />

há anos, escrevo correntemente,<br />

por exemplo, no Legionário, e<br />

me faço entender por todo<br />

o mundo. De modo<br />

que eu não compreendo,<br />

mas a opinião de V. Ex.ª<br />

é muito abalizada. Eu<br />

não a contradigo, apenas<br />

fico tomado de uma<br />

apreensão: esse processo<br />

que V. Ex.ª me propõe,<br />

quanto tempo tomará?<br />

— Vamos fazer uma<br />

coisa: eu vou lendo aos<br />

pouquinhos e pondo<br />

umas notas. Está bem?<br />

Tal era a ação de presença<br />

dele que eu me<br />

retirei da sala contente,<br />

sem perceber a cilada<br />

em que caíra. Saí pela<br />

Rua São Luís em direção<br />

à da Consolação<br />

e quando cheguei ao fim<br />

da grade do Palácio, parece<br />

que a ação de presença<br />

se desfez. Então<br />

pensei: “Meu Deus! Estou<br />

liquidado. Este negócio<br />

nunca mais sai.”<br />

Telefonei ao Pe. Dainese explicando-lhe<br />

as razões pelas quais o livro<br />

tinha encalhado. Mas, tomado<br />

de perplexidade diante da situação,<br />

escrevi-lhe uma carta contando<br />

pormenorizadamente o que estava<br />

acontecendo e pedindo a ele que falasse<br />

com o Núncio.<br />

Dias depois, chegava ao Palácio<br />

São Luís uma carta da Nunciatura<br />

mandando o Arcebispo entregar o<br />

livro à imprensa para ser publicado<br />

como estava.<br />

D. José Gaspar chamou Mons.<br />

Mayer e disse:<br />

— Mayer, eu estive vendo aqui este<br />

livro. Vamos mandar publicá-lo.<br />

Você leu o livro?<br />

— Sim, Sr. Arcebispo.<br />

— Bem, se você leu, então dê o<br />

imprimatur.<br />

— Pois não.<br />

Mons. Mayer redigiu o imprimatur:<br />

“De mandato Ecmi. ac Revmi.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

33


Em Defesa da Ação Católica<br />

ACMSP (AF-01-01-14)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante o Congresso Eucarístico<br />

Diocesano em Taubaté, em maio de 1942<br />

DD. Archiepiscopi Metropolitani… 4<br />

Mons. Antônio de Castro Mayer, Vigário<br />

Geral.” Entregou-me e mandei<br />

o livro para a tipografia do Coração<br />

de Maria para ser impresso. Dentro<br />

de algumas semanas me eram entregues<br />

os primeiros exemplares.<br />

Distribuição dos<br />

primeiros exemplares<br />

O diretor da Editora, um padre<br />

espanhol chamado Anastácio Vasquez<br />

5 , amigo nosso, contou que ele<br />

próprio sofreu várias ameaças da<br />

parte do pessoal da Ação Católica<br />

para não publicar o livro.<br />

Era uma edição de<br />

dois mil exemplares, que<br />

custou 5 contos. Naquele<br />

tempo era muito dinheiro<br />

e, sobretudo, o único<br />

depositado em banco<br />

que eu possuía. O doloroso<br />

era que, sendo eu<br />

responsável pela subsistência<br />

de meus pais, se<br />

houvesse alguma doença,<br />

eu não tinha dinheiro<br />

para resolver a situação.<br />

Mas confiei em Nossa<br />

Senhora e paguei o livro.<br />

Tão logo recebi os primeiros<br />

exemplares, tomei<br />

o cuidado de não os<br />

distribuir nas livrarias,<br />

mas guardei-os trancados<br />

em nossa sede. Eu<br />

via que o nosso adversário<br />

estava muito firmemente<br />

colocado em<br />

seus postos de comando<br />

e que, portanto, haveria<br />

de desenvolver uma reação<br />

no sentido de abafar<br />

tudo.<br />

Eu tinha mandado tirar<br />

uns cem ou duzentos<br />

exemplares com capa<br />

dura, um papel melhor<br />

para oferecer às pessoas<br />

mais seletas, mais distintas. E ofereci<br />

ao Núncio Apostólico, a D. José<br />

Gaspar, ao Tristão de Ataíde e aos<br />

sacerdotes que obtiveram o prefácio.<br />

Em seguida, tomei a iniciativa de<br />

distribuir o livro, primeiro a todos<br />

os bispos que supunha simpatizarem<br />

conosco, ou por terem manifestado<br />

essa simpatia ou por possuírem uma<br />

orientação parecida com a nossa.<br />

Primeiras vitórias,<br />

cartas de aprovação<br />

O Brasil é muito vasto e naquele<br />

tempo essa vastidão se fazia sentir<br />

ainda muito mais pela escassez de<br />

meios de comunicação. Por isso, era<br />

difícil que bispos residentes em regiões<br />

mais longínquas tivessem conhecimento<br />

do que se passava em São<br />

Paulo nesse caso da Ação Católica.<br />

Recebiam um livro com uma dedicatória<br />

muito amável, prefaciado pelo<br />

Núncio Apostólico, imprimatur<br />

da Cúria Metropolitana de São Paulo,<br />

de autoria do Presidente da Ação<br />

Católica e me mandavam lindas cartas<br />

de aprovação.<br />

Assim, eu não disse uma palavra<br />

sobre o livro até receber uma boa<br />

quantidade de respostas, porque ainda<br />

não havia campanha difamatória<br />

contra ele. Este se espalhava e os<br />

bispos enviavam cartas a favor.<br />

Eu comecei a receber pilhas de<br />

cartas dos bispos me felicitando pela<br />

publicação. Quando julguei ter recebido<br />

todas as respostas que haveriam<br />

de chegar, soltei o livro pelas livrarias,<br />

onde ele teve uma saída frenética.<br />

O burburinho foi medonho e,<br />

quando ele começou a ferver, o Legionário<br />

passou a publicar as cartas<br />

de aprovação. O adversário constatou<br />

que, ao entrar na luta, já estava<br />

com as mãos amarradas.<br />

Com a publicação das cartas de<br />

elogio, foi uma onda. Todo mundo<br />

se atirou em cima do livro. Até então<br />

eram só vitórias.<br />

Ousado lance cujo efeito<br />

repercutiu em todo o Brasil<br />

Não tardei a sentir a contraofensiva<br />

do adversário. Um dos primeiros<br />

indícios foram as reações de desacordo<br />

daqueles a quem eu mandei<br />

o livro e não me responderam. Descortesia,<br />

claro. Desaprovação, sem<br />

dúvida. Vontade de não se comprometer,<br />

é evidente. Atitudes de medo<br />

da parte de pessoas que, apesar<br />

de simpatizarem com o livro, não tinham<br />

coragem de descer até a arena<br />

para lutar comigo.<br />

34


III. O lance profético<br />

De outro lado, de algumas livrarias<br />

católicas começaram a telefonar<br />

dizendo que não queriam continuar<br />

a vender o livro. Evidentemente, era<br />

ordem dada para não venderem.<br />

Não obstante, o livro continuava<br />

a fazer seu caminho. Era exatamente<br />

o que eu queria e, portanto, no total<br />

me parecia que o lance avançava<br />

bem. Mas eu não deixava de fazer<br />

reflexões que iam muito além...<br />

Arrebentar uma coisa dessas na<br />

arquidiocese de São Paulo que, ao<br />

lado da do Rio de Janeiro, era a<br />

mais importante do Brasil, significava<br />

um fato gravíssimo dentro dos<br />

meios católicos.<br />

Ora, passando-se em São Paulo,<br />

interessava ao Brasil inteiro; logo,<br />

era natural que por todo o país se fizesse<br />

pressão, insistência e se manifestasse<br />

o desejo de que o caso fosse<br />

elucidado. O que<br />

não fosse isso revelava<br />

entre os<br />

bons uma moleza,<br />

uma falta de vontade<br />

de lutar – para<br />

dizer tudo em uma<br />

palavra só –, uma<br />

indiferença em relação<br />

ao destino da<br />

Igreja que me apavorava.<br />

E eu pensava com<br />

os meus botões: “Por<br />

onde anda a Igreja<br />

no Brasil? Onde está<br />

a dedicação? Onde o<br />

entusiasmo? Onde o<br />

desejo de defendê-la?<br />

Eu não percebo.”<br />

Mais ainda: se eu<br />

tinha razão, não era<br />

uma atitude facultativa<br />

minha ter tomado<br />

a posição que tomei.<br />

Se eu notava que todos<br />

aqueles que deveriam<br />

velar pela Igreja naquele<br />

impasse não estavam<br />

velando, era minha<br />

obrigação fazê-lo. Por isso,<br />

desci à liça. v<br />

(Continua no próximo<br />

número)<br />

1) Nome adotado na Ordem<br />

Beneditina por Svend Kok,<br />

antigo companheiro de<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na Congregação<br />

Mariana de Santa Cecília.<br />

2) Sobre isso, ver narração<br />

no próximo número.<br />

3) IV Congresso Eucarístico<br />

Nacional, realizado<br />

de 3 a 7 de setembro.<br />

4) Do latim: “Por mandato<br />

do Excelentíssimo e<br />

Reverendíssimo Senhor<br />

Arcebispo Metropolitano.”<br />

5) Pe. Anastácio Vasquez<br />

Alonso (*1895 -<br />

†1958).<br />

Cartas de elogio enviadas por bispos do<br />

Brasil parabenizando <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> pelo<br />

livro Em Defesa da Ação Católica<br />

35


Protetor da<br />

Vicente Henrique<br />

Santa Igreja<br />

Dentre as várias invocações a São José,<br />

exceção feita das que o mencionam<br />

diretamente ligado a Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, nenhuma é mais bonita<br />

do que a de Protetor da Santa Igreja Católica.<br />

De algum modo, o protetor simboliza<br />

aquilo que protege. Por isso, para a guarda<br />

de uma rainha, por exemplo, escolhem-se os<br />

mais capazes, que demonstraram maior coragem<br />

nas guerras, dando assim provas de<br />

maior dedicação à coroa.<br />

Por certo, o Anjo da Guarda da Igreja Católica<br />

é o maior da Corte Celeste, pois nenhuma<br />

criatura individualmente considerada<br />

tem a dignidade da Igreja, Corpo Místico<br />

de Cristo, que envolve todos os Santos e é a<br />

fonte da santidade deles.<br />

Assim, São José deve ser alguém tão alto,<br />

tão excelso a ponto de, por assim dizer, constituir<br />

o reflexo da Igreja que ele guarda e estar<br />

proporcionado a ela.<br />

Podemos então ter uma ideia da sublimidade<br />

do chamado de São José, considerando-o<br />

enquanto coidêntico com o espírito da<br />

Igreja Católica, exemplar prototípico e magnífico<br />

da mentalidade e das doutrinas dela.<br />

Vocação tão elevada que só se pode medir<br />

por este outro critério: o fato de ser Esposo de<br />

Nossa Senhora e Pai adotivo do Menino Jesus<br />

e, portanto, proporcionado a Eles.<br />

(Extraído de conferência de 19/3/1969)<br />

São José - Catedral Metropolitana<br />

de San José, Costa Rica

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